Do necessário ao possível: práticas pedagógicas da Educação Física escolar no ensino remoto emergencial

Naiélen Rodrigues Silveira

Mestranda em Educação Física (UFPel), licenciada em Educação Física (UFPel), professora da Educação Básica

Eduarda Vesfal Dutra

Mestranda em Educação Física (UFPel), licenciada em Educação Física (UFPel)

Lucas Vargas Bozzato

Mestrando em Educação Física (UFPel), licenciado em Educação Física (UFPel)

Andrize Ramires Costa

Doutora em Educação Física (UFSC), professora da UFSC, professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (UFSC)

Em decorrência da covid-19, doença infecciosa causada pelo coronavírus Sars-CoV-2, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2020), a partir de março de 2020, uma série de medidas de isolamento social foram decretadas no Brasil na tentativa de conter a maior crise sanitária das últimas décadas (Brasil, 2021). Nesse sentido, as instituições públicas e privadas suspenderam suas atividades, surgindo um desafio inédito para muitos professores da Educação Básica considerado como solução temporária: o ensino remoto emergencial (Silva; Lima; Braga, 2022, Bozkurt; Sharma, 2020). Diante disso, houve significativas mudanças no processo pedagógico, impactando diretamente o funcionamento da escola que precisou repensar suas práticas educativas para atuar nesse contexto (Melo, 2020).

A área da Educação Física, segundo a BNCC (Brasil, 2018), tem como base as práticas corporais, o corpo e o movimento em suas múltiplas formas de expressão. Com a suspensão das aulas presenciais, os encontros para experimentação e vivência dessas práticas, antes ocorridas em quadra, passaram a ser realizados de maneira “assíncronas”, com o envio de materiais e de atividades, e “síncronas”, diante uma tela de interação virtual. Dessa forma, coube discutir os desafios específicos de professores dessa disciplina que precisaram adaptar suas estratégias pedagógicas a fim de proporcionar uma experiência de ensino significativa aos escolares. Além disso, nesse contexto, como se deu o processo de adaptação?

Em meio a essas circunstâncias, o objetivo do estudo foi analisar as implicações do ensino remoto na Educação Física da Educação Básica de Pelotas/RS. O foco principal foi analisar as experiências desses profissionais, buscando entender a nova realidade, assim como as estratégias adotadas para continuar proporcionando um ensino significativo aos alunos, mesmo diante das limitações impostas pelo ensino remoto emergencial.

Caminhos metodológicos

Este estudo caracteriza-se como qualitativo descritivo, pois o pesquisador tem como objetivo interpretar o processo e o significado da relação mundo/sujeito, por meio da descrição de um fenômeno ou da sua manifestação, buscando estabelecer relações entre as variáveis (Gil, 2002). 

Como eixos norteadores estabelecidos, partimos dos aspectos: identificação do corpo docente; adaptações dos professores de Educação Física (EF) a uma nova realidade de ensino; formações e capacitações realizadas pelos docentes no período de ensino remoto emergencial; organização e ferramentas didático-pedagógicas e desafios promovidos pelas práticas docentes durante o período de pandemia.

Os colaboradores da pesquisa foram seis professores de Educação Física de ambas as etapas do Ensino Básico da rede pública do Município de Pelotas/RS. Foram intencionalmente selecionados dois docentes atuantes em cada etapa do Ensino Básico, exceto da Educação Infantil (dois professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, dois dos anos finais e dois professores do Ensino Médio).

Como critérios de pesquisas, foi estabelecido: recrutar dois professores de cada etapa de ensino da Educação Básica e de cada rede de ensino (municipal e estadual), a fim de compreender as distintas realidades de ensino no processo. No entanto, o estudo contemplou dois docentes da rede municipal na etapa de Ensino Fundamental – séries iniciais – devido à não obrigatoriedade de o docente de Educação Física estar presente nessa etapa na rede estadual. Apesar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o dado garante a obrigatoriedade do componente curricular em todas as etapas básicas e o documento não deixa explícita a obrigatoriedade de as aulas de Educação Física serem ministradas por um professor especializado na área.

Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas, utilizando um roteiro previamente estabelecido com perguntas abertas que podiam ser alteradas e adaptadas durante a entrevista para alcançar os objetivos preestabelecidos (Minayo; Costa, 2018). As entrevistas foram realizadas no mês de dezembro de 2021, aproximadamente 1 ano e 9 meses após o Decreto nº 6.249/20 (Pelotas, 2020), que deu início ao ensino remoto emergencial no município de Pelotas/RS.

