Inclusão e tecnologia na Educação do Campo – uma experiência nas escolas das ilhas de Paranaguá/PR
Jeferson Ferro
Doutor, professor do PPGENT/Uninter
Andressa do Carmo
Mestra, professora da rede municipal de Paranaguá/PR
Avanços tecnológicos na educação têm trazido importantes contribuições para os processos de inclusão, como no caso das tecnologias assistivas. No entanto, muitas escolas do campo ainda enfrentam dificuldades significativas quanto ao uso de produtos de tecnologia educacional. Não se trata apenas de acesso a bens materiais e infraestrutura, como rede de internet rápida e computadores, mas também de capacitação dos profissionais de ensino.
Nas Escolas do Campo-Ilhas, no município de Paranaguá/PR, contexto desta pesquisa, um recurso digital se destaca: a mesa digital Brink Touch. A prefeitura da cidade adquiriu 570 delas, produzidas pela Brink Mobil Equipamentos Educacionais, no ano de 2017. Quando adquiridas foi ofertada uma capacitação presencial de 8h aos profissionais da Educação, mas não houve desde então novas ações de capacitação para seu uso. As mesas digitais têm sido utilizadas como ferramentas de uso opcional pelos educadores, na maioria das vezes ocupando o espaço da aula de Informática.
Com software próprio, as mesas oferecem diversas atividades lúdicas que podem ser utilizadas como suporte para processos de alfabetização e para o ensino de Matemática e Ciências para o público do Ensino Fundamental I. Apesar de estarem presentes no espaço escolar, percebe-se que falta integração do equipamento com o currículo, bem como capacitação para que os professores possam utilizá-lo de forma efetiva. Em nossa pesquisa, constatamos que as professoras de inclusão se sentem despreparadas para utilizar a mesa digital e que os estudantes de inclusão não participam efetivamente de atividades que a utilizam, conforme buscaremos expor mais adiante.
No município de Paranaguá, a Educação no Campo é composta por duas realidades paralelas. De um lado estão seis escolas de colônias, para as quais o acesso é relativamente fácil, uma vez que se encontram em locais com ruas asfaltadas, calçamento e linha de ônibus. Os profissionais dessas escolas conseguem diariamente cumprir seus horários independentemente das questões climáticas, uma vez que essas escolas estão localizadas a poucos quilômetros de distância da zona urbana. O acesso à internet é feito a partir de infraestrutura física.
Do outro lado estão as nove escolas das ilhas, cujo acesso é somente marítimo. Essas escolas encontram considerável dificuldade para atrair profissionais, pois o acesso é feito exclusivamente por meio de uma lancha com casco de fibra e motor de popa com capacidade para dez passageiros. A viagem está sujeita a condições climáticas e frequentemente pode não acontecer, situação em que os estudantes ficam sem aula. Uma vez que o professor tenha aula em uma dessas ilhas, é necessário permanecer no ambiente escolar até o final do dia. Além disso, as turmas são classes multisseriadas e o professor precisa lidar com um conjunto muito diverso de estudantes, sem apoio de outros profissionais no local. Nesse cenário, a troca de experiências, materiais didáticos e estratégias de ensino entre os professores pode ser a única estratégia efetiva para a solução de problemas pedagógicos.
Educação no Campo
De acordo com as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Brasil, 2002), essa modalidade de ensino se fundamenta em uma concepção político-pedagógica voltada para a educação das pessoas com base nas relações estabelecidas com sua realidade local. Fica claro o pensamento de que a identidade da escola do campo é definida
pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país (Brasil, 2002, Art. 2º, parágrafo único).
Ainda segundo esse documento, cabe às secretarias estaduais estabelecer normas que regem a formação do currículo e o modo de operação das escolas, de acordo com sua realidade e respeitando os interesses locais (Art. 7º).
Na publicação Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo (Brasil, 2004, p. 35), desenvolvida como instrumento de orientação para gestores públicos com o intuito de efetivar as diretrizes para a Educação no Campo, define-se desta forma o perfil dos sujeitos envolvidos nessa modalidade de ensino: "agricultores familiares, assalariados, assentados, ribeirinhos, caiçaras, extrativistas, pescadores, indígenas, remanescentes de quilombos". Entre as políticas propostas para garantir a qualidade da Educação do Campo, percebe-se a preocupação com a infraestrutura das escolas, com materiais didáticos e com a formação dos educadores (Brasil, 2004, p. 43).
