Pelas linhas das escrevivências: do conto “A gente combinamos de não morrer”, de Conceição Evaristo, a uma proposta de sequência básica
Rosane de Souza Santos
Pós-graduanda em Tecnologias e Educação Aberta e Digital (UFRB), graduada em Letras - Língua Portuguesa/Libras/Língua Estrangeira (UFRB)
Esta atividade pedagógica apresenta uma proposta de Sequência Básica, respaldada no modelo de letramento literário de Rildo Cosson, composto por quatro passos fundamentais: motivação, introdução, leitura e interpretação, pautando-se no conto "A gente combinamos de não morrer", presente na obra Olhos D'água, de Conceição Evaristo. A atividade citada está em consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por intermédio das habilidades: EM13LP46 (Compartilhar sentidos construídos na leitura/escuta de textos literários, percebendo diferenças e eventuais tensões entre as formas pessoais e as coletivas de apreensão desses textos, para exercitar o diálogo cultural e aguçar a perspectiva crítica); EM13LP49 (Perceber as peculiaridades estruturais e estilísticas de diferentes gêneros literários – a apreensão pessoal do cotidiano nas crônicas, a manifestação livre e subjetiva do eu lírico diante do mundo nos poemas, a múltipla perspectiva da vida humana e social dos romances, a dimensão política e social de textos da literatura marginal e da periferia etc. – para experimentar os diferentes ângulos de apreensão do indivíduo e do mundo pela literatura); e EM13LP53 (Produzir apresentações e comentários apreciativos e críticos sobre livros, filmes, discos, canções, espetáculos de teatro e dança, exposições etc. – resenhas, vlogs e podcasts literários e artísticos, playlists comentadas, fanzines, e-zines etc.) (Brasil, 2018).
Estima-se a quantidade de sete aulas de 50 minutos para a realização da proposta, que é direcionada ao público do Ensino Médio; seus objetivos são: i) Conhecer a produção literária da escritora Conceição Evaristo por meio do conto A gente combinamos de não morrer, com vistas a ampliar os conhecimentos acerca da literatura brasileira, ressaltando as vozes marginalizadas e a importância da representatividade; ii) Refletir criticamente sobre a estrutura social contemporânea por meio dos adereços estéticos literários, presentes no conto, os quais evidenciam um cenário marcado pela resistência e subversão aos modelos canônicos; iii) Produzir obras que contemplem temáticas de valorização da identidade, memória e ancestralidade, em consonância com os aspectos estéticos, culturais e sociais presentes no conto. Espera-se contribuir para a aquisição de habilidades e engajamento do público estudantil, bem como para profissionais da área de Letras ou afins que desejam promover o letramento literário para os seus alunos.
Motivação
- Recepcione os alunos ao som da música Negão Negra, interpretada por Elza Soares e Flávio Renegado. Essa música faz alusão à luta do povo negro diante da sociedade racista e opressora.
- Inicie a aula por meio de uma conversa informal com a turma, discutindo a violência no cenário brasileiro, sobretudo no que tange à população negra, trazendo exemplos de fatos do cotidiano, a fim de promover uma discussão inicial sobre o assunto.
- Em seguida, exiba a trilha sonora do espetáculo Ainda Vivas - Três Peças do Nóis de Teatro, interpretado por Tatá Santana e Pedro Bomba. A referida trilha sonora faz menção às pessoas invisibilizadas socialmente (negros e LGBTQIAPN+, dentre outros) e expõe suas lutas para sobreviver. A composição foi escolhida por criar contrastes com as temáticas a serem trabalhadas e por existir teor poético vinculado a uma perspectiva de resistência daqueles que estão à margem.
- Depois da exibição, solicite que cada aluno escreva, em um pedaço de papel e utilizando no máximo três linhas, as reflexões obtidas por meio da letra da música e em seguida guarde o material produzido em uma caixa, que deverá ser reaberta na etapa de interpretação.
