Desvendando o núcleo: perspectivas e desafios a respeito da elaboração e aplicação de um jogo de tabuleiro online

Liz Nunes da Costa

Doutoranda e mestra em Ciências Ambientais e Conservação (PPGCIAC-UFRJ), graduada em Ciências Biológicas (UENF/Cederj)

Míriam de Souza Britto

Estagiária no Pensi Colégio e Curso, graduanda em Ciências Biológicas (UFRJ)

Larissa Espindola Alves Rodrigues Menezes

Pós-graduada em Educação Especial e Inovação Tecnológica (UFRRJ), graduada em Ciências Biológicas (UFRJ)

Thainá Milena Crema Toledo

Professora de Ciências e Biologia na Rede Elite de Ensino e Hexag medicina, graduada em Ciências Biológicas (UFRJ)

Victoria Elis Pinheiro de Andrade Barrionuevo

Graduanda em Ciências Biológicas (UFRJ/Cederj)

Lais Leite Futuro

Professora do Colégio Pedro II, mestra em Genética (UFRJ) e supervisora do Pibid/UFRJ

Rosana Conrado Lopes

Professora titular (Instituto de Biologia/UFRJ), doutora e mestra em Botânica (UFRJ), curadora do Herbário RFA, orientadora no Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Botânica) no Museu Nacional/UFRJ e no Programa de Pós-Graduação Profbio, Coordenadora do Pibid-UFRJ

Em meio à crise sanitária mundial que se instaurou devido à propagação desenfreada da covid-19, o ensino e todas as esferas sociais tiveram que se adaptar para o enfrentamento à pandemia subsequente. No Brasil, a implantação da Portaria n° 343, de 17 de março de 2020, pelo Ministério da Educação decretou situação de emergência. Essa portaria determinou que, enquanto o país estivesse nessa situação, as aulas presenciais estariam suspensas, sendo substituídas por aulas e atividades online. Dessa forma, se iniciou o ensino remoto a partir do uso das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) (Conceição; Rocha, 2020). Os professores tiveram que se adaptar ao uso das TDIC no cotidiano escolar para todas as práticas pedagógicas e estratégias didáticas (Tiné et al., 2024). Além disso, alunos e professores foram repentinamente submetidos ao isolamento social, sendo impactados no emocional e no físico por diversos fatores, tanto econômicos como sociais (Possa et al., 2020; Marcon; Schimitt, 2021).

A pandemia gerou impactos na saúde, como ansiedade e tédio (Possa et al., 2020; Marcon; Schimitt, 2021). A comunicação dos docentes com os alunos foi um grande desafio durante o ensino remoto (Possa et al., 2020; Marcon; Schimitt, 2021). Nessa nova modalidade de ensino, os alunos se sentiam desmotivados diante da necessidade de autoaprendizagem, falta de um feedback instantâneo e falta de interação social com colegas e professores (Possa et al., 2020; Marcon; Schimitt, 2021). Por esses motivos e por questões socioeconômicas, pesquisas demonstraram que houve aumento da evasão escolar de estudantes do Ensino Médio durante a pandemia (Sousa et al., 2021; Morais et al., 2021).

Para tentar contornar a evasão e a falta de interesse dos alunos nas aulas, os jogos foram ferramentas interessantes, pois favorecem maior engajamento e aprendizagem significativa (Silva; Bax, 2017). A aplicação de jogos no ensino faz com que os alunos se tornem mais motivados e as aulas sejam mais interativas (Silva et al., 2016). Os jogos colaborativos propiciam experiências em grupo, além do desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Nos jogos colaborativos, todos os participantes devem trabalhar juntos com peças fundamentais para o sucesso comum. Isso acontece, pois os jogos são capazes de despertar emoções favoráveis à motivação e o envolvimento dos discentes em participação ativa. Por meio dos jogos lúdicos ocorre a quebra da barreira tradicional que separa professor-aluno, proporcionando uma abertura para a externalização do diálogo, bem como para motivar a aprendizagem juntamente com a diversão (Pimentel et al., 2021).

