A biodiversidade de serpentes sob a ótica de estudantes do Ensino Fundamental de uma escola pública do Rio de Janeiro: o papel da Educação Ambiental
Arthur Martins Marinho da Silva
Licenciado em Ciências Biológicas (UERJ), professor da rede privada do Rio de Janeiro
Ana Carolina Rodrigues da Cruz
Licenciada em Biologia (UFVJM), mestra em Ciências Ambientais e Florestais (UFRRJ), doutora em Ciências Biológicas (Museu Nacional/UFRJ), professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do IFRJ, tutora presencial de Ciências Biológicas (Cederj – Polo Paracambi)
Quando se trata de serpentes, desde o início das civilizações, nos deparamos com uma grande diversidade de saberes empíricos e mitos das mais variadas etnias ao redor do mundo. Em algumas delas, serpentes são tidas como deuses ou criaturas benditas que expressam sabedoria e proteção (Sebben, 1996). Em outras, principalmente nas culturas ocidentais, criaturas malignas, tentações ou uma figuração do próprio mal na terra (Leeming, 2003). Esclarecer, para crianças e adolescentes pela Ciência, os fatos, desvendando mitos e crendices que envolvem as serpentes deveria ser algo mais explorado no contexto escolar. Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), isso faz parte do conteúdo a ser ministrado no Fundamental, dentro da temática Vida e Evolução, referindo-se à divisão dos grupos animais (como vistos no 6º ano) por cadeias alimentares, estudadas no 7º ano, a reprodução animal, estudada no 8º ano, as adaptações dos répteis e o surgimento do ovo amniótico, por exemplo (Brasil, 2017). Além disso, em relação à saúde, podemos citar o sistema imunológico e o funcionamento do soro antiofídico no organismo (Brasil, 2017). Portanto, a educação ambiental pode ser uma aliada na escola na desmistificação de concepções negativas a respeito das serpentes na promoção de uma consciência ambiental, diminuindo a distância entre conteúdos científicos e alunos (Campos et al., 2011).
Segundo Mendes (2018), a partir de uma pesquisa de percepção ambiental feita com alunos da Educação Básica, há uma grande porcentagem de aspectos relacionados às serpentes que os estudantes sabem pouco ou nada. Dentre os quais podemos citar a diferenciação entre as serpentes peçonhentas e não peçonhentas, fisiologia de serpentes e acidentes ofídicos. Nos estudos de Lima et al. (2023) foi observado que menos da metade das pessoas que participaram da pesquisa realizada no estado do Piauí foram capazes de diferenciar uma serpente peçonhenta de uma não-peçonhenta. Alguns alunos acreditam que todas são traiçoeiras e perigosas e muitos têm grandes dúvidas em relação ao que fazer em caso de acidentes (Mendes, 2018). Em relação aos acidentes ofídicos, segundo Freitas et al. (2020), embora 82% dos entrevistados tenham apontado boas práticas quanto às medidas de prevenção e primeiros socorros, 15% das pessoas citaram práticas completamente inadequadas, como fazer torniquete, sugar o veneno e fazer cortes no local da picada.
Uma importante fonte de apoio à pesquisa de alunos e professores em sala de aula são os livros didáticos, pois exercem papel de destaque dando segurança na base do conhecimento no processo de ensino-aprendizagem, com grande influência no processo de formação dos cidadãos (Macedo, 2004; Vasconcelos; Souto, 2003). Em um estudo desenvolvido por Sandrin et al. (2005), com a análise de diversos materiais didáticos na temática de serpentes, foram encontrados diversos erros, principalmente no que tange à diferenciação entre serpentes peçonhentas e não-peçonhentas. Por exemplo, dizer que uma serpente peçonhenta apresenta cabeça triangular. Essa não é uma característica exclusiva de serpentes peçonhentas. Desse modo, observam-se problemas com conceitos da Biologia em geral, assim como em comportamentos de defesa e em acidentes ofídicos.
