Feira de Ciências do Agreste Sergipano: um instrumento para melhoria da educação científica de estudantes da Educação Básica

João Paulo Mendonça Lima

Professor doutor em Química na UFS – campus Professor Alberto Carvalho

José Almir de Goes Júnior

Licenciando em Química (UFS – campus Professor Alberto Carvalho)

Maria Indaiá Santos Bispo

Licencianda em Química (UFS – campus Professor Alberto Carvalho)

Nirly Araujo dos Reis

Professora mestra em Química na UFS – campus Professor Alberto Carvalho

Marcelo Leite dos Santos

Professor doutor em Química na UFS – campus Professor Alberto Carvalho

Sabe-se que a Química é uma disciplina de caráter prático e teórico. Todavia, muitas vezes, as aulas dessa ciência limitam-se à reprodução de teorias e à memorização de fórmulas, equações e conceitos, o que pode gerar desinteresse por parte dos estudantes que não conseguem relacionar os conteúdos abordados em sala de aula com o contexto em que estão inseridos (Braibante; Pazinato, 2014).

No âmbito da Química, o uso da experimentação vai além de um recurso pedagógico que auxilia na compreensão de conceitos, pois estreita as relações entre teoria e prática que permeiam seu ensino (Ferreira; Hartwig, 2010). Nesse sentido, os experimentos devem ser conduzidos com o objetivo de permitir a visualização de fenômenos, a coleta de dados e a testagem de hipóteses, além de desenvolver habilidades como escrita e pesquisa. Quando conduzidos de forma a envolver os estudantes nas discussões em sala de aula, os experimentos podem contribuir para a qualificação da aprendizagem de fenômenos e teorias, bem como para o desenvolvimento de habilidades que favorecem a compreensão do funcionamento da ciência (Ferreira; Hartwig, 2010).

As atividades experimentais podem ser integradas a propostas de ensino que adotem uma abordagem interdisciplinar e contextualizada, além de poderem ser realizadas com um viés investigativo, considerando a articulação com a realidade (Silva; Machado; Tunes, 2010). Para os autores (2010), a relação entre fenômeno e teoria, fazer e pensar, está imbricada no processo de aprendizagem da Química, merecendo, portanto, atenção especial em sua implementação nas salas de aula de todo o Brasil.

Uma possibilidade de inserir a experimentação no contexto das salas de aula e em espaços não formais de ensino é por meio da realização de atividades de divulgação científica, como as feiras de ciências. Segundo Dias et al. (2020), os alunos se sentem motivados ao participar de projetos científicos, desenvolvendo protagonismo e autonomia na escrita, na pesquisa e na apresentação dos resultados de suas investigações, passando, assim, de espectadores a construtores de conhecimento. Atividades como feiras de ciências permitem a aprendizagem a partir da busca por experimentos e sua explicação, além da escrita de projetos e de relatórios. Além disso, os estudantes participam de comunidades argumentativas ao divulgar seus trabalhos para além da sala de aula, assumindo o protagonismo de sua aprendizagem (Costa; Zompero, 2017).

A compreensão de que a experimentação é um recurso didático importante no ensino de Química, aliada à constatação de que, no estado de Sergipe, ainda há dificuldades em sua implementação nas escolas de Educação Básica, motivou a elaboração do projeto "Laboratório Interativo de Química: uma possibilidade de articulação entre oficinas de experimentos e feira de ciências no Agreste Sergipano". Esse projeto teve início com um processo de tematização e de revitalização do laboratório de Química do Colégio Estadual Murilo Braga, localizado na cidade de Itabaiana, região agreste do Estado de Sergipe, e culminou com a criação da primeira Feira de Ciências do Agreste Sergipano (Fecase).

O foco principal da Fecase foi promover uma competição de experimentos químicos, na qual estudantes da Educação Básica de escolas públicas e particulares pudessem desenvolver seu protagonismo na aprendizagem da Química. Além disso, foram estabelecidas parcerias com os departamentos de Educação, de Física e de Química para a realização de atividades como mostra de robótica, lançamento de foguetes, demonstração de experimentos de Física, exposição de fotografias históricas sobre o desenvolvimento da ciência, além da apresentação de trabalhos sobre a qualidade da água e formas alternativas de fotografia.

