Ensino de Ciências Naturais e o combate ao racismo: relato de experiência de atividade comemorativa do Dia da Consciência Negra

Valdir Lamim-Guedes

Doutor em Educação (USP), professor temporário no CEAD/Udesc

A consciência negra refere-se à valorização da identidade, da cultura e da história do povo negro, bem como à luta contra o racismo e a discriminação racial. No Brasil, a data de 20 de novembro foi escolhida para celebrar a Consciência Negra em homenagem a Zumbi dos Palmares, um dos maiores símbolos de luta e resistência contra a escravidão (Centro de Referências em Educação Integral, s/d). A valorização da cultura e da identidade negras é uma questão fundamental para a construção de uma sociedade mais inclusiva e justa. A educação desempenha um papel crucial na luta contra o racismo e na promoção da igualdade (Brasil, 2017). A importância da cultura negra para a História do Brasil é inegável, pois as contribuições da cultura de origem africana estão presentes em diversos aspectos da sociedade brasileira, como na música, na religião e nas tradições (Mendonça; Silva, 2019).

O ensino das Ciências Naturais pode contribuir para o combate ao racismo e para a promoção da consciência negra por meio da educação das relações étnico-raciais. As aulas de Ciências podem ter um caráter de ações educativas de combate ao racismo e à discriminação. O professor pode atuar como mediador para contribuir para a valorização da cultura e da identidade negras. Além disso, a educação desempenha um papel crucial na luta contra o racismo e na promoção da igualdade, valorizando a cultura negra na construção de uma sociedade mais inclusiva e justa (Silva, 2009).

Uma visão crítica que alinha essa questão e aspectos ambientais relaciona-se às dimensões da sustentabilidade, conforme Sachs (2002) explica por meio da compreensão da justiça ambiental e da equidade social, fundamentais para alcançar um desenvolvimento sustentável e equilibrado entre os aspectos econômicos, sociais e ecológicos (Lamim-Guedes, 2012).

Aliado a isso, o conceito de interseccionalidade vem como ferramenta sociológica que busca analisar as intersecções e os marcadores sociais presentes nas vivências de grupos minoritários. Ou seja, a interação entre dois ou mais fatores sociais que definem uma pessoa, como gênero, raça, classe social, deficiências e orientações sexuais, bem como a inclusão de grupos vulneráveis (como idosos e migrantes). A interseccionalidade nos permite compreender melhor as desigualdades e a sobreposição de poderes, criando e promovendo a adoção de políticas públicas mais eficazes na inclusão social. A interseccionalidade serve como um instrumento de luta política das minorias, na afirmação dos Direitos Humanos e em favor da justiça social (Rios; Perez Ricoldi, 2018).

No contexto do ensino de Ciências Naturais, o racismo pode ser abordado ao destacar a importância da diversidade cultural e étnica na compreensão dos desafios ambientais e na busca por soluções sustentáveis. Além disso, ao abordar questões ambientais, como mudanças climáticas, desmatamento, perda de biodiversidade e uso de recursos naturais, é essencial considerar as desigualdades sociais e as diferentes formas como as comunidades negras são impactadas por esses problemas (Lamim-Guedes, 2017). Portanto, ao integrar a consciência negra ao ensino das Ciências Naturais, os educadores podem promover uma abordagem mais inclusiva e contextualizada que leve em consideração as interseções entre questões ambientais, sociais e culturais, contribuindo para uma compreensão mais ampla e crítica da sustentabilidade e da justiça ambiental.

O objetivo deste estudo é promover a valorização da cultura e da identidade negras, bem como combater o racismo e a discriminação racial por meio do ensino das Ciências Naturais. A atividade realizada buscou estimular a compreensão da diversidade humana, a ausência de fundamentos científicos para a ideia de raças e a conscientização das questões ambientais, como o racismo ambiental. Além disso, visou relacionar conceitos como a interseccionalidade e o racismo ambiental, demonstrando a importância da educação na promoção da igualdade e no combate ao preconceito.

Metodologia

A pesquisa qualitativa é uma metodologia que busca compreender os comportamentos, as motivações e as atitudes dos indivíduos baseada em descrições detalhadas e interpretações aprofundadas. Por meio de técnicas como entrevistas abertas, observação participante e análise de conteúdo, a pesquisa qualitativa permite explorar nuances, gerar ideias e hipóteses, compreendendo a dinâmica das relações sociais. Desse modo, essa é uma abordagem exploratória que visa a compreensão profunda de um tema ou problema, formulando hipóteses e descobrindo novas informações que não podem ser quantificadas (Godoy, 1995).

