A experiência de aplicação do jogo Onde Sou? no desenvolvimento da alfabetização cartográfica inclusiva

Isabela Missias Santos Gomes de Andrade

Mestra em Práticas da Educação Básica (Colégio Pedro II), professora de Geografia na Seeduc/RJ e na Prefeitura Municipal de Magé/RJ

Márcia Martins de Oliveira

Doutora em Ciência da Informação (UFRJ), professora do Colégio Pedro II

A Constituição Federal de 1988 demonstrou preocupação com a universalização do direito à educação e buscou assegurar esse direito a todos. Antes disso, a educação para pessoas com deficiência era segregacionista, confinando seus alunos em espaços especializados.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394/96, sob essa nova ótica, dedicou o Capítulo V à Educação Especial. Seu Art. 58 defende claramente a inclusão, afirmando que a Educação Especial é "a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação" (Brasil, 1996).

Nos anos 2000, o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 10.172/01, em seu Capítulo 8, ressaltou a necessidade de integração, afirmando que

a Constituição Federal estabelece o direito de as pessoas com necessidades especiais receberem educação preferencialmente na rede regular de ensino (Art. 208, III). A diretriz atual é a da plena integração dessas pessoas em todas as áreas da sociedade. Trata-se, portanto, de duas questões - o direito à educação, comum a todas as pessoas, e o direito de receber essa educação sempre que possível junto com as demais pessoas nas escolas "regulares" (Brasil, 2001).

Da mesma forma, as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica (Resolução CNE nº1/02) ressaltaram que, ao longo da formação docente, devem ser desenvolvidos "conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí incluídas as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais e as das comunidades indígenas" (Brasil, 2002).

Na década seguinte, foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei nº 13.146/15, que reiterou o direito à Educação Inclusiva, ao afirmar que

a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem (Brasil, 2015).

Apesar de todo o aparato legal envolvendo os direitos da pessoa com deficiência, a Educação Inclusiva implementada no país ainda não obteve sucesso, pois cerca de 67% do público-alvo da Educação Especial não finalizaram o Ensino Fundamental (IBGE, 2019). Partindo dessa constatação, é necessário pensar em práticas pedagógicas inclusivas, dentro da realidade encontrada em sala de aula.

A Geografia, assim como as demais disciplinas escolares, passa por inúmeros desafios relacionados à criação de práticas pedagógicas inclusivas. Um desses desafios é o ensino da Cartografia escolar de forma inclusiva, que carece de recursos para atender às reais demandas dos alunos com necessidades educacionais específicas. Há uma dificuldade dos profissionais na proposição de práticas inclusivas que sejam pensadas para todos os alunos. Por vezes, são pensadas ações e propostas voltadas apenas para o aluno público-alvo da Educação Especial, fazendo com que a segregação aconteça dentro de sala de aula.

A necessidade de criar recursos didáticos para o ensino de Geografia de forma inclusiva, em especial na área da Cartografia, conduziu as pesquisadoras ao Design Universal para Aprendizagem (DUA), que foi desenvolvido por pesquisadores do Center for Applied Special Technology (CAST), nos Estados Unidos, na década de 1980.

Zerbato e Mendes (2018, p. 150) afirmam que o Design Universal para Aprendizagem

consiste em um conjunto de princípios, baseados na pesquisa, e constitui um modelo prático que objetiva maximizar as oportunidades de aprendizagem para todos os estudantes; [...] tem como objetivo auxiliar os educadores e demais profissionais a adotarem modos de ensino de aprendizagem adequados, escolhendo e desenvolvendo materiais e métodos eficientes, de forma que seja elaborado de forma mais justa e aprimorados para avaliar o progresso de todos os estudantes; [...] na perspectiva do DUA, o mesmo material pode ser utilizado por todos da sala de aula, de modo a beneficiar outros estudantes na compreensão dos conteúdos ensinados.

O Desenho Universal para a Aprendizagem procura atender à diversidade de perfis intelectuais, sociais, culturais e econômicos dos estudantes, utilizando recursos, materiais, técnicas e estratégias que facilitem a aprendizagem. Para tanto, utilizam-se diversos meios de apresentação dos conteúdos escolares, variadas opções de atividades e diferentes estratégias para manter a motivação e o interesse do aluno.

