Heróis do Brasil profundo: um projeto didático de Língua Portuguesa
Isabella Daltro Amaral
Bacharelanda Interdisciplinar em Saúde (UFBA)
Júlia Moreira de Carvalho
Graduanda em Pedagogia (UFBA)
Lucas Gesteira Ramos da Silva
Mestre em Educação e Contemporaneidade (UNEB), bacharel Interdisciplinar em Artes (UFBA), graduando em Pedagogia (UFBA)
Mácia Conceição Andrade de Oliveira
Graduada em Relações Públicas (Unifacs), especialista em Administração (Unifacs) e em Responsabilidade Social Corporativa (Unifacs), graduanda em Pedagogia (UFBA)
Rosselinni Brasileira Rosa Muniz Gonçalves
Doutoranda em Educação (UFBA), mestra em Cultura e Sociedade (UFBA), bacharela Interdisciplinar em Humanidades (UFBA), graduada em Pedagogia (UFBA)
Thalita Almeida da Silva Rios
Graduanda em Pedagogia (UFBA)
Situação comunicativa
Primeiramente, é necessário explicitar a situação comunicativa prevista para este projeto didático, entendida como o contexto no qual se pretende compartilhar a produção cultural mobilizada. Trata-se do propósito que estrutura e direciona o projeto, conferindo-lhe sentido e justificativa. Neste caso, refere-se à concepção e realização de uma exposição: um evento organizado para a exibição de elementos selecionados que integram a categoria "heróis das lendas e mitos brasileiros".
Nesta proposta, as crianças do 3º ano do Ensino Fundamental serão incentivadas a preparar a exposição, tendo como referência seus heróis favoritos do repertório de lendas brasileiras. O evento de lançamento será voltado à comunidade escolar, podendo abranger familiares, professores e alunos de outras turmas. O espaço previsto para a realização da exposição são as dependências da escola, podendo ocorrer em sala de aula ou em outros ambientes escolares, conforme as possibilidades oferecidas por cada instituição.
Apresentação
O projeto Heróis do Brasil Profundo: um Projeto Didático de Língua Portuguesa busca envolver crianças do 3º ano do Ensino Fundamental nas narrativas dos heróis que integram as tradições da cultura popular brasileira. O objetivo é, primeiramente, possibilitar a apropriação desse repertório cultural para, em seguida, incentivá-las a compartilhar esses conhecimentos com o público, a quem se destina a exposição final.
Este projeto foi estruturado para ser desenvolvido ao longo de dez aulas, distribuídas em cinco semanas, com duas aulas semanais. O período de realização pode variar conforme as necessidades de cada turma e professor, podendo ser ajustado para um tempo mais curto ou mais extenso. No entanto, recomenda-se não ultrapassar o limite de seis semanas (ou doze aulas), a fim de evitar a dispersão dos alunos e a perda de interesse em relação à temática.
A proposta consiste em proporcionar às crianças o contato com as lendas e os mitos brasileiros, permitindo-lhes apropriar-se da linguagem específica desses gêneros textuais e de cada texto trabalhado, reconhecendo suas características e selecionando informações para a composição da exposição. Nesse processo, os estudantes serão incentivados a participar ativamente, uma vez que precisarão conhecer as lendas e os mitos antes de selecionar um herói ou uma heroína e aprofundar-se em sua história, preparando-se para sua posterior apresentação ao público.
Além disso, o projeto prevê a criação de uma instalação artística composta por desenhos, imagens, cenários, som ambiente e textos orais e escritos relacionados aos heróis das lendas e dos mitos brasileiros estudados. O propósito dessa instalação é possibilitar ao público uma apreciação estética visual, auditiva, oral e escrita dessas histórias e de seus protagonistas, além de promover a difusão do conhecimento e a valorização cultural dessas narrativas. A instalação favorece, assim, a imersão do público (e das crianças) no universo dos mitos e das lendas brasileiras, estimulando diferentes sentidos, como tato, visão e audição.
A escolha de abordar os mitos e as lendas brasileiros, especialmente aqueles oriundos dos povos indígenas e afro-brasileiros, tem como perspectiva reconhecer e valorizar narrativas pertencentes ao chamado "Brasil profundo", aquele que, para muitos habitantes das cidades, ainda permanece invisível. O Brasil profundo é o Brasil do mito, da lenda e do mistério. É o Brasil narrado por quem conhece os segredos da mata, do rio, do mangue e respeita as forças da natureza que ali habitam. É o Brasil que louva e reverencia seus ancestrais, símbolos de sabedoria e de coragem, verdadeiros heróis do povo, que protegem e guiam os brasileiros em seus caminhos de existência, reafirmando e valorizando a vida diante de seus incontáveis desafios e perigos.