A aplicação de jogos no ensino representa uma ferramenta com grande potencial para revisar os conteúdos, promovendo a dinamização das aulas (Alves et al., 2020). Os jogos representam um recurso eficaz de acordo com finalidades educativas de forma menos monótona (Cunha, 2012). O lúdico traz aspectos divertidos, incluindo brincadeiras e jogos com objetivos educacionais (Pinheiro; Cardoso, 2020). Além disso, a gamificação no ensino promove o fortalecimento das relações sociais com grande interação entre professores e alunos (Fujiwara; Marques, 2017; Alves et al., 2020). Diante disso, surgiu a necessidade da construção e da apresentação de materiais didáticos de apoio que fossem mais lúdicos e que propiciassem maior interação social e motivação aos discentes.

A interação social possui caráter formativo e constitutivo sendo essencial para o desenvolvimento integral do ser humano como cidadão, parte ativa da sociedade (Santos; Nicot, 2020). As relações interpessoais influenciam na construção da personalidade de acordo com os saberes coletivos e a troca de valores culturais, ideias e crenças nos quais está imerso (Santos; Nicot, 2020). Durante a pandemia, a interação foi mediada por meio de ferramentas tecnológicas que proporcionam a interatividade (Santos; Nicot, 2020). Entretanto, o simples uso das ferramentas tecnológicas pode não ser um atrativo. É essencial a promoção de atividades enfatizando a troca de conhecimentos coletivos para a construção dos saberes individuais (Santos; Nicot, 2020). Com isso, fez-se necessário o aperfeiçoamento de práticas pedagógicas visando aproximar e promover a interação entre alunos e professores, tais como a aplicação de jogos (Marcon; Schmitt, 2021).

Na realidade do Colégio Pedro II, o ensino remoto se fez como medida emergencial, visto que a modalidade de ensino a distância não era utilizada pela instituição anteriormente. Essa repentina necessidade de adaptação demonstrou a falta de experiência prévia. Com isso, inúmeras dificuldades surgiram no decorrer do caminho, como a dificuldade de acesso e a pouca participação nas aulas, com a redução do engajamento e do acompanhamento do aluno pelo professor.

Dessa maneira, elaborar um jogo para trabalhar um assunto já previsto na matriz curricular dos alunos se fez necessário com o objetivo de incentivá-los a participar, estudar e interagir. Alencar et al. (2019) observaram que durante a aplicação de um jogo de tabuleiro os alunos demonstraram grande interesse, já que a aula se tornou fascinante. A aplicação de jogos fez com que os alunos se sentissem motivados à aprendizagem coletiva, deixando de lado o receio de errar e o medo da autoaprendizagem (Alencar et al., 2019), pois os jogos permitem maior interação entre os participantes, tornando-os sujeitos ativos durante a aprendizagem, além de melhor assimilação de temas complexos como Citologia (Alves et al., 2020). O ensino da Biologia Celular estrutural é de grande relevância para compreender os mecanismos fisiológicos e bioquímicos, porém trata-se de um tema de grande complexidade, pois permeia conceitos abstratos e estruturas microscópicas que não podem ser manipuladas pelos estudantes, exigindo novas estratégias didáticas.

Diante do exposto, um núcleo do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas se reuniu para a elaboração e a aplicação de um jogo de tabuleiro a respeito de núcleo celular. O Pibid é um programa do governo brasileiro que oferece bolsas de iniciação à docência para alunos de nível superior que se dedicam ao estágio em escolas públicas. O objetivo principal do programa é a valorização do magistério e a melhoria da qualidade da Educação Básica, que integra a Política Nacional de Formação de Professores. O jogo proposto dialoga com o objetivo do projeto, pois além de colaborar para a qualidade do magistério é uma importante ferramenta motivacional para os alunos.