O estudo foi realizado em seis fases: 1) Contato com os colaboradores; 2) Esclarecimento dos procedimentos éticos; 3) Agendamento e entrevistas com os docentes; 4) Transcrição das entrevistas; 5) Confiabilidade dos dados; e 6) Análise dos dados. Todas essas etapas podem ser conferidas, com mais informações, na Figura 1.

Figura 1: Etapas para realização do estudo

Para a análise dos dados, optou-se pela utilização da Análise Textual Discursiva (ATD) por serem etapas minuciosas. A abordagem requer atenção e rigorosidade do pesquisador em cada fase do processo. A ATD é amplamente utilizada em pesquisas qualitativas, com o objetivo primordial de auxiliar na compreensão dos acontecimentos e dos fatos da realidade (Pedruzzi et al., 2015).

Como procedimento ético, o estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Superior de Educação Física da UFPel, sob o protocolo CAAE: 52597921.50000.5313.

Identificação do corpo docente

Inicialmente, foram abordados os dados referentes ao perfil dos docentes de Educação Física dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. O Quadro 1 apresenta os docentes que foram incluídos na pesquisa, com base no perfil dos docentes colaboradores.

Quadro 1: Identificação do corpo docente de Educação Física

Docente

Titulação

Tempo de magistério

Etapa de atuação

Rede de Ensino

Carga horária

A

Doutorado em curso

10 anos

E M

Estadual

40h

B

Mestrado Completo

9 anos

EF II

Municipal

40h

C

Mestrado Completo

11 anos

EF I

Municipal

20h

D

Graduação Completa

30 anos

EF II

Estadual

20h

E

Mestrado em Curso

2 anos

EF I

Municipal

20h

F

Graduação Completa

12 anos

E M

Municipal

40h

* EF I: Ensino Fundamental Anos Iniciais

* EF II: Ensino Fundamental Anos Finais

* E M: Ensino Médio

Adaptação às pressas

A Educação Física escolar aborda as práticas corporais em suas várias formas, possibilitando que os sujeitos se expressem e se desenvolvam em diferentes grupos sociais. Nas aulas, as práticas corporais devem ser vistas como fenômenos culturais dinâmicos, diversificados, complexos e contraditórios. Assim, é essencial que os alunos adquiram conhecimentos para aumentar sua consciência em relação aos movimentos, aprender a cuidar de si e dos outros e desenvolver a autonomia na apropriação e no uso da cultura corporal de movimento em várias áreas de suas vidas (Brasil, 2018).

Dito isso, o movimento, parte central do processo de ensino-aprendizagem, inclui o contato físico entre os sujeitos. No entanto, devido a pandemia, esse contato foi suspenso abruptamente para que houvesse uma melhor contenção do vírus. Os colaboradores da pesquisa relataram não estarem preparados para atuar no novo modelo de ensino. Na fala docente, notamos esse sentimento:

Não estava preparado nem um pouco. Tudo foi muito em cima da hora, a gente não teve tempo para se preparar, a gente não teve formação para isso. E eu ainda tinha a questão de ser um professor recém concursado. Então a minha formação, a formação inicial que eu tive da Educação Física, ela não passava por um modelo remoto de aula. Tudo que eu aprendi na graduação, era voltado para o modelo presencial de aula (Docente E).

O sentimento de despreparo sentido pelos colaboradores demonstra a abrupta mudança na forma de exercer a docência, fazendo com que tivessem que rever sua própria formação. Esse sentimento também foi identificado pelo Instituto Península (2020) onde, ao relatarem um breve panorama da docência brasileira e das redes de ensino público e privado, demonstrou-se que 83% dos professores apontam despreparo referente ao ensino remoto emergencial. Esse despreparo pode se relacionar ao que o mesmo estudo aponta, que 88% dos professores nunca haviam ministrado aulas em formato virtual.

