A política de ações afirmativas no IFMG: as possibilidades para a equidade racial na Educação Profissional e Tecnológica

Mariana Dias Gois

Mestranda (Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica - Profept/IFMG - câmpus Ouro Branco )

Ângelo Magno de Jesus

Doutor em Ensino de Ciências e Matemática (Unicsul), professor do IFMG - câmpus Ouro Branco

Historicamente, o Brasil é marcado pelas desigualdades incentivadas e praticadas por vários governos, inclusive mediante a legislação, negando às mulheres, aos negros, aos indígenas, às pessoas com deficiência, aos analfabetos e até às pessoas com baixa renda os direitos políticos e sociais. Por exemplo, a Lei nº 1 de 1837, que dispunha sobre a instrução primária no Brasil, proibia o acesso à escola de pessoas portadoras de moléstias contagiosas, das pessoas escravizadas e “os pretos Africanos”, independentemente de livres ou libertos (Brasil, 1837). Em 1890, o Decreto nº 847, de 11 de outubro, proibia a prática da capoeira nas ruas e praças públicas, sob a pena de prisão de 2 a 6 meses (Brasil, 1890). Todo esse contexto de falta de acesso à educação e a direitos políticos e a impossibilidade de as pessoas negras praticarem sua própria cultura ajudou a constituição de uma sociedade elitizada e marcada por privilégios destinados a poucos.

Dessa forma, é de se esperar que esses dirigentes atuaram ou ainda hoje atuem contrariamente aos interesses das classes populares, decretando diretrizes prejudiciais à proteção aos direitos básicos e, portanto, adotando políticas públicas que muitas vezes não são capazes de transformar as características de moradia, alimentação, saúde e educação da maioria da população. Essa objeção à ascensão das pessoas que sofreram e sofrem a negativa de tais garantias gera um ciclo extenso de subalternidade (Veiga, 2022).

Uma das mais marcantes formas de exclusão que vigora no território brasileiro ainda hoje é provocada pelo racismo estrutural, presente em todas as instâncias da sociedade e na forma como ela se organiza. Em busca de mecanismos para reverter essa situação, os movimentos sociais e, principalmente, o Movimento Negro travaram embates e tensões para realizar várias conquistas relacionadas à política educacional e, consequentemente, às ações afirmativas que buscam reparar desigualdades e combater exclusões (Gomes, 2017).

A década de 2010 foi emblemática em relação às políticas públicas brasileiras voltadas às pessoas que padecem de discriminação, em especial a étnico-racial. Em 2012, a Lei nº 12.711, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de Nível Médio, possibilitou a reserva de vagas para negros e indígenas por meio de cotas. Em 2016, essa mesma lei foi alterada pela Lei nº 13.409 para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnicos de Nível Médio e de Ensino Superior das instituições federais. Em 2014, promulgou-se a Lei nº 12.990, dispondo sobre a reserva aos negros de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União (Brasil, 2012).

Após uma década do início da vigência da legislação que instituiu a reserva de vagas por cotas, decorrente da luta do Movimento Negro, compreende-se que é possível destacar conquistas e desafios que envolvem as ações afirmativas instituídas. Como forma de entender esse percurso, este estudo fundamentou-se nas ações afirmativas implementadas em uma instituição de Educação Profissional e Tecnológica criada em 2008. O estudo contou com uma metodologia de abordagem qualitativa e constituiu-se pela compreensão dos documentos regulamentados no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG) e pelo relato dos entrevistados, que trouxeram perspectivas e apontamentos sobre a política em curso. Os documentos e entrevistas apontaram para uma instituição que possui uma política de ação afirmativa que se encontra organizada, mas que necessita de diversos tipos de tensionamentos para colocá-la em prática de forma que seja garantida a equidade racial. À vista disso, a pesquisa aponta que o principal responsável por tais tensionamentos é um coletivo chamado IFnegro, constituído em 2020 por servidores negros do IFMG.

As ações afirmativas no Brasil

No cenário sociopolítico dos anos 60 nos Estados Unidos, despontou uma iniciativa revolucionária com o nome de “políticas de ação afirmativa”. Esse conjunto de medidas voltadas para grupos minoritários, como negros, mulheres e minorias étnicas, tem como objetivo primordial assegurar a inclusão desses grupos nos mais variados âmbitos, desde o mercado de trabalho até os diferentes níveis educacionais (Rezende, 2005, p. 157).

As ações afirmativas são medidas especiais e temporárias, adotadas pelo poder público ou pela iniciativa privada, que objetivam mitigar desigualdades historicamente acumuladas, promover a igualdade de oportunidades e compensar prejuízos decorrentes da discriminação passada ou presente (Santos, 2018, p. 23).