Neste artigo, adotamos um estudo de caso como método de pesquisa, com a análise aprofundada de um determinado indivíduo, grupo ou evento em seu contexto da vida real (Araujo; Santos, 2020; André, 1984). Essa é uma ferramenta valiosa para a educação, fornecendo um meio de explorar temáticas complexas para entender as experiências de alunos e professores (André, 1984). Contudo, a qualidade de um estudo de caso depende da eficácia de sua narrativa. Para uma adequada apresentação da situação vivida, optou-se por fazer um relato de experiência que é uma narrativa que descreve e analisa uma experiência vivida em um contexto específico, como a sala de aula (Donatti, 2020). Esses relatos são valiosos para compartilhar práticas pedagógicas, projetos de ensino, eventos educacionais e desafios enfrentados, contribuindo para a reflexão e o aprimoramento da prática docente.

Resultados e discussão

A atividade foi realizada no dia 1º de novembro de 2023, em duas aulas de 45 minutos cada para duas turmas de disciplinas eletivas distintas, Experimentação e Outras Formas de Investigação" (2º ano do Ensino Médio) e Saúde, Meio Ambiente e Sociedade (1º ano do Ensino Médio). A proposta foi desenvolvida em uma escola da rede estadual de Educação Básica da cidade de Lages, em Santa Catarina. Cada turma tinha aproximadamente 25 alunos presentes. Essas eletivas integram o grupo das disciplinas relacionadas às Ciências Naturais, dentro do contexto do Novo Ensino Médio.

O objetivo da aula foi apresentar situações em que a Ciência foi usada para reforçar o racismo. Como pano de fundo foram retomadas as teorias da interseccionalidade e das dimensões da sustentabilidade. A atividade foi iniciada com a leitura e o debate de um texto, seguida pela realização de uma atividade prática.

Intitulada Ciência e Racismo, a proposta foi iniciada com a leitura do texto O DNA do racismo (Pena, 2008) no qual Pena discute a invenção recente do conceito de raças e o racismo na história da humanidade, destacando a ausência de evidências de racismo nas civilizações antigas. O autor também aborda a coincidência histórica do surgimento do racismo com o início do tráfico de escravos da África para as Américas e o declínio do espírito religioso em favor de interpretações científicas acerca da diversidade humana. Assim, na aula da eletiva Experimentação e Outras Formas de Investigação foi proposto um aprofundamento do estudo e a aplicação da metodologia científica, durante a leitura com os alunos. O professor destacou a importância de compreender a diversidade humana e a ausência de fundamentos científicos para a ideia de raças. Na aula de Saúde, Meio Ambiente e Sociedade foi dado destaque para o racismo ambiental. Além disso, nas duas turmas discutiu-se a história do racismo e da escravidão, destacando a luta dos negros por igualdade e respeito. O professor também abordou a importância da genética na compreensão da diversidade humana e como a Ciência pode ser usada para combater o racismo e a discriminação.

Após profícuo debate com os alunos, foi proposta a confecção de uma representação visual do tipo mapa mental para representar o que foi debatido a partir do texto. Como a discussão proposta vinha de uma convergência entre a interseccionalidade e a questão ambiental, os alunos foram estimulados a abordar as duas temáticas, incluindo o conceito de racismo ambiental (Lamim-Guedes, 2012).

No mapa mental é destacada a relação entre aspectos sociais, como desigualdade social e economia e discriminação de raça, gênero e etnia e aspectos ambientais, como impacto ambiental. O grupo destacou as ideias de injustiça ambiental e interseccionalidade. Uma consequência desses fatores é a falta de acesso a oportunidades e aos serviços públicos.

Uma imagem contendo Linha do tempo

Descrição gerada automaticamente

Figura 1: Mapa mental confeccionado por quatro alunos de 1º Ano do Ensino Médio

Assim, evidencia-se que os alunos conseguiram relacionar conceitos que nem sempre aparecem juntos. Esse é o caso do conceito de interseccionalidade, que advém das Ciências Sociais sem ser relacionado a aspectos ambientais. Dessa forma, destaca-se que a atividade realizada permitiu alinhar conteúdos previstos no currículo com a discussão racial, demonstrando um papel social da escola ao propor a análise da nossa sociedade como pano de fundo na escolarização.

