O ensino de Ciências da Natureza nas séries iniciais e seu novo currículo do Estado de São Paulo frente à Pedagogia Histórico-Crítica

Josinaldo Macelino de Sousa

Mestrando em Processos Formativos, Infância e Juventude (Unesp - câmpus Presidente Prudente), graduado em História (Unoeste) e em Pedagogia (Unesp-FCT), especialista em História e Cultura Afro-Brasileira, professor da ETEC-Centro Paula Souza e na rede estadual de ensino de São Paulo, atua na Pastoral da Criança no Ceará e em projetos de EJA

Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho

Professor livre docente em Educação e Desenvolvimento Humano (Unesp), pós-doutor (University of Bath. Inglaterra), doutor e mestre em Educação (Psicologia da Educação - PUC-SP), graduado em Psicologia e Educação Física (Unesp-Bauru), pesquisador e docente da Unesp de Presidente Prudente

Este artigo pretende discutir junto à Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) o processo de formulação do novo currículo do Estado de São Paulo em relação à área de Ciências humanas que abrange especificamente as disciplinas de Geografia e História nas séries iniciais do Ensino Fundamental, que tem como estrutura fundante a Base Nacional Comum Curricular, de 2017.

Em agosto de 2019 o currículo para as etapas da Educação Infantil e Ensino Fundamental I, com a organização da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação de São Paulo (Undime-SP) e a Coordenadoria Pedagógica (Coped/Seduc), aprovaram a primeira edição do Currículo.

Já a sua homologação foi anunciada posteriormente pelo secretário de Educação, Rossieli Soares da Silva, e pelo governador João Agripino da Costa Doria Junior, conhecido por João Dória (2019-2022), filiado ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), partido que por quase três décadas governou o Estado de São Paulo. Juntos, publicaram o novo Currículo da rede do estado abrangendo a Educação Infantil e Ensino Fundamental, dividido em duas partes – a primeira para as séries iniciais e a segunda para os anos finais.

Segundo o documento, foram consultados 645 municípios para sua elaboração. No entanto, na prática, quem estava no chão da escola não presenciou esse processo. A principal plataforma responsável por esse diálogo — a Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores do Estado de São Paulo (Efape) —, que deveria viabilizar o acesso, a escolha e a comunicação entre a rede de docentes do estado para garantir a participação aberta e transparente das comunidades escolares, apresentou falhas. Em determinado momento, chegou a travar subitamente, comprometendo a legitimidade, a clareza e o caráter democrático da consulta, ao contrário do que afirmou o Conselho de Educação do Estado de São Paulo.

A não participação da população contribuiu de forma negativa, já que um documento como esse necessitava, acima de qualquer forma, da participação ativa e direta dos seus profissionais da Educação, em especial.

O currículo traz uma vertente ao “novo” em que, na verdade, não há exclusividade alguma, já que remete às mesmas competências do currículo construído em 2008.

Outrossim, remete ao desenvolvimento integral do aluno no ensino de Ciências Humanas, valorizando seu conhecimento de mundo e dando liberdade para a construção de seu conhecimento e suas transformações. Isso é muito questionável, já que não encontramos um currículo, sequer na base da escrita e muito menos no chão da escola, que realmente se preocupe com o sujeito histórico de transformação e para a transformação, já que o documento foi pautado somente por competências e habilidades, sem consultas transversais e sem mudança de concepção daquilo que já havia sido construído.

Considerando esse currículo viável, adaptável e aderido por toda a rede do Estado de São Paulo, visto que mais de 600 municípios aderiram ao currículo em suas escolas por livre pressão pelo governador e seu secretário de Educação, e diante de tantos questionamentos e análises, trazemos a seguinte problemática: um currículo pautado por competências e habilidades daria conta de forma fundante e permanente do processo de ensino-aprendizagem em relação às Ciências Humanas, Sociais e Aplicadas logo nas primeiras séries do Fundamental em toda a rede do Estado de São Paulo?

