Produção textual em turmas dos anos finais do Ensino Fundamental
Ana Angélica Gonçalves da Silva
Licenciada em Educação do Campo (UFMG), pós-graduanda em Docência com Ênfase em Educação Básica (IFMG – Câmpus Arcos)
José Lázaro Pereira de Souza
Pós-graduado em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura (Uniasselvi) e em Linguagens, suas Tecnologias e o Mundo do Trabalho (UFPI), pós-graduando em Docência com Ênfase em Educação Básica (IFMG – Câmpus Arcos)
Fernanda Carla de Oliveira
Doutora em Estudos Linguísticos (UFMG), docente do curso de Pós-Graduação em Docência com Ênfase em Educação Básica do IFMG – Câmpus Arcos
A produção textual, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), deve ter como objetivo principal "formar escritores competentes capazes de produzir textos coerentes, coesos e eficazes" (Brasil, 1998, p. 51) entendendo que um escritor competente "sabe selecionar o gênero no qual seu discurso se realizará, escolhendo aquele que for apropriado a seus objetivos e a circunstâncias enunciativas em questão" (Brasil, 1998, p. 51).
Assim sendo, diante do que dispõe esse documento referencial para outros dispositivos basilares da educação nacional, constata-se que é atribuição da escola criar condições para que os educandos, ao finalizarem o Ensino Fundamental, tenham construído uma base sólida no que se refere ao domínio das técnicas relacionadas à produção textual.
Ressalta-se que vários teóricos da área de linguagens fomentam a reflexão acerca do trabalho com produção textual, apontando caminhos para que seja efetivado de maneira assertiva, contribuindo para que a escola consiga cumprir o seu papel de formar leitores críticos e escritores reflexivos.
No entanto, mesmo com o direcionamento bibliográfico fornecido aos sistemas de ensino com diversos referenciais teóricos e dispositivos legais norteadores e normatizadores, o que se percebe é que a maioria dos alunos que ingressam, cursam e finalizam o Ensino Médio trazem consigo sérias limitações no que se refere ao domínio aceitável, autônomo e criativo da prática de produção textual.
Essa constatação foi feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) que após realizar as correções das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM, 2021-2022), divulgou que quase 5% dos estudantes que realizaram as mencionadas avaliações zeraram a prova de redação. Como resultado, o próprio INEP informou que os candidatos fugiram à temática ou entregaram a parte do exame em branco.
Sendo assim, o presente trabalho objetiva, por meio de pesquisa bibliográfica, traçar algumas linhas de reflexão acerca dos motivos que condicionam a maioria do alunado. Alunos provenientes da escola pública estão nessa triste estatística quando o assunto é a produção textual, criativa e autônoma. Com base nas informações obtidas por meio da pesquisa, é importante que se indique caminhos que possam contribuir para o fomento de práticas pedagógicas que favoreçam a criatividade e a autonomia dos discentes no que se refere à produção textual competente.
Referencial teórico
O trabalho pedagógico vem, ao longo das últimas décadas, sendo pauta de intensas e constantes discussões que objetivam promover uma orientação curricular mais estruturada, procurando estabelecer a normatização do ensino ofertado nas escolas públicas do Brasil.
Na década de 1990, após um longo processo de diálogo e, também, da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996), foram elaborados e disponibilizados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
O exemplar de Língua Portuguesa da série de documentos aponta que, sob a ótica da perspectiva sociointeracionista da língua, a apropriação de competências linguístico-discursivas deve se processar tendo o texto como sua unidade básica, com o objetivo de direcionar o trabalho, indicando o gênero textual como objeto de ensino e enfatizando a criação de contextos reais de uso da linguagem.
Outrossim, os PCN de Língua Portuguesa rememoram a importância de se promover a articulação entre as práticas de linguagem trabalhadas didaticamente no contexto da sala de aula, sejam a partir do texto, da gramática e/ou da redação, mas seu uso real deve ser elemento de comunicação social, sem que haja a sua fragmentação.
Assim, no que se refere ao ensino de produção textual, os PCN (1997, p. 47) afirmam que "o trabalho com produção de textos tem como finalidade formar produtores competentes e capazes de produzir textos coerentes, coesos e eficazes". Nesse contexto, um escritor hábil deve ser compreendido como um estudante capaz de discernir e escolher o gênero que atenda à sua demanda de produção momentânea, no intuito de adequar a sua escrita às necessidades discursivas.