Para o DUA não há modelos prontos, mas um conjunto de princípios, cientificamente embasados, que objetivam potencializar as oportunidades de aprendizagem para todos os alunos. Esses princípios auxiliam profissionais da Educação a adotar metodologias de ensino adequados à realidade plural encontrada em sala de aula. Para que isso ocorra, devem ser adotados materiais e práticas pedagógicas que todos possam utilizar e das quais se beneficiar durante todo o processo de aprendizagem.

O Design Universal para Aprendizagem está baseado em três princípios: engajamento, representação e ação e expressão (Figura 1). O princípio do engajamento orienta sobre o porquê da aprendizagem, no qual os estudantes são incentivados, por meio das redes de conhecimento afetivas. A partir desse princípio, os alunos são motivados, levando em consideração suas habilidades, seus interesses e o contexto em que vivem.

O princípio da representação direciona para o que aprender, ativando as redes de conhecimentos dos alunos. Nesse princípio, são apresentadas diversas formas de reconhecimento do assunto a ser estudado a partir de inúmeros recursos, levando em consideração seus conhecimentos prévios, dentro de um ambiente que favoreça o acolhimento. E o princípio da ação e expressão orienta como aprender, no qual são ativadas as redes estratégicas em que os estudantes possam apresentar inúmeras maneiras de representar o que foi aprendido e identificar o que precisa ser reforçado, incentivando nos alunos a autonomia.

Figura 1: Princípios do DUA e suas diretrizes

Fonte: CAST (2018).

Segundo Costa-Renders et al. (2020, p. 10),

os princípios do DUA pautam-se pelos múltiplos meios e possibilidades, reconhecendo e respeitando a singularidade de cada aprendiz sem perder de vista o universal, no sentido de ampliar meios e formas de oferecer o conhecimento, de modo a poder atender as diferentes necessidades dos aprendizes.

Ao analisar os princípios do DUA, pode-se perceber que o ensino de Geografia, em especial o processo de alfabetização cartográfica, pode se beneficiar com a adoção de estratégias para atender a todos os alunos.

A alfabetização cartográfica refere-se

ao processo de domínio e aprendizagem de uma linguagem construída de símbolos – uma linguagem gráfica. No entanto, não basta à criança desvendar o universo simbólico dos mapas; é necessário que a alfabetização possibilite-lhe compreender a relação entre o real e a representação simbólica. Não basta dominar as representações simbólicas pela leitura de uma legenda; é importante que a criança seja orientada a depreender significados da área que está representando ou criar significados para as áreas mapeadas por outros e que ela está conhecendo indiretamente. Assim, trata-se de criar condições para que os alunos sejam leitores críticos de mapas ou mapeadores conscientes (Simielli, 2014, p. 17).

Esse processo é desenvolvido de forma gradual desde os anos iniciais de escolarização. E, para que se formalize, é necessário que os mapas sejam pensados para além de simples representações (Simielli, 2011). Dessa forma, eles passam a ser considerados instrumentos para as práticas sociais dos indivíduos em seus diversos contextos de utilização (Richter, 2017).

Além do conceito de alfabetização cartográfica, que se apresenta como um conceito clássico na Cartografia Escolar, o conceito de letramento cartográfico foi incorporado de maneira mais recente. Portanto, é crucial estabelecer melhor delimitação desses dois conceitos, elucidando os mecanismos pelos quais eles convergem.

Conforme Pereira (2017), o conceito de letramento cartográfico extrapola a técnica de identificação dos símbolos que representam uma determinada parcela do espaço geográfico. A autora define o letramento a partir da percepção da interação do ser humano com o ambiente, sendo esse um componente essencial do processo de compreensão do espaço habitado. Castellar (2011) reitera que o letramento cartográfico possui uma dimensão mais ampla do que a alfabetização cartográfica – esta última é conceituada como um processo de decodificação e domínio de um conjunto específico de códigos. O letramento cartográfico (na linguagem cartográfica), conforme defendido por Breda e Straforini (2020), é o reconhecimento da representação espacial em conjunção com o uso significativo da representação socioespacial.

