O pensamento de Kant e Rousseau sobre a educação: contribuições e divergências
Ana Carolina Sabino dos Santos
Pedagoga (Unifenas), mestranda em Educação (Unifal), bolsista Capes
Ellen Maria Santos Portela
Técnica florestal (IFBaiano), licenciada em Ciências Biológicas (UNEB - Câmpus X), mestranda em Educação (Unifal), bolsista da Fapemig
Elisa Fernanda Tardiole Alvim
Graduada em Pedagogia (Centro Superior de Ensino e Pesquisa de Machado), especialista em Gestão Escolar e Pedagogia Empresarial, professora e supervisora pedagógica no Colégio Universitário Unicol
Marcos Roberto de Faria
Bacharel e licenciado em Filosofia (PUC-Minas), mestre em Educação: História, Política, Sociedade (PUC-SP), doutor em Educação: História, Política, Sociedade (PUC-SP), professor associado do Instituto de Ciências Humanas e Letras (Unifal)
A educação é tema fundamental da Filosofia. Ao longo dos séculos, diversos filósofos se dedicaram a refletir sobre suas implicações e objetivos. Muitos são os pensadores que descrevem concepções sobre a educação, cada qual se inspira numa corrente pedagógica para desenvolver os seus tratados muitas vezes antagônicos entre si, porém todos partem de um ponto central: o que é educação?
Nesse contexto, dois nomes se destacam: Immanuel Kant e Jean-Jacques Rousseau. Ambos deixaram um legado importante no campo da Pedagogia e suas ideias ainda são discutidas e aplicadas atualmente. Kant, um dos principais representantes do Iluminismo, defendia uma educação voltada para o desenvolvimento da razão e da autonomia do indivíduo. Já Rousseau, em sua obra Emílio, propôs uma educação que levasse em conta as necessidades e as características naturais da criança.
Diante disso, o texto que aqui se propõe coloca em pauta esses dois grandes filósofos, discutindo sobre a concepção de Educação. As obras observadas serão Emílio e Sobre a Pedagogia, obras que retratam os pontos e contrapontos desses dois filósofos.
Kant & Rousseau: ideias educacionais em confronto
Considerado o pai da Pedagogia Moderna, J. Jacques Rousseau é uma das principais e emblemáticas figuras no que se refere ao período das luzes, o iluminismo, em especial às mudanças no campo educacional. Rousseau nasceu na Suíça, em 1712, e, após 200 anos, seu legado se encontra ainda vivo nos percursos educacionais (Pontes, 2014).
De acordo com Pontes (2014), em seu estudo sobre a vida de Rousseau, o filósofo perdeu a mãe no momento de seu nascimento e foi criado pela Baronesa de Warens. Devido às dificuldades financeiras, Rousseau não teve acesso a uma educação formal. No entanto, desenvolveu grande curiosidade intelectual e seu contato com a leitura aconteceu por conta própria, aos 16 anos, inspirado pelas obras de Plutarco.
Aos 38 anos de idade, Rousseau conquistou prêmios com suas obras sobre Ciências e Arte e foi perseguido na França, tendo de deixar o país. Naquela época, questionamentos acerca dos costumes e das crenças religiosas não eram aceitos com bons olhos, o que pode ter levado Rousseau à perseguição. Em consequência, Rousseau mudou-se para a Inglaterra e, posteriormente, retornou à França, onde faleceu aos 66 anos de idade, como aponta Pontes (2014).
Além disso, é importante destacar outro aspecto da vida pessoal de Rousseau: sua paternidade. O filósofo foi pai de cinco filhos, mas entregou todos ao orfanato e não se sabe o que aconteceu a eles. Alguns pesquisadores afirmam que se isso ocorresse atualmente, Rousseau seria preso por abandono de incapaz. No entanto é necessário ressaltar que esse fato não invalida as suas contribuições à educação, principalmente no que se refere às crianças, ponto central de sua teoria em Emílio ou Da Educação.
A obra é um ensaio pedagógico “que une política, educação e ética sob a forma de romance, no qual o autor procura traçar as linhas gerais que deveriam ser seguidas com o objetivo de fazer da criança um bom adulto” (Pontes, 2014, p. 4). O escritor toma como personagem fictícia uma criança órfã, o Emílio, que é acompanhado por um tutor (o próprio Rousseau) desde o seu nascimento até os 25 anos de idade. Trata-se de uma obra política e reflexiva de impacto para a educação do século XVIII.
No que se refere a Immanuel Kant, destacamos que o pensador é um dos filósofos mais importantes da era moderna, considerado o fundador da Filosofia Crítica. Sua obra busca determinar os limites da razão humana na síntese do racionalismo, abordando o conhecimento como universal, espelhando-se, portanto, na universalidade e na originalidade. Contudo, para Kant, nem o racionalismo nem o empirismo respondem à demanda do conhecimento, uma vez que toda afirmação racionalista será um juízo a priori e toda afirmação empirista será sintética a posteriori.
Assim, ele propõe uma mistura dos dois juízos, gerando a Teoria do Conhecimento. É importante ressaltar que a teoria kantiana teve grande influência na Filosofia e nas Ciências, em geral, e suas contribuições epistemológicas foram fundamentais para a compreensão do conhecimento humano (Pagni, 2007). Kant também contribuiu para dar sentido à educação com “conceitos e ideias que buscam definir os fins últimos que deveriam orientar os destinos da humanidade, tendo por base os princípios da autonomia e da dignidade humanas” (Pagni, 2007, p. 166-167). Um exemplo disso é a máxima de que a educação deve estimular a colocação de ideias para fora, em vez de simplesmente transmiti-las, seguindo a noção de "uma paideia".