Introdução
- Investigue se a turma conhece a escritora Conceição Evaristo e motive que teçam comentários sobre ela.
- Depois disso, apresente a escritora para os alunos:
- Conceição Evaristo é uma das mais renomadas escritoras literárias e intelectuais negras do Brasil; nasceu em 29 de novembro de 1946, em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. A escritora compõe obras recheadas por forte teor militante e com marcas de resistência, em que estampa as mazelas vivenciadas por si mesma e pelo povo negro para sobreviver às opressões sociais.
- A sua literatura engajada com os aspectos sociais rendeu importantes prêmios, como o Jabuti, além de as obras serem traduzidas para diversos idiomas, como inglês e francês, entre outros.
- Como pesquisadora, dedica-se a questões vinculadas à cultura afro-brasileira, estudos sobre ancestralidade negra, com foco na luta antirracista, além de voltar o olhar para as questões relacionadas ao feminismo negro.
- No segundo momento, destaque a importância da sua obra Olhos D'água e aponte de maneira sucinta alguns aspectos acerca do conto "A gente combinamos de não morrer":
- As narrativas contemporâneas expostas nessa obra retratam as violências sofridas pelos indivíduos negros no contexto da sociedade, mas não apenas isso; o escrito carrega consigo um teor de resistência em que revela questões relacionadas à ancestralidade e à identidade afro-brasileira.
- O conto A gente combinamos de não morrer exibe um cenário periférico cercado pela violência. Nessa narrativa, corpos são tombados diariamente – corpos de sujeitos invisibilizados pelo Estado. A partir de seus anseios mais íntimos, a escrita poética elege várias vozes para narrar essas vivências.
Leitura
- Exiba por meio de slides (caso não possua o livro físico) a estrutura ou elementos paratextuais do livro Olhos D'água, de Conceição Evaristo. Em seguida, exponha um dos escritos do referido livro, o conto "A gente combinamos de não morrer".
- Distribua cópias impressas do conto para a turma.
- Pergunte aos alunos se conhecem o escrito; caso conheçam, podem tecer breves comentários.
- Depois divida a turma em quartetos e faça a leitura de reconhecimento do conto, explorando questões relacionadas às construções frasais, à pontuação, às metáforas, aos narradores e aos personagens.
- Depois, solicite que os alunos façam uma análise mais minuciosa do texto literário, buscando desvendar as temáticas de maneira mais aprofundada. Durante esse processo, é importante que os quartetos permaneçam unidos e compartilhem seus entendimentos entre si, valorizando a ação grupal.
- Nesse processo, trabalhe como mediador dos grupos e esteja disponível quando os alunos solicitarem esclarecimentos.
- Quando a turma finalizar a leitura, diga que na aula seguinte fará uma roda de conversa para refletir e discutir os aspectos do conto, além de explorar as questões estruturais da escrita de Conceição Evaristo.
Interpretação
- Proponha a formação de uma roda de conversa e solicite que cada aluno explicite suas concepções a respeito do conto. Nesse contexto, abra a caixa com as anotações feitas na etapa de motivação e pergunte: Qual a relação do que você escreveu anteriormente com o conto A gente combinamos de não morrer? Se você tivesse a oportunidade, faria novas anotações? Se sim, como seriam? Peça para os alunos comentarem as anotações dos colegas.
- Após a conversa de caráter mais geral, siga para as discussões de ordem temática: faça destaque ao título do conto A gente combinamos de não morrer. Indague sobre as possíveis motivações e/ou estratégias da escritora na construção do recurso linguístico que subverte a proposta formal ou culta da língua, configurando-se como uma forma de representatividade linguística (identidade). Discuta acerca do combinado feito entre os personagens, representado como um ato de resistência de todos aqueles que estão à margem da sociedade e lidam com a morte cotidianamente.
- Em seguida, exponha as temáticas propriamente ditas: violência contra a população negra periférica, resistência diante desse cenário, dicotomia entre morte e vida, insegurança em relação ao futuro, aversão a respeito da vida, papel da mulher (como são representadas), aspectos da cultura afro-brasileira, vulnerabilidade social, poder e contraste entre as classes sociais.
