“E seu nome é Jonas” à luz da Educação e da Linguística

Igor Aquino de Pinho

Mestre em Biblioteconomia (UFCA), professor da Educação Básica no Estado do Ceará

Lucas Romário

Doutor em Educação (UFPB), professor do Departamento de Libras da Universidade Federal do Paraná (DELI/UFPR) e do Programa de Mestrado Profissional em Educação da Universidade Regional do Cariri (PMPEDU/URCA)

O longa-metragem E seu nome é Jonas, dirigido por Richard Michaels, lançado em 1979, conta a história da família de Jonas, um garoto norte-americano surdo, a qual luta para que ele desenvolva a plena comunicação; entretanto, dados o cenário e os pensamentos da época (a tendência educacional oralista), ele sofre uma série de barreiras e traumas que precisam ser quebrados a fim de que possa se comunicar livremente. Nesse contexto, a família de Jonas se depara com o pouco desenvolvimento comunicativo e cognitivo da criança, decorrente da falta da aquisição de sua L1 (primeira língua), como abordado por Sacks (1989).

Por isso, ao assistirmos ao filme, percebemos que, desde o início, o uso da língua de sinais não é a primeira opção de fonoaudiólogos(as) e professores(as) da época, ainda guiados(as) pelas tendências educacionais advindas do oralismo. Ressalta-se que o oralismo defende que a pessoa surda deva ser integrada à comunidade ouvinte, mas usando a língua oral-auditiva como forma de comunicação e expressão, e que a formulação dos sons deve vir antes da sua interpretação.

Para Goldfeld (2002, p. 94), “a filosofia oralista não considera os aspectos cognitivos”, fazendo com que as crianças surdas moldadas nessa filosofia linguística passem de um ambiente de conhecimento de mundo (o da língua de sinais) para outro de repetição sem ideias concretas (o das línguas orais). Assim, ao observar que as cenas do filme aconteceram ainda em um contexto oralista, vimos que as ideias do oralismo não conseguem suprir a necessidade comunicativa dos(as) surdos(as), tendo em vista que uma língua não é apenas uma forma supérflua de comunicação pelo canal oral-auditivo, mas o caminho para as ideias e ideologias a fim de se comunicar com o social (Bakhtin, 1993), o que não representa a necessidade linguística da comunidade surda, que é linguisticamente visuoespacial (Quadros; Schmiedt, 2006).

Nas cenas iniciais, percebemos que as crianças surdas estavam em asilos (comuns nas décadas de 1960 a 1980) com crianças com deficiências e síndromes diversas, sendo tratadas como “retardadas” (com o passar do tempo, o termo entrou em desuso, pelo estigma gerado em relação às pessoas com deficiência intelectual; contudo, considerando o ano de lançamento do filme, é o utilizado na trama). Essas crianças eram colocadas à margem da sociedade por serem consideradas um atraso perante o american way of life. Para Matos (2014, p. 251), “o american way of life era baseado principalmente na constituição familiar e no sucesso encontrado tanto nos negócios através do trabalho e da fama”, ideia essa concebida nos Estados Unidos, colocando como o único objetivo o sucesso do ser e a normatização da família. Esses asilos serviam para que as pessoas com deficiência não entrassem no cotidiano das cidades; o mais conhecido no contexto das pessoas surdas é o Asilo de Connecticut para Educação e Ensino de pessoas Surdas e Mudas, fundado por Thomas Gallaudet e Laurent Clerc nos Estados Unidos (Strobel, 2009).

Nesse contexto, a forma como Jonas era tratado reflete a ideia principal do método de ensino oralista, que priorizava a normalização da pessoa surda na comunidade ouvinte, trazendo a língua oral como forma única de comunicação. Porém a oralização da criança surda não faz com que ela obtenha a língua oral como L1 de forma espontânea e plena, passando por sessões exaustivas de terapia fonoaudiológica, na maioria dos casos sem sucesso. Sua língua materna deveria ser aquela que a faz interpretar o mundo, como afirma Goldfeld (2002, p. 93): “a língua materna é a que traz significações para a criança”.

Não obstante no início dos anos 1980 o bilinguismo ainda desse seus primeiros passos, é importante observar a negligência dos órgãos de educação para com a comunidade surda, já que os estudos revolucionários de William Stokoe se deram no início da década de 60, também nos Estados Unidos, que defendiam o uso e a disseminação das línguas de sinais.