Complementando, Gonzalez (2020) destaca que muitos docentes enfrentam desafios significativos ao se adaptarem às novas tecnologias em sua prática educacional. Em nosso estudo, os professores justificaram suas dificuldades devido à falta de conhecimento, ao preparo e às habilidades para lidar com as ferramentas e plataformas de ensino digitais. Além disso, relataram uso limitado de recursos tecnológicos individuais e restrições em diferentes formatos. Como é possível perceber no relato abaixo:

Realmente não estava preparado, tanto que meu conhecimento de internet eram coisas bem simples: salvar o link; entrar no Google, sites, no WhatsApp, e é basicamente isso. Claro que eu entrava na plataforma da escola para preencher a chamada, essas coisas básicas assim, Então foi muito difícil para mim. [...] Foi muito estressante, o limite que eu tinha talvez outros professores não tivessem, como, o saber lidar com a internet. Essas tecnologias, eu tinha pouquíssimo domínio (Docente D).

A falta de conhecimento e habilidades para lidar com essas ferramentas digitais, assim como as limitações individuais docentes, podem estar relacionadas a um maior tempo de atuação no magistério atrelado à sua formação acadêmica ou a um modelo mais tradicional de ensino.

Godoi, Kawashima e Gomes (2020) encontraram em seu estudo dificuldade de se adaptarem ao meio digital. Devido à pandemia, os educadores tiveram que encontrar uma maneira de se conectar com as tecnologias, a fim de restabelecerem suas funções e práticas pedagógicas, sem considerarem o tempo efetivo para compreender e apreender as ferramentas e plataformas digitais, como expresso pela docente B: “Tivemos que nos adaptar na marra!”.

Ferreira et al. (2022) afirmam que muitos professores já faziam uso das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) em suas aulas, ou seja, faziam uso das ferramentas tecnológicas como complementos de atividades escolares. No entanto, isso se intensifica quando é colocado em um cenário pandêmico, onde elas se tornaram as principais ferramentas para conduzir as aulas remotas. Portanto, isso precisou ser explorado e ampliado para uma melhor adaptação das plataformas digitais, seja por parte dos docentes, discentes e familiares.

Ações de formação profissional no ensino remoto emergencial

Durante o período de ensino remoto emergencial, foram disponibilizados aportes aos professores atuantes na rede estadual de ensino de EF, pela Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Sul (Seduc). Esses materiais vieram com o intuito de capacitar os docentes, assim como as ferramentas e as plataformas digitais. Dentre as ações desenvolvidas, podemos citar como principais: as plataformas Google for Education e Google Classroom, o Foco Escola, a distribuição de chromebooks para os docentes, entre outros (Rio Grande do Sul, 2021).

Quanto aos recursos disponibilizados pela Secretaria Municipal de Educação e Desporto do Município de Pelotas (SMED), alega-se que foi realizado um levantamento diagnóstico para verificar o acesso dos alunos aos meios digitais. Com base nesse levantamento, foram definidas as plataformas de ensino para o momento que incluíam o Facebook, Whatsapp, Googlepara a Educação, e-mail e Telegram. Além disso, a SMED também ofereceu formações para capacitar os docentes ao manuseio dessas plataformas (Pelotas, 2021).

Ao investigarmos as ações formativas (videocursos, oficinas, formações) que os docentes realizaram durante a pandemia, identificou-se que apenas um professor alegou não realizar nenhuma capacitação. Os demais, realizaram as qualificações e cursos disponibilizados, oferecidos pela Seduc e SMED. O estudo de Baade et al. (2020) demonstrou que praticamente todas as formações realizadas com docentes, durante o ensino remoto emergencial, foram ofertadas por organizações educacionais estaduais, municipais e federais ou pelas próprias instituições de ensino. Bragança, Lisboa e Moreira (2023) também afirmam que aconteceram capacitações, por meio da Secretaria de Educação.

Os docentes que realizaram as qualificações durante o período de ensino remoto, participaram dos cursos disponibilizados pelas organizações educacionais. Esses cursos foram alocados na plataforma Nova Escola e Impulsiona, com participações em palestras e jornadas pedagógicas.

O estado fez, mas não direcionado para a nossa disciplina. Fez geral, né, pro uso da plataforma e ferramentas digitais. E eu fiz alguns promovidos pelo Impulsiona. Mesmo com o retorno das aulas presenciais, eles ainda continuaram postando minicursos e eu realizei alguns (Docente A).

