Proposta de um framework conceitual para desenvolvimento de atividades de Ciência da Computação Desplugada
Ângelo Magno de Jesus
Doutor em Ensino de Ciências e Matemática (Unicsul), professor da área de Ciência da Computação no IFMG - câmpus Ouro Branco
Josiane Silva Lucas
Licenciada em Computação pelo IFMG - câmpus Ouro Branco
Leidiane Silva Soares
Licenciada em Computação pelo IFMG - câmpus Ouro Branco, professora da rede estadual de Minas Gerais
O Pensamento Computacional tem recebido atenção da comunidade acadêmica do campo da Informática na Educação por permitir trabalhar a resolução de problemas e possivelmente potencializar o aprendizado de diferentes disciplinas. Atividades do Pensamento Computacional podem envolver aparatos tecnológicos avançados como robôs, smartphones e softwares de produção de jogos e animações digitais. No entanto, muitas escolas e instituições de ensino brasileiras podem não ter os recursos necessários para execução deste tipo de atividade, segundo relatório do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), os investimentos por parte do governo brasileiro na educação podem sofrer reduções de forma acentuada em longos intervalos de tempo (Inesc, 2022).
Além das questões apresentadas, a pandemia covid-19 fez com que as aulas de todos os níveis de ensino fossem ministradas de forma remota em muitas cidades e estados brasileiros (Rondini; Duarte; Pedro, 2020), dificultando ainda mais a aplicação do Pensamento Computacional por meio de recursos tecnológicos avançados, uma vez que se torna inviável às instituições de ensino fornecerem os equipamentos para os discentes levarem para seus lares e muitos deles não têm condições econômicas para adquirir os materiais.
Mesmo com o fim da pandemia, a comunidade acadêmica precisou repensar o modelo educacional vigente, uma vez que situações similares podem voltar a acontecer em escala mundial. Nesse sentido, a Computação Desplugada pode representar uma forma economicamente viável e interessante (Bell; Witten; Fellows, 2015) para incluir o Pensamento Computacional na educação.
Dada a importância da Computação Desplugada, este artigo propõe um framework conceitual para novas atividades de inclusão quando pensamos nas habilidades do Pensamento Computacional por meio da Computação Desplugada. O arcabouço foi desenvolvido de acordo com conceitos da Resolução de Problemas disponíveis na literatura. A abordagem gerou duas atividades que foram aplicadas de forma remota para estudantes de diferentes níveis de ensino. Dessa forma, as atividades foram avaliadas por meio de questionários aplicados aos estudantes, com o intuito de se verificar se o framework estava alcançando seus objetivos. Portanto, este artigo também faz relato de duas experiências de aplicação de atividades de Computação Desplugada. Os resultados mostraram que a abordagem foi capaz de gerar atividades com alta aceitação dos estudantes.
Pensamento Computacional
O Pensamento Computacional pode ser entendido como um método de resolução de problemas que pode ser automatizado, transferido e aplicado a todos os assuntos (Barr; Stephenson, 2011). Wing (2006) informa que o Pensamento Computacional provê uma série de ferramentas mentais, baseadas na Ciência da Computação, que ajudam a resolver problemas em diferentes campos do conhecimento. A autora também descreve que esse tipo de mentalidade combina e complementa o Pensamento Matemático e de Engenharia e a abordagem de pensamento auxilia na habilidade analítica de crianças para ler, escrever e fazer Aritmética.
Dentre as ferramentas mentais do Pensamento Computacional, as mais destacadas geralmente são: decomposição, reconhecimento de padrões, abstração e projeto de algoritmos (Brackmann, 2017, p. 33; BBC Learning, 2023). É importante reforçar e ressaltar que essas habilidades não precisam ser aplicadas com o auxílio de um aparato tecnológico. Os estudantes podem utilizar as habilidades de reconhecimento de padrões, em conjunto com a habilidade de decomposição, para classificar poesias conforme seu gênero literário em uma aula de arte e literatura, por exemplo.