Como a família e a escola não são ambientes isolados, Jonas enfrentava diversos problemas em seu lar: o pai que abandona a família no momento mais crítico; uma mãe que procura sempre o melhor para o filho, mas que desconhece o uso da língua de sinais; e professores(as) e fonoaudiólogos(as) totalmente voltados(as) às ideias de oralização de surdos(as). Nisso, percebemos que a barreira linguística impactava sua socialização e seu estado emocional, pois não conseguia expressar aquilo que sentia. Na perspectiva de Goldfeld (2022, p. 92), “o oralismo parece ignorar essas dificuldades que o atraso de linguagem cria e continua se fixando exclusivamente na necessidade de a criança surda oralizar”. Essa visão se baseia na ideia de que a pessoa surda precisa aprender a língua majoritária para ser aceita na comunidade que a cerca.

A família deveria ser a base não somente linguística de Jonas, mas também emocional, pois um ambiente familiar acolhedor e confortável é essencial para a progressão cognitiva da criança. Para Goldfeld (2002, p. 167), “cada família que tem um filho surdo deve estimulá-lo ao máximo a participar de todos os momentos interativos possíveis”. Ainda corroborando essa ideia de que a família é fundamental no desenvolvimento de qualquer criança, Roazzi, Freire e Souza (2012, p. 309) destacam que

é de responsabilidade da família contribuir com o desempenho escolar e com as competências do filho, em seu desenvolvimento escolar. Isto é, a família e a escola devem interfacear, em função de promover a autoestima e o interesse pelas atividades escolares, tendo em vista, inserir o aluno na dinâmica multidisciplinar e diminuir as altas taxas do fracasso escolar, que prejudica os adolescentes em formação acadêmica e interfere no progresso social.

Para Goldfeld (2002, p. 131), “as crianças surdas necessitam de estimulação especial em casa”, mostrando que, assim como para as crianças ouvintes, as trocas dialógicas no convívio familiar são imprescindíveis. Por isso, o ambiente familiar de Jonas é modificado apenas no fim do filme, quando a mãe percebe que a família deve ser parceira na aquisição da língua de sinais e de conhecimento para a criança na relação com seus pares surdos em um processo envolto em cultura surda. Após conhecer um novo modo de vida das pessoas surdas, a mãe de Jonas, que antes sem as devidas informações buscava incessantemente a oralização do filho, compreende que a língua de sinais não atrasaria o seu pensamento; pelo contrário, com um sistema linguístico completo e espontâneo para as crianças surdas, ele se desenvolveria em termos linguísticos, cognitivos e culturais, podendo se expressar, socializar e aprender, ingressando no mundo das artes, do conhecimento científico e acadêmico (Perlin; Miranda, 2003).

Nas cenas finais do filme, é possível ver a evolução do processo de aquisição da linguagem de Jonas com o uso da American Sign Language (ASL, Língua de Sinais Americana) e sua alegria ao finalmente conseguir se comunicar e compreender as coisas do mundo que o rodeavam. Isso é relatado na Linguística quando o ser desperta a função da comunicação da linguagem em seu uso social. À luz de Vygotsky (1989), é possível compreender que a língua de sinais medeia a regularização do pensamento da pessoa surda e da construção do diálogo do sujeito com o seu meio. Para o autor,

as características tipicamente humanas não estão presentes desde o nascimento do indivíduo nem são meros resultado das pressões do meio externo. Elas resultam da interação dialética do homem e seu meio sociocultural. Ao mesmo tempo que o ser humano transforma o seu meio para atender suas necessidades básicas, transforma-se a si mesmo (Vygotsky, 1995, p. 41).

Citando Vygotsky (1998) acerca do uso da linguagem, Abreu (2018, p. 8) relata que ela é "a forma principal de expressão de pensamentos e instrumento fundamental no processo de mediação da cultura". Por esse motivo, antes de conhecer a ASL, Jonas se via num mundo incompreensível e sem sentido, no qual as informações passavam despercebidas a ele e que ele não podia interferir em seu meio, já que não tinha o instrumento principal da comunicação e do diálogo: a língua (Bakhtin, 1993). Segundo Bakhtin (1990, p. 51),

é preciso insistir sobre o fato de que não somente a atividade mental é expressa exteriormente com a ajuda do signo (assim como nos expressamos para os outros por palavras, mímica ou qualquer outro meio), mas, ainda, que para o indivíduo ela só existe sob a forma de signos. Fora desse material semiótico, a atividade interior, enquanto tal, não existe.