Portanto, pode-se dizer que o letramento cartográfico demanda competências que transcendem o domínio de um conjunto específico de códigos – como é o caso da alfabetização cartográfica em sua concepção tradicional. Esse conceito busca atribuir significado aos usos desses produtos cartográficos (tais como mapas, cartas, imagens de satélite e fotografias aéreas, por exemplo), os quais também devem ser reconhecidos como uma prática social. Esse processo atribui ao ensino de Geografia a necessidade de estimular o raciocínio geográfico e a compreensão de sua espacialidade, conforme citado na Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018).

No entanto, observa-se que o letramento caminha em estreita proximidade com o conceito de alfabetização cartográfica, embora não ocorra sem que este último se manifeste na vida do estudante. Torna-se mais evidente, portanto, a interdependência entre esses dois conceitos. O trabalho de Breda (2017) demonstrou que o letramento não ocorre sem o processo de alfabetização, assim como a alfabetização requer um "sentido" para que essa tecnologia (decodificação de símbolos/letras) ocorra. Ou seja, eles se configuram como conceitos distintos, porém indissociáveis (Breda, 2017). Nesse contexto, Breda e Straforini (2020) defendem que todo o processo pode ser denominado "alfabetizar letrando", no qual ambos os conceitos estão inseridos nas práticas sociais de leitura e escrita vivenciadas pelo estudante. Portanto, a alfabetização cartográfica desempenha o papel de instruir na leitura e na escrita (por meio da linguagem cartográfica), vinculada ao contexto das práticas sociais no espaço geográfico.

Considerando todos os elementos analisados nesta pesquisa bibliográfica e observando a atualização de sua abordagem em relação à cartografia escolar, o conceito de alfabetização cartográfica foi adotado neste estudo em direção ao "alfabetizar letrando", conforme proposto por Breda e Straforini (2020).

No estudo de caso ora relatado, o processo de alfabetização cartográfica utilizou os princípios do DUA como norteadores, pois ele oferece uma gama de possibilidades de aprendizagem levando em consideração a diversidade dos alunos.

Dessa forma, foi pensada como estratégia metodológica a utilização de um jogo, partindo do princípio da Ação e Expressão, proposto pelo DUA. Ele orienta a utilização de metodologias ativas que possam apoiar os alunos a apresentar o que aprenderam e autoavaliar o que podem melhorar em seu processo de aprendizagem. Além disso, o jogo atende à habilidade EF07GEO09, que consiste "em interpretar e elaborar mapas temáticos, [...] com informações demográficas e econômicas do Brasil (cartogramas), identificando padrões espaciais, regionalizações e analogias espaciais" (Brasil, 2018, p. 386).

Percurso metodológico

O trabalho apresentou um estudo de caso cujas atividades foram desenvolvidas em uma escola estadual localizada no município de São Gonçalo/RJ. No período da aplicação da pesquisa, em 2023, a escola contava com 765 alunos matriculados em 32 turmas. O estudo de caso foi realizado com uma turma de 7º ano do Ensino Fundamental, composta por 34 alunos com a faixa etária de 11 a 16 anos, quatorze com dificuldades de aprendizagem, dentre eles nove com distorção idade-série.

O estudo de caso teve início com um estudo bibliográfico, a fim de construir um referencial teórico e conceitual a partir dos conceitos de alfabetização cartográfica e Design Universal para Aprendizagem. Após esse estudo e a delimitação do trabalho a ser realizado, a proposta de pesquisa foi apresentada aos alunos com a assinatura de autorizações para a participação tanto dos alunos quanto dos seus responsáveis/tutores. Logo após as autorizações, foi aplicado um questionário pré-teste, a fim de avaliar os conhecimentos prévios dos alunos sobre alfabetização cartográfica. Depois foram realizadas aulas preliminares, de forma a preparar a turma para a aplicação do jogo, que foi finalizada com a realização de um roteiro de atividades e um questionário pós-teste que avaliaram o progresso dos alunos no processo de alfabetização cartográfica e o potencial inclusivo do jogo. Nesse estudo de caso foi observado tanto o comportamento dos alunos, a partir de suas reações em relação às atividades propostas, quanto o engajamento e a motivação propiciados pelo jogo. Além da avaliação comportamental, neste estudo de caso foram avaliadas características importantes em relação ao processo de desenvolvimento da alfabetização cartográfica:

  • percepção sobre a importância e a frequência de uso de mapas;
  • percepção sobre as possibilidades de representação de um mapa;
  • capacidade de contextualização dos conhecimentos cartográficos;
  • capacidade de reconhecimento dos elementos cartográficos;
  • grau de dificuldade de aplicação dos conhecimentos cartográficos; e
  • avaliação do jogo.