- Peça para que cada aluno comente e leia um trecho do conto que considerou mais significativo. Aproveite a ocasião para fazer comentários sobre cada consideração dos alunos e destaque os possíveis elementos que não foram trazidos para a discussão.
- Nessa discussão, destaque as características da escrita de Conceição Evaristo e os traços estilísticos do conto, bem como o uso da linguagem coloquial, que privilegia aspectos da oralidade, a figura do narrador que transita entre dois vieses, entre 3ª pessoa (narrador onisciente-heterodiegético) e 1ª pessoa (narrador personagem-autodiegético), o uso do tempo psicológico pelos personagens: Dorvi (personagem principal) casado com Bica, irmã de Idago, ambos filhos de Dona Esterlinda, personagens inseridos em um cenário periférico.
- Depois dessas considerações, o aluno que se sentir confortável poderá tecer possíveis questões que não foram expostas.
Sugestão de atividade
Após as discussões acerca do conto, convide a turma para criar um conto coletivo com base nas temáticas presentes em A gente combinamos de não morrer.
Para que não haja transtornos na produção da obra, faça um sorteio dos nomes daqueles que vão iniciar e terminar a escrita do conto. O primeiro nome sorteado deve escrever o início do conto, o segundo dá continuidade ao parágrafo que o colega fez e assim sucessivamente, até chegar ao final. Cada aluno será responsável por criar um ou dois parágrafos do texto.
Medeie o processo de confecção da atividade e, ao final, faça as devidas correções do escrito, com o intuito de analisar a falta ou não de coerência entre os parágrafos, visto que, por tratar-se de uma produção coletiva, pode haver falta de nexo entre os parágrafos.
Quando esses procedimentos estiverem concluídos, empreenda uma parceria com o professor de Artes (prática interdisciplinar) com vistas à produção de uma moldura ou capa de papel, EVA ou outro material da mesma categoria. A finalidade é criar um visual atraente para a parte física do conto para, em seguida, expor ao público.
Além disso, solicite a montagem de uma encenação. Para isso, forme grupos, compostos por seis alunos cada. Os alunos podem montar roteiros com as passagens do conto que consideraram mais marcantes. A atividade artística será exibida no sarau da escola e transmitida pelo canal do YouTube da instituição.
Sugestão: caso haja empecilhos para a realização do planejamento exposto, os alunos podem fazer uma exposição oral ou leitura dramatizada do conto escrito por eles na própria sala de aula. Essa possibilidade de apresentação pode auxiliar no desenvolvimento da oralidade do alunado, além de fortalecer a ação coletiva do grupo.
Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 2ª ed. 9ª reimpr. São Paulo: Contexto, 2019.
EVARISTO, Conceição. A gente combinamos de não morrer. In: EVARISTO, Conceição. Olhos d'água. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pallas Míni, 2018. p. 107-119.
NÓIS DE TEATRO. Disponível em: Ainda Vivas - Nóis de Teatro ft Tatá Santana (Part. Especial: Pedro Bomba). Acesso em: 22 fev. 2022.
PAIVA, Érica Rosa. Conceição Evaristo. Todo estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/conceicao-evaristo. Acesso em: 22 fev. 2022.
SOARES, Elza. Negão Negra. Disponível em: Elza Soares, Flávio Renegado - Negão Negra (Videoclipe Oficial). s/d. Acesso em: 17 fev. 2022.
Publicado em 04 de junho de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
SANTOS, Rosane de Souza. Pelas linhas das escrevivências: do conto “A gente combinamos de não morrer”, de Conceição Evaristo, a uma proposta de sequência básica. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 20, 4 de junho de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/20/pelas-linhas-das-escrevivencias-do-conto-ra-gente-combinamos-de-nao-morrerr-de-conceicao-evaristo-a-uma-proposta-de-sequencia-basica
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