O sentido do aprender por meio das Artes: uma exposição virtual de mangá
Augusto Schwager de Carvalho
Mestrando em Novas Tecnologias Digitais na Educação (UniCarioca), professor da prefeitura de Duque de Caxias/RJ
Adriana da Silva Lisboa Tomaz
Doutora em Educação (PUC-Rio), professora do mestrado em Novas Tecnologias Digitais na Educação no UniCarioca
Diante das desigualdades enfrentadas, a dificuldade dos estudantes de classes menos favorecidas em ter acesso a bens culturais é cada vez mais recorrente. Segundo Bourdieu (1999), capital cultural são recursos e competências disponíveis, de um modo geral, para uma cultura dominante. Partindo desse conceito podemos problematizar o que é possível fazer para diminuir tamanha desigualdade no que diz respeito ao capital cultural dentro da escola pública no século XXI.
O que fazer para que essa dificuldade seja atenuada? Com tanta tecnologia e recursos virtuais disponíveis a escola ainda pode ser reprodutora das desigualdades? A escola deve buscar novos caminhos que ofereçam mais acessibilidade aos bens culturais?
A aprendizagem se materializa a partir de um significado. O estudante tem que perceber que aquilo que está sendo ensinado faz sentido. Durante o ensino do componente curricular Linguagem - Arte, o professor deve trabalhar a linguagem nas Artes Visuais. Essa linguagem corresponde aos produtos artísticos e culturais que utilizam elementos de comunicação a expressão visuais (Brasil, 2018).
Segundo Santiago et al. (2020), uma forma de garantia do ensino democrático é a visitação a museus e exposições. Assim, os discentes podem conhecer variadas manifestações culturais e sociais. A Base Nacional Comum Curricular (2018), no componente Ciências Humanas, destaca a importância de trabalhar nos diferentes ambientes educativos como bibliotecas, museus, arquivos e exposições para uma formação completa do estudante.
A visitação a exposições, sem orientação pedagógica adequada, não oferece os resultados esperados. Bittencourt (2008) destaca que as visitas tradicionais às exposições podem ocasionar uma visão parcial do acervo, sem um entendimento dos objetos expostos, criando uma ideia de afastamento do que é a Arte e do que eles produzem em sala de aula. Uma forma de acabar com esse afastamento citado por Bittencourt seria criando exposições feitas com material produzido pelos próprios estudantes.
Dois dos objetos de conhecimento que são trabalhados do 6º ao 9º ano de escolaridade no componente curricular Linguagem – Arte são a Materialidade e os Processos de Criação. Esses componentes curriculares estão ligados diretamente às habilidades:
(EF69AR05). Experimentar e analisar diferentes formas de expressão artística (desenho, pintura, colagem, quadrinhos, dobradura, escultura, modelagem, instalação, vídeo, fotografia, performance etc.).
(EF69AR06). Desenvolver processos de criação em artes visuais, com base em temas ou interesses artísticos, de modo individual, coletivo e colaborativo, fazendo uso de materiais, instrumentos e recursos convencionais, alternativos e digitais (Brasil, 2018, p. 207).
Sendo assim, cabe ao professor mobilizar a expressão artística dos estudantes, procurando entender e atender aos seus interesses artísticos.
A segunda competência específica da disciplina Artes para o Ensino Fundamental é
compreender as relações entre as linguagens da Arte e suas práticas integradas, inclusive aquelas possibilitadas pelo uso das novas tecnologias de informação e comunicação, pelo cinema e pelo audiovisual, nas condições particulares de produção, na prática de cada linguagem e nas suas articulações (Brasil, 2018, p. 198).
Assim sendo, realizar exposições virtuais, em especial de trabalhos criados pelos discentes, se torna uma possibilidade importante de estratégia pedagógica para o ensino de Linguagem - Arte.
Diante do contexto, o objetivo deste relato de experiência é apresentar o desenvolvimento da exposição virtual “Mangá em Caxias”, realizada para a disciplina Linguagem – Arte, com os discentes do 6° ano do Fundamental, utilizando as TDIC como ferramentas de apoio no processo.