Lima et al. (2018) chamam atenção para a importância de se desenvolver trabalhos que contribuam positivamente para a conservação das serpentes, esclarecendo acerca da importância de se desmistificar ideias e percepções errôneas acerca desses animais, sempre demonstrando à população a sua necessidade ecológica.
A Educação Ambiental é um meio indispensável para que consigamos desenvolver formas mais eficazes para resolver problemas socioambientais, promovendo interações mais sustentáveis entre a sociedade humana e a natureza. Quando bem executada, leva a mudanças significativas de comportamento, à consciência ambiental e à cidadania (Brasil, 1997), auxiliando no processo de melhora na relação entre homem e natureza a fim de evitar novos danos ambientais e amenizar os já existentes (Effting, 2007). O ser humano carrega consigo uma grande dificuldade de se inserir como parte integrante da natureza, bem como uma enorme dificuldade de se relacionar em harmonia com as demais espécies existentes no planeta (Donella, 1997). Para que consigamos ações relevantes e positivas para o futuro do planeta e da humanidade precisamos que os conteúdos aprendidos e ensinados em Educação Ambiental ultrapassem as paredes das escolas e instituições de ensino a fim de alcançar a comunidade e transformá-la (Silva, 2016). A Educação Ambiental tem papel importante no desenvolvimento da percepção ambiental dos jovens, nos estágios em que se formam o conhecimento e podem ser definidas tanto a tomada de consciência do homem, como o ato de perceber o ambiente no qual se encontra inserido, aprendendo a amar e a cuidar dele (Campos et al., 2011). Estudos desenvolvidos por Pontes et al. (2017) apontam que se o aluno for indagado antes da ação educativa existe uma possibilidade 3,48x maior dele responder que mataria a serpente em um possível encontro. Quanto à importância ecológica, o estudo demonstrou que, na ausência de uma intervenção educativa, os alunos atribuem menor importância utilitária às serpentes. Isso nos mostra a importância de desenvolvermos ações educativas em (EA) voltadas para a preservação das serpentes. A Educação Ambiental possui papel importante na desmistificação das serpentes, na diferenciação entre as peçonhentas e as não peçonhentas, na popularização do conhecimento científico acerca desses animais, mas principalmente salientando a sua importância ecológica na natureza, como elemento fundamental ao controle populacional de animais com potencial para pragas, como as lesmas, os roedores, etc. e sua relevância para a saúde humana na produção de fármacos a partir de seu veneno (Lamim-Guedes, 2020).
Os acidentes ofídicos envolvendo serpentes sem veneno somados às informações sem embasamento científico, facilmente compartilhadas pela população, influenciam diretamente na compreensão da importância ecológica que as serpentes possuem para a natureza (Mendes, 2018). Poucos trabalhos recentes envolvendo a percepção ambiental com foco em serpentes têm sido publicados no Brasil (Azevedo; Almeida, 2017; Mendes, 2018; Freitas et al., 2020). Uma proporção ainda menor relata o impacto positivo que a Educação Ambiental, focada na conservação de serpentes, possui para o meio ambiente e para a formação dos estudantes da Educação Básica (Azevedo; Almeida, 2017; Pontes et al., 2017; Nascimento et al., 2019). Além disso, nenhuma pesquisa foi encontrada nos bancos de trabalhos acadêmicos que abordasse a percepção dos estudantes acerca dos acidentes ofídicos e dos primeiros socorros. Para que sejam realizadas atividades de Educação Ambiental adequadas e efetivas é fundamental conhecer o que os alunos do Ensino Fundamental sabem e pensam a respeito das serpentes, assim como avaliar o efeito dessas atividades para adaptá-las aos seus resultados positivos, se necessário.
Nesse contexto, o presente trabalho destina-se a analisar a percepção da Biologia de serpentes e acidentes ofídicos sob a perspectiva de alunos do Ensino Fundamental II de uma escola pública de Seropédica/RJ, bem como avaliar a influência de uma palestra de Educação Ambiental na sensibilização dos estudantes acerca do tema.