Além disso, para o documento norteador em pauta, um escritor eficiente planeja, sumariza, organiza de maneira coesa e coerente o que será posto, considerando as especificidades do gênero que está sendo utilizado.
Para finalizar, ainda segundo os PCN (1997), para ser um bom redator há a necessidade de o estudante buscar conexões entre a sua produção e outros textos já escritos, parafraseando, referenciando e/ou utilizando outros recursos possíveis, bem como precisa estar apto a revisar a sua própria escrita, percebendo prováveis falhas que podem prejudicar o processo de leitura e interpretação quando seu trabalho de produção estiver sendo lido por outra pessoa.
Nesse sentido, para formar escritores competentes preparados para refletirem criticamente e aperfeiçoarem suas produções, os PCN indicam a prática contínua com textos, ao longo do processo. Assim, o aluno entende que as escritas são provisórias e percebe que é fundamental a revisão, a utilização de rascunhos e a realização da reescritura. Essa última constitui um elemento preponderante do percurso de produção escrita. Por meio dela, o estudante se capacita para perceber os problemas presentes em seu texto, tornando-se autônomo e capaz de controlar a construção do seu conhecimento.
Cabe ressaltar que todo esse processo de produção deve ter como ponto de partida um assunto que permeia a realidade social dos elementos envolvidos e, via de regra, uma destinação final que apresente relevância para a coletividade, uma vez que não se dialoga sem que haja uma finalidade social.
Sendo assim, percebe-se que as teorias linguísticas defendidas pelos PCN se fundamentam fortemente nas ideias do filósofo Mikhail Bakhtin (1895–1985). Segundo o estudioso, a linguagem possui um papel preponderante no processo comunicacional de toda e qualquer sociedade. Ao analisar o Parâmetro Curricular de Língua Portuguesa fica evidente que a linguagem é concebida como essencial às práticas discursivas a serem trabalhadas no ambiente educacional formal. Bakhtin (1997) pauta a discussão relacionada aos gêneros discursivos, enfatizando que sua grande diversidade varia de acordo com os diferentes contextos de uso e com o nível social e relacional dos elementos envolvidos no processo.
Dessa maneira, o teórico indica que para a pessoa dominar os processos comunicativos dialógicos é necessário conhecer e fazer a utilização adequada de variados gêneros, orais ou escritos, para estabelecer uma comunicação inteligível. Em relação a isso, Bakhtin (1997) afirma que o domínio pleno dos gêneros textuais utilizados socialmente suscita nos usuários da língua uma compreensão mais plena de suas nuances, proporcionando uma maior reflexão acerca de situações que envolvem a comunicação verbal.
Ao analisar os PCN há uma preocupação em nortear as propostas teórico-pedagógicas de ensino sob a égide dos gêneros textuais. Enfatiza-se que essas orientações reflexivas são exploradas, com bastante eficácia e propriedade, por Schneuwly e Dolz (2004), podendo-se destacar o trabalho como sequências didáticas, progressão curricular e o agrupamento de gêneros. Reforça-se que as práticas metodológicas anteriormente mencionadas estão direcionadas para o fim particular e específico de pautas relacionadas ao ensino dos gêneros textuais.
Não se pode deixar de mencionar que ao se planejar a execução de uma sequência didática é imperativo, segundo os autores anteriormente mencionados, que os objetivos sejam claramente delimitados e que a escolha do gênero a ser trabalhado seja pautada nesses objetivos.
No que se refere à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estabelece uma sucessão de aprendizagens mínimas que os alunos necessitam desenvolver ao longo da Educação Básica e possui um caráter normativo, diferentemente dos PCN, podemos constatar uma linha ideológica quando o assunto é o trabalho com produção textual, bastante semelhante à condução dada pelos PCN.
Na sessão de introdução isso se torna evidente, pois se constata que o ensino de Língua Portuguesa deve ter como preocupação fundamental a "participação mais plena dos jovens nas diferentes práticas socioculturais que envolvem o uso das linguagens" (Brasil, 2017, p. 481) e essa preocupação é ratificada nos quadros que apresentam as habilidades relacionadas à produção textual.
Ao analisar o conjunto de habilidades relacionadas à produção textual e elencadas na BNCC, percebemos uma substancial relação entre as ideias presentes no documento normativo e as ideias propostas por Bakhtin (1997), já que, de acordo com o estudioso da linguística, um texto está conectado umbilicalmente com as práticas sociais e com as proposições ideológicas que circulam em um determinado meio. Em virtude disso é crucial que os enunciados produzidos em sala de aula tenham relevância social. Eles devem ser utilizados nas mais diversas situações comunicativas que permeiam a realidade vivenciada pelo alunado envolvido no processo de produção para que ganhe significância e sentido.