Os responsáveis por todos os estudantes que participaram da organização da exposição assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para a realização, divulgação e para o estudo do projeto. Além do TCLE, na rede municipal onde o projeto foi realizado, todos os responsáveis assinam um termo de cessão de imagem para fins pedagógicos e não comerciais ao efetuarem a matrícula de seus filhos.
Exposição virtual “Mangá em Caxias”
O desenvolvimento da exposição “Mangá em Caxias” começou no dia 14 de setembro de 2023 e teve a sua culminância na apresentação do dia 20 de setembro do mesmo ano. O projeto ocorreu na escola municipal Maria Clara Machado, localizada no bairro do Pantanal, município de Duque de Caxias/RJ. A unidade escolar atende aos 1°e 2° segmentos do Ensino Fundamental, com aproximadamente 1.400 alunos matriculados nos turnos matutino, vespertino e noturno.
Nas escolas públicas do Brasil existem variados talentos escondidos entre os discentes. Criar uma exposição virtual foi uma ideia que surgiu no acompanhamento de criação de mais de cem desenhos mangás produzidos pela aluna Talita de Mendonça Barbosa. Mangá, segundo Berto e Almeida (2021), é uma arte com história e desenhos improvisados em quadrinhos realizada originalmente em japonês.
Dois alunos ficaram responsáveis por serem curadores da exposição: Alex Rosa Firmino dos Santos e Victor Gabriel dos Santos Lessa. O papel dos dois estudantes/curadores foi selecionar, dentre as mais de cem obras da autora, as 14 que seriam expostas, além de ensinar a navegar na exposição, acompanhando os visitantes durante o tour virtual.
Entre os dias 14 e 19 de setembro de 2023, os curadores, a artista e o professor Augusto Schwager de Carvalho precisaram, por diversas vezes, ir às salas de aula do 6° ano de escolaridade para realizar a divulgação da exposição virtual “Mangá em Caxias”. A escolha do tema da exposição aconteceu para que a artista e os curadores pudessem se sentir mais à vontade, atendendo discentes da mesma faixa etária que eles e do mesmo turno (6° ano).
A exposição virtual foi desenvolvida utilizando o aplicativo Artsteps (Figura 1), que permite a criação e a exibição de artes digitais em espaços da realidade virtual (Artsteps, 2024).
De acordo com Berto e Almeida (2021), é papel dos docentes tornar mais atrativo o processo de ensino-aprendizagem, reavaliando o seu trabalho e inovando suas metodologias pedagógicas. O professor deve realizar o papel de mediador no processo de aprendizagem, adotando o uso das TIDC como recurso pedagógico. Segundo Santos (2021), para mudar a metodologia de ensino, não basta usar diferentes recursos tecnológicos; é preciso mudar a forma como se ensina e como o discente aprende.
Para realizar as narrações da biografia da artista e dos curadores foi utilizado o aplicativo Narakeet, que é um programa online de leitura de textos em diferentes línguas, usando sintetizadores de voz por meio da inteligência artificial (Narakeet, 2024).
Também foi produzido o vídeo de uma visita guiada, utilizando o software Movavi Vídeo Suite. Com o editor de vídeo Movavi utilizam-se diversas ferramentas de edição: cortar, recortar, ajustar cores ou alterar a velocidade do vídeo (Movavi, 2024). O vídeo editado (Figura 2) está disponível no YouTube.
Figura 2: Informações sobre o vídeo da exposição virtual “Mangá em Caxias”
Fonte: YouTube, 2023.
Segundo Silveira e Carvalho (2020), a utilização das TIDC demonstra ser necessária em oposição a uma educação tradicional, baseada em aulas cansativas que desestimulam os estudantes.
Para ser distribuído no final da exposição, criou-se um prospecto (Figura 3) utilizando o software Corel Draw Graphics Suite. O CorelDRAW é um software de design gráfico amplamente utilizado para editar e criar projetos como logotipos, folhetos, cartazes e ilustrações (Corel Draw, 2024).