Metodologia
A pesquisa foi desenvolvida na Escola Municipalizada Olavo Bilac, localizada na Rua Durvalino Francisco de Jesus, 6, no Parque Jacimar, em Seropédica, em três turmas de 8° ano do Ensino Fundamental. Escolheu-se essa série porque nessa etapa de aprendizagem espera-se que o aluno já possua um conhecimento básico de biodiversidade, ecossistemas e conceitos de saúde pública.
O projeto foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa (COEP) SR2 - UERJ sob o número 52743121.6.0000.5259, assim como pela direção da escola e pela Secretaria de Educação do Município de Seropédica. Após a concordância dos pais e dos alunos, com o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e o termo de assentimento livre e esclarecido (TALE) para o esclarecimento da pesquisa, foi aplicado um questionário diagnóstico. Após a análise do questionário diagnóstico, foi realizada uma atividade de Educação Ambiental composta de uma palestra expositiva e dialogada, com os principais temas abordados no questionário diagnóstico, destacando-se a importância ecológica e o estado de conservação das espécies de serpentes brasileiras, bem como o esclarecimento de dúvidas diversas e a desmistificação desses animais. Além disso, foi abordado como se deve proceder nos primeiros socorros em caso de acidentes ofídicos. Vinte e um dias após a atividade em Educação Ambiental, foi aplicado questionário avaliativo aos alunos, respondido por alunos das três turmas.
Resultados e discussão
A pesquisa foi realizada em três turmas do 8º ano do Ensino Fundamental. Participaram dela 108 alunos de ambos os sexos, na faixa etária de 13 a 17 anos. Deles, apenas 83 responderam o primeiro questionário, enquanto 86 participaram da atividade de Educação Ambiental. Os 108 responderam ao segundo questionário. Cerca de 40 alunos (somando-se as três turmas) não participaram pelo fato de não terem sido autorizados pelos pais.
O medo e a mitologia das serpentes
Antes da palestra, a maioria dos alunos respondeu ter medo de serpentes (35 alunos, 42%) ou não sabia dizer (24 alunos, 29%). Após a atividade, os números mudaram e mais alunos responderam não ter medo de serpentes (37 alunos 35%).
Figura 1: Respostas dos alunos sobre ter medo de serpentes
Os resultados do questionamento mostram um número consideravelmente maior de alunos que antes da palestra afirmavam ter medo de serpentes quando comparados às respostas obtidas no questionário aplicado após a palestra. Esses resultados corroboram os estudos feitos por Oliveira et al. (2022). Os autores dizem que o medo é um sentimento demonstrado por grande parcela dos entrevistados que, em muitos casos, vem seguido de repulsa. O medo é um fator que pode influenciar na matança indiscriminada das serpentes, quando somado a pouco ou a nenhum conhecimento científico, pois há força nas informações falsas compartilhadas (Mendes, 2018). Dos 108 alunos que responderam ao questionário avaliativo, 22 não participaram da palestra e 18 afirmaram terem medo de serpentes. Um fator interessante que não estava sendo avaliado nos questionários foi que cerca de 20 alunos, durante e após a palestra, disseram ter as serpentes como seus animais favoritos, algo inesperado à pesquisa.
Quanto aos mitos, lendas e crendices envolvendo serpentes, poucos alunos souberam mencionar algo a respeito. Dentre os que citaram algo acerca do assunto, 85% deles recordou a famosa “Boitatá”, folclórica serpente brasileira que expele fogo pelo corpo para proteger a floresta daqueles que a querem destruir. Além dessa famosa lenda do folclore brasileiro, algumas outras também foram citadas e podem ser observadas no Quadro 1.