No Brasil, as discussões sobre a necessidade das ações afirmativas entraram “na agenda política brasileira após a III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, que foi realizada na cidade sul-africana de Durban no ano de 2001” (Santos, 2005, p. 15). Rezende (2005) relata que, no panorama brasileiro dos anos 90, as demandas históricas dos grupos marginalizados – conhecidas como questões raciais, indígenas e de gênero – aos poucos começaram a ser levadas em consideração pelo governo. Os anos 2000 foram marcados pelas principais ações afirmativas vigentes na atualidade, conquistadas pela atuação do Movimento Negro. Dentre elas destaca-se a política de cotas, que completou uma década no ano de 2022, democratizando as universidades e institutos federais e atingindo o mundo do trabalho, mesmo que em menor proporção.

O Movimento Negro carrega em seu nome e em sua prática a ação de deslocamento da população negra de um contexto de invisibilidade para um processo de emancipação. Para tal fim, esse mobilizador social utiliza dois alicerces fundamentais da sociedade brasileira: a política e a educação. Para além da educação formal e acadêmica, os saberes e experiências construídos pelo Movimento Negro são constituídos principalmente por meio das práticas organizadas coletivamente em prol de grupos da sociedade; portanto, no íntimo do próprio movimento e de todos os outros movimentos sociais, como o dos Sem Terra, das Mulheres e dos Indígenas (Gomes, 2017).

Petrônio Domingues (2007) acentua que, com diversas formas de manifestação e mobilização, o Movimento Negro tem buscado estabelecer diálogos não só com as autoridades, mas também com a população brasileira. Ao longo de sua trajetória, esse movimento se destaca pela sua capacidade de se adaptar e reinventar, desenvolvendo estratégias de combate ao racismo e voltadas para a promoção da inclusão do negro na sociedade brasileira, de acordo com as demandas de cada momento histórico (Domingues, 2007, p. 122).

Nesse sentido, o Movimento Negro logrou diversas conquistas, como a inclusão, na Constituição Federal, do racismo como crime inafiançável; a criação da data de 20 de novembro como Dia da Consciência Negra; a instituição da legislação referente ao Estatuto da Igualdade Racial; a Lei nº 12.711/12, que dispõe sobre o acesso às universidades e institutos federais de Ensino Médio e Técnico, alterada em 2023, bem como outras.

A população negra, embora seja maioria na sociedade, é minoria no mercado de trabalho formal, nas posições de liderança, nas representações políticas, nos vários níveis de ensino, dentre outras situações, sendo maioria apenas quando se trata de desemprego, subocupação, população carcerária, vítimas de homicídio e população fora da escola, corroborando as afirmações de Munanga e Gomes (2006) sobre a persistente desigualdade em todas as áreas econômicas e sociais da sociedade brasileira. Isso demonstra a profundidade das diferenças e oportunidades entre os brancos e negros (e outras etnias) no Brasil; a educação é um determinante fator de exclusão do maior segmento populacional do país.

Por essas razões, as ações afirmativas tornaram-se medidas fundamentais para a transformação da condição da população negra em nosso país, visto que as ações afirmativas são “estratégias promocionais capazes de estimular a inserção e a inclusão de grupos socialmente vulneráveis nos espaços sociais” (Piovesan, 2005, p. 38). As ações afirmativas desempenham papel crucial no projeto democrático, visando compensar e mitigar as consequências da discriminação racial que atingiu o nosso passado e persiste ainda hoje. Elas têm como objetivo garantir e promover a diversidade e a pluralidade social, o que é fundamental para a nossa sociedade. Essas políticas são medidas concretas que permitem o exercício do direito à igualdade, baseado na crença de que a igualdade deve levar em consideração as diferenças e a diversidade (Piovesan, 2005, p. 39).

Abordagem teórico-metodológica

O tipo de pesquisa adotada para compreender como se constituiu a política de ações afirmativas do IFMG foi de natureza aplicada e propõe uma abordagem qualitativa. No decorrer do percurso metodológico do trabalho, foi utilizada a técnica de pesquisa documental como um dos procedimentos de coleta de dados de documentos relacionados à efetivação de ações afirmativas na instituição, tais como:

  • Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do IFMG 2019-2023,
  • Portaria nº 780, de 23 de novembro de 2021, que dispõe sobre a regulamentação do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas do IFMG (Neabi/IFMG),
  • Resolução nº 15, de 4 de abril de 2022, que estabelece normas e procedimentos para a adoção de ações afirmativas nos processos seletivos dos cursos de pós-graduação stricto sensu e lato sensu do IFMG e
  • Instrução Normativa nº 2, de 13 de março de 2023, que estabelece diretrizes orientadoras para o processo de heteroidentificação racial complementar à autodeclaração étnico-racial de candidatos(as) pretos(as) e pardos(as) para ingresso em processos seletivos de discentes dos cursos técnicos e de graduação do IFMG.

Esses textos legais regulamentam as ações afirmativas. Em posse de tais documentos, iniciou-se a investigação; o estudo da política de mitigação das exclusões foi realizado no Instituto Federal de Minas Gerais.

