O opúsculo de Pandora: reflexões sobre o livro “Subordinação e coordenação: contrastes e confrontos”, de Flávia Carone

Andressa Camilo Guimara

Mestranda em Letras - Literatura (Unioeste - Câmpus de Cascavel/PR), professora de Língua Portuguesa e Inglesa do Ensino Fundamental II

Pode-se afirmar que, segundo uma das versões do mito grego, a criação da caixa de Pandora se deu quando Zeus presenteou Pandora — a primeira mulher criada por ordem divina — com uma caixa que continha todos os males do mundo, advertindo-a para que jamais a abrisse. De acordo com Pilon (2021), esse artefato mitológico pode ser interpretado como uma metáfora que, além de conter desgraças, abriga elementos simbólicos valiosos para a existência humana, como a curiosidade e a esperança. Assim, mesmo diante de consequências negativas, esses elementos representam aspectos fundamentais da condição humana. Pandora, embora alertada a não abrir a caixa, cede à curiosidade, característica que lhe é atribuída desde sua criação. Ao abri-la, libertam-se males como doenças, fracassos e infortúnios. Posteriormente, ao fechar rapidamente o recipiente, Pandora preserva em seu interior uma última força desconhecida. Ao reabri-lo, libera a esperança, que passa a integrar o imaginário humano como símbolo de possibilidade e transformação.

Em outras versões do mito, Pandora jamais abriu a caixa e, por esse motivo, a esperança permaneceria guardada até os dias atuais. Essa ambiguidade mítica pode ser relacionada à obra Subordinação e coordenação: confrontos e contrastes, de Flávia Carone (2001), que, embora concisa em extensão, apresenta um conteúdo denso e significativo para os estudos linguísticos. A metáfora da caixa, portanto, pode ser compreendida como uma provocação à leitura e à abertura ao conhecimento: por que não explorar o que está contido na obra? Ainda que determinadas propostas teóricas possam causar estranhamento, são justamente essas que impulsionam transformações no modo como compreendemos o mundo. O acesso ao saber não deve ser restrito nem visto como um privilégio de poucos; ao contrário, é essencial compreender o conhecimento como bem coletivo para o avanço intelectual e social. A atitude de compartilhar reflexões e análises, como faz Carone (2001), representa uma contribuição valiosa para a área da Linguística.

Flávia de Barros Carone é professora da Universidade de São Paulo (USP), doutora em Letras e pesquisadora de Linguística. Sua obra Subordinação e coordenação: confrontos e contrastes (de 2001) desenvolve análises consistentes sobre os processos linguísticos da Língua Portuguesa. A autora fundamenta suas reflexões em estudiosos como Hjelmslev (1975 apud Carone, 2001, p. 6), ao afirmar que "para estudar um conjunto de objetos, é conveniente escolher um traço comum a todos, procurar captar todas as informações que ele possa fornecer e interpretar os outros a partir desse ponto". Estruturada em sete capítulos e composta por 82 páginas, a obra oferece uma contribuição significativa aos estudos sintáticos contemporâneos.

A necessidade humana de socialização e interação está na base do surgimento das línguas naturais e, por conseguinte, das gramáticas e das regras que buscam estabelecer certa uniformidade entre os falantes. Nesse contexto, na Língua Portuguesa, destacam-se dois processos centrais de relação sintática entre os elementos oracionais: a subordinação e a coordenação. Contudo, esses processos frequentemente são tratados de forma compartimentalizada no ensino tradicional, o que pode limitar a compreensão de sua complexidade e relevância.

Partindo dessa constatação, Carone (2001) propõe uma reflexão crítica sobre os modos de abordagem desses conteúdos, enfatizando a controvérsia entre sua aplicação real na linguagem e a forma como são convencionalmente ensinados. Entre os temas recorrentes da gramática escolar, a subordinação e a coordenação — com suas múltiplas classificações, como as orações subordinadas substantivas e adjetivas — costumam representar um desafio para os estudantes. Diante disso, questiona-se se a metodologia comumente adotada é eficaz para promover a compreensão dos mecanismos sintáticos envolvidos.

A autora, então, propõe uma análise integrada entre os conceitos de subordinação e coordenação, sugerindo que um não se sustenta completamente sem o outro, o que configura uma perspectiva mais dinâmica da estrutura frasal. Nesse sentido, Carone (2001, p. 61) afirma:

O único sentido válido que se pode entender a propalada "independência" das orações coordenadas diz respeito ao fato de que a conjunção coordenativa não opera o fenômeno da translação, que é imposta pelos instrumentos de subordinação e se completa com a inserção da oração subordinada em um ponto da outra – para estar a seu serviço, como termo subalterno.