Computação Desplugada
Atividades escolares para o desenvolvimento do Pensamento Computacional geralmente envolvem a utilização de equipamentos de robótica e ambientes de criação de jogos digitais, de programação de sistemas e de geração de simulações (Lee et al., 2011). No entanto, muitas escolas públicas podem não ter condições de oferecer equipamentos tecnológicos para todos os alunos ou possibilitar esse tipo de aplicação. Dessa forma, a Computação Desplugada pode representar uma alternativa para o desenvolvimento de habilidades do Pensamento Computacional por meios de fácil acesso e baixo custo financeiro. Segundo Brackmann (2017), o ensino de conceitos da Computação com atividades off-line (sem o uso de máquinas ou aparatos eletrônicos), também conhecido como “Desplugada” ou “Unplugged”, é uma alternativa interessante para universalizar o acesso ao conhecimento. O autor argumenta que
a abordagem desplugada introduz conceitos de hardware e software que impulsionam as tecnologias cotidianas a pessoas não técnicas. Em vez de participar de uma aula expositiva, as atividades desplugadas ocorrem frequentemente através da aprendizagem cinestésica (movimentar-se, usar cartões, recortar, dobrar, colar, desenhar, pintar, resolver enigmas etc.) e os estudantes trabalham entre si para aprender conceitos da Computação (Brackmann, 2017, p. 50).
Nesse sentido, Bell, Witten e Fellows (2015) propõem uma série de atividades desplugadas para auxiliar no entendimento de variados conceitos de Ciência da Computação. Essas atividades envolvem, em sua maioria, apenas o uso de papel e caneta, sendo que os autores disponibilizam modelos das atividades em papel para serem impressos e utilizados pelos educadores. Os autores descrevem atividades que trabalham variados temas da Ciência da Computação, como a representação de números binários, os algoritmos de busca, os autômatos de estado finito, as árvores de Steiner e a criptografia (entre muitos outros).
Por meio de uma revisão sistemática, Battal et al. (2021) afirmam que muitos dos estudos examinados relataram sucesso em ensinar as subdimensões das habilidades do Pensamento Computacional e alguns conceitos da Ciência da Computação por meio do método desplugado, tão bem quanto outros métodos e abordagens já conhecidos. Ainda conforme os pesquisadores, a maioria dos estudos examinados encontrou evidências relacionadas aos ganhos instrucionais dos alunos. Ou seja, foram observados aumentos nas questões de compreensão, motivação, realização ou engajamento dos participantes.
Método: o framework proposto
Esta seção tem como objetivo principal descrever o framework proposto e as duas atividades didáticas resultantes de sua aplicação. A abordagem foi desenvolvida em duas etapas principais: (1) uma revisão da literatura a respeito de conceitos relacionados a Computação Desplugada e (2) atividades educacionais por meio da sua constante aplicação e aprimoramento na concepção das atividades pedagógicas propostas. O framework poderá ser aplicado conforme as etapas descritas a seguir:
- Selecionar o conceito da Ciência da Computação que se deseja ensinar.
- Esse conceito pode ser representado ou simulado por meio de uma situação ou problema do mundo real?
- Pense em analogias do conceito com fenômenos e situações do mundo real.
- Caso não encontre situações claras, busque por exercícios que possam ser resolvidos de forma que se envolvam múltiplas entradas e múltiplas saídas (Walle; Karp; Bay-Williams, 2016).
- O conceito/problema pode ser aplicado de maneira manual, analógica e lúdica por meio de materiais simples, como cartões de papelão, cartolina, canetas coloridas, dados, tabuleiros entre outros?
- Alguns jogos podem ser utilizados para modelar diferentes conceitos da Ciência da Computação, como tabuleiros e peças do xadrez, torres de Hanói, quebra-cabeças (como o "Jogo dos 8” também conhecido como “Racha Cuca”) entre outros. Verifique se algum destes itens pode auxiliar na sua proposta.