Na perspectiva de compreender a política da instituição para além dos documentos, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com sete participantes. Entre os convidados estão servidores, gestores ou não, de diferentes campi a partir de suas atuações em atividades relacionadas às ações afirmativas e na construção da política de ações afirmativas do IFMG. O período de entrevistas durou cerca de 30 dias; foram convidados 12 servidores; deles, sete aceitaram participar da pesquisa e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Aos servidores foram feitas dez perguntas:

  • Você poderia contar um pouco sobre o seu percurso profissional no IFMG e sobre sua atuação na construção das políticas de ações afirmativas?
  • Nesse percurso de contribuição, quais os desafios e motivações você percebe ao discutir as questões sobre ações afirmativas no IFMG?
  • Você conhece ações realizadas no IFMG que insiram no dia a dia da comunidade acadêmica reflexões sobre temáticas antirracistas?
  • Elas são fomentadas por políticas institucionais?
  • Você acha que há alguma ação afirmativa que poderia estar mais bem implementada no IFMG?
  • Hoje temos 4 Neabi ligados aos campi e um Neabi central, em 18 campi. Você acha que o IFMG tem dificuldade em implementar esses núcleos? Por quê?
  • Qual o motivo para o IFMG ter adotado apenas em 2022 políticas de ações afirmativas na pós-graduação como política oficial?
  • Antes da normativa do IFMG sobre o processo de heteroidentificação, como as bancas se organizavam?
  • Você sabe como atua a comissão central de heteroidentificação e por que essa comissão é nomeada e não instituída por edital?
  • Por que a normativa sobre as comissões de heteroidentificação foi instituída apenas para cursos técnicos e de graduação e deixou de fora a pós-graduação, já que a resolução sobre a adesão de ações afirmativas na pós-graduação foi publicada antes da IN?

Resultados e discussões

O Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do IFMG 2019-2023 foi o principal documento analisado no decorrer da pesquisa. Trata-se de um documento que “apresenta a missão, a visão e os valores institucionais” (IFMG, 2019, p. 23); nesse sentido, ele desenha o percurso institucional no período de 2019 a 2023. Durante o processo de leitura do documento palavras e trechos relacionados à temática das ações afirmativas foram destacados para fim de análise. Dentre as expressões estão: ações afirmativas, racismo, preconceito, diversidade, discriminação, negros, pardos, Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas do IFMG (Neabi), quilombolas, indígenas, étnico-racial e etnia.

Das 12 palavras pesquisadas, há recorrência de 32 vezes, somadas todas as palavras; o termo mais presente na busca foi a palavra diversidade, que aparece 15 vezes em trechos que se relacionam à pesquisa. As palavras buscadas no documento que não aparecem são Neabi e racismo; ações afirmativas aparece em um único trecho. Foi construído um quadro com as palavras buscadas no PDI; a partir dele é possível perceber a quantidade de vezes que cada palavra aparece no texto. Algumas vezes, essas palavras aparecem utilizadas em outro contexto; por isso, há uma coluna com a quantidade de vezes em que elas aparecem no contexto da pesquisa.

Quadro 1: Análise documental do PDI

Categoria de análise

Quantidade de vezes de aparição no PDI

Quantidade de vezes que aparece no PDI em relação ao tema da pesquisa

Ações afirmativas

1

1

Racismo

0

0

Preconceito

3

3

Diversidade

25

15

Discriminação

4

1

Negros

3

2

Pardos

1

1

Neabi

0

0

Quilombolas

1

1

Indígenas

6

3

Étnico-racial/

Etnia

4

4

Afro-brasileira

3

1

Durante a análise do documento, observou-se também que algumas expressões são muito recorrentes, como empresas e empreendedorismo/empreender, que aparecem 125 e 47 vezes no documento, respectivamente, enquanto as palavras aprendizagem/aprender aparecem 84 vezes. Importa compreender como a instituição prioriza sua função social em tal documento, mesmo entendendo que uma instituição com um viés emancipatório careceria de construir um documento com aparições de palavras em proporções diferentes; logo, as entrevistas tendem a entender de maneira mais humanizada o documento e os discursos de quem constrói a política institucional do IFMG.

Com base nas entrevistas, foi possível perceber que quase todos os participantes (seis entrevistados), em algum momento anterior ou no momento da entrevista, estavam envolvidos com bancas de heteroidentificação, que está diretamente relacionada à política de cotas instituídas no IFMG. Dois dos entrevistados estavam envolvidos com cursos de formação ligados à temática étnico-racial, três envolvidos com algum tipo de projetos de pesquisa e extensão ligados à temática, dois envolvidos em núcleos de estudos ou grupos correlatos e cinco são membros do coletivo IFnegro.

A participação desses servidores na política de ações afirmativas foi categorizada e subcategorizada e foi tratada conforme a ordem de quantidade de recorrência de participação de servidores nelas. Essas categorias e subcategorias foram construídas a partir das indagações realizadas aos servidores, entendendo que ao longo de seus relatos foram percebidas as recorrências de tais temas, com base na análise temática inspirada na análise de conteúdo de Bardin.