Longe de conceber a língua apenas como uma estrutura fixa e sem alterações dos falantes (Saussure, 1999), a língua com a qual Jonas tem contato é aquela que advém do diálogo da comunidade surda, das relações sociais com as quais ele começa a ter contato. Essa língua é aquela que Bakhtin (1993) propõe e na qual Jonas mergulha por meio de um adulto surdo (assemelhando-se à figura de um professor surdo), ao conhecer ambientes surdos, como uma escola de surdos(as). Enquanto isso ocorre, Jonas passa a interagir com os sujeitos assim que conhece e usa a língua de sinais, quando se insere em um contexto em que a ASL se torna naturalmente sua L1.

Nota-se que é nessa perspectiva que as atuais filosofias educacionais se baseiam, sendo respaldadas por leis, diretrizes e normas nacionais e internacionais, a exemplo da Lei nº 14.191, de 3 de agosto de 2021 (Brasil, 2021), que altera a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos, a fim de assegurar à comunidade surda brasileira seus plenos direitos de desenvolver-se em sua própria modalidade linguística (visual-espacial), e não pela imposição da comunidade majoritária.

Destarte, o filme E o seu nome é Jonas, apesar de ter completado 45 anos em 2024, é atual por nos mostrar que antigas práticas culturais, linguísticas e educacionais continuam acontecendo com novas vestes, mas também que determinadas pautas históricas são cada vez mais necessárias para assegurar o direito educacional das pessoas surdas ao utilizar a língua de sinais para o seu desenvolvimento pleno, alcançando inclusive a aprendizagem da língua oficial de seu país (na modalidade escrita) por meio de uma educação bilíngue (Skliar, 2013).

Referências

ABREU, Josiely Gonçalves Soares de. A Linguagem no contexto da surdez: um estudo a partir da Psicologia Sócio-Histórica. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Psicologia), 2018.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1990.

BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato. Trad. Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza. São Carlos: Pedro & João, 1993.

BRASIL. Lei nº 14.191, de 4 de agosto de 2021. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Diário Oficial da União, 4 de agosto de 2021.

E SEU NOME É JONAS. EUA: Orion Pictures Corporation, 1979. VHS (100min).

GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionista. 2ª ed. São Paulo: Plexus, 2002.

MATOS, Thayza Alves. Literatura, crime e o caráter lacunar da(s) história(s). In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA UEG E FÓRUM DE ENSINO DE HISTÓRIA. Anais... v. 3, nº 1, p. 244-255, 2014.

PERLIN, Gladis; MIRANDA, Wilson. Surdos: o narrar e a política. Ponto de Vista, Florianópolis, nº 5, p. 217-226, 2003.

ROAZZI, Antonio; FREIRE, Hilda Bayma; SOUZA, Mônica Gomes Teixeira Campello de. A interface família e escola no desenvolvimento escolar. Amazônica, v. 8, nº 1, p. 298-309, 2012.

QUADROS, Ronice Müller de; SCHMIEDT, Magali L. P. Ideias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC/Seesp, 2006.

SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de Janeiro: Imago, 1989.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Trad. Antônio Chelini, José Paulo Paes, Isidoro Blikstein. 25ª ed. São Paulo: Cultrix, 1999.

SKLIAR, Carlos. Os estudos surdos em educação: problematizando a normalidade. In: SKLIAR, Carlos (org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. 6ª ed. Porto Alegre: Mediação, 2013. p. 7-32.

STROBEL, Karin. História da Educação de Surdos. Florianópolis: Ed. UFSC, 2009.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

VYGOTSKY, L. S. Obras Escogidas. v. III. Madrid: Visor, 1995.

Publicado em 09 de abril de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

PINHO, Igor Aquino de; ROMÁRIO, Lucas. “E seu nome é Jonas” à luz da Educação e da Linguística. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 13, 9 de abril de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/13/re-seu-nome-e-jonasr-a-luz-da-educacao-e-da-linguistica

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.