Justificativa
Este projeto possibilita o cumprimento das legislações que preveem a obrigatoriedade da inclusão, nos currículos escolares brasileiros, de conteúdos relacionados à história e cultura afro-brasileira e indígena (Lei nº 10.639/03; Lei nº 11.645/08). Com ele, pretende-se oportunizar o conhecimento e a valorização positiva dessas culturas, que são matrizes da formação da identidade do povo brasileiro. Conhecer os mitos e as lendas do Brasil profundo é, portanto, uma oportunidade de reconhecer nossa própria identidade, por meio das histórias que habitam a memória do nosso povo.
As lendas e os mitos brasileiros refletem a riqueza cultural de um povo diverso como o nosso. Essas narrativas inspiraram a literatura nacional, produzida por inúmeros poetas e escritores com notável habilidade e domínio das letras. No entanto, é na oralidade que repousa sua origem, a raiz mais profunda, o manancial de sapiência e de mistério, do qual brota a fonte das palavras que, somente após muito tempo, se transformaram em tinta sobre o papel dos livros.
Trabalhar com os mitos e as lendas brasileiros é, assim, uma oportunidade de estabelecer a relação entre escrita e oralidade não como dimensões opostas da língua, mas como um contínuo, conforme defende Marcuschi (2008, p. 193). Essa abordagem permite um trabalho com a língua portuguesa que a compreende como algo vivo, em constante recriação. Dessa forma, possibilita-se um ensino centrado no texto e nas funções sociais das lendas e dos mitos: a perpetuação da memória de um povo e a ordenação do mundo por meio da atribuição de sentidos à existência.
Justifica-se a escolha da ênfase na categoria "heróis" para este projeto didático, pois esses personagens representam a materialização dos valores mais nobres que podem habitar a forma humana: coragem, bravura, sabedoria, prudência… Valores que devem ser cultivados por todos e, em especial, pelas novas gerações. Além disso, o reconhecimento dessas qualidades nos heróis do nosso povo desempenha um papel essencial na promoção da autoestima, pois, ao se perceberem como descendentes de homens e de mulheres virtuosos, os indivíduos podem fortalecer uma imagem positiva de si mesmos, de seu povo e de sua própria história.
Objetivos
Para fins elucidativos, elencamos a seguir os objetivos do projeto didático, identificando como objetivo geral: conhecer as lendas e os mitos brasileiros e seu valor histórico e cultural, bem como os heróis e as heroínas de cada história e suas virtudes.
Com relação aos objetivos específicos, optamos por dividi-los em dois grupos: o primeiro, relacionado à oralidade; o segundo, à escrita. No que diz respeito aos aspectos orais, destacamos:
- a compreensão da função social dos gêneros mito e lenda, considerando a perpetuação da memória de um povo e a ordenação do mundo pela atribuição de sentidos;
- a observação de características de variação linguística que ocorrem na oralidade;
- o estímulo a recontar oralmente mitos e lendas, conferindo forma própria às narrativas.
No segundo grupo, voltado à escrita, os objetivos são:
- compreender a especificidade da função social dos gêneros mito e lenda na modalidade escrita: a fixação de uma forma específica da narrativa e sua difusão para leitores distantes no espaço e no tempo;
- observar características de variação linguística que ocorrem na escrita;
- estimular o reconto de mitos e de lendas por meio da escrita, dando forma própria às narrativas.
Apesar dessa distinção entre os dois grupos de objetivos, não se deve entender que estamos estabelecendo dissociação entre eles, como se fossem independentes um do outro. Reconhecemos a oralidade e a escrita como um contínuo, de modo que ambos colaboram mutuamente – algo perceptível, inclusive, pela semelhança entre os objetivos de cada grupo. Essa distinção é, portanto, de ordem meramente didática, servindo para tornar mais claro ao professor o que se busca em cada etapa para a conquista do objetivo geral do projeto didático.
Conteúdos
Elencamos o seguinte conjunto de conteúdos para compor este projeto didático:
- sistema alfabético-ortográfico;
- vocabulário;
- comunicação oral
- produção de textos escritos;
- comportamentos escritores e leitores;
- mitos e lendas brasileiros.