O jogo Onde Sou?

O objetivo principal do jogo Onde Sou? é completar o quebra-cabeça com o mapa do Brasil por meio do acerto das respostas. As questões estão relacionadas à descoberta das capitais brasileiras e da sua localização no mapa, utilizando conhecimentos relacionados aos dados geográficos e de cartografia.

O jogo Onde Sou? é um jogo cooperativo, composto por um tabuleiro do tipo trívia com um mapa temático do Brasil, onde elementos cartográficos importantes para a execução do jogo estão presentes. A estruturação do jogo com uma mecânica colaborativa reforça os princípios da Educação Inclusiva, pois possibilita a participação de todos os alunos para alcançar um objetivo comum: a vitória da turma no jogo.

Na perspectiva cooperativa, conforme Orlick (1989), são cultivados aspectos como a cooperação, no sentido de saber trabalhar em equipe; a aceitação, que eleva a autoestima, pois cada indivíduo pode oferecer contribuição, desempenhando uma função específica; e o envolvimento, que promove um compromisso com o coletivo, bem como a percepção de ser uma parte essencial do todo. Nesse contexto, a proposta do jogo colaborativo/cooperativo é alcançar o objetivo de maneira conjunta.

O jogo apresenta recursos para o desenvolvimento da alfabetização cartográfica, cuja estratégia consiste em fazer com que os alunos sejam motivados e engajados a aplicar o que aprenderam sobre o assunto. O mapa está no tabuleiro em tamanho grande, juntamente com cartas, em que numa face há a imagem do local na visão aérea e frontal e, na outra face, há dicas para seu descobrimento (Figura 2).

Retângulo de cantos arredondados: Uma companhia aérea estrangeira está planejando iniciar as suas atividades no Brasil, com o intuito de operar em todos os aeroportos das capitais brasileiras. Porém, para que seu projeto seja aprovado pelo governo brasileiro, será necessário que a equipe de ações estratégicas da companhia aérea demonstre conhecimentos sobre características naturais e demográficas de todas as capitais brasileiras nas quais irá se instalar. Assim que demonstrar seu conhecimento ao Governo Brasileiro, a companhia vai conquistar o direito de operar no estado cuja capital foi

Figura 2: Enredo do jogo

A partida pode ser realizada com, no mínimo, dois jogadores ou em grupos de até cinco pessoas. O jogo é composto da seguinte forma:

  • baralho de 27 cartas (cards) produzidas em papel couchê numa face e papel fotográfico na outra, impresso em alta resolução (Figura 3);
  • tabuleiro composto por um mapa do Brasil, em papel 90g, impresso em tamanho A3 (297x420mm), plastificado com sua base em papel Paraná (Figura 4);
  • quebra-cabeça do mapa do Brasil (Figura 5);
  • dado tetraédrico de resina;
  • dois peões de plástico com cores sortidas;
  • ampulheta de um minuto (Figura 6).

Figura 3: Cartões do jogo - frente e verso

Figura 4: Mapa do Brasil utilizado como tabuleiro do jogo

Figura 5: Peças do jogo: quebra-cabeça com o mapa do Brasil e seus estados

Figura 6: Peças do jogo – peões, dado e ampulheta

O jogo tem duas etapas: a primeira se chama Descobrindo a Capital; a segunda, Conquistando o Território Nacional. Após a separação da turma em grupos de até cinco pessoas, o jogo segue para execução.

Na primeira etapa, as equipes iniciam pegando uma carta da pilha e deixando a face com a imagem da capital voltada para a outra equipe, de forma a torná-la sempre visível. As equipes jogam o dado e quem pegar o maior número começa a partida. A equipe que inicia a partida joga o dado, que indicará o número da dica correspondente àquela que a equipe fará para a outra. As respostas para as perguntas contidas nos cartões deverão ser embasadas nas informações do mapa (tabuleiro).