Quadro 1: Respostas dos alunos quando questionados a respeito da mitologia envolvendo serpentes
Pergunta |
Respostas mais frequentes |
Você conhece alguma história ou lenda envolvendo serpentes? Qual? |
“Anaconda do filme” - 7 citações |
“O velho do rio do Pantanal” - 4 citações |
|
“Medusa” - 2 citações |
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“A história de Adão e Eva” - 2 citações |
Com relação à possibilidade de ligação entre o medo de serpentes e os mitos e lendas que as envolvem, dentre os 83 alunos entrevistados no questionário diagnóstico, as respostas obtidas nos mostram que a maior parte dos alunos (58%) não atribuem o medo que as pessoas possuem das serpentes aos mitos e às lendas que as envolvem. Apenas 20% dos alunos se posicionaram positivamente quanto à ligação do medo de serpentes aos mitos envolvendo esses animais e 21% deles não souberam opinar.
Etologia e morfologia de serpentes
No questionário diagnóstico, quando os 83 alunos foram perguntados a respeito do motivo das serpentes picarem ou morderem, a principal resposta foi ‘para se defender’, pois elas têm medo do ser humano.
Quadro 2: Respostas dos alunos acerca da etologia de serpentes (antes da palestra)
Pergunta |
Respostas |
Por que você acha que as serpentes picam (ou mordem)? |
Para se defender, pois têm medo do ser humano - 41 alunos (49,4%) |
Por medo, quando não têm como fugir - 26 alunos (31,4%) |
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Para proteger seus filhotes - 14 alunos (16,8%) |
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Porque não gostam do ser humano – 2 alunos (2,4%) |
Nas respostas obtidas para o questionário diagnóstico, quando perguntados acerca dos motivos que levam as serpentes a picar ou morder seres humanos, a maioria deles sinalizou opções dentro do esperado, como: “para se defender, por terem medo de humanos” ou “quando não têm para onde fugir”, porém outros alunos assinalaram que elas mordem ou picam para proteger seus filhotes e dois alunos disseram que o motivo seria por não gostarem de seres humanos, sendo estas últimas opções que estão em discordância com o que a academia científica relata.
Quadro 3: Respostas dos alunos acerca da etologia de serpentes (depois da palestra)
Pergunta |
Respostas |
Por que você acha que as serpentes picam (ou mordem)? |
Para se defender, pois têm medo do ser humano – 58 alunos (53,7%) |
Por medo, quando não têm como fugir - 39 alunos (36,2%) |
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Para proteger seus filhotes - 11 alunos (10,1%) |
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Porque não gostam do ser humano – nenhum aluno |
Os resultados observados após a palestra demonstraram grande diminuição no número de alunos assinalando opções envolvendo a proteção de filhotes e/ou o fato de não gostarem dos seres humanos. Dos 108 alunos que responderam ao questionário avaliativo, apenas 11 alunos assinalaram opções que relatam esses termos. Dentre esses 11, seis alunos não participaram da palestra desenvolvida pelo projeto. Dentre os diversos mecanismos de defesa apresentados pelas mais diversas espécies de serpentes viventes no Brasil, podemos observar a tentativa de fuga, a descarga cloacal, os botes e as mordidas de advertência como formas mais adotadas quando a serpente se vê em situação de perigo extremo (Mário-da-Rosa, 2019).
A maioria dos alunos já citava no questionário diagnóstico que as serpentes possuíam a pele seca, embora grande parte deles não soubesse opinar acerca do assunto e quase 15% dos alunos acreditavam que as serpentes têm pele gosmenta. No questionário avaliativo, obtivemos um crescimento considerável no percentual de alunos assinalando que as serpentes possuem pele seca (Figura 2). Dentre os 11 alunos que disseram acreditar que as serpentes possuem pele gosmenta, oito não participaram da palestra. As serpentes são animais que possuem o corpo inteiramente coberto por escamas, incluindo os olhos. Escamas que podem apresentar variações entre as espécies, algumas apresentam um brilho com aspecto de úmido e outras um aspecto áspero e seco, embora todas sejam secas e apenas nos causem a impressão de possuírem escamas bastante ásperas ao toque (Canter et al., 2008).