A BNCC é um documento que enfatiza a necessidade de se trabalhar didaticamente o ensino de Língua Portuguesa, com a finalidade de promover o desenvolvimento de capacidades linguísticas com vistas à leitura e à produção textual, concebendo o "texto como unidade de trabalho e as perspectivas enunciativo-discursivas na abordagem" (Brasil, 2017, p. 65). Nesse instrumento normativo da educação brasileira se percebe, claramente, a perspectiva sociodiscursiva da linguagem presente nas ideias Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), que tomam os gêneros discursivos/textuais elementos semióticos fundamentais nos contextos sociais vivenciados pelos indivíduos.
Dolz e Schneuwly (2004) enfocam que a educação escolar formal tem como premissa desenvolver atividades que propiciem as mais variadas possibilidades de interações nas quais os educandos possam agir socialmente, por meio de situações que envolvam a produção e a interpretação de variados gêneros textuais, demandando um trabalho intenso a fim de que haja o desenvolvimento pleno das competências linguísticas dos alunos.
Diante da base teórica explorada até o presente momento, percebemos que a BNCC, documento construído com o objetivo de normatizar a educação básica no Brasil, possui fundamentos filosóficos que convergem e complementam as ideias exploradas pelos PCN, documento formulado para nortear o trabalho pedagógico.
Sendo assim, o trabalho didático com produção textual referenciado pelos documentos nacionais em pauta, de acordo com Geraldi (1985), precisa desconstruir uma prática que se pautou em atividades de treino mecânico, utilizado como subterfúgio para o ensino de regras da gramática normativa da Língua Portuguesa, como acentuação, pontuação e ortografia.
Esse teórico afirma que o texto deve ser direcionado para o outro não podendo, em nenhuma hipótese, ser algo fechado em si mesmo. Dessa forma, para que o leitor possa compreender a ideia que está sendo transmitida, o escritor precisa dar pistas ao longo do texto, contribuindo para o seu entendimento (Geraldi, 1991, p.101).
Corroborando as ideias citadas, Antunes (2010, p. 30) afirma que todo e qualquer enunciado textual é uma forma de expressar um ato de comunicação. Portanto, trata-se de uma prática que possui uma funcionalidade social, uma vez que utilizamos esse recurso devido à uma necessidade de atender a uma finalidade, ainda que esse propósito seja o de ficarmos em silêncio.
Como preconiza Costa Val (2016), o texto precisa expressar, coerentemente e funcionalmente, a situação traduzida pelo evento comunicativo, utilizando a língua na modalidade falada ou escrita, provida de significância sociocomunicativa, semântica e formal.
Sendo assim, segundo Koch e Elias (2016), pelo fato de o texto ser o ato comunicativo que demanda aspectos linguísticos, cognitivos, sociais e interacionais, ao realizar um processo de produção um escritor competente necessita selecionar, organizar e desenvolver suas ideias, propiciando equilíbrio entre as informações explícitas e implícitas, além de revisar a escrita durante todo o transcorrer da realização do trabalho.
Esses mesmos autores sustentam que além de utilizar as estratégias mencionadas para que um bom texto seja produzido, o escritor precisa ativar conhecimentos linguísticos, enciclopédicos e interacionais armazenados em sua memória (Koch e Elias, 2009). Essa ativação se constitui como importantíssima, já que a escrita é um processo interativo que se constitui fundamental para a efetivação de um processo dialógico.
Assim, para se produzir um texto dotado de significância que seja claro e objetivo, o sujeito-autor precisa conceber a língua como um elemento social que propicia a interação verbal entre os interlocutores no sentido de que uma mensagem possa ser transmitida (Antunes, 2003, p. 41).
Metodologia
O presente estudo apresenta uma abordagem qualitativa e busca entender os fatores que estão motivando o insucesso dos educandos dos anos finais do Ensino Fundamental no que se refere ao domínio de técnicas relacionadas à produção textual. Para Richardson (1999), a finalidade principal da pesquisa qualitativa está na sua capacidade de aprofundar o entendimento de um determinado fenômeno social. A partir da produção de conhecimento científico, ela fomenta discussões que contribuem para o aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem no que se refere à escrita de textos desses estudantes.