Assim, o objetivo deste trabalho é socializar as características da Fecase, bem como apresentar os resultados obtidos na formação dos estudantes da Educação Básica por meio da participação no processo de elaboração e apresentação de propostas de experimentos químicos.

Metodologia

O estudo foi realizado na Universidade Federal de Sergipe (UFS), no campus Professor Alberto Carvalho. Os dados apresentados resultam do registro das atividades ocorridas durante a Fecase e da aplicação de um questionário, elaborado no Google Forms, respondido por 21 alunos que enviaram propostas de experimentos químicos para a feira.

A pesquisa foi desenvolvida a partir da abordagem qualitativa, pois considera percepções pessoais, o ambiente natural e os significados atribuídos pelos participantes a um determinado tema (Bogdan; Biklen, 1994). A análise e a organização dos dados foram inspiradas na obra de Bardin (2011).

A primeira edição da Fecase ocorreu em 25 de novembro de 2022, sendo organizada por profissionais e alunos vinculados ao Departamento de Química da Universidade Federal de Sergipe, campus Professor Alberto Carvalho, localizado no município de Itabaiana, Sergipe. O evento foi planejado considerando as etapas descritas na Figura 1. Inicialmente, foram realizadas reuniões para a estruturação de cada etapa da Fecase, desde a validação das normas até a definição dos critérios de premiação.

Figura 1: Etapas de realização da Fecase

Fonte: Dados do projeto.

A validação das normas da feira contou com a colaboração e a participação de professores e de alunos do curso de Licenciatura em Química, além de docentes da Educação Básica e Superior, conforme ilustrado na Figura 2. Durante as reuniões, foram discutidas questões relacionadas ao cronograma de atividades do evento, à estrutura e à proposta de trabalho a ser desenvolvida (template), à forma de envio das propostas por parte das instituições de ensino e à premiação da equipe vencedora.

Grupo de pessoas sentadas ao redor de uma mesa

Descrição gerada automaticamente

Figura 2: Reunião para validação das normas da Fecase

A divulgação da feira ocorreu por meio de redes sociais, como o Instagram, além de um e-mail criado especificamente para o evento. Também foram realizadas visitas in loco a todas as escolas das redes pública e privada que ofertam Ensino Médio na cidade de Itabaiana e em outras seis cidades localizadas na região agreste do estado de Sergipe. Durante a divulgação, foi apresentado um experimento químico para estimular os estudantes a participarem da feira, conforme ilustrado na Figura 3.

Figura 3: Divulgação da Fecase

Esses momentos também foram aproveitados para estabelecer contato direto com os professores, especialmente os de Química, incentivando-os a orientar seus alunos na submissão de trabalhos. Além disso, foram distribuídos cartazes contendo informações sobre datas e prazos de inscrição, normas de envio e endereços eletrônicos para submissão de propostas e de resolução de dúvidas. 

Após o período de divulgação, professores e alunos tiveram tempo para preparar suas propostas. Foi disponibilizado um modelo para a escrita dos trabalhos, contendo título, introdução baseada em uma situação-problema, procedimento experimental, explicação e referências utilizadas na escrita do trabalho.

O processo de recebimento e de avaliação dos trabalhos contou com a emissão de dois pareceres. Em caso de discordância quanto ao aceite, era realizada uma terceira avaliação. Ao todo, 26 propostas de experimentos foram selecionadas e consideradas aptas a participar da primeira Feira de Ciências do Agreste Sergipano. As instituições participantes não se restringiram ao agreste, abrangendo também escolas de outras regiões do estado, incluindo a capital, Aracaju.

No dia do evento, as apresentações passaram por uma nova avaliação para a definição das equipes vencedoras. Todos os trabalhos foram certificados, e as três equipes com melhor avaliação receberam medalhas. Além disso, a equipe mais bem avaliada recebeu um kit de experimentos contendo vidrarias e reagentes, destinado ao professor e à escola, conforme ilustrado na Figura 4. Esse grupo também foi contemplado com um estágio de um mês nos laboratórios didáticos e de pesquisa em Química, com o desenvolvimento de um plano de trabalho.