- Além de jogos mais comuns é possível buscar por enigmas, especialmente os relacionados à lógica e a outras atividades mentais que possam englobar a utilização das habilidades do Pensamento Computacional.
- Caso encontre diferentes elementos, busque combinar os diferentes itens de forma coesa.
- Observação: os itens 2 e 3 são intercambiáveis.
- Adicione elementos lúdicos e colaborativos na atividade.
- Elementos do Pensamento Computacional: quando se está lidando com uma atividade de Computação Desplugada, pode-se entender que os elementos de Pensamento Computacional estão implicitamente incluídos, porém é importante observar se o objeto de aprendizagem pode incluir os principais elementos do Pensamento Computacional como Reconhecimento de Padrões, Decomposição, Abstração, Algoritmos, Paralelização, Automação e Coleta, Análise e Representação de Dados (Barr; Stephenson, 2011).
- Elementos lúdicos: É possível criar desafios em que se possa atribuir pontuação e recompensas para os estudantes? É possível criar uma competição saudável entre os alunos? Por fim, os elementos de gamificação encontrados na pirâmide de Gamificação (Werbaeh; Hunter, 2012) podem ser aplicados.
- Elementos colaborativos: a atividade pode ser realizada de forma que os estudantes possam compartilhar o conhecimento uns com os outros? A atividade pode ser conduzida pelos próprios alunos de forma que cada um assume seu papel ou responsabilidade diferentes? É possível dividir a atividade em partes que devem ser integradas em conjunto? Identifique elementos de aprendizagem colaborativa que possam ser integrados à atividade, como os descritos por Johnson et al. (1984). Caso haja dificuldade em se incorporar esses elementos, verifique se é possível aplicar o objeto de aprendizagem por meio de uma abordagem de Aprendizagem Colaborativa como uma das descritas por Castro e Menezes (2011).
- Elementos de resolução geral de problemas: é possível aplicar a atividade de forma que as etapas de resolução de problemas como (1) compreensão, (2) elaboração de um plano, (3) execução e (4) verificação (Polya, 2004) sejam levadas em consideração? É possível utilizar o objeto de aprendizagem de forma que os estudantes apliquem diferentes estratégias e heurísticas de resolução de problemas - como tentativa e erro sistemática, simplificação, geração de hipóteses ou exploração de casos particulares, assim como outras descritas por Ponte et al. (2007)?
Além das etapas descritas anteriormente é preciso destacar algumas observações importantes da abordagem:
- As etapas 2 e 3 requerem uma grande dedicação do educador, uma vez que exigem que ele seja muito criativo. Nesse sentido, é preciso observar que o processo pode estar relacionado diretamente à manipulação de conhecimentos prévios e às combinações de ideias diferentes. Portanto, o educador deve ter o trabalho de pesquisar e conhecer abordagens de ensino, jogos, atividades lúdicas, etc.
- O framework está fundamentado nas práticas de metodologias ativas de ensino, portanto espera-se que os estudantes sejam capazes de conduzir parte da atividade de forma autônoma. O objetivo é que eles também sejam responsáveis pelo próprio aprendizado.
- O processo deve ser aplicado de forma interativa. Isso significa que, após a concepção de uma atividade, o educador deve testá-la com uma turma ou com algumas pessoas, com o objetivo de se refinar a atividade, retomando seu processo de desenvolvimento.
Como informado antes, o framework foi projetado por meio da experiência de desenvolvimento de duas atividades de Computação Desplugada. Nesse sentido, à medida que as práticas de ensino eram desenvolvidas e testadas, o arcabouço também era aprimorado. A seguir, descreveremos as atividades citadas: O Enigma dos Quatro Cavalos no Xadrez e a Atividade de Decomposição de Problemas.
