Reflexão sobre educação de Ciências e Biologia: da monografia Projeto Corpo Humano a seis anos de prática docente

Lohayne Braga Moreira

Mestre e licenciada em Ciências Biológicas (UNIRIO), bacharelanda em Biomedicina, especialista em Análises Clínicas, Ciências da Natureza e em Educação Especial e Inclusiva

Partindo de Jorge Larrosa (2014) que lembra que a educação foi "pensada, basicamente, a partir de dois pontos de vista: o do par ciência/tecnologia e do par teórico/prática", somos convidados a refletir acerca da Educação não pelo discurso da Ciência aplicada ou da práxis reflexiva. Para explorar outras possibilidades educativas, me desafiei a tentar transformar uma pesquisa iniciada em 2014 em uma experiência continuada e formativa ainda mais produtiva, quando atuei como bolsista CNPq. O nome do projeto era Práticas Docentes, Comunidades Disciplinares e Produção da Disciplina Escolar: Memórias de Professores de Biologia. Um dos pré-requisitos da bolsa era participar do grupo de pesquisa Currículo, Docência e Cultura, no Laboratório de Ensino de Ciências, na Feuff (Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense).

No início do projeto, fui mobilizada pelo interesse em entender as diferentes abordagens por meio das quais o corpo humano é tratado na comunidade de pesquisa. Essa investigação ocorreu em seis periódicos brasileiros da área, no período de 1996 a 2014. Eles tratavam do ensino do corpo humano atrelado à saúde, à cultura e à sociedade, com a permissão da organização de um mapeamento da temática e de suas abordagens, resultando no trabalho publicado Abordagens sobre o corpo humano e saúde na educação em Ciências: Levantamento em periódicos brasileiros (1996-2014) nos anais do III EREBIO da Regional 4. Após essa primeira etapa, os resultados encontrados foram colocados em diálogo com a formação docente, por meio de um material didático que visava mobilizar esses temas envolvendo o corpo humano no ensino de Ciências e Biologia. Esse segundo trabalho foi publicado em 2016, intitulado "A saúde no currículo escolar em debate entre os professores dos anos iniciais e licenciados em Pedagogia", nos anais do VI Erebio/ VIII Erebio Sul.

Para este texto, retomei o material didático O Corpo Humano em Caixas, produzido em 2015, pensando em apresentá-lo aos alunos de licenciatura em Biologia como oficinas. A ideia era olhar como os futuros professores de Biologia trabalham a questão do corpo humano em sala de aula e ao mesmo tempo investigar de que modo os materiais escolhidos e potencializados para serem apresentados nessas oficinas permitem outras reflexões, discussões e desafios em relação ao trabalho com o corpo humano na escola. Cabe destacar que os alunos foram apresentados ao material produzido após ele ter sido reconfigurado para o Ensino Superior, pois ele havia sido gerado para o Ensino Médio.

Meu interesse pelas questões referentes à temática do corpo humano partiu da questão levantada por Sílvia L. F. Trivelato (2005), que questiona qual corpo humano estaria sendo representado no ensino da Biologia. A autora comenta que, inicialmente, a resposta a guiou a dois caminhos: aos momentos histórico-curriculares em que os temas voltados ao corpo humano eram propostos e à investigação de como esse currículo afetava os alunos. Ou seja, já não se tem somente o corpo humano em sua dimensão biológica, mas o ser desse corpo passa também a contar. A autora evidencia que quando pensamos em como o corpo "caberia" no ensino, constatamos que ele entra aos pedaços.

Assim, nesse trabalho com o corpo, o intuito era olhar para quais discursos tratam da saúde, da sexualidade, do gênero, da beleza, da boa forma, da juventude etc., partindo também dos esforços para um ensino do corpo mais articulado que mostrasse a sua integração orgânica (Trivelato, 2005). Essa integração remete ao fato de que ensinar acerca do corpo na Biologia é também compreender ou apresentar a própria vida. Justamente em relação à vida, Larrosa (2015) aponta a experiência como resultado dos nossos próprios atravessamentos. Eles nos marcam e nos formam como sujeitos.

Nesse sentido, em uma aula de Ciências ou/e Biologia, esses atravessamentos são possibilidades da vida e do corpo estarem mais presentes e serem mais contemplados, auxiliando na ampliação dos conteúdos e permitindo uma conexão intensa do aluno com o exercício da cidadania. 

Por fim, as investigações acerca do corpo trazem muitas possibilidades e benefícios ao ensino. Celso Vitelli (2012) elabora importantes estudos a respeito do corpo para a compreensão de sociedades e culturas. No campo da Biologia, precisamos problematizar e combater ideias que se utilizam de noções científicas para fundamentar comentários racistas, machistas, homofóbicos e outros. Afinal, cabe aos professores em formação ou já formados, pensarem acerca do papel e do lugar da Biologia como Ciência em debate. Enfim, o que a Biologia pode dizer?