Antecipadamente afirmamos que a problemática inferida acima é muito complexa para um currículo subversivo e antagônico, visto que o ensino público que norteia a qualidade e a equidade em seus espaços deve contemplar o todo, diferentemente do que aconteceu com o currículo do Estado de São Paulo.

São confrontos, enfrentamentos, esforço e impugnações que, por menores que sejam, devem ocorrer constantemente, não por aniquilamento, mas por repulsa ao que nos colocam em nossas bandejas na mesa da educação pública.

O ensino de Ciências Humanas nas séries iniciais e a “dissolução” do conhecimento no novo Currículo no Estado de São Paulo

Toda a educação do país vem sofrendo de forma drástica um destruimento totalizante em relação ao processo de ensino-aprendizagem significativo, já que todo o ensino passou a ser norteado pela Base Nacional Comum Curricular a partir de 2020. “Um planejamento de ensino alinhado à BNCC vigente não possibilita o desenvolvimento omnilateral dos adolescentes” (Anjos, 2020).

Não é a primeira vez que isso acontece; por vezes, Saviani (2016, p. 381) traz essa vertente em relação à construção da nossa atual LDB (Lei nº 9.394/96), que, na “tramitação, o projeto passou por diversas vicissitudes”, favorecendo a camada burguesa de nosso país.

Historicamente, o que foi construído e conquistado até aqui necessitou de lutas travadas que ocorreram sempre de dissensões entre a alta classe e a trabalhadora que por iminência tenta sobreviver no meio dos lobos. Toda essa luta causada pelo não direito à aprendizagem, pela desorganização tanto do sistema como dos procedimentos e a não aprendizagem em relação ao ensino público é reflexo de uma classe que procura a todo instante desestabilizar o estabelecido que por regra nunca foi estabilizado.

Quando nos referimos ao desestabilizado, podemos inferir, por exemplo, “marginalidade” do ensino, teoria muito bem elaborada por Saviani (2008), que relata a ideia de classes, grupos e formas que a educação criou de forma excludente no perpassar de sua história.

Temos o conhecimento de que o Estado de São Paulo buscou elaborar seu currículo contemplando as competências e habilidades gerais da base. Segundo o documento, essas competências e habilidades são essenciais para o desenvolvimento “cognitivo, social e emocional dos estudantes paulistas e considera sempre sua formação integral na perspectiva do desenvolvimento humano” (São Paulo, 2019, p. 11).

Uma educação que atende à classe burguesa de seu país e desfaz da trabalhadora, como o caso desse currículo, nunca será emancipatória e muito menos traçará caminhos igualitários, que, na verdade, é uma conjuntura de exclusão social educacional. Uma violência grotesca e violável no processo de ensino-aprendizagem. Portanto, isso significa que há lutas travadas pela frente: a primeira, pelo direito já adquirido, e por conseguinte, pela perda desse direito.

A classe dominante não coloca a escola a serviço da imposição da assim chamada cultura burguesa a toda população porque, do mesmo modo que o capital é riqueza humana transformadora em propriedade privada da burguesia, a assim chamada cultura burguesa é riqueza intelectual humana posta a serviço dos interesses de uma classe social (Duarte, 2016, p. 26).

A nossa história com a educação para todos e direito igualitário é muito recente, já que ocorreu a partir do ano de 1988, com a Constituição Federal (CF/88) que tornou esse direito “para todos”, mas não igualitário, já que os índices de analfabetismo e evasão escolar cresceram vertiginosamente nas últimas décadas e o direito de aprendizagem e a retirada de ensino que contemple todas as vertentes sociais, políticas e econômicas dos alunos no espaço escolar público de vez vem sendo visível a todo instante. É bom lembrar que, durante séculos, negros, filhos de escravos, pobres, filhos de pais agricultores e mães domesticas, assim como povos nativos da terra, filhos do proletariado, da empregada doméstica nunca tiveram acesso à escola pública, e isso continua sendo reproduzido, eficazmente.