Figura 4: Equipe vencedora recebendo prêmio

Análise do perfil dos participantes da pesquisa

Os participantes da pesquisa têm entre 15 e 20 anos. Dentre eles, oito estudantes declararam estar matriculados na primeira série do Ensino Médio, quatro na segunda e nove na terceira. Os alunos são oriundos de escolas de diferentes municípios que participaram do evento, a exemplo das seguintes instituições: Colégio Estadual Murilo Braga (Itabaiana), Colégio Estadual Professor Nestor Carvalho de Lima (Itabaiana), Colégio Dom Bosco (Itabaiana), Alternativo Colégio (Itabaiana), Colégio Estadual Marcolino Cruz Santos (Macambira), Centro de Excelência Abdias Bezerra (Ribeirópolis), Centro de Excelência Emiliano Ribeiro (São Domingos), Centro de Excelência José Rollemberg Leite (Aracaju), Centro de Excelência Leandro Maciel (Aracaju) e Instituto Federal de Sergipe (Lagarto).

Os dados apresentados evidenciam a diversidade de participantes da pesquisa, bem como a predominância de alunos e de propostas oriundas das escolas localizadas na cidade sede do campus. No entanto, embora Itabaiana esteja situada em uma região central do estado e próxima a outros municípios, observou-se que o grupo de respondentes da pesquisa nunca havia participado de atividades no campus da UFS, conforme ilustrado no Gráfico 1. Esse dado destaca a necessidade de uma maior aproximação entre a Universidade e a escola, reforçando a importância da concretização de ações que favoreçam essa integração.

Gráfico 1: Participação dos alunos em atividades na UFS antes da Fecase

Fonte: Dados do projeto.

Análise dos resultados da participação no processo de elaboração e apresentação de propostas de experimentos químicos na formação dos alunos

Como apresentado anteriormente, a Fecase teve como principal objetivo desenvolver o protagonismo dos alunos da Educação Básica no processo de aprendizagem da Química. Para isso, o percurso metodológico envolveu a elaboração e a apresentação de propostas de experimentos químicos. De acordo com Ferreira e Hartwig (2010), eventos como feiras de ciências contribuem para o desenvolvimento de habilidades como escrita, pensamento crítico, trabalho e aprendizado coletivo, além de ampliar a visão cultural e enriquecer competências importantes para a vida pessoal e social.

As respostas apresentadas pelos participantes da pesquisa confirmam as ideias de Ferreira e Hartwig (2010) e evidenciam a importância da participação na Fecase para a formação dos alunos:

A3: O processo de escrita me deu acesso à escrita científica e acesso à literatura, [o] que agregou bastante ao meu ensino aprendizagem.

A5: No meu trabalho, em específico, foi necessário realizar bastantes experimentações e pesquisa por meio de artigos para que eu pudesse apresentar um bom trabalho.

A18: Aprendi [a] mudar minha escrita. Perdi o medo de falar em público.

A10: Uma experiência que explora o conhecimento de sala de aula para além do método educacional padrão, mudando a mentalidade prática do estudante.

A11: Forma de aprender mais lúdica, mais interativa com o público.

A19: Ao fazer o experimento aprendemos mais.

As respostas dos alunos demonstram que, quanto mais protagonismo eles assumem na construção do próprio conhecimento, maior é seu desenvolvimento e sua maturidade intelectual.

Como mencionado por A19, ao realizar experimentos é possível aprender mais. Esse aprendizado, contudo, não ocorre instantaneamente; exige esforço e repetição, como destacou A5, além do acesso à literatura, conforme A3 falou. Nesse sentido, percebe-se que os alunos começam a compreender melhor como a ciência, e em particular a Química, funciona.

Além disso, como ressaltam Silva, Machado e Tunes (2010), o conhecimento gerado a partir da observação de fenômenos naturais e de experimentos laboratoriais exige um diálogo constante com a teoria. Portanto, torna-se evidente a necessidade de articular fenômeno e teoria para um aprendizado mais significativo.

Os dados evidenciam o potencial do envolvimento na elaboração e na apresentação de experimentos químicos para o desenvolvimento de competências e de habilidades importantes tanto para a vida acadêmica quanto para a vida cotidiana. Além do aprimoramento na pesquisa, na escrita e na oratória, a participação ativa na Fecase proporcionou aos alunos um aprendizado qualificado. Esses efeitos podem contribuir para todo o processo de desenvolvimento pessoal, acadêmico e profissional dos estudantes, auxiliando no raciocínio lógico, na resolução de problemas, na tomada de decisões e no aprendizado em novas experiências. Atividades como essa permitem que os alunos compreendam que o conhecimento é uma ferramenta poderosa, que possibilita explorar, investigar e experimentar o mundo ao seu redor de maneira criativa e inovadora.