Desse modo, fizemos duas oficinas presenciais. Uma no dia 17 de outubro e outra no dia 7 de novembro de 2017, ambas realizadas durante o semestre letivo regular, com 18 participantes ao total que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. A duração de cada aula foi de 2h30min, seguindo as temáticas centrais (1) Cultura, Corpo Humano e Saúde; (2) Sociedade, Corpo Humano e Saúde; e (3) Ciência, Corpo Humano e Saúde.

Resultados e discussão

Ao perguntar o que os discentes apontavam como fundamental para abordar nas aulas, eles disseram: a anatomofisiologia humana, as IST e seus respectivos métodos profiláticos, o respeito aos corpos e o respeito às diferenças. Demonstraram apreensão em abordar questões de gênero, comentando que seria necessário muito preparo para lidar com a temática de forma respeitosa. Repensando os anos de prática, percebo que a anatomofisiologia, além de ser valorizada por permitir uma gama de conhecimentos importantes de integração sistêmica-celular, abre para a possibilidade de exemplificar a existência das singularidades biológicas. Isso pode ser utilizado para reforçar as ideias acerca dos funcionamentos individuais, do respeito e da compreensão a respeito do seu alto funcionamento.

Em relação à anatomofisiologia, à época, causou-nos estranheza, pois havia sido apontado apenas o estudo do humano. Na prática, acredito que os discentes apenas estavam direcionados à temática da oficina e não comentaram da anatomia comparada. No cotidiano de sala de aula, os estudos da anatomia comparada estão sempre presentes, além de evidenciarem questões evolutivas, eles ampliam o conhecimento geral dos alunos em relação aos outros grupos, além de serem conteúdos muito caros aos vestibulares.

De forma geral, eles expressavam muita preocupação em lecionar após a conclusão da graduação. Parecia que os estágios e as possibilidades de iniciação à docência, iniciação à pesquisa e as disciplinas de licenciatura do currículo do programa não os estavam preparando para a prática. Naquele momento argumentei a respeito da busca da formação continuada para superar os déficits encontrados na graduação, pois era impossível deter todo o conhecimento disseminado. Dessa forma, era importante buscar sempre melhorar e implementar nossas aulas. Mostrei que os movimentos sociais e as lideranças poderiam auxiliar nas aulas de Ciências e Biologia como convidados. Atualmente, percebo que é uma ideia razoável, mas que ela implica em grande esforço por parte do professor e da equipe escolar como um todo.

Havia preocupação constante em abordar questões de gênero e sexualidade em sala. Esse fantasma reaparece constantemente nas salas dos professores das quatro escolas nas quais lecionei. As mudanças de legislação e o sentimento de incerteza promovidos pela forma como as discussões são categorizadas e ideologizadas (esquerda ou direita), geram inseguranças aos docentes. Eles deram exemplos de assuntos a serem abordados dentro da temática: prevenção da gravidez na adolescência, comportamentos de riscos associados a IST e o evolucionismo biológico.

De fato, o conteúdo escolar dos professores de Ciências e Biologia costuma ser extenso. Nas oficinas todos disseram que houve um aumento nos conteúdos, mas que esse fato não necessariamente levaria a uma melhora da aprendizagem. Afirmaram a respeito da importância de se contextualizar o conhecimento. Realmente, os exemplos que mostram para os alunos a importância de aprender um conteúdo e como eles podem ser aplicados em suas rotinas, pode diminuir impactos ambientais, promovendo reflexões. Acredito que o papel do professor seja lecionar os conteúdos programáticos, proporcionar aos alunos a possibilidade de pensar e, ainda, levantar questões que os incentivam, de forma saudável e respeitosa, a criarem e a discutirem em sala de aula.

Destacamos que todas as temáticas em Biologia citadas como significativas pelos discentes estão amplamente contempladas no currículo tradicional de Biologia. Temas como: a puberdade e a maturação sexual; a origem das organelas (como a mitocôndria e os cloroplastos); a homeostase; os sistemas do corpo; os hormônios; o aparelho reprodutor; a organização celular e citologia; a nutrição; as doenças mais comuns no Brasil e seus métodos profiláticos e os componentes e a integração do sistema nervoso.

Assim, podemos observar a força do currículo tradicional de Biologia entre os professores da disciplina. Na minha prática docente, esses assuntos são sempre reintroduzidos pelos próprios alunos. Inclusive, os professores mencionaram que seria interessante criar projetos interdisciplinares para expandir a forma de abordar o corpo humano. Infelizmente não consegui implementar nenhum projeto interdisciplinar, mas costumava perguntar aos professores o que eles estavam lecionando e tentava correlacionar a proposta deles ao meu conteúdo, além de reforçar as demais disciplinas, falando acerca da importância da matemática para a compreensão da genética ou noções de geografia para a compreensão dos biomas, por exemplo.