Figura 2: Respostas dos alunos acerca da textura da pele das serpentes
Com relação à temperatura corporal das serpentes, podemos observar uma grande mudança nas respostas dos alunos entrevistados, quando comparado ao questionário diagnóstico. Apenas 19 alunos afirmaram que a temperatura do corpo das serpentes depende da temperatura do ambiente onde ela está. No questionário avaliativo, 86 alunos afirmaram que isso “depende” (Figura 3). As serpentes são animais ectotérmicos (animais de sangue frio) que não conseguem produzir calor ou suor, mas regulam sua temperatura corporal de acordo com a temperatura do ambiente a sua volta (Canter et al., 2008).
Figura 3: Respostas dos alunos acerca da temperatura corporal das serpentes
Quando nos referimos à biologia geral das serpentes, em especial a morfologia básica, etologia e ecologia, podemos observar por meio dos resultados que os alunos possuíam pouco conhecimento científico a respeito dos temas. Conseguimos observar que, antes da palestra de Educação Ambiental desenvolvida pelo projeto, grande parte dos alunos possuía pouco conhecimento acerca do comportamento defensivo das serpentes, pois elas só picam ou mordem quando se sentem acuadas. Do mesmo modo, acerca da textura de suas escamas que são completamente secas ou acerca da sua temperatura corporal que oscila, de acordo com a temperatura ambiente. Os resultados obtidos neste tópico da pesquisa corroboram dados obtidos por Mendes (2018) quando a autora constata grandes limitações nos conhecimentos prévios dos alunos a respeito de diversos assuntos relacionados às serpentes, principalmente no que se refere à biologia desses animais.
Conservação de serpentes
Quanto à possibilidade de matar ou não uma serpente em caso de encontro com uma, grande parte dos alunos, mesmo antes da palestra, respondeu que “não a matariam em hipótese alguma” (Figura 4). Embora o número de alunos que assinalaram a opção que “matariam a serpente” caso a encontrassem não seja tão expressivo frente ao número total de alunos (foram quase 30% dos entrevistados no questionário diagnóstico), encontramos resultados diferentes dos obtidos no estudo desenvolvido por Pontes et al. (2017). Nesse caso, os entrevistados que assinalaram que matariam a serpente caso a encontrassem não passaram de 17% dos entrevistados.
Figura 4: Respostas dos alunos acerca da possibilidade de matar ou não matar uma serpente
Após a palestra, foram novamente perguntados se matariam uma serpente caso a encontrassem. Apenas 13 alunos disseram que sim ou que talvez matassem. Desses, 8 alunos não participaram da atividade de Educação Ambiental promovida pelo projeto e 95 alunos disseram que não matariam a serpente em caso de encontro, o que nos dá um total de 88% dos alunos. Houve diminuição expressiva no percentual de alunos que assinalaram que matariam uma serpente em caso de encontro.
Com relação a uma possível diferenciação entre uma serpente peçonhenta de outra não peçonhenta, antes da palestra a maioria dos alunos dizia que não saberia diferenciar uma da outra e alguns alunos assinalaram que sim ou talvez conseguissem diferenciá-las (Figura 5).
Figura 5: Respostas dos alunos quando questionados acerca da identificação de serpentes
Tendo em vista que os livros didáticos têm papel de destaque em fontes de pesquisas em sala de aula para professores e alunos, esses resultados reforçam o que pode ser observado na pesquisa desenvolvida por Sandrin et al. (2005). Em análise de materiais didáticos a respeito das serpentes citadas, encontramos diversos erros conceituais, de classificação e de identificação, por vezes citando informações obsoletas ou inaplicáveis à nossa biodiversidade de serpentes. Um resultado semelhante foi observado no estudo desenvolvido por Freitas e Júnior (2021), mostrando que 58,8% dos entrevistados não conseguiram diferenciar serpentes peçonhentas de não peçonhentas no Brasil.