Conclusão

Apesar da localização estratégica do campus Professor Alberto Carvalho, considerando sua proximidade e a abrangência dos municípios no entorno da cidade de Itabaiana/SE, os dados indicam a necessidade de fortalecer a integração entre a Universidade e a escola. Esse fortalecimento pode contribuir para a ampliação de ações voltadas à divulgação científica e ao incentivo ao ensino/aprendizado de Química.

A realização da primeira Feira de Ciências do Agreste Sergipano (Fecase) proporcionou uma oportunidade para a divulgação científica e para que estudantes da Educação Básica assumissem o protagonismo em sua aprendizagem de Química. Destacam-se os impactos positivos na formação dos alunos da Educação Básica, que encontraram, na concretização de seus trabalhos, uma oportunidade para a aprendizagem de conceitos químicos, bem como para o desenvolvimento de competências e de habilidades importantes à sua formação acadêmica e profissional.

Além disso, os resultados evidenciam a necessidade de ampliar o diálogo entre Universidade e escola, consolidando espaços de interação que extrapolem os limites do ensino tradicional e estimulem a inserção de jovens no universo da ciência. Nesse sentido, a institucionalização de iniciativas como essa não apenas fortalece a educação científica no estado de Sergipe, mas também potencializa o papel da Universidade como agente transformador da sociedade, promovendo um ensino de Química mais contextualizado, investigativo e socialmente comprometido.

Referências

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. 11ª ed. Lisboa: Edições 70, 2011.

BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e métodos. Porto: Porto, 1994.

BRAIBANTE, M. E. F.; PAZINATO, M. S. O ensino de Química através de temáticas: contribuições do Laequi para a área. Ciência e Natura, Santa Maria, v. 36, nº 2, p. 819-826, 2014. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/4675/467546184050.pdf. Acesso em: 10 maio 2023.

COSTA, W. L.; ZOMPERO, A. F. A iniciação científica no Brasil e sua propagação no Ensino Médio. Revista de Ensino de Ciências e Matemática, v. 8, nº 1, p. 14–25, 2017. DOI: 10.26843/rencima.v8i1.988. Disponível em: https://revistapos.cruzeirodosul.edu.br/index.php/rencima/article/view/988. Acesso em: 10 maio 2023.

DIAS, F. Y. E. C. et al. O papel da feira de ciências como estratégia motivadora para o ensino de Botânica na Educação Básica. Hoehnea, v. 47, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/hoehnea/a/yvDGCJ9h5SKYBrkZQ5zfvKH/?lang=pt. Acesso em: 10 maio 2023.

FERREIRA, L. H.; HARTWIG, D. R.; OLIVEIRA, R. C. Ensino experimental de Química: uma abordagem investigativa contextualizada. Química Nova na Escola, v. 32, nº 2, p. 101-106, 2010. Disponível em: https://cabecadepapel.com/sites/colecaoaiq2011/QNEsc32_2/08-PE-5207.pdf. Acesso em: 10 maio 2023.

SILVA, R. R.; MACHADO, P. F. L.; TUNES, E. Experimentar sem medo de errar. In: SANTOS, W. L. P.; MALDANER, O. A. (org.). Ensino de Química em foco. Ijuí: Unijuí, 2010. p. 231-261.

Agradecimentos

Agradecemos à Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica de Sergipe (Fapitec/SE) e à Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura (Seduc) pelo suporte financeiro e pela concessão de bolsas, bem como ao CNPq, por meio da chamada CNPq/MCTIC nº 05/19 – Programa Ciência na Escola. Expressamos ainda nossa gratidão aos profissionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e dos Departamentos de Química, de Física e de Educação do campus Professor Alberto Carvalho pelo apoio institucional e pela colaboração na realização deste trabalho.

Publicado em 07 de maio de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

LIMA, João Paulo Mendonça; GOES JÚNIOR, José Almir de; BISPO, Maria Indaiá Santos; REIS, Nirly Araujo dos; SANTOS, Marcelo Leite dos. Feira de Ciências do Agreste Sergipano: um instrumento para melhoria da educação científica de estudantes da Educação Básica. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 16, 7 de maio de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/16/feira-de-ciencias-do-agreste-sergipano-um-instrumento-para-melhoria-da-educacao-cientifica-de-estudantes-da-educacao-basica

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.