Enigma dos quatro cavalos no xadrez
A ideia principal da atividade foi a de propor o ensino de conceitos iniciais e mostrar aplicações práticas de grafos para resolução de problemas. Neste sentido, a atividade foi baseada no enigma da troca de cavalos no xadrez. O enigma descrito por Moricone (2015), traz um problema relativamente simples de se entender: dado um tabuleiro de xadrez com tamanho 3x3, onde há dois cavalos brancos nas casas dos cantos superiores e dois cavalos negros nos cantos inferiores, o desafio consiste em trocar os cavalos negros e brancos fazendo os movimentos clássicos do cavalo no xadrez. A resolução do enigma pode ser realizada com o apoio de um grafo, ilustrando o movimento e as posições dos cavalos.
A atividade proposta foi feita em quatro partes: (1) uma breve introdução acerca da teoria dos grafos (Figura 1); (2) uma explicação do movimento do cavalo no jogo do xadrez (Figura 2), para facilitar o entendimento dos convidados na realização da atividade proposta; (3) a aplicação do enigma para que os estudantes pudessem tentar chegar a uma solução (Figura 3) e (4) exposição e explicação da solução à luz da teoria dos grafos (Figura 4). É importante destacar que como muitos alunos ou escolas podem não ter tabuleiros de xadrez disponíveis, os objetos educacionais podem ser construídos de forma muito simples com papel, cartolina, tesoura e canetas.
Figura 1: Introdução a Teoria dos Grafos
Figura 2: Movimento do cavalo
Figura 3: Enigma do Cavalo
Figura 4: Resolução do Enigma do Cavalo
Como pode ser notado, o item 1 do framework consistiu no ensino de conceitos de grafos para resolução de problemas. Para o item 2 é possível observar a aplicação real de grafos pela representação de movimentos de peças de xadrez por meio desses conceitos. Na questão do item 3, ao se realizar uma pesquisa dos enigmas de lógica, chegou-se à possibilidade da aplicação do problema dos quatro cavalos, porém sob uma perspectiva da Computação Desplugada e do Pensamento Computacional. Nesse contexto, as múltiplas entradas (levantadas no item 2) estão relacionadas aos variados movimentos que os jogadores podem realizar. As múltiplas saídas estão relacionadas às diferentes configurações do tabuleiro que o aluno pode obter de acordo com os movimentos das peças.
Por fim, o item 4 pode ser trabalhado de variadas formas. No que diz respeito ao Pensamento Computacional, o conceito de abstração é observado quando o problema de movimentos do tabuleiro é representado e simplificado por meio do grafo. O reconhecimento de padrões é observado quando o aluno tenta compreender o padrão de movimento dos cavalos. A respeito da dimensão colaborativa, os alunos poderiam tentar resolver o problema em grupos. Nesse sentido, ao se resolver o enigma, um estudante pode assumir o papel de desenhar e ler o grafo e um outro pode assumir a função de fazer o movimento dos cavalos, conforme o grafo. Já a dimensão lúdica, apesar de estar implícita no desafio do enigma em si, pode ser potencializada ao estimular uma competição saudável entre as equipes. Por fim, a dimensão de resolução de problemas está bastante clara, pois os alunos podem utilizar diferentes estratégias.
Cabe observar que a atividade foi pensada para ser aplicada em um contexto de ensino remoto emergencial (ERE), uma vez que no período de sua elaboração e aplicação vivenciava-se o isolamento social da pandemia da covid-19.
Atividade de decomposição de problemas
A atividade teve como objetivo principal, praticar habilidades de decomposição de problemas por meio de grafos e árvores. Foi desenvolvida uma sequência didática que envolve um jogo de estrutura de árvores fundamentado na Computação Desplugada.
A sequência didática proposta é:
- Apresentar conceitos do Pensamento Computacional, em especial destacando a habilidade de decomposição de problemas.
- Mostrar e discutir com os alunos exemplos de problemas do dia a dia que podem ser abordados pela estratégia da decomposição.
- Apresentar o problema de lavar roupas e organizar guarda roupas.