É possível perceber a movimentação da secretaria para que docentes pudessem seguir suas atividades a partir de outros meios. Contudo, destacamos a percepção dos cursos de formação de caráter geral, sem atender às especificidades da área, pois outros professores se sentiram isolados em relação aos demais devido às suas limitações com a tecnologia, como aponta o docente D:

Teve uma formação… não digo que a formação foi ruim, tá?! Não acho que a pessoa que deu a formação seja um mau profissional, mas eu a vi como totalmente inadequada […] não era um curso básico, não respeitava, por exemplo, um cara como eu que tinha pouco conhecimento. Às vezes tinha uma informação que era importante mas eu não sabia nada, mas tinha que ouvir; pegar o vídeo e saber 500 coisas no meio do vídeo. Acho que falhou essa formação, não vou criticar a intenção da formação, porque todo mundo estava em aprendizado no meio de uma pandemia. Só que realmente essa formação foi totalmente inadequada (Docente D).

É importante considerar que a abordagem emergencial visava atender os docentes o mais rápido possível, de modo a garantir a operacionalidade dos espaços digitais de forma geral. No entanto, é necessário reconhecer que a EF possui suas particularidades. Desconsiderar essas especificidades pode acabar por comprometer a qualidade do processo de ensino-aprendizagem.

Ademais, com a grande demanda de trabalho dos professores durante o ensino remoto, alguns docentes ainda alegaram ter dificuldade em dar continuidade às atividades e às formações, como podemos observar na fala dos docentes C e D:

Te confesso que eu me inscrevi em “trocentos mil cursos”, mas as demandas de trabalho não me permitiram participar, então em período de pandemia eu fiz, talvez um ou dois cursinhos on-line, gratuitos. E acompanhei as questões de formação pedagógica da SMED, quando tinha formação pedagógica da Educação Física, eu acho que teve umas duas ou três que eu participei (Docente C).

Eu tinha um monte de tarefa diária para fazer: programação de aula, aluno que estava em busca ativa… tinha que preencher tabelas e tabelas. O curso para internet era três vezes por semana, uma hora e meia! Aquilo era super desgastante [...] Eu fiz esses cursos até quando eu consegui, pois depois, eu já não conseguia mais assistir, pois eram muito cheios de detalhes, sobre os conteúdos de internet, sobre as plataformas, muito técnico. Por outro lado, eu também procurei me atualizar por minha conta, como, assistir a vídeos no YouTube, ler etc. (Docente D).

A dificuldade de conciliar a rotina de estudos dos professores com as demais atividades desempenhadas durante o ensino remoto foi significativa, sobretudo pelo aumento da carga de trabalho durante o período. A adaptação às aulas virtuais, a preparação de materiais, a interação com os alunos e as atividades administrativas demandavam um esforço excessivo. Naquele cenário, a participação nos cursos de formação tornou-se uma tarefa exaustiva, junto a tantas outras que se somavam à vida profissional e pessoal dos docentes:

A gente teve o trabalho triplicado. Era WhatsApp, era Facebook, era reunião de duas, três horas semanais, era cursinho que a gente tinha que fazer, era palestra que a gente tinha que ouvir, era muita coisa. Era uma demanda muito grande. A sensação era que a gente nunca parava de trabalhar, porque tinha que enviar relatório, tinha que fazer plano de aula, tinha que atualizar a chamada, tinha que dar atenção no grupo do WhatsApp. Era uma coisa muito intermitente. Eu trabalhava o dia inteiro, todo dia, não parava um minuto (Docente E).

Como apontam Santos et al. (2021), a precarização do trabalho docente não era nenhuma novidade no contexto escolar. Contudo, no cenário pandêmico, foi possível perceber a aceleração e a intensificação do fenômeno. Os autores, destacam que esse processo de precarização se reflete nos últimos estudos, mostrando, além de tantos outros sintomas, a sobrecarga de trabalho que contribui para maiores níveis de estresse e adoecimentos.

Organização das práticas pedagógicas da EF no ensino remoto emergencial

Percebe-se que os professores de EF utilizaram os documentos norteadores (BNCC, Referencial Gaúcho) da Educação Básica como caráter organizacional das suas práticas pedagógicas, durante o ensino remoto emergencial.

Então, a gente segue o plano de ensino. Agora tem a BNCC, que no município eles são mais rígidos com relação a isso.  Então a gente tinha os planos de aula, tinha que fazer as atividades, botar as habilidades de acordo com a BNCC, seguindo os conteúdos programáticos do componente curricular de acordo com cada uma das etapas de ensino (Docente B).