Por fim, a atividade elaborada representou uma importante ferramenta no processo de formação dos graduados por meio da junção da teoria à prática a partir do exercício do magistério na rede pública. O processo de formação docente representa uma importante etapa de aquisição de habilidades favoráveis ao ensino-aprendizagem. As transformações no ensino advém de profissionais capacitados e de uma atividade docente consciente e frequentemente autoavaliada. Portanto, a elaboração e a aplicação do jogo tiveram como objetivo dinamizar as aulas, propiciando maior interação social, revisão e fixação do conteúdo para os alunos do Ensino Médio.

Metodologia

Durante o Pibid (2020/2022), licenciandas em Ciências Biológicas, juntamente com a professora da disciplina no Colégio Pedro II, elaboraram e aplicaram o jogo Desvendando o Núcleo, como parte da sequência de aulas sobre Citologia.

O jogo foi elaborado na plataforma Genially, utilizando tabuleiro online em formato de "trilha". O tabuleiro possuía quatro trilhas entrelaçadas com desafios colaborativos, de forma que não haveria um vencedor. O objetivo principal era percorrer o caminho, respondendo perguntas e desafios individualmente e em grupo, visando coletar informações que seriam utilizadas em um desafio final.

Os grupos foram divididos a partir das respostas de um formulário, considerando as dificuldades de interação online, afinidades e preferências de colegas de turma para trabalho em grupo. Os quatro participantes de cada grupo deveriam escolher um animal para os representar durante o percurso da trilha. Os animais foram selecionados previamente a partir do formulário que havia sido passado para as turmas anteriormente, onde existia a seguinte pergunta: "se você fosse um animal, qual seria?". A escolha das personagens buscavam uma identificação e uma forma de observar as preferências dos alunos. Os quatro mais citados foram distribuídos pelo tabuleiro como os "peões" do jogo.

O principal objetivo era revisar o conteúdo estudado na sequência de aulas por meio de um jogo de trilha onde os participantes se movem ao longo das casas do tabuleiro a partir do valor determinado por um dado. Para assegurar que os alunos iriam responder determinadas perguntas e coletar as pistas, instituíram-se paradas obrigatórias no tabuleiro. No total foram posicionadas oito paradas obrigatórias, sendo uma individual de cada trilha e quatro em interseções de duas trilhas (Figura 1). Além das paradas obrigatórias, existiam outros desafios, como anagramas, jogo da memória em plataformas como Wordwall e Jamboard e ícones com frases e até memes que remetiam ao conteúdo (Figuras 1 e 2). Os desafios resultam em avanço ou recuo de casas, dependendo do teor das frases.

Figura 1: A) Capa do jogo Desvendando o Núcleo, elaborado pela equipe Pibid/UFRJ/Biologia; B) Tabuleiro do jogo; C) Questão contida em uma das paradas obrigatórias no tabuleiro do jogo; D) Curiosidade contida em uma das casas do jogo; E) Anagrama proposto para os alunos durante o jogo

Fonte: Genially.

Figura 2: A) Exemplo de figura proposta como inspiração para desenho colaborativo; B) Desenho colaborativo elaborado por um aluno na plataforma Jamboard durante a aplicação do jogo Desvendando o Núcleo

Em cada parada obrigatória do jogo, as alternativas das perguntas continham uma pequena sequência de bases nitrogenadas: as pistas. Caso os estudantes respondessem corretamente às perguntas das paradas obrigatórias, teriam ao final as sequências corretas para formar o DNA de fita dupla. Caso contrário, teriam selecionado sequências que não fazem o pareamento de maneira correta. Dessa forma, teriam que voltar às perguntas do jogo e identificar conjuntamente o erro. Com isso, era necessário que os alunos colaborassem entre si, já que o sucesso no desafio final dependia das sequências coletadas por cada um dos participantes. Com todas as sequências corretas coletadas seria possível realizar o pareamento das bases nitrogenadas e formar a molécula de DNA.

Ao final do jogo, com a coleta de todas as pistas, os participantes foram direcionados para o desafio final. Esse desafio tinha como objetivo reforçar a importância do pareamento de bases. Essa atividade consistiu em um slide com duas bases para a montagem de uma dupla fita de DNA e diversos blocos, contendo pequenas sequências de bases coletadas durante o jogo (Figura 3).