- Apresentar o problema do conserto da bicicleta (Brackmann, 2017, p. 34).
- Pedir para os alunos opinarem acerca dos exemplos e exporem outros exemplos.
- Apresentar e aplicar o jogo de tabuleiro para os alunos. Explicar e discutir os conceitos abordados na atividade conforme o jogo vai sendo apresentado/jogado.
- Esperar que os alunos estejam motivados por meio do jogo, para demonstrar como a estratégia de decomposição pode ser utilizada para estudar diferentes disciplinas por meio de mapas mentais.
- Mostrar exemplos de mapas mentais aplicados e realizar uma discussão a respeito.
- Na etapa de atividade, os alunos devem escolher uma matéria de interesse e desenvolver um mapa mental do tema específico da matéria.
- Os alunos devem contar com o auxílio dos tutores.
- Os professores devem discutir com os alunos os mapas mentais resultantes.
O jogo de estrutura de árvores tem o objetivo de mostrar para os alunos como uma tarefa pode ser mais simples de se realizar ou pode tomar menos tempo quando a decompomos em partes menores. No caso, a árvore binária pode simplificar a quantidade de passos para se encontrar um número em uma sequência. O tabuleiro do jogo é ilustrado nas Figuras 5 e 6. Para desenvolvimento dos tabuleiros são utilizados materiais simples, como: cartolina, EVA, papel A4, canetas coloridas e dados. As regras do jogo são descritas a seguir:
- Jogam dois jogadores, um contra o outro, em turnos.
- Um jogador deverá lançar dois dados e anotar o número de passos que ele seguiu na árvore binária para alcançar aquele número.
- Caso o número dos dados já tenha saído, o jogador deverá realizar a contagem de passos, porém no tabuleiro castigo - que é sequencial.
- Vence o jogador com menor número de passos andados.
Figura 5: Tabuleiro de busca do Jogo da Árvore Binária
Figura 6: Tabuleiro de castigo do Jogo da Árvore Binária
Avaliação
O framework foi validado por meio das atividades desenvolvidas. Nesse sentido, buscamos analisar se a abordagem proposta estava sendo capaz de prover atividades de Computação Desplugada que tivessem uma boa aceitabilidade entre os estudantes. Cabe observar que, como as duas atividades tiveram contextos e objetivos diferentes, foram avaliadas de formas diferentes. Ambas as atividades envolveram a aplicação de um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
Atividade Grafos - Enigma do Cavalo
A atividade foi aplicada no contexto on-line, com o objetivo de apresentar o enigma e sua solução para estudantes de diferentes níveis de ensino e cursos. Uma questão que deveria ficar clara na aplicação é a de que os participantes pudessem compreender o problema, sua solução e os conceitos envolvidos em sua resolução a fim de replicarem a atividade para si mesmos e para outras pessoas. Dessa forma, voluntários de diferentes cursos foram convidados a participar de uma oficina on-line a respeito do objeto de aprendizagem desenvolvido. Após isso, os participantes foram convidados a responder um questionário que abordava os seguintes itens a serem respondidos em uma escala Likert (1-3, na qual 1 significa pouco e 3 significa muito):
- Entendimento quanto ao conceito básico de grafos e problema proposto.
- Entendimento do problema proposto.
- Entendimento da solução do problema proposto.
- Entendimento dos participantes quanto à replicação da atividade proposta.
Além disso, os participantes foram solicitados (de forma opcional) a fazerem uma crítica positiva e uma negativa, informando sua opinião em questões abertas nas quais eles poderiam escrever livremente.
Atividade Decomposição de Problemas
A atividade foi aplicada para cumprir uma aula formal em uma classe do 3° ano do Ensino Médio Técnico (Integrado em Administração). O objetivo era ensinar a resolução de problemas por meio da abordagem de Decomposição de Problemas. Enquanto na atividade do Enigma do Cavalo o objetivo foi mais específico por tratar do problema em si, nesta atividade, o objetivo foi discutir, de forma mais ampla e generalizada, a estratégia de decomposição para a resolução de problemas. Portanto, a sequência didática foi aplicada em duas aulas seguidas para a turma do Médio Técnico. Após o término das atividades, foi aplicado o seguinte questionário na escala Likert (1 - 5):
- A respeito da aula online, qual nota você daria para a qualidade do conteúdo?