A respeito da diferenciação entre uma serpente peçonhenta e uma não peçonhenta, os 22 alunos que se ausentaram da atividade de Educação Ambiental assinalaram não saber como diferenciá-las. Dentre esses, apenas 13 disseram que não conseguiriam identificar se uma serpente é peçonhenta ou não e 73 alunos (67,5%) assinalaram que sim ou talvez conseguissem identificar a que grupo a serpente pertence.
Com relação à importância ecológica, embora saibamos que as serpentes desempenham papel de relevância no equilíbrio dos ecossistemas, promovendo principalmente controle populacional de diversas espécies animais (Santos et al., 1995), apenas dois alunos dos 83 entrevistados souberam responder a questão, apontando fatores relevantes para a importância das serpentes nos ecossistemas. Eles citaram “são predadores naturais de outros animais e isso impede que esses animais se tornem ou formem superpopulações” e “porque servem de alimento para outros animais”. Os outros 81 alunos não souberam apontar nenhuma importância ecológica das serpentes para os ecossistemas. Os resultados do questionamento assemelham-se aos obtidos no estudo desenvolvido por Oliveira et al. (2022) com a participação de alunos do segundo segmento do Fundamental e mais da metade desses alunos desconhecem ou não são capazes de citar ao menos uma importância ecológica das serpentes para a natureza.
No questionário avaliativo, dos 22 alunos que não participaram da atividade de Educação Ambiental, quatro souberam citar ao menos um exemplo da importância ecológica das serpentes. Dentre os alunos que participaram da atividade, 14 não conseguiram citar ao menos uma importância delas e 72 alunos citaram ao menos uma importância das serpentes para a natureza. As serpentes são seres estritamente carnívoros, se alimentam sempre de outros animais e são agentes diretos no controle populacional de roedores, aves e outros répteis, além de servirem de alimento para outros animais (Martins; Molina, 2008).
Algumas citações relevantes e pontuais de alguns alunos chamaram a atenção para a mudança na percepção deles acerca das serpentes.
Quadro 4: Respostas dos alunos a respeito da importância das serpentes
Aluno |
Resposta |
1 |
“São controladoras de pragas, como ratos” - 57 alunos (52,8%) |
2 |
“São comida de outros animais” - 49 alunos (45,5%) |
3 |
“São parte de uma cadeia alimentar” - 49 alunos (45,5%) |
4 |
“São importantes para a fabricação de remédios e vacinas” - 26 alunos (24%) |
Essa mudança de percepção quanto à importância das serpentes para a natureza assemelha-se ao que foi relatado no estudo de Souza et al. (2014). Os autores observaram uma mudança significativa em relação à imagem que os alunos tinham da importância biológica das serpentes de forma mais específica.
Primeiros socorros em acidentes ofídicos
Quanto aos primeiros socorros em casos de acidentes envolvendo as serpentes, antes da palestra poucos alunos apontaram medidas que seriam eficazes no auxílio à pessoa acidentada. A maioria dos alunos que mencionou alguma forma de socorrer as vítimas de acidentes ofídicos citou medidas como “pressionar o local da picada para que o veneno não se espalhasse” ou “mataria a serpente e não saberia o que fazer com a pessoa”, indo na contramão das orientações dadas por Lamim-Guedes (2020), que indica lavar o ferimento de forma simples, se dirigir ao hospital mais próximo e, se possível, tentar identificar a serpente envolvida no acidente, além de beber bastante água. Além disso, a maioria dos alunos respondeu que não saberia o que fazer. Vale ressaltar que a inatividade ou a tomada de decisões equivocadas, como optar por tratamentos paralelos à aplicação do soro antiofídico indicado e o tratamento médico adequado, podem resultar em agravamento do quadro de saúde da vítima do acidente (Soares et al., 2014).