Categoria heteroidentificação/Política de cotas

A categoria heteroidentificação diz respeito às comissões que ratificam a autodeclaração dos candidatos que possuem direito de acesso às cotas, relacionando-se diretamente à política de cotas e garantindo o direito ao acesso das pessoas que realmente são as destinatárias da política. As comissões de heteroidentificação passaram a ser um dos principais instrumentos a assegurar o acesso à política pública que inclui socialmente a população preta e parda brasileira, a política de cotas raciais.

A importância desse instrumento político é revelada durante as entrevistas, já que seis entrevistados em algum momento relatam a participação, a importância ou algum aspecto das bancas, apesar de as comissões de heteroidentificação serem um instrumento bastante recente nas instituições públicas de ensino brasileiras. Cada comissão de heteroidentificação no IFMG atualmente é formada por cinco membros servidores, sendo um deles o presidente da comissão. Atualmente, os membros são selecionados por um edital que elege servidores com formação na temática étnico-racial; o presidente da banca é indicado pelo diretor geral de cada câmpus.

O IFMG possui 19 comissões de heteroidentificação, uma para cada câmpus e uma comissão central; isso significa que há cerca de 95 servidores envolvidos nessas comissões. São no mínimo 95 pessoas conhecendo a legislação de forma mais aprofundada, realizando discussões acerca das cotas, do que é ser negro no Brasil, de como essa população acessa a rede federal. À vista disso, a existência das cotas e por conseguinte das comissões de heteroidentificação, além de aumentar o número de pessoas negras com acesso a uma educação pública e de qualidade, proporciona um processo de formação contínuo das pessoas envolvidas em tais comissões.

Outra questão relatada por vários entrevistados em relação às comissões de heteroidentificação é a dificuldade de montar uma comissão diversa no IFMG, uma banca que possua pessoas negras e brancas, que possua homens e mulheres, mostrando-se uma banca heterogênea. Os entrevistados relatam que essa dificuldade apresenta duas características: a presença de poucos servidores negros no IFMG e a pouca vontade de participação das pessoas, apesar de as atividades nas bancas, em sua maioria, serem remuneradas.

Um fator de destaque que aparece nas entrevistas – mais de uma vez, inclusive – é o fato de o IFMG ter a maioria de seus servidores cotistas processados na sua entrada, quando a lei começou a ser implementada, conforme indica o Entrevistado 2 da pesquisa quando relata que “o IFMG tenha tido muitos cotistas processados naquela aplicação da lei, durante o edital de 2014”. Revela-se, nesse sentido, o quanto a política de cotas era frágil no momento de sua implementação, e ainda hoje apresenta essa característica, talvez em menor proporção, devido ao grande número de contestações judiciais. Outro fator que provavelmente esteja relacionado a essa fragilidade é o fato de a instituição pouco considerar a presença do racismo em seus espaços, demonstrando ser um indicador muito marcante, que retoma o mito da democracia racial, desconsiderando a existência do racismo. Se casos de racismo são considerados irreais mesmo após denúncias, a instituição demonstra o quanto há que se trabalhar por uma educação antirracista. E ainda, quando identificado o racismo, sendo tratado com argumentos completamente inaceitáveis, indicando que “todos” sofrem preconceito de alguma forma, conforme demonstra a Entrevistada 1 em seu relato.

Aconteceram situações de racismo na minha sala, na minha aula, na minha presença, aí eu chamei a atenção da escola para isso e a partir daí começaram a chegar os relatos, as denúncias, e aí eu fui até a gestão de ensino e quando eu cheguei lá com meu caderninho, né, com as datas, com relato, quem me contou e tal, aí disseram para mim “olha isso que você tá trazendo para a gente é surpresa eu não sabia que isso estava acontecendo”. E eu disse “até eu que sou burra, preta e acabei de chegar eu tô sabendo, significa que tem uma miopia generalizada aqui na escola e eu acho que tem que ter uma intervenção”. E aí o corpo docente foi convocado e o conjunto de técnicos foi convidado. E aí disseram para mim, “olha faz o relato” […] e fui com vários relatos não só entre estudante, mas entre docentes e estudantes, e fui contando, e algumas pessoas envolvidas estavam ali na minha frente. Aí vem, “eu não sabia, eu nem imaginei que fosse isso. Ah, mas eu também sofro de discriminação aqui porque sou homem branco hetero” (Entrevistada 1).

Nesse sentido, as instituições de ensino necessitam de um instrumento que torne a política mais robusta e menos contestável, apesar de todo histórico de desigualdades com as pessoas negras no país, apontado por uma série de pesquisas. As bancas de heteroidentificação aparecem então como tal instrumento. Em duas entrevistas, os servidores relataram que o IFMG implementou as bancas de heteroidentificação nos processos de seleção de servidores no intuito de coibir ações judiciais que prejudicassem as pessoas que acessaram as vagas pela reserva de cotas e fraudes. No entanto, para a implementação nos processos seletivos de estudantes, foi necessário um termo de ajuste de conduta realizado pelo Ministério Público para que o IFMG implementasse as bancas de heteroidentificação relativas a esse segmento.