Fundamentação teórica
Marcuschi (2008) destaca que os gêneros textuais são mais do que estruturas linguísticas, sendo fundamentalmente caracterizados como práticas sociais. Eles são fruto de seus contextos específicos e dão suporte às necessidades comunicativas de determinadas práticas sociais. Diante disso, o presente projeto propõe uma discussão sobre dois gêneros textuais – lendas e mitos –, por meio dos quais se busca ampliar o repertório cultural das crianças, abordando histórias e cosmovisões das culturas afro-brasileira e indígena.
Nesse sentido, apoiamo-nos nas contribuições de Faraco e Zilles (2017), que discutem a língua como uma prática social e propõem a heterogeneidade linguística como algo intrínseco à natureza dinâmica, multiforme movente da língua. Essa perspectiva reforça as discussões aqui apresentadas, considerando que a diversidade cultural é um dos pilares da formação cultural brasileira. Dessa forma, os gêneros abordados neste projeto são fundamentais para o reconhecimento dessa diversidade cultural, bem como da heterogeneidade linguística mencionada pelos autores.
A importância dessa discussão também é ressaltada por Mattos e Silva (2004), que salientam a importância da reconstrução histórica do português, processo que só pode ocorrer mediante o reconhecimento e a valorização das contribuições dos povos indígenas e afro-brasileiros na formação cultural do Brasil. Assim, trazer as narrativas dessas culturas para o ensino da língua significa inserir o texto na concretude das práticas sociais, que se constituem, sempre, por meio da interação entre sujeitos (Marcuschi, 2012).
Essa base teórica está alinhada com a concepção adotada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no que se refere ao ensino da língua. Para referendar legalmente este projeto didático, elencamos algumas habilidades previstas na BNCC, às quais ele oferece condições favoráveis de desenvolvimento. As habilidades da BNCC (Brasil, 2008) contempladas incluem: EF15LP01 (identificação da função de gêneros textuais cotidianos), EF15LP02 (estabelecimento de expectativas quanto aos textos a serem lidos), EF15LP03 (localização de informações explícitas nos textos), EF15LP09 (expressão oral clara), EF15LP10 (escutar atentamente a fala de outrem, sendo capaz de formular perguntas), EF15LP11 (reconhecer características de conversação social, respeitando-as), EF15LP12 (atribuir significados a aspectos não linguísticos observados na fala) e EF15LP13 (identificar finalidades da interação oral em diferentes contextos comunicativos).
Etapas previstas
A seguir, descrevemos as nove etapas previstas para a realização deste projeto didático, indicando, ao final de cada descrição, o número de aulas estimadas para sua execução.
a. Rodas de contação de histórias de mitos e lendas
A primeira etapa do projeto visa promover a comunicação oral do conteúdo de mitos e de lendas, com a finalidade de perpetuar a lembrança dessas histórias, que são repositórios da sabedoria e da cultura popular. Ao fazer uma roda junto às crianças, contando-lhes histórias dos mitos e das lendas brasileiros, o professor favorece o desenvolvimento da imaginação e a vivência do potencial da linguagem oral, com diversos recursos expressivos, tais como exclamação, pausa dramática e modulação da voz (volume alto e baixo, timbres variados, entre outros). Além disso, essa etapa também possibilita a interação com a linguagem não verbal por meio de gestos e de expressões faciais, que podem ser utilizados como recursos dramáticos. Favorece também a criação, pois, ainda que a história narrada seja a mesma, cada contador imprime sobre ela seu próprio jeito de contar, podendo inclusive suprimir ou adicionar trechos a gosto, desde que mantenha a essência da narrativa original. Essa etapa será realizada em uma aula.
b. Leitura de mitos e lendas em linguagem escrita
Na segunda etapa, serão apresentados aos estudantes livros com histórias de mitos e de lendas brasileiros, para que realizem a leitura individualmente ou em grupo. A proposta é que o próprio tempo da aula seja utilizado para que os alunos leiam esses materiais, ficando o professor como um ponto de apoio e de suporte para os estudantes. Essa etapa promove a apropriação pelo leitor do conteúdo de mitos e de lendas a partir do suporte escrito, com a finalidade de apreciação estética dessas histórias, bem como a difusão da sabedoria e do valor cultural intrínseco a essas obras. Favorece o cultivo do prazer no ato de ler, além do desenvolvimento da imaginação, do aprendizado de comportamentos leitores e do domínio do sistema alfabético-ortográfico, bem como a expansão do vocabulário. Ao final da aula, o professor pode estimular os estudantes a continuarem as leituras em casa. Essa etapa será realizada em uma aula.