Em meio a um cenário atípico, além da organização dos conteúdos programáticos e a forma de ministrar as aulas, havia também a demanda para que se adequassem às novas organizações curriculares. Dito isso, iremos apresentar como cada rede de ensino se organizou e buscou alternativas para dar andamento ao processo educacional:

Quadro 2: Plataformas e materiais utilizados pelos professores de Educação Física (EF) e sua finalidade em cada rede de ensino do município de Pelotas/RS

Rede

Plataforma/Materiais

Finalidade

Rede Municipal de Ensino

WhatsApp

Grupo com a coordenação, docentes, pais e discentes para repasse de informações e tarefas aos escolares.

Facebook

Grupo da escola e comunicação, com os perfis privados dos responsáveis dos alunos.

Materiais impressos

Disponibilizado material impresso das atividades para os alunos que não possuíam internet e meios digitais de comunicação.

Google Classroom

Plataforma virtual vinculada aos programas do Google. Utilizava-se para postagens de aulas assíncronas.

Rede Estadual de Ensino

Google for Education

Plataforma do Google que permite que os usuários tenham recursos para gestão, comunicação e organização.

Google Classroom

Plataforma virtual vinculada aos programas do Google. Utilizava-se para postagens de aulas assíncronas.

Google Meet

Plataforma do Google utilizada para ministrar aulas síncronas (ao vivo).

Materiais impressos

Disponibilizado material impresso das atividades para os alunos que não possuíam internet e meios digitais de comunicação.

Chromebook

Novos laptops disponibilizados a todos professores para auxílio na preparação de suas aulas. 

Em relação às plataformas utilizadas pelos professores da rede municipal na ministração de suas aulas, observamos a presença frequente do uso destas plataformas e meios: WhatsApp, Facebook, materiais impressos e o Classroom.

A gente começou, no primeiro momento, com o Facebook, porque era uma ferramenta que a família já conhecia, e a escola já tinha o contato com os alunos, pela página da escola. Depois, a gente migrou para o WhatsApp. Depois, a gente teve o Google Classroom. No entanto, para a Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, nós mantivemos o grupo do WhatsApp, porque a gente entendeu que esses pais precisavam de um e-mail para poder entrar na plataforma, essas coisas todas, e talvez muitos não tivessem como ter, e era mais fácil eles usarem o WhatsApp, que era uma coisa que eles já estavam usando. Então, foram essas três plataformas (Docente E).

Cabe salientar que as redes sociais, cuja finalidade não era a organização e a operacionalização do trabalho docente, se tornaram estratégias de caráter emergencial de acolhimento dessas demandas pedagógicas. O WhatsApp acabou por desempenhar demasiadamente essa função, devido à facilidade de manuseio e compatibilidade com os smartphones. Ele se tornou um facilitador e intermediador entre a escola e a família. No entanto, nosso estudo identificou que, embora tenha suas vantagens, o uso excessivo do aplicativo intensificou a demanda de trabalho docente, afetando a privacidade dos professores.

Quanto às plataformas utilizadas pelos professores da rede estadual para ministrar suas aulas durante o ensino remoto emergencial, averiguamos que as utilizadas com maior frequência foram: Google Classroom, Google Meet, Google for Education, os materiais impressos e a utilização de chromebook, disponibilizados pela Seduc. Diante desses recursos, os professores demonstraram ter se organizado essencialmente a partir das ferramentas disponibilizadas pelo Google, como mencionado pelo docente A: “O estado todo utilizou a plataforma Classroom”. Isso é visto, também, em outros estudos que buscavam saber acerca dos meios que os professores utilizavam (Bragança; Lisboa; Moreira, 2023).

Todavia, apesar de haver esse financiamento por parte da Seduc, os docentes demonstraram dificuldades ao se utilizarem dessas plataformas. A proposta que versava acerca do ensino remoto emergencial se deparou com o que já havia sido percebido como despreparo docente na utilização dos suportes tecnológicos (Rosa, 2020).

No mesmo caminho, identificou-se a utilização dos materiais elaborados de forma impressa para os escolares em ambas as redes de ensino, devido à falta de acesso à internet e/ou às dificuldades enfrentadas com a TDIC. Essas atividades foram disponibilizadas aos professores de EF para que contemplassem de forma teórica/impressa o mesmo conteúdo disponibilizado no virtual e a equidade fosse mantida no processo de aprendizado. Esse material era disponibilizado na supervisão das escolas e retirado pelos responsáveis, com agendamento para entrega.