Kant considera a educação com o intuito de promover a formação moral dos indivíduos. Nesse sentido, a pedagogia kantiana parte do pressuposto de que o homem é naturalmente inclinado ao mal e a sociedade é quem impõe regras e o ensina a ser menos selvagem, ou seja, o homem não nasce moral, mas torna-se moral. O que sustenta esse pensamento de Kant é que o homem é diferente dos animais. Os seres humanos são os únicos animais que precisam ser educados e esse fato torna o homem distinto dos demais seres, pois ele é a única espécie dotada de razão. No entanto, a razão não é inata ao homem, mas construída a partir do momento em que esse homem é educado, sendo um processo no qual o homem abandona a animalidade para ingressar no mundo guiado pela razão: a humanidade (Kant, 2002).
Diante do exposto, com relação à concepção de educação para Rousseau e Kant, surge o questionamento: em que os autores se contrapõem?
Em primeiro lugar, destacamos que Kant usa Rousseau em seus escritos, a despeito das divergências entre eles. A primeira delas é a relação entre o homem e a natureza. Kant afirma que o homem é naturalmente inclinado ao mal e a sociedade é quem coloca regras, ensinando-o a ser menos selvagem. Dessa forma, a educação é vista como um processo necessário para transformar esse homem, fazendo-o entrar na humanidade.
Desse modo, para sair da animalidade e entrar na humanidade, o homem necessita de cuidados e formação. A “formação compreende a disciplina e a instrução” (Kant, 2002, p. 4), pois “a educação deve ser disciplinadora no sentido de conter o homem, impedindo que a animalidade prejudique o caráter humano. Assim sendo, para Kant a disciplina consiste em domar a selvageria” (Kant, 2002, p. 6), fazendo com que o homem seja regido pelas leis da humanidade. A educação também deve instruir, tornando o homem culto, proporcionando a ele o contato com a cultura e com os conhecimentos (Kant, 2002).
Em relação a Rousseau, o filósofo defende que o homem nasce bom e que é a sociedade que o corrompe. De acordo com o pensador, quanto mais o homem fica distante da natureza, mais corrompido ele se torna. Na obra, Emílio é criado no campo, longe da corrupção da sociedade. No entanto é importante ressaltar que a natureza não é vista como algo necessariamente bom ou positivo, em Rousseau, mas como algo que pode ser tanto benéfico quanto prejudicial ao homem. Ele argumenta que a civilização e a sociedade são responsáveis pela corrupção do homem e que a vida em sociedade é inerentemente problemática.
Outro contraponto entre os dois autores é observado quando Rousseau afirma, tendo Emílio como exemplo, que o homem nasce fraco, sem força, necessitando da Educação Básica, até os 25 anos de idade, período de maturação do adulto. Por outro lado, os pensamentos de Kant não corroboram isso. Para ele, a educação vai até o período da adolescência, fase de maturação sexual (em torno dos 16 anos de idade).
Um aspecto interessante que deve ser ressaltado em Kant: a educação do homem deve ser pautada de acordo com as leis que regem a sociedade. Em contrapartida, Rousseau acredita que a criança deve seguir o naturalismo, ou seja, seguir a ordem natural, observando o homem como homem natural. Assim, percebe-se que ambos os autores se contrapõem. Kant tinha uma linha de pensamento pela moralidade e Rousseau, uma linha de pensamento naturalista (Kant, 2002).
Partindo dessas considerações, entende-se que a influência de Rousseau é fortemente presente nas teorias educacionais de Kant. Há de se considerar a grandeza da contribuição de ambos à educação. A partir deles, a Pedagogia adquiriu uma dimensão mais antropológica e filosófica.
Considerações finais
Em suma, a reflexão comparativa dos pensadores acerca da educação revela algumas divergências. Embora suas ideias sejam bastante distintas, elas contribuem para boas discussões no campo da educação. Além disso, percebemos que os pensamentos dos autores nos mostram que a educação é um campo multifacetado e complexo, que pode ser compreendido de diversas maneiras, a partir de visões sob diferentes correntes pedagógicas.
Assim, ao fazermos uma análise comparativa entre os referidos filósofos, nossa intenção foi contribuir para um debate sobre a educação e as suas diversas abordagens e concepções, por meio de uma perspectiva filosófica.
Referências
KANT, I. Sobre a Pedagogia. Trad. Francisco Cock Fontanella. 3ª ed. Piracicaba: Ed. Unimep, 2002.
PAGNI, P. A. Iluminismo, pedagogia e educação da infância em Kant. In: PAGNI, P. A.; SILVA, D. Introdução à Filosofia da Educação. São Paulo: Avercamp, 2007. p.165-184.
PONTES, J. M. Rousseau e o processo educacional de formação do homem na sociedade. Diálogos Interdisciplinares, v. 3, n° 3, p. 172-186, 2014. Disponível em: https://revistas.brazcubas.br/index.php/dialogos/article/view/7. Acesso em: 20 jan. 2023.
ROUSSEAU, J. J.; FERREIRA, R. L. Emílio ou Da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
Publicado em 19 de março de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
SANTOS, Ana Carolina Sabino dos; PORTELA, Ellen Maria Santos; ALVIM, Elisa Fernanda Tardiole; FARIA, Marcos Roberto de. O pensamento de Kant e Rousseau sobre a educação: contribuições e divergências. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 9, 19 de março de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/9/o-pensamento-de-kant-e-rousseau-sobre-a-educacao-contribuicoes-e-divergencias
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