Como observam Caldart et al. (2015), a concepção de Pedagogia para uma Educação do Campo está em sintonia com o conceito da Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire (1970), porque os próprios participantes são responsáveis por estruturar o caminho que os leva à educação e à liberdade que sua cultura oferece. Essa pedagogia baseia-se nas práticas sociais e na tentativa de construir uma educação de qualidade que valorize o conhecimento das pessoas que vivem no campo e arredores.
A Educação do Campo pode ser entendida como um instrumento de desenvolvimento social justo, economicamente viável, ecologicamente sustentável e culturalmente aceito. Para Silva (2007), essa educação tem em conta o país e o seu povo, o seu modo de vida, a organização do trabalho e do espaço geográfico, suas identidades culturais; trata da educação da população trabalhadora como um todo e do desenvolvimento humano. Portanto, a Educação do Campo tem ligação primordial com as lutas sociais dos camponeses.
A formação específica dos educadores rurais, por sua vez, implica garantir práticas condizentes com os valores e princípios rurais e a capacidade de reconhecer as relações sociais ali estabelecidas. Tal formação aceita o território rural com seus modos especiais de povoamento, e não como uma extensão da cidade. Assim, a formação específica não pode ser analisada apenas na perspectiva da avaliação de conhecimentos. De acordo com Arroyo,
para a constituição de um sistema público de Educação do Campo, se faz necessário que educadores sejam desafiados na compreensão de que uma política pública e não um programa ou estratégia de governo é uma política de direitos, e é preciso que as atividades docentes construam um "novo" espaço pedagógico. Trata-se de ter consciência de que a história da afirmação dos direitos públicos, humanos e sociais só acontece quando é assumida, politizada e colocada nas mãos do Estado, como sua responsabilidade (Arroyo, 1999, p. 28).
As demandas que surgem nas instituições rurais requerem profissionais cuja formação os capacite a compreender a realidade atual do campo. Nesse contexto, o trabalho de inclusão de estudantes com deficiência não pode ser desconsiderado. Se por um lado a escola do campo se identifica com as especificidades de sua realidade social, por outro não se pode concebê-la como um espaço desconectado do mundo e dos avanços da educação de forma geral. Assim, o "educar no campo" pode ser entendido como uma forma de superação da exclusão dessas comunidades, conforme argumenta Fernandes (1999, p. 31-32), de que
o sentido da inserção do campo no conjunto da sociedade [deve ser] para quebrar o fetiche que coloca o camponês como algo à parte, fora do comum, fora da totalidade definida pela representação urbana. Precisamos romper com essa visão unilateral, dicotômica (moderno-atrasado) que gera dominação e afirma o caráter mútuo da dependência: um (rural ou urbano; campo ou cidade) não sobrevive sem o outro. A sociedade atual tende a esquecer o que é rejeitado, o que não é dominante. Na sua lógica só sobrevive a versão dos vencedores.
Entende-se, assim, que são necessários nas escolas do campo projetos educativos e sociais que possibilitem a realização de práticas pedagógicas que respeitem a identidade coletiva dos camponeses, mas sem que isso represente algum tipo de exclusão em relação aos estudantes das comunidades urbanas. Portanto, os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos estudantes devem contribuir para seu desenvolvimento como cidadãos, de forma que os processos de aprendizado do falar, ler, escrever, compreender e articular pensamentos não se limitem ao desenvolvimento de habilidades e competências técnicas voltadas ao trabalho. Isso implica, por exemplo, que o desenvolvimento de competências digitais, que geralmente acontece por meio do acesso a produtos tecnológicos, não pode ser deixado de lado na Educação do Campo.
Escola, tecnologia e inclusão
Construir sociedades inclusivas é objetivo fundamental para o desenvolvimento e a sustentação de democracias saudáveis. A inclusão visa proporcionar acesso contínuo e igualitário aos espaços de convivência na sociedade, promovendo uma relação acolhedora com a diversidade humana. Uma escola que valoriza e aceita as diferenças individuais, ao mesmo tempo que se esforça coletivamente para garantir igualdade de oportunidades a todos, é elemento fundamental nesse propósito. A Constituição Brasileira de 1988, no seu Art. 206, inciso I, já delineava como um princípio da educação "a igualdade de condições de entrada e permanência na escola" (Brasil, 1988), evidenciando a necessidade de se atentar à diversidade de condições dos alunos matriculados no sistema público de ensino.