c. Apreciação de produções audiovisuais relacionadas a mitos e lendas
Esta etapa do projeto promove o acesso ao conteúdo dessas narrativas por meio de materiais audiovisuais, com a finalidade de apreciação estética dessas histórias, bem como a difusão da sabedoria e do valor cultural intrínseco a essas obras. Essa atividade favorece a ampliação do entendimento das possibilidades narrativas e discursivas que existem além dos domínios oral e escrito, abrangendo filmes e outros vídeos que trazem os mitos e as lendas como objeto temático. Os filmes serão exibidos em sala de aula, e o professor ficará responsável por realizar a mediação. Essa etapa será realizada em uma aula.
d. Divisão da turma em pequenos grupos para seleção de heróis para exposição final
Esta etapa busca promover maior participação e concentração dos alunos. Cada grupo será orientado a escolher um herói presente nos mitos e nas lendas previamente apresentados à turma, com o objetivo de preparar uma exposição final para os demais alunos. Em seguida, os grupos deverão discutir as características do herói escolhido e selecionar as histórias nas quais ele aparece para apresentar na exposição. Essa etapa será realizada em uma aula.
e. Produção de textos escritos sobre mitos e lendas
Esta etapa tem como objetivo estimular cada grupo a escrever ou reescrever narrativas relacionadas ao herói escolhido. A finalidade é registrar histórias que, originalmente, pertencem à tradição oral, possibilitando fixar uma das versões possíveis dessas narrativas, respeitando a forma escolhida pelo narrador. Além disso, essa atividade favorece a percepção das variações linguísticas presentes na oralidade, em contraste com as características próprias da escrita. Também estimula a criação artística e o domínio das formas narrativas escritas, permitindo ainda o trabalho com ortografia por meio dos textos produzidos pelos estudantes. Essa etapa será realizada em uma aula.
f. Produção de desenhos dos heróis selecionados
Esta etapa do projeto pretende incentivar os membros de cada grupo a realizarem desenhos do herói que escolheram. As crianças farão a ilustração do personagem selecionado e serão estimuladas a representar, em seus desenhos, as características próprias dos heróis, previamente identificadas. O objetivo dessa atividade é promover a criatividade e a percepção dos alunos durante o processo de produção, além de favorecer a internalização e a apropriação dessas narrativas. Essa etapa será realizada em uma aula.
g. Prática de contação de histórias dos mitos e das lendas pelos alunos
Na presente etapa, cada grupo terá a oportunidade de, mais uma vez, se apropriar da oralidade dos mitos e das lendas escolhidos, agora não mais como ouvintes, mas como intérpretes, atuando como contadores de histórias. Os integrantes de cada grupo serão incentivados a recontar coletivamente a narrativa selecionada para o restante da turma, como forma de preparação para a apresentação que farão na exposição final. Essa atividade tem como finalidade proporcionar aos alunos a oportunidade de desenvolver a linguagem oral, explorando recursos narrativos como variação na tonalidade e modulação da voz, uso de gestos, pausas, entre outros. Antes do início da prática de contação de histórias, é recomendável que o professor apresente aos estudantes essas características, próprias do gênero roda de conversa, e realize dinâmicas que ajudem a quebrar a timidez dos alunos. Nessa etapa, pode ser especialmente útil contar com a facilitação de um profissional do teatro ou da contação de histórias. Essa atividade será realizada em duas aulas.
h. Preparação da instalação artística onde ocorrerá a exposição
Esta etapa do projeto consiste na utilização dos desenhos e dos textos escritos produzidos nas etapas anteriores para a composição de painéis temáticos que abordam os diferentes mitos e lendas, relacionados aos heróis escolhidos por cada grupo. Além desses elementos, a exposição poderá contar com outros recursos, como recortes de cartolina e papel crepom, além de som ambiente ou trilha sonora de mata, favorecendo a imersão no universo retratado. Essa etapa pode incluir ainda a confecção, pelos alunos, dos convites para a exposição.
