Cultura de paz nas escolas com base na Comunicação Não Violenta

Frank Jose Silveira Miranda

Professor associado da UFU, doutor em Ciências da Saúde, mestre em Enfermagem, especialista em Saúde da Família, psicólogo e enfermeiro

Relato de experiência

Este relato tem como objetivo apresentar as vivências do Congresso de Cultura de Paz nas Escolas com Base na Comunicação Não Violenta. O evento foi realizado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Minas Gerais, com apoio financeiro do Programa de Incentivo, Apoio e Eventos (Piaev), aprovado em outubro de 2023.

O congresso surgiu a partir das vivências de professores da Faculdade de Medicina da UFU (Famed), estudiosos da temática Comunicação Não Violenta (CNV), e foi pensado e articulado em conjunto com alunos dos cursos de Enfermagem, Medicina e Relações Internacionais da mesma instituição. Cabe ressaltar que o financiamento foi a grande mola propulsora que permitiu a participação de palestrantes renomados, que compartilharam seus conhecimentos sobre a temática. O projeto incluiu o treinamento de professores e de diretores de escolas públicas e privadas da Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio e Superior de Uberlândia e região.

A escola é um espaço onde os alunos moldam grande parte de sua personalidade. É onde aprendem, fazem amigos e encontram exemplos a serem seguidos. Por ser um ambiente humano, é essencial que seja acolhedor e seguro. A CNV na escola pode ser uma peça-chave para o desenvolvimento positivo dos alunos, pois visa justamente atuar na resolução de conflitos e prevenir que eles ocorram. Ouvir e compreender o que o outro diz, além da forma como diz, contribui para os ganhos na comunicação estabelecida.

Os crescentes ataques às escolas e o aumento de situações violentas com desfechos trágicos demonstram a urgência de conversarmos sobre o tema e buscarmos movimentos que mitiguem tais atos. A violência nas escolas ainda é uma realidade. Segundo a Agência Senado, uma pesquisa da Associação dos Professores do Estado de São Paulo constatou que, em 2020, 54% dos professores relataram ter sofrido algum tipo de agressão, e 81% dos estudantes afirmaram saber de episódios violentos em suas escolas (Agência Senado, 2022). Um ambiente acolhedor pode influenciar o futuro dos alunos e suas capacidades de sucesso. Por isso, as escolas devem investir em atividades mais humanas, tendo a CNV como base.

Este relato descreve o esforço da equipe organizadora para alcançar objetivos como: capacitar professores de escolas públicas e privadas no uso da CNV; fomentar debates e trocas de experiências entre profissionais e a comunidade; promover o engajamento comunitário sobre a CNV; e desenvolver habilidades práticas relacionadas à temática. Nesse sentido, observou-se a institucionalização de diversos projetos nas secretarias de educação em todo o país, voltados para a promoção da cultura de paz (Pereira; Moura; Arruda, 2023).

Deparar-se com uma crítica sobre um amigo da escola e sentir-se triste, não aceitar que empurrou o colega, irritar-se e sair bravo com a atitude do outro ou julgar o amigo de sala por ter tirado uma nota considerada baixa são exemplos de comportamentos que se enquadram em uma comunicação considerada violenta (Melman, 2009). A proposta apresentada busca mudar a realidade de forma positiva, significativa e leve, promovendo uma sociedade mais justa e equitativa.

Pensando em formas de amenizar essas relações, o psicólogo estadunidense Marshall Bertram Rosenberg, na década de 1960, cunhou o termo "Comunicação Não Violenta (CNV)" a partir de experiências vividas durante sua infância. Ele analisou como o comportamento das pessoas variava entre aqueles que se comunicavam de forma violenta e os que agiam de maneira mais compassiva e compreensiva. Marshall atuou como orientador educacional e percebeu a importância da prática pacífica na comunicação como ferramenta norteadora para a resolução de conflitos. Suas ideias serviram de base para métodos adotados por diferentes profissionais ao redor do mundo, principalmente líderes e educadores (Rosenberg, 2006).

Mas, afinal, o que é e como se comunicar de forma não violenta? A CNV manifesta-se em qualquer ato ou comportamento cotidiano, tanto nas relações interpessoais quanto na família, no trabalho, nos pequenos gestos e no diálogo (Silva, 2006).

O que as crianças podem ensinar e aprender sobre Comunicação Não Violenta? As crianças, naturalmente curiosas, ao desenvolverem autonomia na infância, ampliam seu potencial criativo. A CNV entende que, por trás de todo sentimento, existe uma necessidade atendida ou não atendida.

Os quatro pilares da Comunicação Não Violenta são:

  1. Observação: o julgamento social está ligado à necessidade de querer influenciar as cenas. Ao enfrentar uma situação incômoda, o primeiro passo é observá-la sem julgamentos. Embora desafiador, afastar-se de dos nossos juízos de valores é um processo libertador.
  2. Sentimento: Embora pareça simples, isso também é mais difícil na prática do que imaginamos. Expor nossos sentimentos significa nos responsabilizar por eles e, ao mesmo tempo, revelar nossa vulnerabilidade. Nem sempre estamos dispostos ou abertos a fazê-lo.
  3. Necessidade: Junto aos sentimentos, surge a tendência de expressar as necessidades, os valores e os desejos que geram sentimentos. Torna-se essencial compreender o que realmente o estudante precisa emocionalmente.
  4. Pedido: A CNV destaca que pedidos formulados com uma linguagem positiva têm mais chances de serem entendidos e atendidos do que aqueles feitos com um discurso negativo.

É justamente nesse ponto que a abordagem da CNV se torna útil, ajudando-nos a agir de forma mais assertiva.

Um dos produtos desenvolvidos foi a criação de um marcador de página contendo uma lista de sentimentos e de necessidades fundamentais para a CNV. Tal item tem como objetivo organizar a estrutura mental e fortalecer a busca pela compreensão das complexas relações sociais entre os sujeitos durante nosso encontro.

Marcador de página distribuído no congresso

Figura 1: Marcador de página distribuído no congresso

Para além desse produto, os participantes do evento puderam participar de uma oficina de treinamento com as especialistas no assunto, a fim de transformar a teoria em prática.

Considerações finais

Acredita-se que o evento foi marcado por um processo de fortalecimento dos profissionais que atuam diretamente com a temática de Comunicação Não Violenta na cidade. Percebeu-se que o evento reuniu e uniu as pessoas que cuidam de duas necessidades importantes para os coordenadores do projeto, que são a paz e a segurança. Em um mundo de vulnerabilidades, conversar sobre essa temática foi reacender a luz da esperança por dias mais compassivos.

Referências

AGÊNCIA SENADO. Violência nas escolas: especialistas reforçam importância de acolhimento de estudantes. São Paulo: Agência Senado, 2022.

MELMAN, Jonas et al. Tecendo redes de paz. Saúde e Sociedade, v. 18, nº supl. 1, p. 66-72, 2009.

PEREIRA, Ives da Silva; MOURA, Sergio Arruda de. Uma reflexão sobre a violência nas escolas: o lugar como espaço de produção simbólica. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 25, 4 jul. 2023.

ROSENBERG, Marshall B. Comunicação Não Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.

SILVA, Maria Júlia Paes da. Comunicação tem remédio: a comunicação nas relações interpessoais em saúde. São Paulo: Loyola, 2006.

Publicado em 07 de maio de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

MIRANDA, Frank Jose Silveira. Cultura de paz nas escolas com base na Comunicação Não Violenta. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 16, 7 de maio de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/16/cultura-de-paz-nas-escolas-com-base-na-comunicacao-nao-violenta

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.