Quando foi mais ou menos em 2019, por ali, final de 2018, 2019, uma das procuradoras federais mandou uma carta para o reitor querendo saber se estava sendo feito o de aluno também. Aí nós explicamos que o de servidor estava sendo feito já desde 2017, mas que o de aluno a gente já estava se organizando, né? [...] na época, então, quando não era feito do estudante, a autodeclaração era suficiente para entrar, bastava, era suficiente. Só que ela também acabou sendo meio questionada [...]; foi feito entre o IFMG e o Ministério Público um TAC para poder organizar, um termo de ajustamento de conduta [...]; a partir dali praticamente zeraram os processos contra cotistas porque não tem, não tem como questionar, tá tudo organizado (Entrevistado 2).

Importa destacar que, mesmo percebendo a importância das comissões de heteroidentificação, responsáveis por realizar as bancas de heteroidentificação, o IFMG aguardou uma notificação para providenciar sua implementação de maneira mais plena, de forma que atendesse aos processos seletivos de estudantes e servidores, conforme relata a entrevistada.

O Ministério Público notificou o IFMG, isso foi em 2019. [...] Recebi essa notificação, denúncia do Ministério Público de que o IFMG estava fazendo esse processo de heteroidentificação com apenas uma autodeclaração e que por causa disso tinha havido muita fraude e tal. [...] Então, com base nessas orientações de concurso público, nós começamos a ajustar, a adaptar o processo de heteroidentificação do IFMG, a gente não tinha nada regulamentado não(Entrevistada 4).

Outro fator percebido durante a análise da normativa que rege o processo de heteroidentificação e das entrevistas diz sobre a normatização não abarcar os processos seletivos da pós-graduação, dada a importância da reserva de vagas para pessoas negras nas pós-graduações. É nesses espaços que há a possibilidade de serem formados professores negros para atuar na rede federal, bem como estudantes terem a oportunidade de se identificar com esses profissionais e se sentir acolhidos.

Por fim, a análise da categoria relativa às comissões de heteroidentificação demonstra uma dificuldade do IFMG em colocar em prática de forma plena instrumentos que garantam a política de ações afirmativas, dificuldade orçamentária, de articulação entre as pró-reitorias e de implementar as bancas de forma institucional. A dificuldade em implementar um instrumento que garanta a política de cotas revela também a resistência em relação à efetivação de uma legislação, de construir um ambiente propício para o acesso das pessoas negras ao IFMG.

Categoria IFnegro

Seguramente a categoria mais notável da pesquisa fala de um coletivo formado em 2020 por servidores negros em tempos de pandemia, pessoas que desejavam refletir sobre as condições dadas num momento de extrema vulnerabilidade e sofrimento para a população negra. Apesar de já conhecer o IFnegro de forma superficial antes da pesquisa, era difícil imaginar o conjunto de atuações desse coletivo e a forma como ele impactou positivamente a implementação da política de ações afirmativas no IFMG desde a sua criação, conforme relata o entrevistado 2:

O IFMG começou a si pensar e a refletir sobre o seu lugar. A sua parcela de contribuição nessas lutas para construção de políticas de ações afirmativas e de combate ao racismo estrutural. [...] então foi bem interessante esse movimento e num primeiro momento, nós tivemos acesso a vários depoimentos de pessoas que haviam sofrido racismo, homens e mulheres, principalmente mulheres, e que gostaria de falar um pouco da sua trajetória, nessa situação de ter que lidar com os problemas do racismo, dentro e fora da instituição (Entrevistado 2).

Em seis das sete entrevistas, o IFnegro é citado nominalmente, enquanto em uma das entrevistas ele é mencionado indiretamente. Essa mesma proporção aparece no número de participantes entrevistados no coletivo: cinco servidores são membros do IFnegro, apesar de este não ter sido um critério de inclusão dos convidados para as entrevistas, confirmando o forte impacto desse coletivo nas ações afirmativas institucionais. A categoria IFnegro trata do conjunto de atuações desse coletivo formado por trabalhadores negros que atuam na Educação Profissional e Tecnológica e que lutam por uma educação antirracista.

Os relatos sobre o IFnegro aparecem principalmente quando os servidores discorrem sobre sua trajetória profissional e sobre sua atuação nas políticas de ações afirmativas.

Foi basicamente a construção de todo um conjunto de ações e protestos contra a morte de George Floyd, que havia sido assassinado pela polícia norte-americana, e aquilo mexeu profundamente com diversas pessoas do IFMG. Diversas lideranças negras do IFMG naquela ocasião começamos a debater o tema da morte da população negra. Em diversas ações de violência do próprio Estado, tanto nos Estados Unidos como no Brasil [...], a morte de diversos adolescentes nas periferias por parte da polícia do Estado e também a morte do João Pedro, do menino Miguel e outros jovens adolescentes e crianças que vinham sofrendo violência. [...] Essas mortes [...] incomodavam profundamente esse coletivo. Então nós começamos a nos reunir virtualmente, debater esses temas e tentar entender o que a gente poderia fazer dentro do IFMG que pudesse colaborar na construção de uma educação antirracista, que pudesse colaborar também para que a gente fortalecesse a política de ações afirmativas. E, com ela, as ações afirmativas destinadas à política de cotas pra fortalecer, digamos assim, ações em defesa do povo negro (Entrevistado 2).