No contexto do ensino remoto emergencial, a adaptação das práticas pedagógicas na EF se deparou com desafios substanciais, agravados pelas instituições de ensino públicas. Mesmo diante de diretrizes como a BNCC, o RCG e o DOM, os educadores se viam confrontados com a escassez de apoio de boa infraestrutura. A ausência de recursos apropriados e a excessiva dependência de aplicativos, como oWhatsApp, tornaram evidentes a carência de um planejamento sólido e de investimentos para manter a qualidade educacional em meio à crise. Isso resultou em uma sobrecarga de trabalho para os docentes, acompanhada da invasão de sua privacidade. A pandemia flagrou a falta de preparo e previsão na formação dos professores para situações de crise, relegando as particularidades da EF a um segundo plano. É de vital importância ponderar acerca das políticas educacionais e dos investimentos destinados à formação dos profissionais da educação.

Ferramentas didático-pedagógicas utilizadas na EF escolar no ensino remoto emergencial

Durante o ensino remoto emergencial, os professores de EF recorreram a uma ampla variedade de ferramentas didático-pedagógicas para ministrarem suas aulas. Essas ferramentas foram utilizadas para suprir e auxiliar no processo de ensino-aprendizagem do período.

Utilizei recursos como vídeos do YouTube, buscando também aulas prontas e materiais de apoio para subsidiar meu ensino e, a partir dessas fontes, desenvolver questionamentos que fossem relevantes para os alunos (Docente F).

Nota-se que a plataforma YouTube, utilizada como ferramenta pedagógica, despontou como a mais utilizada pelos docentes para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem durante o ensino remoto emergencial. Isso se deve à sua capacidade de oferecer um vasto acervo de conteúdos audiovisuais, possibilitando aos professores apresentarem materiais interativos e diversificados para os alunos.

Além da utilização do YouTube como ferramenta didático-pedagógica, durante o ensino remoto emergencial observou-se que os docentes buscaram diversificar suas estratégias para o ensino da EF remoto. Nesse contexto, ferramentas como imagens, textos, gravação de vídeos e a plataforma Wordwall ganharam destaque no processo de ensino.

Usamos! Até na verdade quem começou a introduzir foram os estagiários. Mas aí usamos o Mentimenter, e usamos também aquele Wordwall, onde a gente fez um jogo com eles, fez uma roleta, a gente usou algumas outras ferramentas (Docente C).

Então tinha arquivos em Word, arquivos pdf, Google Forms para fazer os exercícios quando era teoria, prática eu mandava vídeos, cheguei a mandar vídeos meus no caso, mostrando as atividades, e em vídeos de pessoas que mostravam as atividades também ou ensinava algum conteúdo (Docente B).

Com o uso de imagens, vídeos e textos, os professores transmitiam os conteúdos teóricos e práticos de forma mais dinâmica e visual, permitindo aos alunos uma compreensão mais abrangente dos temas abordados. A partir das falas dos docentes, podemos perceber o quanto os professores precisaram se reinventar, ampliando suas possibilidades de ensino, visando proporcionar aos escolares uma aprendizagem mais significativa em um momento atípico.

Essas percepções vão ao encontro dos estudos de Santos et al. (2021). Eles afirmam que 63% dos docentes fizeram uso de aplicativos/plataformas interativas para personalizar as aulas/atividades, com o intuito de torná-las mais motivadoras para a aprendizagem dos alunos, entre elas o uso do Mentimeter, Kahoot, Nearpod, e de conteúdos multimídias como lives no Instagram, Youtube, entre outras.

Dessa forma, torna-se incontestável que, dentre as disciplinas integradas ao currículo escolar, a EF tenha se deparado com um árduo desafio ao tentar moldar-se ao modelo de ensino remoto. Essa complexidade se origina da sua natureza intrínseca às práticas corporais, nas quais o corpo e o movimento se manifestam como formas fundamentais de expressão (Brasil, 2018). Nesse cenário, o estudo conduzido por Silva, Lima e Braga (2022) não deixa margem para dúvidas, pois os educadores se confrontam com adversidades ao tentarem lecionar a EF de forma exclusivamente digital, esforçando-se para desenvolver estratégias metodológicas condizentes com essa nova realidade.

Em meio a essa conturbada adaptação é inegável que a capacidade de inovação e a habilidade dos professores em se ajustarem são cruciais para manter um ensino de qualidade, mesmo frente às drásticas mudanças impostas pela realidade do ensino remoto. No entanto, essa situação também lança uma luz crítica acerca do sistema educacional e da infraestrutura precária que não permitem uma transição adequada para disciplinas como a EF. Elas são fundamentadas em experiências tangíveis e interativas. Esse contexto revela uma necessidade urgente de investimento, planejamento e suporte específico para a EF e outras disciplinas similares, a fim de assegurar uma educação efetiva e abrangente, mesmo em condições desafiadoras.

