Aprendizagem Baseada em Problemas nas séries iniciais do Ensino Fundamental: possibilidades de ensino da Matemática
Angela Hese Rodrigues de Amorim
Professora de séries iniciais do Ensino Fundamental da rede municipal de Educação de Vitória/ES, mestra em Educação Profissional e Tecnológica (IFES), graduada em Pedagogia (UFES)
No século XXI, a educação, em grande parte, ainda segue os moldes do século XVIII, baseando-se em pensamentos da Pedagogia tradicional. Essa abordagem centra-se no professor como o principal detentor do conhecimento, priorizando a transmissão de conhecimento, enquanto o aluno, com suas particularidades, não é considerado.
As teorias tradicionais do conhecimento tiveram relevância em seu contexto social e histórico, mas, embora tenham contribuído significativamente para o ensino de sua época, atualmente não atendem mais às necessidades educacionais. A sociedade atual demanda profissionais autônomos, proativos, com capacidade de abstração, raciocínio ágil, habilidade para o trabalho em equipe e aptidão para aplicar conhecimentos, não apenas acumulá-los. Os alunos, por sua vez, também já não são os mesmos. Trata-se de uma geração que, desde muito cedo, está conectada às tecnologias, e uma “educação bancária” (Freire, 1974) já não contribui para o aprendizado em sala de aula.
A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), mundialmente conhecida como Problem Based Learning (PBL), é uma estratégia de ensino-aprendizagem que começou a ser praticada em 1965, em uma escola de Medicina da Universidade McMaster, na cidade de Ontário, no Canadá. Essa metodologia surgiu com o objetivo de promover o pleno desenvolvimento de conceitos, de procedimentos e de atitudes dos estudantes de Medicina, utilizando trabalhos colaborativos e coletivos, sempre partindo de uma situação-problema prática e hipotética, semelhante àquelas que esses futuros médicos vivenciariam em sua prática profissional. O professor exerce o papel de mediador da aprendizagem, direcionando os problemas e orientando na busca de soluções, enquanto os discentes atuam como protagonistas e sujeitos ativos no processo. Na Aprendizagem Baseada em Problemas, o foco principal é a aprendizagem do estudante e a consolidação dessa aprendizagem. Não basta aprender um conteúdo; é necessário que ele seja consolidado e faça sentido para o aluno. Ribeiro (2010) afirma:
O PBL é uma metodologia de ensino-aprendizagem colaborativa, construtivista e contextualizada, na qual situações-problema são utilizadas para iniciar, direcionar e motivar a aprendizagem de conceitos, teorias e o desenvolvimento de habilidades e atitudes no contexto de sala de aula, isto é, sem a necessidade de conceber disciplinas especificamente para este fim (Ribeiro, 2010, p. 10).
Além do Canadá, outros países, inclusive o Brasil, passaram a adotar essa metodologia ativa devido aos seus resultados positivos. No entanto, as experiências têm demonstrado que, majoritariamente, a Aprendizagem Baseada em Problemas está presente no Ensino Superior, mesmo em cursos que vão além da área médica.
A aplicação dessa metodologia no Ensino Fundamental ainda é bastante tímida, como evidenciam as revisões de literatura, destacadas, por exemplo, no artigo de Borochovicius e Tassoni (2021):
Outros países, inclusive o Brasil, passaram a utilizar a ABP, majoritariamente no Ensino Superior e não apenas em cursos ligados às áreas médicas. Alguns professores americanos experimentaram a ABP no Ensino Fundamental, mas não foram encontradas pesquisas com o uso do método no Brasil nessa etapa de ensino, como poderá ser confirmado pela revisão de literatura apresentada adiante (Borochovicius; Tassoni, 2021).
De maneira geral, as publicações sobre a Aprendizagem Baseada em Problemas aplicadas ao Ensino Superior indicam que essa metodologia possibilita maior interação entre os alunos nos grupos de estudo e aprimora a relação entre professor e estudantes, favorecendo consideravelmente o ensino e a aprendizagem. Nesse sentido, acredita-se que o uso desse método no Ensino Fundamental pode ser igualmente eficiente, assim como tem sido no Ensino Superior.