O processo social da inclusão é gradativo e lento, pois, para que a inclusão de fato aconteça, é preciso mudar séculos de história e preconceitos arraigados. Nesse sentido, a Declaração de Salamanca, documento publicado pela Unesco que serve de referência para o desenvolvimento de políticas educacionais inclusivas desde então, é um marco histórico que tem como princípio básico formalizar a "demanda [de] que os Estados assegurem que a educação de pessoas com deficiências seja parte integrante do sistema educacional" (Brasil, 1994). Dentre as ações estabelecidas no documento, destaca-se a necessidade de revisar a formação de professores especialistas para capacitá-los a trabalhar em diferentes contextos e desempenhar seu papel em programas de necessidades educacionais especiais. Para uma inclusão efetiva, é necessário que haja capacitação profissional, bem como recursos e materiais adequados a cada demanda distinta.
É preciso destacar que o termo "Educação Inclusiva" não deve necessariamente ser compreendido como sinônimo de "Educação Especial". Como argumentam Breitenbach et al. (2016, p. 366-367),
embora a expressão Educação Inclusiva tenha sido interpretada no Brasil com mais ênfase na sua relação com a Educação Especial e com o seu alunado, ela é muito mais abrangente e abarca diversos grupos (sujeitos) – afro-brasileiros, camponeses, surdos, quilombolas, deficientes, indígenas, anões, doentes crônicos, menores abandonados, órfãos, ciganos, entre tantos outros – que estão/estiveram fora da escola ou que não tiveram/têm suas necessidades educacionais atendidas pela escola.
Nesse sentido, podemos entender que o conceito de "inclusão" também se relaciona, em sua própria essência, às escolas do campo. Segundo Rosita Carvalho (2004), escolas inclusivas reconhecem e acomodam as diferenças individuais, respeitando as necessidades de cada aluno. Isso abrange não apenas pessoas com deficiência, mas também alunos com dificuldades de aprendizagem ou de desenvolvimento devido a diversas outras causas. Portanto, a oferta de Educação Inclusiva não se destina apenas a um conjunto de alunos específicos, mas busca melhorar a escola para todos, sem distinção.
Em se tratando especificamente de estudantes com deficiência, o Capítulo V da LDBEN (Brasil, 1996), que trata da Educação Especial, no Art. 59, inciso 1, determina que "os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos para atender suas necessidades". Portanto, a instituição escolar tem a responsabilidade de proporcionar uma educação abrangente, cujo objetivo é ensinar o indivíduo a se conhecer, a agir, a desenvolver sua identidade e a conviver com os outros, independentemente de sua condição física ou cognitiva.
O treinamento adequado de professores desempenha papel fundamental para garantir a inclusão de estudantes com deficiência. A utilização eficaz de recursos tecnológicos pode contribuir para o trabalho com alunos inclusivos, mas para isso é preciso que haja preparação e material de apoio para o trabalho docente.
Promover a habilidade de leitura em crianças com transtorno do espectro do autismo (TEA), por exemplo, demanda uma abordagem altamente criativa por parte do professor e da equipe do atendimento educacional especializado (AEE), que tem o desafio de incentivar o aprendizado e a adaptação da criança, como argumenta Santos (2008). A utilização de materiais concretos e visuais integrados à rotina escolar da criança tem papel crucial nesse processo educativo. Além disso, é fundamental respeitar as preferências individuais e os interesses, que podem estar direcionados a certos itens como trens, dinossauros ou aviões, entre outros. Ao adotar uma abordagem que respeite as características do indivíduo, é possível proporcionar experiências de aprendizado interativas, resultando em experiências positivas e agradáveis para os alunos com TEA (Santos, 2008).
A ideia de isolamento e delimitação está presente em muitos pensamentos sobre a educação de pessoas com deficiência, considerando as dificuldades de sua plena inserção social em uma sociedade competitiva que valoriza o sucesso, a produtividade, o poder e a força (D'Antino, 1997, p. 102). Maria Teresa Mantoan (2003) ressalta a necessidade de superar meras inovações educacionais para cumprir o dever de inclusão de todas as crianças na escola de forma efetiva. Isso requer ir além da simples "integração", pois as diferenças existem; valorizar essas diferenças promove o progresso educacional.