Considerações finais

A atividade realizada teve como objetivo promover a valorização da cultura e identidade negras, bem como a luta contra o racismo e a discriminação racial, por meio do ensino das Ciências Naturais. A partir da leitura e do debate acerca do texto O DNA do Racismo, os alunos foram estimulados a compreender a diversidade humana e a ausência de fundamentos científicos para a ideia de raças. Além disso, foram abordadas questões ambientais, como mudanças climáticas, desmatamento, perda de biodiversidade e uso de recursos naturais, considerando as desigualdades sociais e as diferentes formas por meio das quais as comunidades negras são impactadas por esses problemas.

Os resultados e os impactos observados após a realização da atividade foram positivos, uma vez que os alunos conseguiram relacionar conceitos como a interseccionalidade e o racismo ambiental. Destaca-se que a atividade realizada permitiu alinhar conteúdos previstos no currículo à discussão racial, demonstrando um papel social para a escola ao propor a análise da nossa sociedade.

Referências

ANDRÉ, M. E. D. A. Estudo de caso: seu potencial na educação. Cadernos de pesquisa, n° 49, p. 51-54, 1984.

ARAUJO, M. S.; SANTOS, N. O. Análise dos sonhos e sentimentos: Estudo de caso em uma escola municipal de Imperatriz – MA. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, ano 5, ed. 10, v. 20, p. 59-75, 2020. Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/analise-dos-sonhos.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Significado do Dia da Consciência Negra. Brasília, 2017. Disponível em: https://www.camara.leg.br/tv/528016-significado-do-dia-da-consciencia-negra/.

CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL. Glossário: Consciência Negra. s/d. Disponível em https://educacaointegral.org.br/glossario/consciencia-negra/.

DONATTI, R. Relato de experiência: alteridade e cultura, uma proposta de intervenção pedagógica. Revista Eletrônica de Educação do Norte de Mato Grosso, v. 4, n° 2, p. 112-119, 2020.

ESCRITA ACADÊMICA. O relato de experiência. s/d. Disponível em: http://www.escritaacademica.com/topicos/generos-academicos/o-relato-de-experiencia/.

GODOY, A. S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. RAE - Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 35, n° 2, p. 57-63, 1995.

LAMIM-GUEDES, V. Consciência negra, justiça ambiental e sustentabilidade. Sustentabilidade em Debate, v. 3, p. 223-238, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.18472/SustDeb.v3n2.2012.8135.

LAMIM-GUEDES, V. Educação Ambiental e ensino de Biologia: ações socioeducativas não formais em São Paulo/SP. Revista de Ensino de Biologia da Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio), v. 10, n° 1, 22–38, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.46667/renbio.v10i1.40.

MENDONÇA, J. P. S. N.; SILVA, M. A. M. da. Cultura negra e a história identitária do Brasil. Revista Brasileira de Educação Básica, ano 4, n° 13, 2019. Disponível em: http://rbeducacaobasica.com.br/2019/07/10/cultura-negra-e-a-historia-identitaria-do-brasil/.

PENA, S. O DNA do racismo. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, 11 de julho de 2008. Disponível em: https://cienciahoje.org.br/coluna/o-dna-do-racismo/.

RIOS, F.; PEREZ, O.; RICOLDI, A. Interseccionalidade nas mobilizações do Brasil contemporâneo. Lutas Sociais, v. 22, n° 40, p. 36-51, 2018. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/ls/article/download/46648/31118/0.

SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.

SILVA, D. V. C. da. A educação das relações étnico-raciais no ensino de Ciências: diálogos possíveis entre Brasil e Estados Unidos. 2009. 335f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/2222. Acesso em: 16 jan. 2024.

Publicado em 11 de junho de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

LAMIM-GUEDES, Valdir. Ensino de Ciências Naturais e o combate ao racismo: relato de experiência de atividade comemorativa do Dia da Consciência Negra. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 21, 11 de junho de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/21/ensino-de-ciencias-naturais-e-o-combate-ao-racismo-relato-de-experiencia-de-atividade-comemorativa-do-dia-da-consciencia-negra

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