O tempo para resposta da equipe é de um minuto e meio. Se ela não conseguir encontrar a resposta ou achar a dica insuficiente, pode passar a vez para a equipe oponente. A outra equipe segue o mesmo procedimento ou então pode pedir, uma única vez, ajuda a alguma das equipes que estão aguardando a sua vez de jogar. A rodada encerra com a equipe que acertar a capital contida no cartão. A equipe que não acertou segue disputando com uma nova equipe.

Na segunda etapa, após vencer a partida, a equipe deve encaixar no quebra-cabeça do Brasil o mapa do estado cuja capital foi acertada, completando sua missão no jogo.

O jogo se encerra quando as equipes conseguem completar todo o mapa do Brasil.

Atividades de preparação da turma para a aplicação do jogo

Antes da aplicação do jogo, os alunos foram informados sobre a pesquisa e como ela seria aplicada em sala de aula, além da orientação sobre o preenchimento dos termos de assentimento e consentimento livre e esclarecido (TALE e TCLE, respectivamente). De acordo com o planejamento para essa etapa, foi feita no quadro branco uma representação em forma de esquema do cronograma para o quarto bimestre (o período acadêmico durante o qual a pesquisa foi conduzida), permitindo que os alunos registrassem todas as atividades que seriam realizadas.

Na aula seguinte, com a entrega dos termos de autorização para a pesquisa, foram realizadas atividades de fixação do conteúdo com a produção de mapas temáticos sobre regiões brasileiras, pois se tratava do assunto que já estavam estudando no bimestre. Também foi realizado um questionário pré-teste no qual os alunos responderam questões relacionadas aos seus conhecimentos prévios sobre alfabetização cartográfica. Após a realização dos mapas temáticos, os alunos seguiram para a atividade do quiz sobre os estados brasileiros, a fim de realizar uma revisão para a avaliação bimestral que iriam prestar na aula seguinte (Figura 7).

Posteriormente, os estudantes relataram que a dinâmica auxiliava na aplicação do conhecimento adquirido durante as aulas, mencionadas por eles como "convencionais". Um dos alunos expressou sua aprovação à atividade, afirmando que "toda revisão deveria ser assim!". Outro aluno também demonstrou satisfação, perguntando se "terão mais jogos?". Durante o quiz, os estudantes perceberam que a atividade, além de lúdica, exigia estudos prévios, fato que foi observado por meio de suas reações e dos desempenhos durante a atividade. Comentários acerca da necessidade de terem realizado atividades prévias para que pudessem participar do jogo de maneira satisfatória foram frequentes entre os estudantes. Considerando que se trata de uma sequência didática implementada em séries anteriores, quando esse conteúdo específico é abordado, tais discursos são bastante habituais.

Contudo, essa atividade específica serviu como meio auxiliar para os alunos compreenderem as diversas formas de assimilar o mesmo conteúdo. Portanto, esse processo pode ser interpretado como um exemplo de aplicação do princípio da Representação, conforme proposto pelo Design Universal para Aprendizagem. Nesse contexto, propõe-se a utilização de meios diferenciados para o desenvolvimento da compreensão dos conteúdos trabalhados por meio do estímulo de conhecimentos prévios.

Figura 7: Aulas preliminares a aplicação do jogo - quiz geográfico

Na aula seguinte à avaliação, os alunos comentaram sobre a relação das questões que responderam com as perguntas realizadas no quiz, evidenciando então a percepção desses alunos sobre a conexão entre os conteúdos trabalhados em sala e a importância na participação em todas as atividades propostas em sala. Essa ação foi realizada com o intuito de despertar essa consciência nos alunos, de modo a fazê-los participar das atividades subsequentes, em especial ao jogo, alvo da pesquisa.