Segundo a autora, a ideia de integração é uma resposta apenas parcial ao desafio da inclusão, uma vez que o sistema prevê serviços educacionais separados. Durante a integração, a escola como um todo não passa por mudanças, e são os alunos que precisam se adaptar às suas condições. Dessa forma, entende-se que a noção de integração é um traço característico do enfoque da educação tradicional, que limita as oportunidades oferecidas aos alunos com deficiência. Portanto, nesses casos o currículo é restrito e não leva em consideração a interação nas relações professor-aluno e aluno-aluno. A integração de pessoas com deficiência implica a aceitação da deficiência pelos outros membros da comunidade. Além disso, é necessário haver vontade política para construir uma prática social menos segregacionista e com menos preconceito.
De acordo com os estudos de Sassaki (2006), a integração social ocorre de diferentes maneiras:
- Através da simples inserção das pessoas com deficiência em espaços físicos e sociais, utilizando programas e serviços sem que a sociedade, incluindo escolas regulares, os valorize por suas habilidades pessoais e profissionais. Isso pode acontecer em parcerias e clubes, entre outros.
- Incluir pessoas com deficiência que necessitam de adaptações específicas em espaços físicos e processos comuns de atividades, como estudar, trabalhar ou aproveitar o tempo livre. Essa é a forma de convivência com pessoas sem deficiência.
- Inserir pessoas com deficiência em ambientes segregados dentro de um sistema comum, como escolas especiais em conjunto com a comunidade ou turmas especiais em escolas regulares. Apesar dos benefícios que possa trazer, essa forma de integração ainda é discriminatória (Sassaki, 2006, p. 34-35).
Dessa maneira, a integração escolar pode ser vista como uma forma condicionada de inclusão, na qual o grau de adaptabilidade ao sistema escolar depende da condição dos alunos. Isso pode ocorrer em turmas regulares, turmas especiais ou até mesmo em instituições especiais.
A ideia de inclusão vai além de questionar a política e a organização da Educação Especial e regular, buscando a plena integração escolar, de forma que todos os alunos, sem exceção, frequentem as salas de aula regulares com efetivas condições de aprendizagem. Para Mantoan (2003), o objetivo da integração é incluir alunos previamente excluídos, enquanto o lema da inclusão é não excluir ninguém desde o início da vida escolar. Nas escolas inclusivas, busca-se organizar o sistema educacional levando em consideração as necessidades de todos os alunos e estruturá-lo de acordo com essas necessidades.
Nessa perspectiva, é fundamental eliminar a divisão entre os sistemas escolares para que as escolas ofereçam atendimento não discriminatório, não trabalhem isoladamente com alguns alunos e não estabeleçam regras excludentes para eles. É necessário que o sistema educacional atenda adequadamente aos objetivos da educação e estimule os alunos a desenvolver sua autoestima.
Para que a verdadeira inclusão aconteça, é essencial estabelecer um processo de construção de consenso, envolvendo valores, diretrizes e princípios resultantes de uma reflexão compartilhada sobre o propósito da escola, suas funções, desafios e possíveis soluções. A inclusão deve estar baseada no conceito de ser humano como base para as ações e orientações que guiam a integração. Para isso, é imperativo que toda a escola se adapte às necessidades dos alunos com exigências especiais, abrangendo desde a estrutura física até a grade curricular.
No esforço de encontrar métodos mais eficazes para envolver crianças autistas nos primeiros anos da educação, visando desenvolver habilidades como leitura, escrita e cálculos, o campo da tecnologia assistiva é essencial. Esse campo oferece suporte nas áreas em que os alunos autistas apresentam mais dificuldades, implementando recursos e estratégias destinados a facilitar o processo de ensino-aprendizagem (Mantoan, 2003).
No Brasil, essas iniciativas estão alinhadas com a Lei de Inclusão de Pessoas com Deficiência, que define como tecnologia assistiva ou assistência técnica "produtos, dispositivos, equipamentos, recursos, métodos, estratégias, práticas e serviços destinados à promoção da funcionalidade e relacionados às atividades e participação de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida para alcançar sua independência, qualidade de vida e inclusão social" (Brasil, 2015).