Alguns dos entrevistados trazem um histórico do coletivo IFnegro durante a entrevista e retratam todo um percurso de colaboração desse movimento em discussões e atuações no âmbito das ações afirmativas no IFMG, contribuições essas que são marcos dentro da política institucional; as contribuições podem ser percebidas em diversas frentes e por diversos tipos de tensionamentos provocados pelo coletivo, como:

  • participação na construção de um Neabi central, institucionalizando tais núcleos;
  • organização de Semana Integrada da Consciência Negra, de forma institucionalizada;
  • idealização e organização de cursos de maneira pioneira na temática da educação e relações étnico-raciais no IFMG;
  • ocupação de espaços de decisão e de poder, espaço de participação política;
  • atuação na implementação das ações afirmativas na pós-graduação e em editais de pesquisa e atuação em projetos de pesquisa e extensão.

Todo esse histórico relatado por entrevistados evoca as discussões realizadas por Nilma Lino Gomes sobre o movimento negro educador, o quanto esses movimentos conseguem levar discussões e tensionamentos para os diversos tipos de espaços, o quanto esse movimento apoia a estruturação dos conhecimentos, principalmente os voltados a uma educação antirracista e não somente às pessoas negras, porque ser antirracista envolve principalmente as pessoas brancas, que detêm todo o privilégio social, econômico e educacional. Nilma Lino Gomes (2012) defende que melhorar o cenário educacional exige a adoção de uma abordagem estratégica que envolva diferentes setores e faça conexões com a comunidade e os movimentos sociais. Além disso, é preciso repensar o currículo das licenciaturas e da Pedagogia, implementar regulamentações e normas nos âmbitos estadual e municipal. Em virtude disso, é preciso uma abordagem profissional e inteligente para aprimorar a educação, que envolva os movimentos sociais, como relata também o entrevistado 7 sobre o IFnegro.

A educação e o acesso estão postos como um direito constitucional. E não haveria necessidade de ter uma outra lei, porque já está garantido. Então, quem vai olhar para esse direito, para essa Constituição, no caso o IFMG, [...] são esses pequenos grupos, são esses movimentos sociais. [...] Foi isso que o Movimento Negro fez em relação à política de cotas, quando diz “o acesso à universidade é para qualquer um, mas não é qualquer um que consegue entrar”. Então acho que o IFnegro teve muito esse papel e ainda tem, que é de dizer e apontar no âmbito institucional o que ainda falta para, de fato, ser uma instituição antirracista, [...] com esse papel de dizer o que está dado e o que ainda precisa de estratégias para ser consolidado (Entrevistado 7).

Por fim, um dos entrevistados trouxe uma perspectiva importante sobre a necessidade de a instituição se reconhecer como racista, de institucionalizar as ações advindas do Movimento Negro, superando o voluntarismo, de forma que tais ações provoquem a diminuição das consequências geradas pelo racismo estrutural. Segundo as vozes dos sujeitos entrevistados, as ações originárias do IFnegro trilham exatamente esse caminho, buscam institucionalizar uma política de equidade racial.

Eu gosto muito quando o Silvio Almeida fala que as ações do Movimento Negro têm que ser institucionalizadas, não tem jeito. É através da política de cotas, é através da construção dos Neabi […], porque isso é um problema do Estado brasileiro, é um problema da sociedade brasileira, então não pode ser um grupo de pessoas voluntárias que vai construir isso. A instituição tem que assumir que ela é racista, assumir que tem poucos negros. E que ela precisa contribuir para poder, digamos assim, dar passos importantes na direção de resolver essas inúmeras formas que são consequências do racismo estrutural (Entrevistado 2).

Categoria Neabi

Os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas começaram a ser instituídos no IFMG em 2015; o primeiro câmpusa dar início às atividades foi o de Governador Valadares, conforme manifesta a Portaria nº 12, de 16 de junho de 2015, que dispõe sobre a constituição do Neabi e informações coletadas durante as entrevistas do presente estudo.

As entrevistas revelam que o primeiro núcleo foi criado com uma preocupação legal relacionada ao reconhecimento de curso e não com a intencionalidade de implementar um núcleo de estudos que amplie a pesquisa relacionada às relações étnico-raciais, que apoie a instituição numa luta antirracista. Não que o fato de ele não ter surgido nesse contexto não faça com que ele cumpra esse papel, muito pelo contrário. Apesar dos poucos dados e relatos encontrados sobre os Neabi implementados, esses núcleos se mostram com potencial de transformação na equidade racial dentro da instituição pesquisada.