A escola, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior, participa da luta de classes mesmo que os educadores não tenham consciência disso ou rejeitem esse fato. O desafio que a Pedagogia Histórico-Crítica tem assumido é o de se constituir num movimento nacional que explore as contradições da educação escolar brasileira na educação da socialização da propriedade dos conhecimentos científicos e filosóficos, entendendo-se esse movimento como parte da luta mais ampla pela socialização da propriedade dos meios de produção, ou seja, pela revolução socialista (Duarte, 2016, p. 21).

O Currículo Paulista se compromete com o letramento científico, fator primordial para a formação integral do aluno nas séries iniciais, pois, segundo o documento, “isso exige investir na formação de um sujeito transformador do seu meio, que reflita, proponha, argumente e aja com base em fundamentos científicos e tecnológicos” (São Paulo, 2019, p. 365).

Essa interpretação do mundo científico, dada como ênfase primordial, vai muito além de uma construção curricular por competências e habilidades, sendo o caso do Currículo Paulista de 2019. Os componentes oferecidos como norte da educação estão ligados para uma “concepção de alienação imposta pela sociedade capitalista” (Viotto Filho, 2021).

No que se refere ao ensino de Ciências Humanas para os anos iniciais do Ensino Fundamental, a Base Nacional Comum Curricular, “um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica” (Brasil, 2017, p. 7), na sua última versão, afirma que,

ao longo de toda a Educação Básica, o ensino das Ciências Humanas deve promover explorações sociocognitivas, afetivas e lúdicas capazes de potencializar sentidos e experiências com saberes sobre a pessoa, o mundo social e a natureza. Dessa maneira, a área contribui para o adensamento de conhecimentos sobre a participação no mundo social e a reflexão sobre questões sociais, éticas e políticas, fortalecendo a formação dos alunos e o desenvolvimento da autonomia intelectual, bases para uma atuação crítica e orientada por valores democráticos (Brasil, 2017, p. 354).

Nessa mesma vertente entrelaça o Currículo Paulista à construção conjunta dos conteúdos de que “as habilidades da área estão relacionadas de modo a construir e consolidar conhecimentos, desde a Educação Infantil, passando pelo Ensino Fundamental até o Ensino Médio, com vistas ao letramento científico” (São Paulo, 2019, p. 365).

O currículo também traz a menção de que é necessário assegurar aos estudantes o acesso à diversidade de conhecimentos científicos produzidos ao longo da história e sua permanência. No entanto, vale lembrar que o currículo não foi construído pensado junto à classe trabalhadora; sendo assim, “na sociedade capitalista o indivíduo singular é membro de uma determinada classe, submetido a um sistema de exigências sociais mediadas por grupos em que imperam as relações face a face determinadas pelos próprios sujeitos” (Viotto Filho, 2021, p. 107-133).

A proposição de tudo está ligada ao não direito permanente de aprendizagem, já que toda a construção foi pautada nas relações diretas da Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017), que é a subversão de todos os apontamentos de conhecimento científico.

Viotto Filho (2021) afirma que, “ao colocarem-se diante do sistema imposto pela sociedade capitalista, resta aos indivíduos singulares apenas o seu grupo familiar, a escola, a igreja, o trabalho e pequenos grupos de parentes e amigos” (Viotto Filho, 2021, p. 107-133). Além disso, implica afirmar que os seres apenas lidam com o meio de sobrevivência, ou seja, perdem o seu direito de aprendizagem no perpassar de toda sua história.

O conhecimento histórico científico também pode estar ligado diretamente às formas de trabalho, visto que,

por meio de sua atividade vital, o trabalho, o ser humano transformou e transforma a natureza impondo-lhe características humanas, ajusta a natureza aos seus objetivos e atribui aos objetos naturais significados e funções sociais (processo de objetivação) que serão apropriados por outros indivíduos (processo de apropriação) (Anjos, 2020, p. 181).