- Sobre a apresentação do Jogo, qual nota você daria?
- Você acha que a aula poderia ser útil para a aplicação em sua vida (dentro e fora da escola)?
- O que você achou da atividade proposta – montagem dos Mapas Conceituais/Mentais?
Assim como na atividade anterior, foram solicitadas respostas para duas questões abertas, uma envolvendo uma crítica negativa e outra uma positiva.
Resultados
Esta seção descreve os resultados obtidos nas duas atividades descritas anteriormente.
Resultados da atividade Enigma do Cavalo
Das pessoas convidadas, de forma livre e esclarecida, 19 aceitaram participar da pesquisa. Entre elas, alunos do 1° ano do Ensino Médio até́ o Ensino Superior completo, além do professor. O detalhamento é visto na Tabela 1. Do total de participantes, nove eram alunos de cursos na área de Informática, Sistemas ou Computação, representando 47,4%.
Tabela 1: Detalhamento sobre os participantes da pesquisa
Característica dos participantes |
N° |
% |
Aluno do Ensino Médio matriculado no 1° ano |
2 |
10,53 |
Aluno do Ensino Médio matriculado no 2° ano |
2 |
10,53 |
Aluno do Ensino Médio matriculado no 3° ano |
3 |
15,79 |
Aluno do Ensino Superior matriculado em unidades curriculares do meio do curso |
2 |
10,53 |
Aluno do Ensino Superior matriculado em unidades curriculares do final do curso |
8 |
42,10 |
Participante com Ensino Superior completo |
1 |
5,26 |
Professor |
1 |
5,26 |
Ao se questionar acerca do entendimento do conceito básico de grafos e do problema proposto, todos os participantes responderam “bem” ou “muito bem”; nenhum informou não ter entendido a tarefa. Já em relação à resolução do problema, um aluno do 2° ano do Ensino Médio relatou ter entendido pouco a respeito do que fora apresentado. Esse participante respondeu a opção “bem” as perguntas anteriores. A Tabela 2 evidencia o detalhamento das questões.
Ainda no contexto das avaliações, quando se perguntou aos participantes se eles conseguiram replicar o problema em casa, as respostas foram mais variadas, sendo elas “possivelmente”, “provavelmente” e “muito provavelmente”. Destaca-se que o aluno que relatou pouco entendimento respondeu “possivelmente” a esse questionamento, evidenciando que, mesmo sem uma compreensão completa, ele conseguiu replicar a atividade, como pode ser observado na última linha da Tabela 2.
Tabela 2: Resultado obtido para o Problema do Cavalo
Respostas |
|||
Questão |
1 - Pouco |
2 - Bem |
3 - Muito Bem |
1 |
0 (0%) |
6 (31,6%) |
13 (68,4%) |
2 |
0 (0%) |
6 (31,6%) |
13 (68,4%) |
3 |
1 (5,3%) |
6 (31,6%) |
12 (63,1%) |
4 |
5 (26,3%) |
5 (26,3%) |
9 (47,4%) |
Como informado, foi dada a oportunidade aos participantes de criticarem a tarefa e oito assim o fizeram. As análises desses participantes, na íntegra, foram evidenciadas a seguir:
Adorei. Achei Interessante. Não sei jogar xadrez, parecia que estava criando uma senha (Participante 1 – Aluno do Ensino Superior matriculado em unidades curriculares do final do curso).
Achei muito bacana mesmo. Quando eu fiz grafos não foi tão didático assim! Conseguir visualizar as jogadas em grafo foi bem legal! (Participante 2 – Aluno do Ensino Superior matriculado em unidades curriculares do final do curso).