Figura 6: Respostas dos alunos acerca dos primeiros socorros em acidentes ofídicos
No que se refere aos primeiros socorros às vítimas de acidentes ofídicos, apenas 7 dos 22 alunos (que não participaram da atividade de Educação Ambiental) souberam responder de maneira correta a respeito do que se deve fazer. Cinco deles disseram não saber o que fazer e alguns citaram formas ineficazes de socorrer as vítimas, como prender o sangue no local da picada, pressionar o ferimento ou ainda tentar sugar o veneno. Quanto aos alunos que participaram da atividade, apenas nove disseram que não sabiam o que fazer ou que ficariam nervosos diante de uma vítima de acidente ofídico; 94 alunos souberam responder, citando formas eficazes de primeiros socorros envolvendo serpentes e pessoas. Alguns citaram inclusive a possibilidade de tentar identificar a serpente que causou o acidente, tirando uma foto do animal a uma distância segura, pois isso facilita o atendimento médico.
Comparando algumas respostas dos alunos antes e depois da palestra, conseguimos observar mudanças consideráveis no que se refere aos primeiros socorros às vítimas de acidentes ofídicos (Quadro 5).
Quadro 5: Respostas dos alunos acerca da importância dos primeiros socorros
Antes da palestra |
Depois da palestra |
“Ficaria desesperado(a)” |
“Ajudava a pessoa a ir pro médico” |
“Mataria a cobra, e não sei o que faria com a pessoa” |
“Levaria a pessoa pro hospital” |
“Sairia correndo” |
“Ligaria pra ambulância pra levar logo pro médico” |
“Não faria nada” |
“Tiraria uma foto da cobra e iria pro médico com a pessoa, se eu conseguisse” |
“Prenderia o machucado com um pano” |
“Lavaria o machucado pra limpar e levaria a pessoa pro médico” |
“Tentaria sugar o veneno com a boca” |
“Levaria pro médico” |
Conclusão
Com este trabalho, analisamos a percepção dos alunos do Ensino Fundamental II de uma escola pública situada no município de Seropédica/RJ acerca da etologia, anatomia de serpentes e acidentes ofídicos e avaliamos a influência de uma atividade de Educação Ambiental para a sensibilização dos estudantes a respeito do tema. Concluímos que poucos alunos demonstraram domínio prévio do tema e poucos foram capazes de diferenciar uma serpente peçonhenta de uma não peçonhenta, assim como poucos alunos foram capazes de dizer uma forma eficaz de se tratar uma pessoa envolvida em um acidente ofídico ou um número ainda menor de entrevistados conseguiu citar alguma importância das serpentes, seja ecológica ou medicinal.
Os resultados obtidos após a atividade de EA foram consideravelmente diferentes dos anteriores, pois grande parte dos alunos conseguiu trazer resultados satisfatórios quanto à biologia geral das serpentes acerca da temperatura corporal, da textura de escamas, da diferenciação entre peçonhentas e não peçonhentas e até mesmo da importância médica e ecológica, bem como os primeiros socorros a pessoas envolvidas em acidentes ofídicos. Portanto, ressaltamos a importância da Educação Ambiental para a conservação da biodiversidade de serpentes e o bom convívio entre o ser humano e a natureza. Por meio da desmistificação desses animais, as pessoas passam a compreender o papel dos seres vivos no meio ambiente, além de servir de base para a elaboração de planos de inserção da Educação Ambiental no cotidiano escolar.
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Publicado em 26 de março de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Arthur Martins Marinho da; CRUZ, Ana Carolina Rodrigues da. A biodiversidade de serpentes sob a ótica de estudantes do Ensino Fundamental de uma escola pública do Rio de Janeiro: o papel da Educação Ambiental. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 11, 26 de março de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/11/a-biodiversidade-de-serpentes-sob-a-otica-de-estudantes-do-ensino-fundamental-de-uma-escola-publica-do-rio-de-janeiro-o-papel-da-educacao-ambiental
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