O próprio currículo se contradiz ao afirmar duas coisas: primeiro, ao posicionar estudantes e professores como “produtores de conhecimento” e, segundo, como “agentes de transformação social”. Essa contradição surge do fato de que o ensino e a aprendizagem não podem ser plenamente compreendidos ou realizados apenas a partir de uma abordagem centrada em competências e habilidades. Um currículo é construído ao longo do tempo, em um processo contínuo no qual seus agentes — professores, estudantes e comunidade — o reelaboram de acordo com suas necessidades e o contexto histórico em que estão inseridos.

O Currículo Paulista propõe que estudantes e professores se coloquem como produtores de conhecimento e que respeitem a diversidade humana. Desse modo, os estudantes também devem assumir o papel de protagonistas no processo de aprendizagem que tem início nos anos iniciais de escolarização e aperfeiçoa-se ao longo da vida, para se tornarem agentes de transformações no meio social (São Paulo, 2019, p. 341).

À luz do que estamos discutindo, diversos autores da área da Educação já alertavam sobre as “novas transformações” que poderiam surgir a qualquer momento, impulsionadas pelos interesses do capital, uma vez que a escola também se insere nas dinâmicas do capitalismo.

Por analogia, Saviani (2016), ao perquirir recentemente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 9.394/96), já previa o que está acontecendo com todas as transmutações e que por ventura iria ocorrer com o passar dos anos; infelizmente o autor foi muito certeiro ao escrever:

na atual conjuntura, marcada pelo golpe jurídico-midiático-parlamentar, a perspectiva que se delineia é de um grande retrocesso que deverá marcar tanto a LDBEN como a legislação complementar da Educação. É um momento grave este que estamos vivendo, no qual a educação é desafiada duplamente: por um lado cabe-lhe resistir, exercendo o direito de desobediência civil, às iniciativas de seu próprio abastecimento por parte de um governo que se instaurou por meio da usurpação da soberania popular sobre a qual se funda o regime político democrático (Saviani, 2016, p. 390).

Eventualmente, “cumpre lutar para transformar a situação atual, assegurando às novas gerações uma formação sólida que lhes possibilite o pleno exercício da cidadania, tendo vista não apenas a restauração da democracia formal, mas avançando para sua transformação em democracia real” (Saviani, 2016, p. 390).

Delineamento metodológico

Esta é uma pesquisa de abordagem qualitativa, visto que o pesquisador é o principal instrumento na coleta de dados. Portanto, se concebe via estudo de caso; para isso, escolhera-se como referencial autores como Bogdan e Biklen (1994) e Ludke e André (1986).

Bogdan e Biklen (1994, p. 48, 50) afirmam, em relação aos dados da pesquisa qualitativa: primeiro ponto, “na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal”. Os autores deste artigo buscaram todas as informações necessárias entre o Currículo Paulista e as referências de autores da área da Educação, em especial da teoria histórico-crítica, que dessem base para o estudo.

Em segunda instância, os autores afirmam que “a investigação qualitativa é descritiva. Os dados são recolhidos em forma de palavras ou imagens e não de números”. Portanto, nesta pesquisa tentou-se esmiuçar da melhor forma possível as interpretações do que foi analisado, tentando demonstrar não uma visão (inter)pessoal, mas sim o que realmente está por trás de todo o currículo.

Em continuidade, “os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos”. É necessária a autorreflexão, já que um documento tornou-se a diretriz de um ensino, no caso de Ciências Humanas para os anos iniciais.

No quarto ponto, apontam os autores, “investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva. E, por fim, o significado é de grande importância na abordagem qualitativa. Os investigadores que fazem uso desse tipo de abordagem estão interessados no modo como diferentes pessoas dão sentido às suas vidas”. Para os dois últimos pontos, é importante lembrar que o estudo pode proporcionar não somente a reflexão, mas considerá-lo uma luta por menores e para os menores.