Figura 3: Prospecto da exposição virtual “Mangá em Caxias”
No dia 20 de setembro de 2023, ocorreu a exposição na sala de vídeo da unidade escolar (Figura 4). Os curadores organizaram a entrada, com oito visitantes por vez. Foram disponibilizados quatro tablets e um notebook com o aplicativo Artsteps instalado para que os visitantes pudessem realizar o tour virtual de forma autônoma e uma smart TV na qual o vídeo da visita guiada passava.
Durante a visita à exposição virtual, os curadores orientaram os convidados a respeito de como navegar pelo espaço virtual (Figura 5). Ao final da visita, a artista Talita Mendonça autografava o prospecto dos alunos que assim desejassem e aplicava a pesquisa de opinião da exposição.
Figura 4: Exposição virtual na sala de vídeo
Figura 5: Alunos participando da exposição
A pesquisa de opinião tinha o intuito de obter uma análise qualitativa da exposição virtual; foi realizada utilizando um formulário do Google, que serve para criar e compartilhar, de forma fácil, formulários de pesquisas on-line, com a possibilidade de análise das respostas em tempo real (Google Forms, 2024).
Nesse formulário, os visitantes foram questionados se já haviam visitado alguma exposição presencial ou se já haviam visitado alguma “exposição virtual”, atribuindo uma nota entre 1 e 5 (Figura 6). Também perguntou-se se teriam algum comentário, crítica ou sugestão a fazer.
Figura 6: Pergunta para classificação da visita à exposição virtual “Mangá em Caxias”
Análise e divulgação dos resultados
A exposição virtual “Mangá em Caxias” recebeu 81 visitantes, entre alunos do 6°ano de escolaridade, professores, funcionários e equipe diretiva. Cabe destacar a adesão dos docentes, pois todos os professores presentes na unidade escolar durante a exposição virtual participaram dela.
Na saída da exposição, os visitantes responderam à pesquisa de opinião. Dos visitantes presentes, 35 (43% do total) já tinham estado em alguma exposição anteriormente. De todos os visitantes, apenas 18 (22% do total) tinham frequentado alguma exposição virtual (Figura 7).
Figura 7: Resultados sobre visitação a exposições e a exposições virtuais
Houve pequenas dificuldades na navegação virtual utilizando os tablets. Em compensação, nenhum aluno alegou dificuldade na navegação pela exposição utilizando o recurso; acreditamos que o motivo esteja no fato de que os controles para andar pela exposição virtual são semelhantes aos controles dos jogos de mundo aberto, existentes atualmente no mercado. O conhecimento prévio dos alunos em navegar pelos jogos eletrônicos serviu de base para uma nova aprendizagem significativa: aprender a andar pela exposição virtual.
Essa conclusão é corroborada por Ausubel (2003, p. 6), quando afirma que
o conhecimento é significativo por definição. É o produto significativo de um processo psicológico cognitivo (saber) que envolve a interação entre ideias logicamente (culturalmente) significativas, ideias anteriores (ancoradas) relevantes da estrutura cognitiva particular do aprendiz (ou estrutura dos conhecimentos deste) e o mecanismo mental do mesmo para aprender de forma significativa ou para adquirir e reter conhecimentos.
Em contrapartida, acreditamos que os estudantes, pelo mesmo motivo, tiveram mais dificuldade em navegar pela exposição virtual utilizando o notebook do que os professores e a equipe diretiva.
Ao serem questionados a respeito de como classificariam a visita à exposição virtual “Mangá em Caxias”, os visitantes deram notas conforme é mostrado na Tabela 1.
Tabela 1: Avaliação da exposição virtual “Mangá em Caxias”
Avaliação |
1 |
2 |
3 |
4 |
5 |
Visitantes |
0 |
0 |
1 |
6 |
74 |
Podemos observar que a exposição foi muito bem avaliada pelos visitantes, obtendo média 4,9 em uma escala que varia de 1,0 a 5,0. Essa média alta incentiva que atividades como essa sejam mais recorrentes para os alunos.