Figura 3: A) Desafio final proposto – todas as sequências de bases nitrogenadas disponíveis nas opções das questões do jogo e a representação da base da dupla fita da molécula de DNA antes do início do desafio; B) Resultado final após o pareamento das sequências de bases nitrogenadas: as cores dos blocos de sequências correspondem à cor da trilha na qual foi coletada, agilizando a seleção das pistas

O jogo foi aplicado em doze turmas da 1ª série do Ensino Médio em uma escola pública federal, o Colégio Pedro II (câmpus Tijuca II). O jogo teve sua primeira execução em junho de 2021 e a segunda em dezembro do mesmo ano, correspondendo a dois anos letivos diferentes (2020 e 2021). A aplicação ocorreu de forma síncrona, por meio da plataforma Google Meet, durante 1h20min. Antes do início do jogo, todos os participantes da turma foram reunidos em uma sala virtual, onde recebiam as devidas instruções do jogo. Após esse processo, os alunos eram redirecionados para salas diferentes de acordo com os grupos preestabelecidos. Em cada grupo havia de 3 a 7 alunos e um mediador (graduando ou professor) responsável por coordenar a aplicação do jogo.

Sete mediadores se organizaram nas aplicações nas diferentes turmas para que cada grupo estivesse sempre com um mediador, sendo dois licenciandos e cinco participantes do Pibid. Após o fim da aplicação de todas as etapas do jogo, os alunos responderam a um formulário anônimo para a avaliação do jogo e a atuação dos mediadores.

Resultados e discussão

O jogo foi pensado para ser uma proposta sem competitividade, pois os alunos estavam expostos a diversos anseios e o jogo não poderia se tornar mais uma ferramenta de exposição das desigualdades. Os formulários avaliativos respondidos pelos alunos após o jogo obtiveram um total de 177 respostas, em que 34,4% dos alunos responderam que utilizaram o celular durante a atividade, porém a maior parte dos alunos (64,4%) utilizou o computador e apenas 1,1% utilizou tablet. A necessidade de ensino remoto expôs as desigualdades sociais do ensino brasileiro, já que mais da metade (58%) dos jovens acessava a internet exclusivamente por dispositivo móvel (Stevanim, 2020). Na maior parte da atividade, o uso do celular não impediu o andamento do jogo, possibilitando a interação, a visualização e a participação dos estudantes na atividade. Ainda assim, ocorreram alguns problemas durante o desafio final (Figura 3): alguns alunos relataram no formulário avaliativo dificuldades para arrastar as imagens contidas no arquivo. Podemos observar a constatação por essa fala de um aluno: "a maior dificuldade que tivemos foi na última atividade, a de formar a fita do DNA, pois uma parte do grupo não conseguiu mexer no site". Quando havia dificuldade para acessar o site, o mediador movia as peças seguindo as instruções do aluno.

Durante a atividade, 72,4% dos alunos relataram não terem tido problemas de conexão, 19,2% responderam que tiveram "mais ou menos" e 8,4% relataram dificuldades. No Colégio Pedro II, as atividades remotas só tiveram início após a implementação dos recursos de acessibilidade para os alunos em vulnerabilidade, a fim de que não fossem excluídos do processo. Esse cenário visou amenizar as desigualdades de acesso, pois a democratização da internet ainda representa uma luta no Brasil, já que 4,8 milhões de crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos não possuem acesso à internet em casa (Stevanim, 2020).

O fato de mais de 95% dos alunos avaliarem o jogo como muito interessante ou interessante (Figura 4) indica que a escolha didática foi bem-sucedida. Podemos elencar dentro da estratégia a elaboração de uma estrutura de jogo colaborativo e com os grupos predefinidos por afinidade, visando amenizar um pouco a angústia da falta de contato entre os alunos propiciada pelo isolamento social. O intuito da aplicação de um jogo é aprender brincando, ou seja, haver aprendizagem e assimilação de conteúdos complexos de forma divertida.

