Ressignificação de objetos: uma proposta de aula de Arte
Cristiano Ferreira Silveira
Mestre em Educação (IFSul - Câmpus Pelotas), professor de Educação Artística na rede municipal de Gramado/RS
Todos sabemos que quando um objeto, acessório ou instrumento é criado ele é instantaneamente colocado em uma categoria para ser utilizado com uma determinada função. A função é um determinante cumprido com rigor. Claro que um objeto pode ter múltiplas funções e atribuições, mas sempre com uma necessidade específica.
Quando Marcel Duchamp apresentou em sua exposição um mictório com o provocativo nome de "A fonte" (1917), por meio dele o artista subverte toda a ordem constituída, modificando-o inclusive no seu funcionamento atribuído.

Figura 1: A fonte, de Marcel Duchamp
Fonte: https://multiplosdearte.wordpress.com/2016/03/15/a-fonte-e-duchamp/
Partindo da ideia proposta por Duchamp, surgiu a inspiração para o trabalho desenvolvido e registrado aqui. Comecei, então, fazendo um questionamento acerca do dia a dia dos estudantes, perguntando sobre o que eles faziam e qual era a sua rotina. Absolutamente todos responderam que tomavam seu café antes de sair de casa e ir à escola. Perguntei qual objeto eles utilizavam para tomar seu café? Eles responderam que usavam xícaras, copos, garrafas etc. Com a informação, lancei uma provocação aos estudantes: "por que aquele objeto era utilizado para aquela função?". Não chegamos a nenhuma resposta concreta, mas deixei que produzissem pensamentos a respeito. Na aula seguinte, trouxe a ideia de transformar aquele objeto corriqueiro (xícara, por exemplo) em outro objeto ou outro ser. Com isso, o pensamento deles foi incomodado e retirado do conforto.
Nesses ambientes educativos da sala de aula é possível que se coloque uma escuta, um olhar e um experimentar da vida. Isso potencializa o sensível, despertando sensações às quais não temos controle. Isso pode possibilitar novas formas de pensar os significados e as experiências. Segundo Lazzarotto (2012, p. 99),
para experimentar, vista-se de não senso. Abandone a cronologia e habite o tempo que flui no movimento de pensar. Opte por seguir pelas passagens de novos sentidos e faça do absurdo a matéria do pensamento. Crie palavras para acolher os afetos que se produzem nesse percurso.
A experimentação é extremamente importante para os estudantes, principalmente quando produzida a partir da produção de novos pensamentos. Eles transformam suas ideias em algo diferente quando as colocam como possibilidades de experimenta ção de pensamentos diferentes.
É papel do educador propiciar a produção de pensamentos e espaços para que isso aconteça. Cabe ao educador, abrir possibilidade para que seus estudantes vejam outras estéticas a fim de não se limitarem ao espaço escolar.
Desenvolvendo a atividade
Depois dos questionamentos iniciais, sugerimos que os estudantes pensassem em alguma coisa diferente de uma xícara. Alguns disseram que pensaram em um rádio, um celular, uma casa e até mesmo em um avião. Com essas informações, o professor pediu que fizessem um projeto por meio do desenho.
Feito o projeto, escolheram os materiais para desenvolverem o trabalho. Optaram por materiais como: jornal, papel ofício, papel pardo ou materiais fáceis de encontrar, presentes no dia a dia da escola.
A sala ficou animada, pois havia alunos de um lado para o outro, construindo seus objetos, trocando materiais etc. Ao longo do processo surgiram dúvidas de como iriam fazer as figuras. O professor foi interagindo e ajudando a resolver os "problemas" que iam surgindo.
Alguns modificaram seus projetos e os transformaram em outros objetos, achando soluções e dando novos significados a ele. Os objetos começaram a tomar forma por meio das intervenções e das construções pessoais de cada um.
Essa atividade não apenas promoveu a criatividade e a expressão individual como estimulou o pensamento crítico e a reflexão acerca de questões importantes da vida contemporânea. Ao modificar e atribuir um novo significado a objetos comuns, os alunos foram incentivados a questionar, explorar e experimentar, contribuindo para o desenvolvimento de habilidades essenciais para o aprendizado da vida.