Ao entendermos tecnologia assistiva como parte das tecnologias de comunicação e informação (TIC) – devido à utilização de hardware, software, hipertexto, hipermídia e internet em diversos dispositivos eletrônicos, como computadores, smartphones e tablets –, ela pode ser vista como uma grande aliada na integração de crianças com TEA. Nesse conjunto, encontram-se os jogos de cunho didático, que representam uma abordagem significativa e dinâmica para crianças com autismo, proporcionando interação e aprendizado de forma lúdica (Ischkanian; Maciel, 2017). A utilização de aplicativos em jogos educativos destinados a pessoas com autismo emerge como excelente ferramenta de aprendizagem, oferecendo a oportunidade de envolver esses alunos em diversas atividades pedagógicas. Essa abordagem também possibilita fomentar a socialização e o desenvolvimento da alfabetização.
Percurso metodológico da pesquisa
Esta pesquisa, desenvolvida no âmbito de um programa profissional de mestrado em Educação e Novas Tecnologias, parte da identificação de um problema presente na realidade da pesquisadora: a exclusão de estudantes autistas das atividades de informática nas Escolas do Campo – Ilhas, no município de Paranaguá. A pesquisadora é professora da rede municipal, atuante em escola do campo há 17 anos e, durante a pandemia da covid-19, vivenciou a dificuldade para desenvolver as atividades propostas pelo currículo municipal escolar com os alunos com TEA. Essa situação evidenciou o fato de que esse conjunto de estudantes costumava ficar excluído das atividades nas aulas de Informática.
A partir da observação da realidade específica na qual a autora se encontra inserida, o que permitiu a identificação do problema, entendemos que seria interessante ouvir a opinião de outras professoras que trabalham nesse contexto. Para isso, foram identificadas três profissionais que atuam nas escolas do campo com alunos autistas; elas demonstraram interesse em contribuir com a pesquisa. Todas são professoras-regentes em escolas do campo, localizadas em ilhas pertencentes à cidade de Paranaguá e ministram aulas de Português, Matemática, Arte, Ciências e Informática em turmas multisseriadas, com alunos do 1º ao 5º ano. O critério de escolha dos sujeitos da pesquisa foi "atuar com alunos de inclusão". Essas professoras foram, em seguida, convidadas a responder anonimamente a um questionário previamente aprovado pelo conselho de ética da instituição.
De posse das informações provenientes da observação e do questionário, bem como da investigação teórica sobre a temática, foi possível analisar o problema sob diversos ângulos. Essa análise levou ao desenvolvimento de um produto – um manual digital com planos de aula voltados à orientação dos professores para a utilização do recurso digital disponível nas escolas estudadas, a mesa digital Brink Touch. Nesse manual, conteúdos curriculares do Ensino Fundamental I são abordados com apoio das atividades pedagógicas disponíveis na mesa digital em sequências didáticas que levam em conta aspectos característicos dos estudantes autistas, como menor tempo de atenção e foco. Por fim, o manual foi apresentado a um grupo de profissionais de ensino da rede estadual, quando recebeu avaliação positiva e foi considerado um recurso útil para o trabalho de inclusão. A seguir, apresentamos dados do processo de pesquisa.
Entrevistas
As entrevistadas receberam as perguntas por meio do WhatsApp. Após desenvolvermos e revisarmos o questionário, ele foi enviado às professoras no dia 24 de abril de 2023.
Quadro 1: Perfil das entrevistadas
Professora A | 45 anos, 10 anos em sala de aula, graduada em Pedagogia e pós- graduada em Educação Inclusiva. |
Professora B | 58 anos, 17 anos em sala de aula, graduada em Letras - português e pós-graduada em Educação Inclusiva e Psicomotricidade. |
Professora C | 44 anos, 15 anos em sala de aula, graduada em Pedagogia e pós-graduada em Educação Inclusiva. |
As perguntas tiveram como foco principal entender suas dificuldades no trabalho com estudantes autistas e como faziam uso do equipamento tecnológico (mesa digital) com os alunos em questão nas aulas de Informática. Em seus comentários, as participantes forneceram detalhes que descrevem sua prática nas aulas de Informática com seus alunos autistas. As respostas foram transmitidas por áudio e estão transcritas, de forma resumida, a seguir.