 

Figura 4: Gráfico com a frequência de ocorrência relativa de alunos que consideraram o jogo Desvendando o Núcleo como proposta interessante; A) Primeira aplicação do jogo, em junho de 2021; B) Segunda aplicação do jogo, em dezembro de 2021

É importante considerar a existência de diferentes perfis de alunos e que um jogo pode ou não atender às suas especificidades, ou seja, promover maior participação ou preferência por parte dos alunos de acordo com as características do jogo, sendo importante buscar entender o perfil de cada aluno. Com base nisso, pensar e adaptar a aplicação e o próprio jogo para atender às motivações de cada um (Silva; Bax, 2017). Essa tarefa se torna um desafio ao aplicar um jogo em turmas diferentes e numerosas, necessitando de adaptações diante de cada novo grupo de estudantes.

Alencar et al. (2019) observaram que durante a aplicação de um jogo de tabuleiro, com perguntas e desafios, os alunos demonstraram grande interesse já que a aula se tornou fascinante, fazendo com que eles se sentissem motivados a aprender coletivamente deixando de lado o receio de errar e o medo da autoaprendizagem. Frequentemente, aulas expositivas são vistas como monótonas e chatas pelos alunos. Já a aplicação desse jogo promoveu o contrário, nenhum aluno considerou a atividade chata, pois cerca de 92% consideraram o jogo divertido ou muito divertido (Figura 5).

 

Figura 5: Gráfico com a frequência de ocorrência relativa de alunos que consideraram o jogo Desvendando o Núcleo como proposta divertida; A) Primeira aplicação do jogo, em junho de 2021; B) Segunda aplicação do jogo, em dezembro de 2021

Os resultados da aplicação do jogo trazem perspectivas animadoras para a efetivação da gamificação no ensino, mesmo em um cenário de ensino remoto, já que para a realização da atividade a maioria dos alunos estudou previamente. Dos 177 alunos que responderam, 85% estudaram em algum grau o conteúdo antes do jogo (Figura 6). Dessa quantidade de alunos, a maior parcela interagiu de forma superficial com o conteúdo (55,3%), enquanto os alunos que estudaram muito e se prepararam para a atividade correspondem a 11,8%, e alunos que estudaram nada ou pouco correspondem a 31,4%.

Figura 6: Gráfico com a frequência de ocorrência relativa de alunos que relataram ter estudado o conteúdo antes da aplicação do jogo Desvendando o Núcleo; A) Primeira aplicação do jogo, em junho de 2021; B) Segunda aplicação do jogo, em dezembro de 2021

Além disso, mais de 76,2% dos alunos responderam que têm interesse em participar de atividades semelhantes. Apenas um aluno respondeu que não gostaria. Entretanto, dos 37 alunos com "talvez" como resposta, 25 classificaram as questões do jogo como não adequadas (muito fáceis ou difíceis), indicando que o nível de dificuldade da questão pode ser um fator importante para o interesse no jogo. Nesse caso, nenhum aluno achou que a atividade não ajudou nada para aprender os conceitos apresentados, enquanto a maioria dos alunos achou que ajudou (53,1%) ou que ajudou muito (37,8%).

Segundo uma pesquisa feita pela Fundação Lemann em setembro de 2020, 54% dos alunos entrevistados se sentiam desmotivados para realizar as atividades escolares. Assim, identificar o nível de dificuldade que os alunos atribuíram às questões permitiu compararmos suas respostas com o rendimento da turma e o interesse em fazer atividades semelhantes mais vezes.

Os resultados mostraram que mais da metade dos 177 discentes (68,3%) considerou as questões mais ou menos difíceis. Ademais, 171 alunos afirmaram que o jogo ajudou de alguma forma a aprender os conceitos apresentados e apenas seis alunos consideraram que ajudou pouco. A maior parte dos alunos respondeu que não encontrou pontos negativos na atividade; entretanto, os mais citados estavam relacionados à curta duração. Alguns alunos gostariam de ter jogado mais ou acharam o tempo muito curto para a proposta apresentada. Esses comentários podem ser encarados, na verdade, como pontos positivos, indicando que a atividade obteve êxito em despertar o interesse desses estudantes.