Quando eu ingressei no IFMG, em março de 2015, ainda não tinha Neabi, a gente estava em vias de passar por um processo de reconhecimento de um dos nossos cursos, que era Engenharia de Produção. Na época, a então pedagoga do câmpus, Lucy, solicitou à direção-geral a criação do núcleo, porque entendia que era um aspecto importante para avaliação do curso, que tinha as questões legais relacionadas à abordagem da temática étnico-racial e tudo. O núcleo surgiu assim, [...] a pedido da então pedagoga do câmpus preocupada com as questões legais que poderiam refletir na nota do curso (Entrevistado 6).

Joelma Aparecida do Nascimento (2023), em um estudo sobre Neabi instituídos no IFMG, relata que encontrar referências e dados específicos sobre os núcleos é um desafio não apenas no IFMG, apesar do crescimento no número de organizações desse tipo, dos cursos de formação oferecidos e dos eventos promovidos por eles. A professora considera fundamental que esses grupos demonstrem seu impacto nas instituições. De fato, Joelma faz uma leitura verídica da situação dos Neabi importando dizer que, além de serem implementados, tais núcleos precisam ser compreendidos em sua plenitude. O que alguns entrevistados expressam diz sobre o núcleo como um espaço visto de forma marginal.

Nós criamos uma comissão que é de diversidade. Nesse momento, um colega até perguntou [...], “mas não seria o caso de criar um Neabi?”. E eu disse para ele “não, porque se não vai ser guetizado, né, vai virar coisa de preto, e a escola não se envolve e eu estou cansada de andar na via marginal da estrada, eu quero é poder andar na faixa central” e aí eu convidei as pessoas de boa vontade e entraram pessoas brancas, pessoas negras que não se reconhecem como negras, pessoas racistas (Entrevistada 1).

Não são só as vozes desses sujeitos que dizem sobre esse lugar marginalizado dos Neabi; o fato de a própria instituição demorar dois anos para definir os integrantes do Neabi/IFMG já traz uma perspectiva desse posicionamento; o fato de apenas três campi possuírem o núcleo constituído e dois desses núcleos serem coordenados atualmente por técnicos administrativos também diz sobre como são constituídos e ocupados esses espaços. O que se percebe no IFMG é que quanto mais alto o cargo menor a presença de negros, mulheres e técnicos administrativos.

A constituição do Neabi/IFMG, tensionada pelas lutas do IFnegro, traz perspectivas diferentes para o funcionamento e a implantação de novas unidades dos núcleos na instituição. Os entrevistados manifestam que, a partir dessa institucionalização, esses núcleos tendem a não ser iniciativas isoladas de servidores, além de apoiar a permanência de estudantes negros e indígenas no IFMG, entendendo esses grupos de maneira mais profunda, possibilitando o acompanhamento não apenas da entrada desses estudantes, mas de todo o percurso educacional, além de possibilitar a composição dos Neabi como espaço de construção de conhecimento, um espaço para além da organização de eventos relacionados à temática da diversidade, um espaço para todos.

Diálogo entre documentos e entrevistas

No estudo dos materiais coletados durante o processo de pesquisa, importa trazer os pontos de encontro entre as fontes de dados. Ao analisar o PDI, documento que orienta todo o trabalho do IFMG, inclusive a construção das políticas de ações afirmativas, notou-se que o documento trata a temática de maneira bastante ampla, trazendo a “diversidade” como principal palavra de referência, considerando seu maior número de menções no documento, quando pensadas as questões étnico-raciais. Essa mesma palavra foi escolhida para nomear o setor que recentemente foi instituído no IFMG para debater e apoiar a discussão das relações étnico-raciais e de ações afirmativas no IFMG, conforme revela uma das entrevistadas:

O professor Rafael criou um setor de diversidade e inclusão. Aliás, criou um setor e eu pedi que o setor tivesse esse nome, porque eu preciso de aliados. A mesma lógica que eu usei lá no câmpus Betim, eu estou usando na reitoria, porque, quando a gente fala em diversidade e inclusão, a gente tem um leque muito maior e as pessoas, mesmo aquelas que se que se colocam contrariamente à política de cotas ou que são racistas, em algum aspecto elas podem se sentir contempladas. E aí a gente vai estabelecendo alianças. Eu preciso convergir. Eu não quero aumentar as divergências, e aí eu pedi que o setor tivesse esse nome [...]. É, pensei também, porque é com esse nome que os nossos estudantes e as nossas estudantes iam compreender do que se trata, né? É, então ficaria fácil para o entendimento e trabalhar com servidoras e servidores, porque nós somos a base (Entrevistada 1).

O relato da entrevistada revela que a palavra diversidade parece incluir e somar pessoas às lutas das pessoas negras; a entrevistada inclusive utiliza a palavra “aliados” para descrever a inclusão de pessoas na luta por uma ampliação da política de ações afirmativas na instituição, além de considerar que é uma palavra que os estudantes e servidores também podem acessar e compreender como e em que frente aquele setor atua. Nilma Lino Gomes revela que, “do ponto de vista cultural, a diversidade pode ser entendida como a construção histórica, cultural e social das diferenças” (Gomes, 2007, p. 17).