Nessa mesma aula, e seguindo a mesma metodologia de Aprendizagem Baseada em Jogos, foi aplicado o Bingo Geográfico (Figura 8). Esse bingo, como no tradicional, é composto por cartões em que as palavras que os compõem são os estados e capitais do Brasil. Para participar, os alunos poderiam recorrer ao mapa político do país, disponível no livro de Geografia, para consultas eventuais. Os alunos tiveram a liberdade de escolher o formato de jogo e optaram por jogar em duplas. A atividade gerou grande entusiasmo entre os alunos, e até mesmo aqueles que normalmente se mostram desconcentrados ou desatentos em atividades que exigem respostas rápidas conseguiram realizar a tarefa sozinhos ou em dupla.

No término dessa aula, foi solicitado aos alunos que constituíssem grupos para a atividade planejada para a próxima sessão. O representante da turma prestou assistência nessa fase e as equipes foram prontamente formadas. Ficou acordado que a aula subsequente ocorreria na Sala Maker, um espaço utilizado por todos os docentes para a condução de aulas inovadoras ou projetos.

Figura 8: Atividade preliminar: Bingo Geográfico

Aplicação do jogo

No dia da aplicação, a classe se reorganizou em equipes, sob a orientação da pesquisadora, com o objetivo de tornar os grupos mais diversificados, embora não tenha sido imposto que desfizessem os grupos previamente formados. Nessa ocasião, a classe foi dividida em sete equipes, seis das quais compostas por cinco indivíduos e uma composta por quatro membros.

Depois que todos se acomodaram na Sala Maker, as regras foram esclarecidas. Ao perceberem que a atividade não possuía caráter competitivo, os alunos reagiram positivamente. Naquele dia, três aulas foram programadas, com tempo adicional disponível, se necessário. Essa maior flexibilidade de tempo foi planejada para permitir que as atividades fossem realizadas de acordo com o ritmo dos alunos na execução do jogo e do roteiro de atividades.

Deve-se considerar normal que a turma se mantenha barulhenta, pelo quantitativo de alunos (32), pela sua faixa etária e pela atividade, pois o jogo em si já empolga, alimenta o desejo de vitória, trazendo agitação enquanto acontece. Durante a realização do jogo, os alunos foram apresentando dúvidas que foram logo elucidadas entre eles, de modo a perceber que estavam traçando estratégias dentro do jogo, demonstrando que dominavam as regras e entendiam bem a sua mecânica (Figura 9). Os alunos com maior dificuldade de aprendizagem se beneficiaram com a criação de grupos heterogêneos, promovendo o seu engajamento, pois mesmo os alunos que se mantiveram mais quietos e observadores auxiliaram na execução das tarefas do jogo. Pode-se perceber também que alunos que normalmente se dispersam permaneceram mais concentrados durante a realização do jogo.

Figura 9: Equipes realizando a partida

A aplicação seguiu uma rotação entre equipes, de forma a nenhuma ficar por muito tempo aguardando a participação ou ociosa por muito tempo após a conclusão de suas tarefas. Dessa forma, a dinâmica na sala de aula durante o jogo segue da seguinte forma: realização das partidas, depois montagem do estado cuja capital foi descoberta no mapa. Após isso, os grupos realizam o roteiro de atividades e, por fim, retornam à sala onde estão acontecendo as partidas para auxiliar as equipes que estão jogando. Assim, a sala foi organizada em estações distintas: a estação das equipes à espera para iniciar a partida, a estação da partida em si e a estação do roteiro de atividades (Figura 10). A decisão de alocar a estação do roteiro de atividades em um espaço anexo foi tomada para facilitar a concentração dos alunos para responder às questões.

Embora o jogo fosse realizado de maneira cooperativa, em equipe, cada aluno respondeu ao seu próprio roteiro de atividades, que foi composto por questões que empregaram o mapa incluído no jogo como instrumento para a avaliação do conhecimento dos alunos sobre a alfabetização cartográfica. As respostas fornecidas permitiram verificar se os conceitos fundamentais de Cartografia discutidos em sala de aula foram adequadamente assimilados pelos alunos. Durante a realização do roteiro, foi possível perceber um engajamento maior dos alunos em comparação às demais atividades realizadas em sala de aula, pois se mostraram empolgados, comentando as questões e o que sabiam.