Considerações finais

O presente estudo teve como objetivo a descrição e a compreensão das adaptações, estratégias e desafios enfrentados pelos professores de EF da Educação Básica, em Pelotas/RS, durante a pandemia da covid-19. Nesse contexto, emergiram obstáculos que afetaram significativamente o processo de ensino-aprendizagem.

Os docentes identificaram como principais problemas a falta de capacitação técnica para lidar com ferramentas digitais e tecnológicas, a escassez de recursos materiais e infraestrutura, a ausência de apoio sólido das instituições governamentais, o aumento da sobrecarga de trabalho e as dificuldades de adaptação das aulas de EF para o formato remoto/online.

A EF escolar, inquestionavelmente, passou por uma fase de redefinição e reconstrução durante a pandemia. A experiência desafiadora do ensino remoto emergencial expôs as limitações e as potencialidades dessa área, evidenciando a complexidade de transpor atividades físicas para o ambiente digital e, ao mesmo tempo, revelando a adaptabilidade e a inventividade dos professores que buscaram alternativas pedagógicas, mesmo diante de diversas restrições. Nesse contexto, plataformas digitais e interativas ganharam protagonismo como ferramentas didático-pedagógicas metodológicas.

O período pandêmico também evidenciou a necessidade de repensar a formação dos professores de EF, preparando-os não apenas para desafios regulares em sala de aula, mas para situações emergenciais que exigiram adaptações ágeis e eficazes. Investimentos em infraestrutura, formação docente e políticas sensíveis à especificidade da EF são cruciais para assegurar um futuro em que o desenvolvimento integral dos alunos seja prioritário.

Por fim, é importante ressaltar que este estudo não tem a intenção de oferecer soluções ou diretrizes definitivas para as aulas de EF no contexto remoto/online. Seu propósito é relatar as práticas dos professores nesse período, contribuindo para a discussão na área da produção e da prática do conhecimento. O debate deve continuar, considerando os desafios e as oportunidades que se apresentam na EF escolar pós-pandemia.

Referências

BAADE, J. H. et al. Professores da Educação Básica no Brasil em tempos de covid-19. Holos, v. 5, p. 1-16, 2020.

BOZKURT, A.; SHARMA, R.  C.  Emergency remote teaching in a time of global crisis due to corona virus pandemic. Asian Journal of Distance Education, v. 15, i-vi, 2020.

BRAGANÇA, B. W. C.; LISBOA, M. L.; MOREIRA, L. R. Percepção dos professores sobre o impacto da pandemia da covid-19 nas aulas de Educação Física em Altamira/PA. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 30, 2023.

BRASIL. Presidência da República. Legislação covid-19. Atualização diária dos atos normativos sobre a covid-19. Brasília, 2021 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Portaria/quadro_portaria.htm. Acesso em: 27 nov. 2023.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, seção 1, Brasília, 23 dez. 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 15 abr. 2025.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília: MEC/Consed/Undime, 2018. Disponível em:http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 27 nov. 2023.

FERREIRA, A. E. et al. Tecnologias e metodologias ativas:(res)significando percursos educacionais. Marília: Oficina Universitária, 2022.

GIL, A. C. et al. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

GODOI, M.; KAWASHIMA, L. B.; DE ALMEIDA GOMES, L. Temos que nos reinventar: os professores e o ensino da Educação Física durante a pandemia de covid-19. Dialogia, n° 36, p. 86-101, 2020.

GONZALEZ, Teresa et al. Influence of covid-19 confinement on students’ performance in higher education. PloS One, v. 15, n° 10, p. e0239490, 2020.

INSTITUTO PENÍNSULA. Relatório de pesquisa: sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do coronavírus no Brasil. Estágio controlado – agosto de 2020. São Paulo: Instituto Península, 2020. Disponível em: https://institutopeninsula.org.br/wp-content/uploads/2020/05/Pulso-Covid-19_-Instituto-Peni%CC%81nsula.pdf. Acesso em: 30 nov. 2023.

MALLAGI, V. Tecnologia em tempos de pandemia: a educação a distância enquanto panaceia tecnológica na educação básica. Criar Educação, Criciúma, v. 9, n° 2, edição especial, p. 51-79, 2020.