Assim sendo, como procedimento, utilizamos a pesquisa bibliográfica com a realização de uma revisão de literatura, promovendo uma discussão teórica acerca da temática. Essa discussão se fundamenta em documentos oficiais que norteiam e normatizam a educação brasileira (os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Base Nacional Comum Curricular). Ao analisar a temática sob a perspectiva trazida pelos documentos oficiais, foram trazidas ao diálogo teorias de diversos estudiosos da área da linguística, como João Wanderley Geraldi (1985), Mikhail Bakhtin (1997), Irandé Antunes (2003; 2010) e Joaquim Dolz (2004), entre outros.
Posteriormente à discussão teórica, realizamos no dia 27 de dezembro de 2023 uma busca na base de dados do periódico SciELO com os seguintes descritores: <produção de textos>, <ensino de língua>, <formação de professores>. Entre os descritores apresentados anteriormente, utilizamos o operador booleano "AND". Salienta-se que, como recorte temporal, foram escolhidos apenas artigos publicados a partir de 2015.
Dessa busca, obtivemos um total de cinco artigos analisados criteriosamente no sentido de verificar as relações de pertinência de cada um dos trabalhos científicos com a temática tratada no artigo em tela.
Dentre os artigos encontrados, após a busca, destacamos: Percepção de professores de Língua Portuguesa sobre criatividade em produções textuais discentes, escrito por Alencar e Moraes (2015); e Língua portuguesa na escola: (re)fazendo um percurso de formação, de Hentz (2015).
Os trabalhos foram incluídos pelo fato de o primeiro discutir a percepção dos professores de Língua Portuguesa à luz do nicho pesquisado e em relação à capacidade criativa dos educandos no que se refere à produção textual. O segundo, por apresentar um estudo que demonstra os impactos do processo de formação continuada no trabalho de um professor de Língua Portuguesa que atua nos anos finais do Fundamental.
Quanto aos critérios que motivaram a exclusão dos outros três artigos encontrados, pode-se mencionar que ficou constatado que não englobam questões relacionadas à produção textual, além de possuírem outra etapa de ensino que não os anos finais do Fundamental.
Resultados e discussão
O primeiro artigo analisado, Percepção de professores de Língua Portuguesa sobre criatividade em produções textuais discentes, propõe a promoção de um levantamento quantitativo da frequência em que as atividades com produções textuais eram utilizadas em sala de aula. Além disso, o autor investigou de que forma os professores da área de Língua Portuguesa percebiam a capacidade criativa dos educandos, buscando analisar até que ponto os docentes observados compreendiam a importância de suas práticas pedagógicas para que os educandos pudessem avançar, de maneira sólida, no que concerne ao domínio da capacidade de produção textual de forma criativa e autônoma.
A fim de obter informações que trouxessem respostas para esses questionamentos, utilizamos a entrevista como método de coleta de dados de maneira voluntária e com a garantia de confidencialidade. Foram ouvidos e gravados 12 professores dos anos finais do Fundamental, mais especificamente, do 8° e 9° anos.
Como resultado de sua pesquisa, Alencar e Moraes (2015) constataram que as produções textuais não eram frequentes nas aulas de Língua Portuguesa. Evidenciaram que mesmo os professores concebendo a atividade como de fundamental importância para que os educandos pudessem evoluir no seu processo de domínio da escrita, eles a evitavam em virtude da falta de disponibilidade de tempo para efetuar as correções.
Entre os pesquisados havia um número limitado que utilizava a prática de produção textual ativamente. Mesmo os professores que faziam uso da produção, a praticavam em apenas uma hora-aula por semana. Até quando havia a disciplina de redação, com duas aulas semanais, uma dessas aulas era dedicada às atividades de interpretação de texto.
As autoras do artigo salientam que os docentes entrevistados entendem que existem procedimentos metodológicos que ensejam maior possibilidade de os educandos produzirem textos mais criativos e mais adequados ao proposto. Esses procedimentos envolvem "a utilização de recursos variados para dinamizar as aulas, maior liberdade para o aluno se expressar, aproximação com a realidade dos educandos, menor apego às normas e às regras rígidas, procedimentos estes típicos do professor engajado no desenvolvimento do potencial criativo de seus alunos" (Alencar; Moraes, 2015).
Não obstante, boa parte dos professores pesquisados informaram que o sistema educacional impossibilita a utilização efetiva dessas práticas pedagógicas, constituindo um impeditivo para o desenvolvimento efetivo da escrita criativa dos alunos.
Ademais, os professores pesquisados indicam que também contribuem para dificultar o domínio pleno da produção textual com criatividade pelos alunos devido a questão da falta de leitura e da falta de incentivo dentro das famílias.