Antes da realização dessa atividade, será necessário definir, em conjunto com a turma, o local da escola onde a instalação será montada e a data da exposição. Outro ponto a ser decidido antecipadamente é a escolha do público-alvo, que pode ser restrito à comunidade escolar ou incluir também pais e familiares dos estudantes. Essa etapa será realizada em uma aula.
i. Exposição dos heróis dos mitos e das lendas
A etapa final consiste na exposição propriamente dita, que abordará mitos e lendas brasileiros, bem como os heróis e as heroínas dessas histórias. A apresentação será feita pelas crianças para o público-alvo definido por elas, no dia e no local escolhidos. Cada grupo ficará responsável por apresentar um mito ou uma lenda, assim como o herói ao qual a história se refere. O professor atuará como mediador, prestando suporte aos grupos e supervisionando o andamento geral da exposição. Essa etapa será realizada em uma aula.
Avaliação
A avaliação da aprendizagem será realizada a partir de uma perspectiva formativa/mediadora de avaliação, que ocorre ao longo de todo o percurso. Nessa perspectiva, reconhece-se o trabalho do educador como sendo, prioritariamente, o de mediar o conjunto das práticas e das interações, além de organizar e planejar as atividades de modo a garantir situações que promovam o desenvolvimento pleno das crianças. Com esse propósito, será realizado o acompanhamento das ações do projeto, previstas nas etapas desenvolvidas, levando-se em consideração, principalmente, o engajamento e a participação ativa dos estudantes. Para tanto, os critérios avaliativos que serão validados são: compreensão das funções sociais dos gêneros textuais lendas e mitos; coerência e coesão nas produções textuais; reflexão sobre os heróis apresentados; e clareza na comunicação oral dos mitos e das lendas estudados.
O professor observará, acompanhará e registrará o processo das propostas dos estudantes que forem socializadas e/ou construídas coletivamente a partir dos objetivos de cada etapa do projeto didático. Os instrumentos avaliativos serão a própria observação das aprendizagens das crianças pelo professor, além dos registros que ele fará sobre o processo das propostas dos estudantes. O docente poderá socializar suas observações e seus registros com os estudantes após a realização da exposição final, em um momento conjunto para autoavaliação e devolutiva (feedback) a respeito do projeto didático.
Sugestões de mitos, lendas, heróis e heroínas a serem utilizados
A seguir, indicamos algumas propostas de lendas e de mitos, acompanhadas de seus respectivos heróis e heroínas; eles podem ser utilizados em diferentes etapas deste projeto de leitura. Essas sugestões foram fornecidas por Júlia Carvalho, uma das coautoras deste texto, que é de origem indígena. As indicações são oriundas da experiência de vida da coautora no âmbito das tradições orais da etnia Kaimbé, à qual Júlia pertence, e de suas experiências de interação com outros povos indígenas. Destacamos que, exatamente por esse motivo, aparecem aqui, como heróis, alguns personagens que, frequentemente, não foram assim identificados pelos folcloristas, embora o sejam, na perspectiva de vários dos nossos povos indígenas. Naturalmente, a lista a seguir pode ser complementada por outras lendas e outros mitos, bem como outras referências de heróis e de heroínas, presentes na literatura escrita ou que possamos ter acesso pela via da oralidade.
• Lenda da Yara: Narra a história de uma guerreira muito corajosa e bonita. Por causa desses atributos, seus irmãos a invejavam e queriam matá-la. Contudo, por ser forte, ela é quem os mata, fugindo em seguida, pois tem medo da punição que seu pai lhe daria. Fugir, porém, não adianta, e seu pai, que era o pajé da comunidade, a joga no rio. Os peixes, então, ficam com pena dela e a salvam, transformando-a em uma sereia. Yara possui uma aparência encantadora, bem como um canto hipnotizador. É descrita muitas vezes com longos cabelos pretos e olhos acastanhados, mas essa descrição varia muito conforme a localidade. Seu nome origina-se de Iuara, que significa “aquela que mora nas águas”.
Heroína: Yara.
• Lenda da Caipora: É uma das mais populares do folclore brasileiro, e, por isso, possui diferentes versões e registros. A versão mais conhecida é a de que ela seria um ser mítico que habita as florestas, sendo descrita com a aparência de uma indígena muito pequena, com o corpo vermelho, que vive de porcos-do-mato e protege os animais da caça, assemelhando-se à lenda do Curupira. A principal diferença entre esses personagens é a proteção exclusiva que a Caipora oferece aos animais contra a ameaça de serem caçados, espantando ou amedrontando os caçadores. Essa lenda possui muitas variações regionais, como a informação de que a Caipora teria a habilidade de ressuscitar os animais mortos nas caçadas, ou de que seria, na verdade, uma indígena com cabelos distribuídos por todo o corpo e pele escura. “Caipora” deriva do Tupi “caapora”, cujo significado é “morador do mato”.