Em continuidade, são de altíssima importância os dados apresentados por Bogdan e Biklen (1994), pois mostram a rigorosidade que qualquer autor deve seguir em suas pesquisas no que se refere à investigação qualitativa. Para a realização desta pesquisa não foi diferente, já que se usou da rigorosidade dos dados e de sua interpretação com fidedignidade.

Por fim, interessa compreender melhor nosso objeto de estudo e análise; Ludke e André (1986, p. 21) afirmam que o estudo de caso é uma categoria de pesquisa mais precisa, pois “o objeto estudado é tratado como único, uma representação singular da realidade que é multidimensional e historicamente situada”.

Resultados e discussão

Um currículo pautado exclusivamente no desenvolvimento de competências e habilidades dificilmente poderá contribuir de forma plena para a efetiva aprendizagem dos alunos. Esse é o caso do currículo destinado aos anos iniciais do Ensino Fundamental para a área de Ciências Humanas adotado pelo Estado de São Paulo.

Pensar em construção de um currículo é colocar o aluno e os integrantes da escola (professores, gestores, profissionais, comunidade escolar em geral) como o centro primordial do ensino, e o que temos hoje é a inversão, já que a cada dia a escola vem perdendo sua autonomia em relação ao motivo para ensinar e o que deve ensinar (Saviani, 2016).

O ensino de Ciências Humanas, desde sua complexa formação no espaço escolar, sofre e continua sofrendo celeremente intensas interrupções; na verdade, ele sobrevive, já que a cada momento são renegados seu ensino, suas razões, sua filosofia, existência e sua contribuição para um ensino crítico e humano, diante de uma sociedade penalizada historicamente desde a invasão portuguesa e o assolamento da escravidão.

O currículo afirma por si só que a “história factual” já foi superada; na verdade, essa história nunca foi superada e muito menos suprida, pois ainda levará tempos, gerações e gerações a decorrer do tempo e espaço a se pensar num sobrepujamento; pois bem, não se supera a negação de uma nação, o trabalho escravo e muito menos a negação de uma escola pública como ocorreu por séculos neste país.

É preciso lembrar que, apesar de na tradição historiográfica e acadêmica a história factual já estar superada há quase um século, há ainda remanescentes desse factualismo no ensino de História. É preciso considerar que o professor não é um transmissor de conhecimento e os estudantes, seres passivos que apenas absorvem o saber (São Paulo, 2019, p. 339).

Não se pode afirmar que a história, por si só, já está superada; primeiro, não superamos os mais de trezentos anos de escravidão, muito menos o tempo de reconstrução que os povos nativos perderam em toda sua história.

Por conseguinte, a classe operária desse país trabalha pela sua sobrevivência e não pela superação. A classe burguesa, que vive à custa da mão de obra barata da classe trabalhadora, nunca reconheceu e provavelmente nunca reconheceria o direito de superação do proletariado.

Seria fático, ora, dizer que houve superação de nossa história. Isso mais do que nunca se ausenta de uma responsabilidade em que o Estado obrigatoriamente deve oferecer uma escola pública de qualidade e, subsequentemente, oferecer uma disciplina como a de Ciências Humanas com eloquência, fidedignidade, fidelidade e fiabilidade.

O currículo torna-se mais redundante quando afirma que “um dos desafios que se coloca no Ensino Fundamental é a necessidade de estudantes e professores assumirem uma ‘atitude historiadora’, dando destaque ao uso das fontes históricas (São Paulo, 2019, p. 340).

Diante dessa redundância, surge um questionamento que não encontrará resposta imediata, pois exige um debate mais amplo — certamente será abordado em outros momentos pelos próprios autores deste artigo. Ainda assim, é pertinente perguntar: que atitudes estão sendo evocadas por essa postura historiadora atribuída ao currículo, que se pretende autossuficiente? Tal indagação se intensifica quando consideramos que a formação dos docentes atuantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental é, em sua maioria, polivalente — e, por vezes, até mesmo desarticulada. Soma-se a isso o fato de que o currículo oferecido pela rede dificilmente contempla o aluno em sua totalidade, tampouco contribui para a construção de uma rede de ensino coerente e integrada ao ensino de Ciências Humanas.