Figura 10: Realização do roteiro de atividades - grupos

Resultados e discussão

Na análise realizada por meio da observação da experiência na promoção do ensino de Geografia de forma mais inclusiva a respeito da percepção da relevância do uso de mapas em seu cotidiano, notou-se que, durante as atividades, foi possível perceber, por intermédio das falas dos alunos, o reconhecimento da importância do uso de mapas nos aplicativos que utilizam em seu dia a dia, pois começaram a identificá-los e contextualizá-los com maior facilidade. Após a implementação do jogo, na qual a abordagem do mapa é apresentada de forma mais simplificada e contextualizada em situações práticas, houve melhora no desempenho dos estudantes atípicos, pois a participação no jogo manteve-os engajados na tarefa, facilitando o seu aprendizado.

A capacidade dos alunos de contextualizar os conhecimentos cartográficos também foi analisada a partir dos resultados do roteiro de atividades. Os resultados indicaram progresso no entendimento prático dos elementos cartográficos por parte de todos os alunos. Com uma situação-problema, que se alinha ao princípio da Representação estabelecido pelo DUA, foi possível inserir os alunos em um cenário que se assemelha às suas experiências cotidianas. Assim, a aplicação de um conceito que frequentemente se revela de difícil compreensão, sendo apresentado de forma convencional, leva a um desengajamento de muitos alunos, dificultando o processo de aprendizagem. Os alunos atípicos enfrentaram maiores desafios no entendimento de questões do roteiro de atividades que demandaram maior interpretação, mas se sentiram confortáveis para solicitar auxílio. Dessa forma, eles também puderam realizar as atividades juntamente com os demais alunos, pois o engajamento e a interação com os colegas no contexto da mesma atividade os motivaram.

O que se pode observar em relação às opiniões dos alunos, e que pode indicar ajustes na concepção do tempo em que as partidas devem ser jogadas, é a importância de flexibilizar o tempo de execução conforme as necessidades da turma. Esse foi um elemento que causou desconforto, por vezes, em alguns alunos, principalmente os que demandaram mais tempo para entendimento e execução de tarefas. Outro fator que gerou desconforto nos alunos foi o barulho, pois a turma se manteve falante durante toda a execução do jogo, com breves momentos de silêncio. Como já foram analisados os fatores que geram essa agitação por parte dos alunos, deve-se pensar em estratégias para a execução e organização da turma, em que elas devem ser planejadas de forma a reduzir esses momentos de ruído ou distração para a maioria dos alunos. No entanto, quando a atividade envolve um jogo que estimula o desejo de vitória, é improvável que seja conduzida em um ambiente silencioso do começo ao fim.

Conclusão

Com a realização deste trabalho, espera-se ressaltar as contribuições da adoção de estratégias em sala de aula que busquem atender a todos os alunos, orientados segundo os princípios do DUA. Com a aplicação do jogo, e a partir dos resultados alcançados, pode-se obter respostas positivas sobre a implementação de práticas pedagógicas inclusivas no ensino de Geografia. Foi possível observar alterações significativas no engajamento dos alunos no processo de aprendizado, na receptividade aos conteúdos abordados e na interação entre todos os alunos.

Os ganhos em relação ao reconhecimento de elementos cartográficos, contextualização desses elementos em situações práticas do cotidiano e reconhecimento da importância dos mapas em suas vivências podem mostrar a capacidade de aprendizagem que os jogos implementados podem trazer para todos os alunos. Pode-se concluir que a experiência relatada foi exitosa para ofertar novas oportunidades de aprendizagem aos alunos, de forma a atender às necessidades de todos a partir do jogo criado com base nos princípios do DUA.

Apesar de apresentar uma resposta positiva em relação aos resultados obtidos com a implementação da abordagem do Design Universal para Aprendizagem, ainda existe a necessidade de mais pesquisas que envolvam profissionais da Educação Básica na proposição de estratégias e metodologias inovadoras que promovam a motivação e o engajamento dos alunos, em especial na prática da Geografia inclusiva.

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Publicado em 18 de junho de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

ANDRADE, Isabela Missias Santos Gomes de; OLIVEIRA, Márcia Martins de. A experiência de aplicação do jogo Onde Sou? no desenvolvimento da alfabetização cartográfica inclusiva. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 22, 18 de junho de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/22/a-experiencia-de-aplicacao-do-jogo-onde-sou-no-desenvolvimento-da-alfabetizacao-cartografica-inclusiva

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