Assim, com o objetivo de identificar as contribuições dessa metodologia para a relação ensino-aprendizagem, este estudo foi desenvolvido com uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública municipal de Vitória/ES. A pesquisa foi realizada com a professora regente do núcleo comum, que experimentou o uso dessa metodologia em sala de aula, comparativamente a uma proposta da escola tradicional.
Metodologia
Esta pesquisa foi colaborativa e utilizou uma abordagem qualitativa, pois o pesquisador não se limitou à coleta de dados e de informações quantificáveis, analisando tecnicamente esses dados. Foram adotados alguns procedimentos para a produção do material empírico: observação dos sujeitos (alunos da turma selecionada para o estudo) durante a aplicação das atividades e a resolução dos problemas; observação da postura dos alunos na realização das atividades propostas, tanto de forma individual quanto coletiva; e a autoavaliação oral dos alunos em rodas de conversa, para investigar suas percepções sobre o uso do método em sala de aula, comparativamente à proposta de ensino utilizada anteriormente.
Os resultados da aplicação da metodologia, tanto quantitativos (obtidos por meio de avaliações trimestrais e de atividades avaliativas realizadas ao longo do terceiro trimestre) quanto qualitativos (coletados em rodas de conversa e autoavaliações), foram comparados para determinar, naquele momento, qual proposta se mostrou mais eficiente na aprendizagem de alguns conteúdos da disciplina Matemática.
Inicialmente, nos primeiros meses do ano letivo de 2022, foi aplicada uma avaliação diagnóstica para identificar o nível de aprendizado em que cada aluno se encontrava. Os conteúdos previstos no plano de ensino para aquela turma foram apresentados de maneira tradicional durante o primeiro e o segundo trimestres. Nesse período, foram trabalhados tanto conteúdos de revisão do 4º ano (história dos números, sistema de numeração decimal, funções sociais dos números, quantificação, registros e agrupamentos) quanto conteúdos iniciais do 5º ano (operações e problemas envolvendo as quatro operações fundamentais – adição, subtração, multiplicação e divisão –, números naturais, figuras planas, sólidos geométricos e simetria).
No terceiro trimestre, os conteúdos abordados foram: leitura, compreensão, interpretação e elaboração de tabelas e de gráficos; grandezas e medidas diversas; sólidos geométricos; figuras planas; ângulos; representação no espaço; álgebra; números naturais e racionais; operações diversas; e frações.
Os momentos de aplicação da proposta de Aprendizagem Baseada em Problemas foram de quatro aulas semanais durante o terceiro trimestre letivo, sempre no mesmo dia da semana, para facilitar a logística em sala de aula. As aulas começavam com a formação de grupos de trabalho, que variavam semanalmente. Procurou-se distribuir de forma equitativa os alunos público-alvo da Educação Especial entre os grupos. Os alunos sentavam-se em grupo e recebiam, sem explicação prévia de conteúdo, um problema desafiador e contextualizado com seu cotidiano e com sua realidade social. O problema era sempre o mesmo para todos os grupos.
Os alunos eram orientados a, em grupo, buscar soluções para o problema apresentado, sem a intervenção do professor. Optou-se por elaborar problemas que considerassem o contexto social e os conhecimentos prévios dos alunos, para que as questões fossem significativas para eles. Nesse sentido, Oliveira, Villória e Oliveira (2021, p. 3) afirmam:
O problema deve ser elaborado previamente e partir do conhecimento da turma, para que possa conduzir os estudantes à utilização dos conhecimentos existentes. As tarefas não podem ser resolvidas sem reflexão, pois a resolução de um problema exige uma atitude investigadora na qual o aluno elabora estratégias, (des)constrói possibilidades que são oriundas dos conhecimentos que já tem acumulados.
Após o momento de debates e busca de soluções, o professor recolhia as resoluções e promovia um debate sobre as dificuldades ou facilidades encontradas pelos grupos, a participação dos integrantes e as estratégias utilizadas para “desvendar o enigma”. Na sequência, o professor explicava os conceitos necessários para a resolução do problema, além de indicar quais estratégias poderiam ser seguidas para se chegar à resposta adequada. Nesse momento, também buscava sanar todas as dúvidas dos alunos.