Eu achei interessante a pesquisa, utilizada com pessoas no final do Ensino Fundamental ou antes de ingressarem na faculdade, possivelmente facilitaria o aprendizado de lógica de programação (Participante 3 – Aluno do Ensino Superior matriculado em unidades curriculares do final do curso).
Desenvolvimento do raciocínio lógico (Participante 13 – Aluno do Ensino Superior matriculado em unidades curriculares do final do curso).
Parabéns pela iniciativa! Xadrez é muito legal, é quando conseguimos associar ao ensino de gafos abre nossa mente (Participante 14 – Aluno do Ensino Superior matriculado em unidades curriculares do final do curso).
Muito interessante relacionar o xadrez e grafos (Participante 15 – Aluno do Ensino Médio matriculado no 3° ano).
Achei muito interessante, simples e clara. Muito bacana (agradável e didática) para quem não tem familiaridade com os conceitos e definições atinentes aos grafos (Participante 16 – Professor).
Gostei bastante, elevou meu entendimento sobre a aplicação de grafos (Participante 19 – Participante com Ensino Superior completo).
Como pode ser observado, a maioria dos que opinaram livremente é de alunos matriculados no Ensino Superior, evidenciando maior maturidade na emissão de suas análises. Ao avaliar as opiniões dadas, evidencia-se que a atividade foi considerada benéfica por todos os respondentes, com pontos positivos quanto ao desenvolvimento do raciocínio lógico e da aprendizagem de programação, à inserção de conceitos de forma didática e prévia e à aplicação do conceito de grafos em uma atividade específica.
Como informado, também foi dada a oportunidade de os participantes destacarem pontos negativos livremente, como pode ser visto a seguir. Apenas quatro respostas relataram pontos a serem melhorados na atividade.
Vídeo do movimento do cavalo poderia ser mais objetivo e rápido (Participante 15 – Aluno do ensino médio matriculado no 3° ano).
Único senão foi a ausência de áudio na parte final da solução do enigma (Participante 16 – Professor).
Explicar um pouco melhor a resolução (parte final) (Participante 18 – Aluno do Ensino Superior matriculado em unidades curriculares do final do curso).
Ao final do vídeo explicativo, poderia ter trazido alguma conclusão falada (Participante 19 – Participante com Ensino Superior completo).
Quanto ao conteúdo das explicações, um participante comentou que o vídeo do movimento do cavalo poderia ser mais objetivo e rápido. Já em relação ao vídeo da solução do enigma, a explicação foi feita de forma prévia à demonstração do desenvolvimento da tarefa, sendo que nas próximas atividades isso pode ser revisto e incluída uma conclusão narrada ao fim, relatando os ganhos esperados do projeto.
Resultados da atividade Decomposição de Problemas
No que diz respeito à atividade de Decomposição de Problemas, 33 alunos do 3° ano do Médio responderam aos questionários. Os resultados obtidos são ilustrados na Tabela 3. As respostas mostram que houve uma boa aceitação da atividade, com a maior parte das respostas localizadas entre os níveis mais altos (4 e 5) da escala Likert.
Tabela 3: Resultado obtido para a atividade Decomposição de Problemas
Respostas |
|||||
Questão |
1 |
2 |
3 |
4 |
5 |
1 |
0 (0%) |
1 (3%) |
2 (6,1%) |
13 (39,4%) |
17 (51,5%) |
2 |
0 (0%) |
0 (0%) |
3 (9%) |
12 (36%) |
18 (55%) |
3 |
0 (0%) |
0 (0%) |
4 (12,1%) |
9 (27,3%) |
20 (60,6%) |
4 |
0 (0%) |
2 (6,1%) |
2 (6,1%) |
11 (33,3%) |
18 (54,5%) |
Como as respostas das questões abertas eram optativas, poucos responderam. Como críticas positivas, recebemos duas respostas:
A aula estava ótima! (Participante 4).