Herói: Caipora.
• Lenda do Curupira: Conta a história de uma criatura que defende e protege a floresta. Sua origem é derivada dos povos indígenas e, segundo a lenda, sua aparência era a de um ser de baixa estatura, com cabelos vermelhos, pés ao contrário, ausência de pelos em certos locais, corpo com pelagem farta e dentes verdes. O nome Curupira deriva do Tupi, e existem divergências acerca de seu significado. O mais comum é a definição “corpo de menino”, mas também pode significar “pele de sarna”.
Herói: Curupira.
• A Lenda da Cobra Grande: Traz a história de uma indígena que teve filhos da cobra Boiuna. Ela deu à luz gêmeos que nasceram com a aparência de cobras. O menino chama-se Honorato (ou Norato) e a menina, Maria Caninana. Assustada com a aparência dos filhos, a indígena resolve jogá-los no rio. Os dois crescem e desenvolvem personalidades distintas: Honorato tem um bom coração, enquanto Maria Caninana possui um temperamento difícil e machuca as pessoas. Honorato, triste com as ações da irmã, decide matá-la para pôr fim à maldade dela.
Herói: Honorato.
• A Lenda do Jurupari: Possui diferentes versões. Uma delas retrata o Jurupari como um espírito de parentes já falecidos, que protege a natureza. Essa versão pertence aos povos indígenas do norte do país. Já a outra versão o retrata como um ser do mal, que invade os pesadelos e atormenta as pessoas.
Herói: Jurupari.
• A Lenda do Boitatá: É a história de um ser místico que defende e protege a floresta. Esse ser tem a forma de uma serpente de fogo muito grande, que vaga pelas matas da floresta com o objetivo de proteger os animais e as matas das queimadas. De acordo com a narrativa, a serpente pode se transformar em um tronco envolto em fogo, a fim de confundir aqueles que invadem e destroem a floresta. Além disso, conta-se que quem olhar nos olhos flamejantes da cobra acaba por perder a visão. O nome “Boitatá” tem origem no Tupi-Guarani e significa “cobra-boi-de-fogo-tata”.
Herói: Boitatá.
Referências
A HISTÓRIA DO MONSTRO KHÁTPY. Direção: Y. SUYA et al. Realização: Associação Indígena Kisêdjê, Video nas Aldeias. 5 min. Mato Grosso, 2009. Disponível em: https://vimeo.com/64251530. Acesso em: 4 dez. 2023.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.
BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 10 jan. 2003.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da União, Brasília, 11 mar. 2008.
BULE-BULE. Orixás em cordel. Camaçari: Pinaúna, 2018.
CARVALHO, A. A história do monstro Khátpy. São Paulo: Sesi, 2018.
CASCUDO, Luis da Câmara. Lendas brasileiras. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.
CESARINO, P. Histórias indígenas dos tempos antigos. São Paulo: Claro Enigma, 2015.
CONTOS DE ASÈ: OMOLU. Roteiro: Vovó Cici. 2018. Disponível em: https://youtu.be/MKLYfnAiIUE?si=vnBHEN9RuZb3jZTl. Acesso em: 4 dez. 2023.
FARACO, C.; ZILLES, A. (org.). Para conhecer norma linguística. São Paulo: Contexto, 2017.
FIRRIPALDI, C. Subida pro céu: mito dos índios Bororo. São Paulo: Melhoramentos, 1986.
MARCHUSCHI, L. Produção textual, análise de gênero e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.
MARCHUSCHI, L. Linguística de texto: o que é e como se faz? São Paulo: Parábola, 2012.
MATTOS E SILVA, V. Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2004.
MUNDURUKU, D. As serpentes que roubaram a noite e outros mitos. São Paulo: Peirópolis, 2001.
MUNDURUKU, D. Contos indígenas brasileiros. São Paulo: Global, 2005.
Publicado em 14 de maio de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
AMARAL, Isabella Daltro; CARVALHO, Júlia Moreira de; SILVA, Lucas Gesteira Ramos da; OLIVEIRA, Mácia Conceição Andrade de; GONÇALVES, Rosselinni Brasileira Rosa Muniz; RIOS, Thalita Almeida da Silva. Heróis do Brasil profundo: um projeto didático de Língua Portuguesa. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 17, 14 de maio de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/17/herois-do-brasil-profundo-um-projeto-didatico-de-lingua-portuguesa
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.