Outros pontos mencionados foram os problemas de conexão, as limitações do uso do celular e a interação limitada dos alunos com o jogo devido à plataforma que utilizamos. Em contrapartida, quando foram questionados acerca dos pontos positivos do jogo por meio de uma pergunta discursiva, mesmo com amplas possibilidades de resposta, eles descreveram a interação social e o trabalho em grupo como potencialidades da proposta apresentada. Como os alunos estavam submetidos ao isolamento social e um dos principais objetivos da atividade era propiciar maior interatividade, esses comentários demonstraram que o objetivo foi satisfatoriamente alcançado.

Os comentários dos alunos apontaram inúmeras questões; 39,9% citaram a dinamização e a fuga das aulas expositivas. Nas respostas analisadas também há prevalência de aspectos socioafetivos: 30,5% dos alunos citaram como pontos positivos o trabalho em grupo e/ou interação com os colegas, professores e monitores. Assim como Lima et al. (2012) observaram, a aplicação de um jogo abordando conteúdos de Genética a estudantes do Ensino Médio propiciou grande interação entre os alunos e entre professores e alunos. O jogo aplicado por Lima et al. (2012) despertou entusiasmo e interação entre os alunos, pois poderiam debater e opinar nas respostas, criando uma coletividade em busca da resposta correta, assim como ocorreu durante a aplicação do jogo Desvendando o Núcleo.

Esses resultados são especialmente interessantes quando consideramos que a brusca adaptação ao ensino remoto e o isolamento social fizeram emergir diferentes obstáculos que interferem diretamente na aprendizagem, pois a interação possibilita a troca de experiências, além de instigar a coletividade. Outrossim, a partir da interação surgem relações afetivas; o afeto faz com que a aprendizagem se torne um processo prazeroso e os alunos se sentem mais confiantes. Manter o engajamento nas aulas online é um grande desafio devido ao fato de o aluno em casa estar sujeito a inúmeros fatores externos e distrações, como a falta de um ambiente silencioso, afazeres domésticos, falta de equipamentos e internet, entre outros.

Gomes et al. (2021) apontaram que os principais sentimentos de adolescentes escolares matriculados no Ensino Médio durante a pandemia e o distanciamento social foram negativos; dentre eles, tristeza, cansaço, desânimo e pesar pelo afastamento da escola. A saúde mental dos alunos tornou-se uma grande preocupação para os docentes, já que o isolamento social causou grandes impactos psicológicos. O distanciamento de familiares e amigos fez com que os níveis de estresse, ansiedade e até depressão aumentassem (Pereira et al., 2020). Castro et al. (2020) realizaram um levantamento acerca desses sentimentos em alunos da 3ª série do Ensino Médio, e 9,5% apresentam níveis extremamente graves. Além de propiciar maior interação entre os alunos, os jogos auxiliam na fixação dos conteúdos, possibilitando que os discentes possam revisar conteúdos de forma lúdica e divertida (Pimentel et al., 2022). Como já citado, a maior parte dos alunos (90,6%) achou que o jogo ajudou a aprender os conceitos apresentados.

Além disso, na pergunta discursiva acerca dos pontos positivos do jogo, 28,8% dos alunos apontaram o jogo como ótima alternativa para aprendizagem, revisão e fixação dos conteúdos de núcleo celular. A gamificação no ensino representa uma opção para efetivar as metodologias ativas na educação, como podemos observar nos comentários dos alunos das potencialidades do jogo:

Aluno 1: Temos a oportunidade de conhecer pessoas novas, aprender de maneira não tradicional e podermos nos distrair e ter uma aula mais leve em meio a toda essa situação.

Aluno 2: O jogo me fez gostar mais da matéria por ser feito de um jeito mais descontraído e me fez querer estudar sobre para poder jogar ele.