Costumo aproveitar as dúvidas trazidas em sala de aula como uma oportunidade de cativar a atenção dos alunos. Por meio da afetividade, podemos trabalhar bem a disciplina de Ciências ou/e Biologia do currículo da Educação Básica. O currículo é sempre uma disputa e os alunos questionam seus professores com a pergunta: "Para que eu tenho que estudar isso?" Acredito que a maioria dos professores tenha uma resposta padronizada para essa questão. Mas entendo que o uso de notícias recentes que mostram como ocorre a compreensão de noções básicas a respeito de temas do dia a dia, evitam constrangimento, perda de dinheiro, dano ao corpo e ao meio ambiente.

Graduandos comentaram, assim, a respeito do que não deveria ser abordado em Ciências e Biologia, por serem temas sem base científica sólida, demonstrando compreensão e ética acerca desses conteúdos em suas aulas. Isso reforça ainda mais a necessidade de uma boa formação acadêmica no Ensino Superior. Sendo assim, todos concordaram que é fundamental observar o contexto no qual o aluno está inserido, sua instituição escolar e comunidade do entorno. Além disso, todos sinalizaram acerca da importância de se considerar a linguagem utilizada pelo aluno. 

No término das oficinas, todos destacaram a inserção de noções de direitos humanos e de bem estar animal nas aulas. Assim como a importância dos recursos naturais e de sua preservação. Também colocaram a questão do  racismo e dos preconceitos como pautas a serem combatidas em prol da construção da cidadania dos alunos de modo equânime, pois todos fazemos parte da sociedade e temos uma função nela, incluindo a escola.

Conclusão

No final da minha graduação, por meio de uma pesquisa de campo, as oficinas propiciaram uma boa coleta de informações, além de reflexões significativas. Podemos contemplar os objetivos gerais e específicos, registrados em áudios e roteiros, conseguimos pensar e repensar acerca do papel docente, das metodologias e das práticas. Em relação aos meus colegas de curso, a prática me proporcionou menos estranhamentos e desconfortos.

Percebi a preocupação em lecionar considerando os conhecimentos prévios dos alunos e informações que garantam mais qualidade de vida cotidiana para eles. Concordo, ainda, que os discursos biológicos não devem ser utilizados para fundamentar e justificar preconceitos, mas precisamos reconhecer a importância dos projetos interdisciplinares, com propostas curriculares inclusivas e atualizadas.

Entendo, dessa forma, que a Biologia é uma das áreas de conhecimento humano que participa da produção de conhecimentos a respeito do mundo. Cabe ao professor de Ciências ou/e Biologia promover um ambiente intelectualmente estimulante e saudável para a construção de discussões acerca desses conhecimentos, sempre pautando-se pela excelência pedagógica e científica.

Obviamente que isso perpassa questões culturais e sociais que envolvem todo o ensino, direta ou indiretamente, e são enriquecedoras às aulas. Agora, completando seis anos de prática docente, ou seja, já sou uma jovem professora, é excepcionalmente necessário que se faça um movimento de se pensar e repensar o ensino, assim como as estratégias, os objetivos, os conteúdos, as práticas e a minha postura profissional.

Referências

BRASIL ESCOLA. Corpo Humano: investigando sentidos, potências e limites em sala de aula (monografia). Organizado por Lohayne Braga Moreira. Disponível em: https://monografias.brasilescola.uol.com.br/biologia/corpo-humano-investigando-sentidos-potencias-e-limites-em-sala-de-aula.htm Acesso em: 20 mar. 2024.

LARROSA, J. Tremores: Escritos sobre a experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

MOREIRA, L. B.; VILELA, M. L.; SELLES, S. E. O corpo em que habito. VII EREBIO. Anais... 2015.

SELLES, S. E. et al. Abordagens sobre o corpo humano e saúde na Educação em Ciências: Levantamento em periódicos brasileiros (1996-2014). III EREBIO Regional 4. Anais... 2014.

TRIVELATO, S. L. F et al. Que corpo/ser humano habita nossas escolas? Ensino de Biologia: conhecimentos e valores em disputa. Niterói: EdUFF, 2005. p. 121–130.

VILELA, M. L. et al. A saúde no currículo escolar em debate entre os professores dos anos iniciais e licenciados em Pedagogia. VI ENEBIO/VIII EREBIO Sul. Anais... 2016.

VITELLI, C. et al. O corpo na arte: heranças e rompimentos. In: Estudos culturais e educação: desafios atuais. Canoas: Ed. Ulbra, 2012. p. 333-345.

Publicado em 28 de maio de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

MOREIRA, Lohayne Braga. Reflexão sobre educação de Ciências e Biologia: da monografia Projeto Corpo Humano a seis anos de prática docente. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 19, 28 de maio de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/19/reflexao-sobre-educacao-de-ciencias-e-biologia-da-monografia-projeto-corpo-humano-a-seis-anos-de-pratica-docente

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