Alencar e Moraes (2015) concluem seu estudo focalizando que mesmo por meio de uma amostragem pequena os dados obtidos no estudo científico indicam que os pesquisados associam as práticas metodológicas utilizadas didaticamente com o aumento da capacidade produtiva dos educandos. No entanto, pontuam que há a necessidade de o sistema educativo, como um todo orgânico, dar a sua parcela de contribuição, trazendo para os docentes condições de trabalho menos adversas e mais condizentes com o que a formação integral dos sujeitos exige no contexto atual.
O segundo artigo selecionado, Língua portuguesa na escola: (re)fazendo um percurso de formação, analisa os resultados de cursos de formação contínua para docentes da área de Língua Portuguesa em suas práticas pedagógicas cotidianas e em que medida esses instrumentos impactam positivamente no trabalho pedagógico e na qualificação do aprendizado dos alunos.
Ressalta-se que a autora concentra a sua análise na materialização das diferentes formas de abordagem promovidas por uma professora em cada um dos três momentos de execução e na maneira diferenciada que a profissional observada dá tratamento ao texto nas atividades escritas em cada uma das fases de realização da pesquisa.
Como métodos para alcançar os objetivos propostos no estudo, Hentz (2015) utiliza o acompanhamento e a análise do planejamento elaborado assim como a prática desenvolvida por uma professora de Língua Portuguesa, especificamente no trabalho com a produção textual no transcorrer de momentos diferentes: a primeira atividade executada no período que antecede ao contexto de participação do processo de formação, enquanto a segunda e a terceira são promovidas no decorrer do processo de formação.
Após o acompanhamento e a análise dos processos transpostos na execução da atividade para os três momentos distintos ficam evidentes as relevantes mudanças no trabalho pedagógico e na forma como o texto é tratado didaticamente, em cada um dos momentos, e como é notória a evolução no processo de ensino, devido ao instituto da formação continuada.
No primeiro momento, o foco da produção é a verificação do emprego dos tempos verbais desconsiderando-se todas as nuances que envolvem o processo produtivo. O texto é utilizado de maneira inequívoca como um instrumento para o ensino da gramática normativa. No segundo momento, quando a professora propõe a escrita de textos de opinião, ainda não o faz de maneira adequada, uma vez que não solicita que os alunos, antes de iniciarem o processo de escrita, façam leituras de textos do gênero em estudo, trazendo como instrumentos para a escrita apenas ideias soltas da composição e da organização dos textos de opinião. No terceiro momento, a professora traz para a sua prática de ensino a dimensão social do gênero, pautando-se em questões que permeiam a relação entre o autor e o leitor, bem como seu espaço de circulação, trazendo significância para o processo.
Hentz (2015) concluiu o trabalho manifestando que os professores podem construir uma nova postura em relação à sua própria formação, refletindo criticamente acerca de sua prática e oportunizando um olhar introspectivo para a possibilidade de uma mudança, à luz dos conhecimentos produzidos.
Para finalizar, a autora enfatiza que o trabalho analisado é uma representação da atribuição produtiva de professores e de alunos, podendo assumir o processo de escrita como autores com voz social dentro de um determinado contexto.
Diante das análises postas, evidencia-se que um dos principais fatores que ensejam o insucesso dos educandos no que se refere ao domínio da capacidade de produção textual de forma criativa e autônoma se deve à maneira como as atividades são trabalhadas didaticamente.
Alencar e Moraes (2015) ressaltam que o trabalho com produção textual não é realizado seguindo os preceitos norteadores dos PCN e normatizadores da BNCC. Portanto, não se nota que os docentes observados fundamentam suas práticas na concepção de linguagem bakhtiniana, uma vez que deveriam tratar o trabalho com produção textual por ele ser inerente à língua, como uma atividade social em constante transformação materializada nas relações e vivenciadas pelas pessoas, trazendo à sala de aula os gêneros textuais que permeiam a realidade no convívio da comunidade estudantil.
No entanto, o que se verifica no estudo mencionado é que o trabalho com produção textual é negligenciado pelos docentes. Quando ele acontece é realizado de maneira fragmentada, entrando em rota de colisão com o que preconizam Dolz e Schneuwly (2004), já que os autores mencionam a importância de trabalhar essas questões de maneira sequenciada, garantindo a construção da aprendizagem.