Quadro 2: Respostas do questionário
1. Quando tem aula de Informática, os alunos de inclusão participam da mesma forma que os demais? Se não, por quê? Professora A: Não, pois não conseguem acompanhar a atividade proposta. Professora B: Às vezes, depende da atividade oferecida. Professora C: Não, pois o aluno não consegue acompanhar o ritmo dos demais. |
2. De quais recursos tecnológicos você dispõe no seu trabalho normalmente? Professora A: Computador, impressora/copiadora, mesas digitais. Professora B: Computador, impressora/copiadora, mesas digitais. Professora C: Computador, impressora/copiadora, mesas digitais. |
3. Antes da pandemia você utilizava esses recursos? Professora A: Muito pouco. Professora B: Às vezes. Professora C: Quando tinha aulas de Informática. |
4. Você conseguiu atender o aluno de inclusão durante a pandemia? Em que medida? Professora A: Não. Professora B: Sim, parcialmente. Professora C: Não. |
5. Você acha importante o aluno de inclusão participar das aulas de Informática? Professora A: Não só acho importante como acho necessário, pois se torna mais proveitoso, interativo e com bons resultados. Professora B: Certamente, pois eles precisam ser incluídos em todas as atividades desenvolvidas no ambiente escolar. Professora C: Sim, pois o direito da criança de ter acesso a tudo que a escola oferta precisa ser garantido. |
A partir de tais respostas e dos comentários das entrevistadas e das observações de campo realizadas pela pesquisadora, concluiu-se que o trabalho de inclusão digital não vem sendo feito de maneira satisfatória. Segundo as entrevistadas, isso se dá por falta de preparo quanto às possibilidades de se utilizar o equipamento tecnológico (mesa digital) com os alunos em questão, pois as professoras fazem uso do recurso apenas com os demais alunos, deixando os autistas fora do processo.
As respostas das participantes deixam claro que falta uma orientação específica, como na forma de planos de aulas que possam incluir alunos autistas nas atividades, para que eles recebam a mesma qualidade de ensino que é oferecida aos demais. A mesa digital é o principal equipamento eletrônico disponível nas escolas e oferece bom potencial como ferramenta de apoio pedagógico, uma vez que apresenta um conjunto de atividades lúdicas e é de fácil acesso para manusear. Por esse motivo, pode ser bem aproveitada com todos os alunos que fazem parte do ambiente escolar.
No entanto, professores sem preparo e sem apoio – o que ficou mais evidente diante das situações trazidas pela pandemia – acabam não tendo condições de realizar o trabalho. Nesse sentido, a pandemia foi um aprendizado e um alerta para que as capacitações sejam cada vez mais oferecidas para que as tecnologias educacionais sejam efetivamente integradas ao currículo escolar.

Figura 1: Estudantes usando a mesa digital: alunos fazendo uso da mesa digital nas aulas de Informática na Escola Municipal do Campo Ponta de Ubá, localizada na Ilha Ponta de Ubá, no município de Paranaguá/PR
Considerações finais
A inclusão de alunos autistas requer abordagens pedagógicas adaptadas, estratégias personalizadas e uma relação de apoio efetiva entre professores e alunos. A tecnologia, nesse contexto, pode desempenhar papel auxiliar, fornecendo recursos e ferramentas que contribuam no processo de aprendizado e na promoção da inclusão.
No entanto, a falta de uma efetiva integração dos recursos tecnológicos ao currículo escolar com planos de aulas adequados e treinamento específico, conforme delineado pela pesquisa, revelou a necessidade de apoio para uso da ferramenta tecnológica já existente nas escolas, habilitando as professoras a lidar de forma mais eficaz com alunos autistas. É fundamental que as escolas do campo-ilhas priorizem as adaptações necessárias para auxílio de seus profissionais, fornecendo-lhes as ferramentas necessárias para enfrentar os desafios da inclusão.
A questão da inclusão de crianças com deficiência na rede regular de ensino é parte de uma discussão ampla sobre a integração das pessoas com deficiência como cidadãos, com direitos e obrigações de participar e contribuir para a sociedade. Essa discussão vem sendo impulsionada por declarações e diretrizes políticas desde 1948, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Reconhecemos a importância do papel do educador no crescimento do ser humano, cabendo a ele desenvolver um adulto formador de opinião, consciente de seus direitos e responsabilidades. Para que possa exercer esse papel, o educador precisa de formação adequada, bem como de apoio para a utilização dos recursos educacionais disponíveis, como guias e manuais. Este trabalho espera ser, portanto, uma contribuição a esse objetivo.
Referências
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Publicado em 28 de maio de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
FERRO, Jeferson; CARMO, Andressa do. Inclusão e tecnologia na Educação do Campo – uma experiência nas escolas das ilhas de Paranaguá/PR. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 19, 28 de maio de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/19/inclusao-e-tecnologia-na-educacao-do-campo-r-uma-experiencia-nas-escolas-das-ilhas-de-paranaguapr
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