Aluno 3: Acho muito bom o trabalho em conjunto, não só com a dupla, mas com os outros participantes também, ajudando em respostas; outro ponto positivo foi uma forma divertida de aprender/fixar o conteúdo.

Aluno 4: O jogo é muito divertido e me ajudou muito a entender e ver na prática tudo o que eu aprendi. Eu gostei MUITOOOO.

Considerou-se que a atividade final foi bem-sucedida e um dos assuntos de maior importância dentro de todo o conteúdo abordado no jogo. Entretanto, é importante considerar que o distanciamento social foi um fator que dificultou o pleno entendimento de como funciona a questão do pareamento. Assim, com o objetivo de auxiliar na compreensão do assunto, a atividade lúdica envolvia uma participação ativa na elaboração das fitas de DNA.

Ao final, o objetivo foi alcançado ao abordar, de forma mais lúdica, um conteúdo que demonstra ser de difícil entendimento, resultando em maior fixação, aprendizagem, diversão e interatividade. Ademais, a criação de um desafio que levasse os alunos a pensarem e a realizar uma tarefa colaborativa que possuía um objetivo final determinado, tornou o assunto mais claro e acessível ao entendimento, como as atividades lúdicas tendem a fazer (Falkembach, 2006). Observou-se como ponto primordial que o monitor estivesse munido dos conhecimentos teóricos e didáticos requeridos para a aplicação e o sucesso da atividade.

Considerações finais

Salienta-se que, no período de incertezas propiciadas pela pandemia da covid-19, a aplicação de um jogo de tabuleiro online acerca de conteúdos previstos na matriz curricular demonstrou ser uma ferramenta de interação e divertimento. O processo de elaboração e aplicação do jogo também demonstrou ser um importante exercício da docência para as graduandas. A proposta de um jogo colaborativo propiciou grande interação entre os alunos e os mediadores, a partir de discussões, debates e envolvimento dos participantes para que chegassem a um resultado final juntos. Em resumo, os níveis de participação e compreensão do conteúdo foram alcançados.

Mesmo que existissem questões acerca do entendimento do pareamento de bases em algumas paradas da trilha, foi apontado pelos alunos que o pleno domínio do assunto ocorreu após o desafio final, destacando sua importância e seu sucesso para a revisão e a fixação do conteúdo. Esse jogo poderia facilmente ser adaptado para a aplicação presencial em sala de aula: os desafios no tabuleiro online podem ser substituídos por cartas e, assim, não seriam necessários tantos mediadores, tampouco teríamos limitações tecnológicas com aparelhos ou conexões de internet, como na versão online.

Ademais, a versão online também pode ser aplicada em laboratórios de informática ou como material complementar para casa. Independentemente do cenário escolhido para a aplicação do jogo, a gamificação representa uma excelente estratégia nos âmbitos da aprendizagem, da colaboração e  do engajamento dos alunos. Ademais, mostrou-se ser um bom mecanismo a ser utilizado em sala de aula.

Referências

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Agradecimentos

Agradecemos o apoio financeiro recebido por meio de bolsas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) pela valorização do magistério e para a melhoria da qualidade da Educação Básica pública. Agradecemos também às instituições que possibilitaram a elaboração do presente trabalho: o Colégio Pedro II e a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Agradecemos à professora Cláudia Lino Piccinini, por todo apoio como coordenadora do Pibid/UFRJ.

Publicado em 11 de junho de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

COSTA, Liz Nunes da; BRITTO, Míriam de Souza; MENEZES, Larissa Espindola Alves Rodrigues; TOLEDO, Thainá Milena Crema; BARRIONUEVO, Victoria Elis Pinheiro de Andrade; FUTURO, Lais Leite; LOPES, Rosana Conrado. Desvendando o núcleo: perspectivas e desafios a respeito da elaboração e aplicação de um jogo de tabuleiro online. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 21, 11 de junho de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/21/desvendando-o-nucleo-perspectivas-e-desafios-a-respeito-da-elaboracao-e-aplicacao-de-um-jogo-de-tabuleiro-online

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