MELO, I. As consequências da pandemia (covid-19) na rede municipal de ensino: impactos e desafios. 2020. 24f. Trabalho de conclusão de curso (Especialista em Docência no Ensino Superior) – Instituto Federal Goiano, Ipameri, 2020.

MINAYO, M. C.; COSTA, A. P. Fundamentos teóricos das técnicas de investigação qualitativa. Revista Lusófona de Educação, nº 40, p. 11-25, 2018.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Coronavirus disease 2019 (covid-19): situation report, 57. Genebra: World Health Organization, 2020. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200317-sitrep-57-covid-19.pdf. Acesso em: 30 nov. 2023.

PEDRUZZI, A. N. et al. Análise Textual Discursiva: os movimentos da metodologia de pesquisa. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v. 10, n° 2, p. 584-604, maio/ago. 2015.​

PELOTAS. Decreto nº 6.249, de 17 de março de 2020. Pelotas, 2020. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rs/p/pelotas/decreto/2020/625/6249/decreto-n-6249-2020-dispoe-acerca-de-medidas-temporarias-a-serem-adotadas-pela-administracao-publica-municipal-objetivando-a-prevencao-ao-contagio-o-enfrentamento-da-propagacao-do-agente-patogeno-denominado-coronavirus-covid-19-bem-como-acerca-do-regime-de-trabalho-do-servidor-publico-municipal-e-da-outras-providencias. Acesso em: 30 nov. 2023.   

PELOTAS. Pelotas recebe selo de compromisso com a educação. Pelotas, 3 de dezembro de 2021. Disponível em: https://pelotas.com.br/noticia/pelotas-recebe-selo-de-compromisso-com-a-educacao.

RIO GRANDE DO SUL. Consulta Pública - itinerários formativos Ensino Médio gaúcho. Porto Alegre, 2021. Disponível em: https://curriculo.educacao.rs.gov.br/. Acesso em: 30 nov. 2023.

RIO GRANDE DO SUL. Governo adota plataforma de dados para qualificar gestão escolar na rede estadual de ensino. Porto Alegre, 2021. Disponível em: https://educacao.rs.gov.br/governo-adota-plataforma-de-dados-para-qualificar-gestao-escolar-na-rede-estadual-de-ensino. Acesso em: 31 jul. 2023.

RIO GRANDE DO SUL. Letramento digital prepara professores para uso do Google Sala de Aula. Porto Alegre, 2020. Disponível em: https://www.estado.rs.gov.br/letramento-digital-prepara-professores-para-uso-do-google-sala-de-aula. Acesso em: 30 nov. 2023.

RIO GRANDE DO SUL. RS registra maior índice de acesso ao Google For Education no país. Porto Alegre, 2022. Disponível em: https://www.estado.rs.gov.br/rs-registra-maior-indice-de-acesso-ao-google-for-education-no-pais. Acesso em: 30 nov. 2023.

ROSA, R. T. N. Das aulas presenciais às aulas remotas: as abruptas mudanças impulsionadas na docência pela ação do coronavírus - covid-19. Rev. Cient. Schola, Santa Maria, v. vi, 2020.

SANTOS, R. G. Barros et al. Processos de precarização do trabalho docente em tempos de pandemia da covid-19: uma análise a partir de uma noção ontológica e histórica do trabalho. Revista Labor, v. 1, n° 26, 2021.

SILVA, M. G. S.; LIMA, E.; BRAGA, P. P. P. Educação Física escolar em tempos de ensino remoto: relatos de professores da rede pública. Praxia - Revista on-line de Educação Física da UEG, v. 4, p. e2022006-e2022006, 2022.

WILLIAMSON, B.; EYNON, R.; POTTER, J. Pandemic politics, pedagogies and practices: digital technologies and distance education during the coronavirus emergency.Learning, Media and Technology, v. 45, n° 2, p. 107-114, 2020.

Publicado em 21 de maio de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

SILVEIRA, Naiélen Rodrigues; DUTRA, Eduarda Vesfal; BOZZATO, Lucas Vargas; COSTA, Andrize Ramires. Do necessário ao possível: práticas pedagógicas da Educação Física escolar no ensino remoto emergencial. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 18, 21 de maio de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/18/do-necessario-ao-possivel-praticas-pedagogicas-da-educacao-fisica-escolar-no-ensino-remoto-emergencial

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.