Considerações finais
Durante a exposição para os alunos do 6° ano, outros alunos tomaram conhecimento da exposição virtual “Mangá em Caxias”, por terem percebido a movimentação na sala de leitura ou por terem visto o prospecto dado ao final da visitação aos discentes que participaram. Esses alunos demonstraram bastante curiosidade a respeito do que seria uma exposição virtual e pelo menos dez estudantes foram à exposição pedindo autorização para participar. Os professores do 1° segmento que visitaram a exposição virtual também solicitaram a participação dos seus alunos em um momento oportuno.
Sendo assim, pela avaliação que a exposição virtual teve e pelo interesse demonstrado pelos alunos que não participaram da exposição, podemos classificar a proposta pedagógica como exitosa.
Trazer esse tipo de atividade para a sala de aula proporciona um aprendizado significativo não só pelo uso de diferentes tecnologias digitais da informação e comunicação, mas também pela interação entre os estudantes da escola.
Ao final da exposição, o professor fez uma reunião com a artista e com os curadores para que todos pudessem refletir sobre o trabalho realizado. Excelentes sugestões surgiram nesse momento, como sortear uma das obras do acervo aos visitantes e entregar réplicas/cópias de algumas obras expostas aos visitantes ilustres. Em outro momento, também se considerou a possibilidade de ofertar à artista e aos curadores a oportunidade da exposição a alunos que não participaram da primeira.
Dessa maneira, a escola cumpre seu papel em diminuir parcialmente as desigualdades, ampliando o capital cultural dos estudantes das classes populares por meio das TDIC, com o acesso virtual aos bens culturais e a oportunidade de desenvolver o protagonismo infantil.
Referências
ARTSTEPS. Make your own VR exhibitions. s/d. Disponível em: https://www.artsteps.com/ Acesso em: 15 nov. 2024.
AUSUBEL, David Paul. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Trad. Lígia Teopisto. Lisboa: Paralelo, 2003.
BERTO, Rachel Goulart; ALMEIDA, Mariza Costa. A cadeia produtiva do mangá. Arquivos do CMD, v. 9(2), p. 193-211, 2021.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2008.
BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1999.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
COREL DRAW. Corel Draw Graphics Suite. s/d. Disponível em: https://www.coreldraw.com/br/product/coreldraw/. Acesso em: 15 nov. 2024.
GOOGLE. Gere insights facilmente com o Google Forms. s/d. Disponível em: https://www.google.com/intl/pt-BR/forms/about/. Acesso em: 15 nov. 2024.
MOVAVI VIDEO SUITE. Experimente todos os programas Movavi. s/d. Disponível em: https://www.movavi.com/pt/. Acesso em: 15 nov. 2024.
NARAKEET. Leitor de textos online. s/d. Disponível em: https://www.narakeet.com/languages/leitor-de-texto/. Acesso em: 15 nov. 2024.
SANTIAGO, Daniela Emilena; AQUINO, Thomaz Jefferson Oliveira et al. As exposições virtuais e sua importância para a construção de conceitos de cidadania na formação dos alunos do Ensino Fundamental. Revista Formadores, v. 13, n° 4, p. 71-71, 2020.
SANTOS, Rosana Dantas dos. A importância da coordenadoria de tecnologia educacional para a implantação de um projeto de inovação tecnológica na escola. Revista Educação Pública, v. 21, nº 30, 2021.
SILVEIRA, Tatiane Ramos S.; CARVALHO, Marcos Antônio G. Uma avaliação do uso de vídeos na Educação Básica no Brasil: efeitos sobre a motivação dos alunos no ensino e aprendizagem. Revista Sítio Novo, v. 5, n° 1, p. 19-30, 2020.
Publicado em 08 de janeiro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
CARVALHO, Augusto Schwager de; TOMAZ, Adriana da Silva Lisboa. O sentido do aprender por meio das Artes: uma exposição virtual de mangá. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 1, 8 de janeiro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/1/o-sentido-do-aprender-por-meio-das-artes-uma-exposicao-virtual-de-manga
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