Considerações finais
Com base nas atividades propostas, na avaliação trimestral e nas rodas de conversa, constatou-se que, no primeiro e no segundo trimestres, períodos em que foram utilizadas estratégias de ensino com uma perspectiva tradicional, a aprendizagem ocorreu. Contudo, apesar dos progressos alcançados, os alunos relataram desmotivação para estudar Matemática (disciplina delimitada para a observação), dificuldade em compreender os conteúdos apresentados, desinteresse em realizar as atividades para casa e baixa autoestima, causada pela dificuldade em compreender os assuntos e pela descrença em sua capacidade de aprender Matemática.
No terceiro trimestre, período em que foi utilizada a metodologia de Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) para o ensino dos conteúdos da disciplina de Matemática, os resultados superaram as expectativas. Os alunos relataram sentir-se desafiados a buscar soluções, motivados a aprender os conteúdos apresentados após os desafios e também a resolver desafios similares. Foi notada, ainda, uma elevação na autoestima, por compreenderem os conteúdos propostos e acreditarem em seu potencial.
Em relação aos resultados das avaliações trimestrais, assim como os da avaliação diagnóstica e da autoavaliação, verificou-se um progresso significativo na consolidação das aprendizagens. No primeiro trimestre, 41% dos alunos obtiveram notas superiores a 7 pontos na avaliação somativa trimestral. No segundo trimestre, esse percentual subiu para 47%. No terceiro trimestre, período em que a Aprendizagem Baseada em Problemas foi implementada, 77% dos alunos alcançaram notas superiores a 7 pontos.
Dessa forma, conclui-se que essa metodologia oportunizou resultados mais eficientes por promover sentimentos de autoestima e autoconfiança, além de motivar os alunos a compreenderem os conceitos. Destacou-se, sobretudo, a conexão entre a teoria matemática, apresentada em sala de aula, e a prática cotidiana dos estudantes, o que tornou os conhecimentos matemáticos relevantes, úteis e imprescindíveis em suas vidas. Conforme defende Christel (2024, p. 99),
ao conectar a teoria matemática à prática aplicada, a ABP não só forma alunos proficientes em Matemática, mas também desenvolve indivíduos capazes de aplicar seu conhecimento de maneira relevante e impactante em suas vidas e na sociedade. Portanto, a integração da Aprendizagem Baseada em Problemas na Educação Matemática representa uma abordagem eficaz e inovadora para cultivar uma compreensão mais profunda e significativa dessa disciplina crucial.
Este trabalho mostra, assim, possibilidades de ensino da Matemática que proporcionam ao educando prazer pelo aprendizado e um novo olhar para a disciplina, historicamente percebida no imaginário infantil como algo que “não tem nenhuma utilidade pra nossa vida”. Desse modo, abre-se uma perspectiva inovadora para a formação de estudantes mais engajados, autônomos e preparados para o mundo.
Referências
BOROCHOVICIUS, Eli; TASSONI, Elvira Cristina. Aprendizagem Baseada em Problemas: uma experiência no Ensino Fundamental. Educação em Revista, v. 37, 2021.
CHRISTEL, Olívia Aparecida Gomes França. Entre certezas e dúvidas: aproximando a Matemática da Aprendizagem Baseada em Problemas. Revista Científica Fesa, v. 3, nº 14, p. 93-101, 2024.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1974.
OLIVEIRA, Ana Rita de Cássia Silva; VILLÓRIA, Eugênia Karla Ferreira de Sousa; OLIVEIRA, Elialdo Rodrigues de. A resolução de problemas como metodologia de ensino no conteúdo localização, movimentação e representação espacial fundamentada na Teoria da Aprendizagem Significativa. Revista Educação Pública, v. 21, nº 40, 9 nov. 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/40/a-resolucao-de-problemas-como-metodologia-de-ensino-no-conteudo-localizacao-movimentacao-e-representacao-espacial-fundamentada-na-teoria-da-aprendizagem-significativa. Acesso em: 23 jan. 2025.
RIBEIRO, L. R. C. Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL): uma experiência no Ensino Superior. São Carlos: Ed. UFSCar, 2010.
Publicado em 21 de maio de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
AMORIM, Angela Hese Rodrigues de. Aprendizagem Baseada em Problemas nas séries iniciais do Ensino Fundamental: possibilidades de ensino da Matemática. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 18, 21 de maio de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/18/aprendizagem-baseada-em-problemas-nas-series-iniciais-do-ensino-fundamental-possibilidades-de-ensino-da-matematica
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