Considerações finais

A pesquisa possibilitou concluir que lutas permanentes, mesmo que por menores que sejam no campo da educação pública e em especial para o ensino de Ciências Humanas nas séries iniciais do Ensino Fundamental, são necessárias, e isso deve ocorrer incessantemente, pois as conquistas construídas ao longo de tão pouco tempo hoje encontram-se completamente abaladas e negadas pelo próprio Estado como base fundante e primordial para o desenvolvimento e a aprendizagem de uma sociedade menos alienada e alienante.

A comunidade, seja ela indígena, quilombola, ribeirinha, centro periférico, centros urbanos, dos que moram nas regiões mais longínquas deste país, sempre perdem, e muito, quando as Ciências Humanas, o fazer pensar crítico-reflexivo, deixam de reinar nos pequenos e grandiosos espaços escolares. Quando é negada, renegada e excluída dos currículos, em qualquer nível ou modalidade de ensino, a sociedade por um todo perde.

As escolas, os docentes, a gestão escolar, as crianças necessitam de afago, de acolhimento, de interligação com o mundo da reflexão histórica, e para isso nada melhor que sua valorização nos quatro cantos da escola e em especial da escola pública, já que lá encontra-se a maioria das nossas crianças deste país.

A luta contínua e continua incessante, já que temos a plena convicção de que os apontamentos para a (des)construção da educação pública irão continuar sem sombras de dúvidas. Unamo-nos, agreguemo-nos, entrelacemo-nos por uma só causa, uma educação de conquistas e de direito igualitário para todos.

Há grupos que atuam de forma existencial para a interrupção do ensino, mas há também aqueles que atuam de forma menos intensa, mas que lutam diariamente para que isso não seja apenas um devaneio em meio a sonhos tortuosos.

Referências

ANJOS, Ricardo Eleutério dos. Base Nacional Comum Curricular e educação escolar de adolescentes: uma análise baseada na Pedagogia Histórico-Crítica e na Psicologia Histórico-Cultural. In: MALANCHEN, Júlia; MATOS, Neide da Silveira Duarte de; ORSO, Paulino José (org.). A Pedagogia Histórico-Crítica, as políticas educacionais e a Base Nacional Comum Curricular. Campinas: Autores Associados, 2020.

BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria aos métodos. Porto: Porto, 1994.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL.  Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2017.

DUARTE, Newton. Os conteúdos escolares e a ressureição dos mortos: contribuição à teoria histórico-crítica do currículo. Campinas: Autores Associados, 2016.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. de. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Currículo paulista: Educação Infantil e Ensino Fundamental - componentes curriculares. São Paulo: SEE, 2019. Disponível em: https://www.educacao.sp.gov.br/curriculopaulista. Acesso em: 25 dez. 2021.

SAVIANI, Dermeval. O vigésimo ano da LDB - as leis que modificam. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 10, nº 19, p. 379-399, jul./dez. 2016.

SAVIANI, Dermeval; NEWTON, Duarte (org.). Debate sobre educação, formação humana e ontologia a partir da questão do método dialético. Campinas: Autores Associados, 2021.

VIOTTO FILHO, I. A.  A escola numa perspectiva de comunidade: reflexões teórico-filosóficas para a transformação da escola atual. Revista Gesto-Debate, Campo Grande, v. 21, nº 7, p. 107-133, jan./dez. 2021.

Publicado em 14 de maio de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

SOUSA, Josinaldo Macelino de; VIOTTO FILHO, Irineu Aliprando Tuim. O ensino de Ciências da Natureza nas séries iniciais e seu novo currículo do Estado de São Paulo frente à Pedagogia Histórico-Crítica. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 17, 14 de maio de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/17/o-ensino-de-ciencias-da-natureza-nas-series-iniciais-e-seu-novo-curriculo-do-estado-de-sao-paulo-frente-a-pedagogia-historico-critica

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