No estudo em questão é possível constatar que o trabalho na área de Língua Portuguesa ainda é realizado como um treino mecânico, sem a preocupação em trazer a realidade social dos educandos para as produções textuais. Como sinalizado por Geraldi (1985), esse é mais um paradigma que precisa ser quebrado.
Diante do contexto, verifica-se a relevância da discussão trazida por Hentz (2015) acerca de como o processo de formação continuada dos professores pode qualificar o trabalho com a produção textual.
O instrumento da formação continuada possibilita que o docente tenha acesso a conceitos e abrirá a possibilidade de ressignificá-la, orientando sua prática no que preconizam os documentos norteadores e normatizadores da educação nacional, elaborados sob embasamento teórico de gêneros textuais e de produção escrita.
Esse estudo docente, apoiado por um processo de acompanhamento das instituições formadoras, fomenta a qualificação do trabalho com produção escrita e garante que os educandos concluam o Ensino Fundamental, produzindo textos mais criativos e de maneira mais autônoma.
Conclusão
Nas últimas décadas, após traçar todas essas linhas de discussão relacionadas às questões que se referem à produção textual nos anos finais do Fundamental, percebe-se que houve uma preocupação considerável dos órgãos normatizadores da educação brasileira em fomentar a adequação do trabalho docente aos estudos científicos desenvolvidos por renomados teóricos da área da linguística no sentido de trazer significância a uma prática que, por muito tempo, ao longo da história da educação brasileira, foi marcada pela ideia do escrever por escrever ou do escrever para a obtenção de uma nota.
Sabe-se que práticas didáticas fundamentadas nessa ideologia são fadadas ao fracasso, uma vez que acabam dissociando a escrita que se produz da escrita real que se processa no mundo, além dos limites físicos da escola.
A princípio, os PCN e a BNCC, ambos fundamentados nas legislações educacionais e trazendo como base ideológica o pensamento bakhtiniano, instrumentalizam os profissionais docentes da área de letras a pautarem seus trabalhos na questão dos gêneros discursivos, preponderantemente naqueles com maior circulação social para que os educandos consigam perceber a estreita relação existente entre o que se trabalha e o que se vive.
É imperativo que se desconstrua a ideia de que se escreve para a escola e para passar de ano. Escreve-se porque precisamos interagir com as outras pessoas discursivamente e uma das formas dessa interação é a forma escrita. Ressalta-se que as reflexões produzidas por meio do diálogo, com diferentes fontes teóricas, comprovam essas afirmações.
O estudo em foco evidencia ainda que um dos principais motivos para o insucesso dos alunos no que se refere à escrita autônoma e criativa está na forma como é realizado o trabalho em sala de aula.
Mesmo com todo o referencial teórico que norteia e normatiza a educação brasileira, muitos docentes ainda insistem em uma prática didática que não contribui para a formação de leitores críticos e escritores reflexivos.
O material de pesquisa analisado esclarece que a prática pedagógica retrógrada, efetivada por alguns professores da área de Língua Portuguesa, se dá por problemas sistêmicos relacionados à ineficiência da gestão das redes de ensino que condicionam o profissional a uma jornada de trabalho cansativa e pouco produtiva.
Nesse ponto surge um paradoxo importante: o mesmo sistema educacional que norteia e normatiza a educação brasileira deixa a desejar, quando a questão é o apoio e o acompanhamento dessas redes de ensino, onde a educação se materializa.
Outro ponto evidenciado pelo material estudado é como a formação continuada dos profissionais da educação pode ser um elemento decisivo no processo de ensino-aprendizagem em qualquer área, quando o assunto é a produção autônoma e criativa de texto. A formação contínua dos docentes possibilita ao profissional em serviço uma reflexão constante acerca de sua ação didática, fomentando a sua qualificação.
Sendo assim, diante de tudo que foi posto à análise e discutido ao longo do presente trabalho, constata-se que ainda não se consegue formar escritores autônomos. Constata-se, inclusive, que a presente situação que vem à tona por meio dos resultados das diversas avaliações externas pode ter seus resultados aperfeiçoados, caso haja mais atenção. Esse aperfeiçoamento em serviço qualificará a gestão do processo ensino-aprendizagem, trazendo grandes ganhos para a formação de produtores de textos de qualidade.
Referências
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RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.
Publicado em 04 de junho de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Ana Angélica Gonçalves da; SOUZA, José Lázaro Pereira de; OLIVEIRA, Fernanda Carla de. Produção textual em turmas dos anos finais do Ensino Fundamental. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 20, 4 de junho de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/20/producao-textual-em-turmas-dos-anos-finais-do-ensino-fundamental
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