Gostei bastante da interação e liberdade de fala com os alunos! (Participante 13).
Como crítica negativa, recebemos apenas uma resposta:
Achei a apresentação do jogo um pouco confusa (Participante 15).
Discussão
Este artigo descreveu um framework para desenvolvimento de atividades educacionais voltadas para o ensino de habilidades do Pensamento Computacional por meio da Computação Desplugada. Além disso, duas práticas pedagógicas foram desenvolvidas com base na abordagem proposta e conduzidas com o objetivo de se avaliar o arcabouço desenvolvido. Nesse sentido, o artigo abordou relatos de experiências no ensino de habilidades do Pensamento Computacional.
Os resultados apontam que o framework pode ser uma opção interessante para guiar o desenvolvimento de atividades desplugadas de computação, uma vez que há aceitação dos estudantes para essas propostas. Cabe observar que o arcabouço oferecido não precisa ser visto como uma estrutura fechada. Os professores mais experientes ou com mais conhecimento da área da Educação e/ou da Ciência da Computação podem adicionar, reduzir ou alterar as etapas propostas na abordagem descrita neste artigo. Por fim, como pesquisadores, esperamos que o framework funcione como um propulsor de ideias, especialmente para a área da Educação em Ciência da Computação, nos diferentes níveis de ensino.
Referências
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BATTAL, Ali; AFACAN ADANIR, Gülgün; GÜLBAHAR, Yasemin. Computer science unplugged: A systematic literature review. Journal of Educational Technology Systems, v. 50, n° 1, p. 24-47, 2021.
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BELL, T.; WITTEN, I. H.; FELLOWS, M. Computer science unplugged. 2015. Disponível em: https://classic.csunplugged.org/documents/books/english/CSUnplugged_OS_2015_v3.1.pdf. Acesso em: 01 jan. 2023.
BRACKMANN, Christian Puhlmann. Desenvolvimento do Pensamento Computacional através de atividades desplugadas na Educação Básica. 2017. 226f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.
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INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (INESC). Balanço do Orçamento 2019-2021 revela desmonte generalizado de políticas sociais. Brasília: Inesc, 2022. Disponível em: https://www.inesc.org.br/balanco-do-orcamento-2019-2021-revela-desmonte-generalizado-de-politicas-sociais-diz-inesc/.
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LEE, I. et al. Computational thinking for youth in practice. ACM Inroads, v. 2, n° 1, p. 32-37, fev. 2011.
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POLYA, George. How to solve it: a new aspect of mathematical method. Princeton: Princeton University Press, 2004.
PONTE et al. Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação, 2007. Disponível em: http://www2.apm.pt/files/_Programa_Mat_Jul_471bd5620ad2d.pdf. Acesso em: 05 out. 2023.
RONDINI, Carina Alexandra; DUARTE, Cláudia dos Santos; PEDRO, Ketilin Mayra. Pandemia da covid-19 e o ensino remoto emergencial: mudanças na práxis docente. Interfaces Científicas - Educação, v. 10, n° 1, p. 41-57, 2020.
WALLE, J. A. V. de; KARP, K. S.; BAY-WILLIAMS, J. M. Elementary and Middle School Mathematics: teaching developmentally. 9ª ed. London: Pearson, 2016.
WERBAEH, K.; HUNTER D. For the Win: How game thinking can revolutionize your business. Filadélfia: Wharton School Press, 2012.
WING, J. M. Computational thinking. Communications of the ACM, v. 49, n° 3, p. 33-35, mar. 2006.
Publicado em 14 de maio de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
JESUS, Ângelo Magno de; LUCAS, Josiane Silva; SOARES, Leidiane Silva. Proposta de um framework conceitual para desenvolvimento de atividades de Ciência da Computação Desplugada. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 17, 14 de maio de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/17/proposta-de-um-framework-conceitual-para-desenvolvimento-de-atividades-de-ciencia-da-computacao-desplugada
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