A análise desses documentos e entrevistas faz entender outro ponto da política de ações afirmativas: que a existência de alguns desses documentos que formalizam a política de ações afirmativas são fruto dos tensionamentos provocados pelas discussões estabelecidas dentro do coletivo IFnegro; que esse coletivo provoca e retroalimenta as ações afirmativas institucionais, conforme revela o entrevistado 7.

Então, eu vejo muito o movimento nesse lugar, nessa importância que é de provocação [...]. Ele não é um grupo institucional, ele não vem de uma ação institucional, ele vem de uma ação da sociedade civil, mas de trabalhadores que se organizam para poder pautar institucionalmente o que é preciso ser feito (Entrevistado 7).

Os achados da pesquisa dialogam também com o arcabouço teórico quando os entrevistados apontam a perspectiva do IFnegro como exemplo de coletivo que atua como um movimento negro que educa e transforma as relações étnico-raciais no IFMG. Para chegar a tal análise, durante as entrevistas todos os entrevistados foram convidados a discorrer sobre sua trajetória profissional no IFMG e sobre a participação na construção de políticas afirmativas, com objetivo de entender o olhar desse sujeito sobre a política institucional e o modo como ele participa e a compreende.

Considerações finais

O Instituto Federal de Ciências e Tecnologia de Minas Gerais vem trabalhando para construir uma política voltada para as ações afirmativas com o intuito de mitigar as desigualdades sociais e acolher a população negra na Educação Profissional e Tecnológica; no entanto, essa construção tem se dado em alguns momentos de forma bastante tensionada por grupos de pessoas e mesmo pelo Ministério Público. Durante o percurso da pesquisa, foi possível perceber, pela análise dos documentos e do relato dos entrevistados acerca da implementação dessas políticas, que a instituição necessita se reconhecer como racista, como uma instituição inserida numa sociedade que ainda acredita no mito da democracia racial e que seu corpo de servidores e discentes carregam tais crenças devido ao racismo estrutural.

Nesse sentido, a pesquisa trouxe uma perspectiva de que a implementação de uma política de cotas e, consequentemente, a criação de comissões de heteroidentificação não apenas amplia o acesso de indivíduos negros à educação de qualidade como também promove um constante processo formativo para aqueles envolvidos nessas comissões. Um ponto importante a se destacar é que mesmo essas comissões que trazem esse percurso formativo necessitam ser completamente institucionalizadas, o que ainda não ocorreu de fato no IFMG, demonstrando que o IFMG enfrenta desafios evidentes na implementação efetiva de instrumentos que garantam a política de ações afirmativas. Restrições orçamentárias, falta de articulação entre as pró-reitorias e dificuldades institucionais têm sido obstáculos para a concretização das bancas de heteroidentificação.

Outra ação afirmativa em que o IFMG precisa investir bastante é a implantação dos Neabi de forma plena e com mais agilidade, construindo uma política para que esses núcleos de estudos não sejam espaços vistos de forma marginal, mas que sejam espaços ocupados por brancos e negros, por docentes, técnicos administrativos, discentes e servidores terceirizados. Que seja um espaço de pesquisa, ensino e extensão. Um espaço que atue para além da organização de eventos relacionados à temática da diversidade, um espaço para todos e principalmente de construção de conhecimento.

Uma instituição com 15 anos de existência, com foco em formação emancipadora e humana, inserida principalmente em localizações periféricas, precisa priorizar a criação desses núcleos em todos os campi e de maneira direcionada. A resistência em relação à efetivação desses núcleos também aponta uma certa relutância em construir um ambiente inclusivo e propício ao acesso de pessoas negras, demonstrando aspectos do racismo institucional. É importante superar esses obstáculos, bem como o voluntarismo, e promover uma implementação plena e eficiente das ações afirmativas no IFMG, pensando que a omissão é uma forma de negar direitos.

Nessa direção, a pesquisa revela a existência de um grupo de servidores que se organizou em 2020, durante a pandemia. Esse grupo se autodenominou IFnegro e tem realizado um trabalho de tensionamento, de formação e de engajamento em relação às ações afirmativas no IFMG. Os entrevistados do estudo apontam como esse coletivo tem atuado na perspectiva de uma busca por equidade racial dentro de uma instituição que ainda necessita ser mais acolhedora e atuar na qualidade de permanência não só dos estudantes que ingressam na instituição, mas também de todos os trabalhadores que atuam nela.

O IFnegro tem realizado uma série de iniciativas que coadunam com a perspectiva de uma educação antirracista; por fim e pela importância do IFnegro na efetivação de políticas de ações afirmativas demonstrada no estudo, sugere-se que esse coletivo seja detalhadamente estudado, entendendo que ele tem sido o grande transformador da luta por equidade racial dentro do IFMG.

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Publicado em 21 de maio de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

GOIS, Mariana Dias; JESUS, Ângelo Magno de. A política de ações afirmativas no IFMG: as possibilidades para a equidade racial na Educação Profissional e Tecnológica. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 18, 21 de maio de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/18/a-politica-de-acoes-afirmativas-no-ifmg-as-possibilidades-para-a-equidade-racial-na-educacao-profissional-e-tecnologica

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