Figura 2: Objetos produzidos pelos alunos
Fonte: Arquivo pessoal do Autor.
É importante destacar que a aula de Arte acontecia em um único período de quarenta minutos, mais precisamente no último período. Nesse período os alunos são responsáveis pela limpeza da sala ( norma da rede de ensino), o que por si só já reduz muito o período de aula, pois isso em média leva uns quinze minutos para organizar a sala.
Devido à questão do tempo o trabalho foi desenvolvido ao longo de três meses para que tudo fosse feito sem pressa, com o cuidado e a liberdade aos estudantes. Os alunos na penúltima aula levaram seus objetos para casa para finalizarem alguns detalhes, mas deveriam trazê-los na próxima aula.

Figura 3: Objetos produzidos pelos alunos
Fonte: Arquivo pessoal do Autor.
Um simples objeto do cotidiano, como uma xícara vazia, pode ser transformado em uma escultura, em uma peça de arte conceitual, em um instrumento musical improvisado ou até mesmo em uma instalação ambiental. Cada transformação gerou diferentes reflexões e insights por parte dos alunos, que puderam abordar questões relacionadas à estética, ao consumo, à arte e à expressão pessoal, entre outros temas.
Considerações finais
A atividade proposta não apenas promoveu a criatividade e a expressão individual como também estimulou o pensamento crítico e a reflexão acerca de questões importantes da vida contemporânea. Ao modificar ou atribuir novos significados a objetos comuns, os alunos são incentivados a questionar, explorar e experimentar, contribuindo para o desenvolvimento de suas habilidades essenciais na vida.
Com certeza, a sala de aula é muito mais do que um local onde os alunos recebem instruções acadêmicas. Mesmo que existam papéis definidos, como o de professor e o do aluno, a dinâmica das aulas permite que as pessoas se encontrem e interajam de maneiras diversas. Nesse contexto, a subjetividade é moldada e enriquecida nas relações interpessoais. A troca de experiências, opiniões e perspectivas entre os membros da turma amplia os horizontes individuais e coletivos. A escuta atenta, o olhar empático e a disposição para experimentar a vida contribuem para uma maior compreensão do mundo .
Ao potencializar o sensível, o professor de Arte oferece oportunidades para o desenvolvimento emocional, cultural e intelectual dos alunos. Essas experiências podem despertar sensações e emoções diversas que fogem ao controle consciente, mas que têm um impacto profundo no processo de aprendizagem e de crescimento pessoal.
Ao contrário do ensino conteudista voltado à teoria, as aulas de Arte oferecem a oportunidade para os alunos explorarem a criatividade, experimentarem novas ideias, desenvolverem o pensamento crítico e a produção de significados. Por meio da criação e da apreciação artística, os alunos são incentivados a questionar as normas estabelecidas e a refletirem a respeito de questões sociais, explorando novas formas de compreender o mundo.
Por meio desse encontro, abre-se a possibilidade para experiências com novas formas de significar o mundo. A diversidade de vivências e pontos de vista presentes na escola desafiam o indivíduo a questionar suas próprias concepções e a construir novos entendimentos acerca de si mesmo e do mundo ao seu redor.
Portanto, uma aula de Arte não é apenas um espaço para a transmissão de conhecimentos, mas um lugar onde se cultivam relações humanas significativas e se promove o desenvolvimento integral dos indivíduos.
Referências
AROUCA, Carlos Augusto Cabral. Arte na escola: como estimular um olhar curioso e investigativo nos alunos do Ensino Fundamental. São Paulo: Anzol, 2012.
BORTOLUZZI, Thiago. A fonte é Duchamp. 2016. Disponível em: https://multiplosdearte.wordpress.com/2016/03/15/a-fonte-e-duchamp/. Acesso em: 04 fev. 2025.
LAZZAROTTO, Gislei Domingos Romazini. Experimentar. In: FONSECA, Tânia M.G. et al. (org.). Pesquisar na diferença: um abecedário. Porto Alegre: Sulina, 2012.
Publicado em 28 de maio de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
SILVEIRA, Cristiano Ferreira. Ressignificação de objetos: uma proposta de aula de Arte. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 19, 28 de maio de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/19/ressignificacao-de-objetos-uma-proposta-de-aula-de-arte
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