O primeiro capítulo da obra dedica-se à apresentação de teorias e conceitos por meio de uma analogia com a obra literária Alice através do espelho e o que ela encontrou por lá, de Lewis Carroll. A autora utiliza um excerto do diálogo entre Alice, personagem central da narrativa, e Humpty-Dumpty, figura que representa um ovo antropomórfico, com o intuito de ilustrar os limites e possibilidades da linguagem na construção de significados. Essa interlocução ficcional é explorada por Carone como ponto de partida para discutir o funcionamento dos signos e a relação entre forma e conteúdo, aspectos centrais para a compreensão dos processos sintáticos abordados na obra:

– Por que o senhor está sentado aí tão sozinho? – indagou Alice, sem querer iniciar uma discussão.

– Ora essa, porque não tem ninguém aqui comigo! – gritou Humpty-Dumpty

– Pensou que eu não saberia responder essa, hein? Pergunte outra (Carroll, 2013).

Esse trecho ilustra a linha tênue entre os processos de subordinação e coordenação, evidenciando como as orações explicativas e causais estão interligadas, dependendo do contexto em que são utilizadas, e não apenas da estrutura gramatical. A resposta de Humpty-Dumpty, ao definir o que é estar sozinho, não aborda a pergunta de Alice sobre o motivo de sua solidão, o que resulta em um equívoco sintático. Essa falha no uso da linguagem leva à aplicação de uma oração coordenada explicativa, em vez de uma oração subordinada causal, como seria mais apropriado. A partir disso, a obra de Flávia Carone se apresenta como um convite a uma leitura mais aprofundada, ao propor uma reflexão crítica e inovadora sobre os conceitos de subordinação e coordenação. Carone examina, entre outros aspectos, o uso da conjunção porque, que pode ocorrer tanto em orações subordinadas adverbiais causais quanto em orações coordenadas explicativas, oferecendo uma abordagem que desafia as interpretações tradicionais desses processos linguísticos.

O Capítulo 2 aborda a relação de dependência entre os conceitos de "função e functivo" e "catálise e homogeneidade" (Carone, 2001, p. 10). De maneira resumida, a função refere-se ao papel que um elemento desempenha em um sistema, enquanto, na sintaxe, um termo não "exerce" uma função, mas "contrai" uma função, conforme Hjelmslev (1968, p. 53). Assim, o conjunto de funções atribui a um objeto a sua realidade essencial. Como ilustração, pode-se considerar que um sapato é confeccionado a partir de tecido, mas o tecido, por sua vez, pode ser utilizado na confecção de outros objetos, como roupas. Esse exemplo demonstra a existência de relações de dependência entre os elementos. Nesse contexto, Carone (2001, p. 11) argumenta que,

percorrendo o caminho inverso, poderemos ir destacando as peças, uma por vez; estaremos realizando a análise do objeto em questão, verificando as relações de dependência que entre elas existem. "Uma dependência definida pela análise será chamada de função", diz Hjelmslev (1968, p. 53). E aos dois elementos que contraem entre si uma função, chama, adequadamente de functivos.

Além disso, a obra aborda de maneira clara os conceitos de catálise e homogeneidade. Segundo Carone (2001, p. 14), "opera-se a catálise de um valor substantivo pressuposto pela preposição, sem que ele se concretize em um dado substantivo". A homogeneidade, por sua vez, é descrita pela autora como um "fator que caracteriza a relação de dependência entre a totalidade e os derivados; em outras palavras, as partes encontradas em uma dada operação divisória dependem da totalidade de um modo homogêneo" (Carone, 2001, p. 15).

O Capítulo 3 discute a forma e a relação entre as orações subordinadas e as coordenadas, oferecendo uma análise teórica aprofundada e esclarecimentos pertinentes. Nesse sentido, Carone (2001, p. 24) destaca que

a identidade funcional dos termos coordenados é, portanto, um ponto específico. Não há discordâncias a respeito. Curiosamente, porém, quando se faz tal asserção sobre o procedimento sintático da coordenação, não é ela que está sendo observada, mas a "outra": a subordinação. Passa-se a falar de um termo que não pertence ao âmbito da coordenação. Dois objetos diretos? De um verbo. Dois adjuntos adnominais? De um substantivo. Sub-repticiamente, entra aí um terceiro elemento, o termo com que os coordenados mantêm uma relação de subordinação, pois a identidade funcional só pode ser verificada em relação a esse terceiro.

Dessa forma, a autora busca validar a ideia de que, quando a coordenação integra a estrutura da frase, é necessário investigar qual função gramatical é desempenhada nesse ponto específico. Para isso, ela se dedica a identificar as categorias que podem se coordenar por meio da identidade funcional, considerando também a hipótese da identidade categórica dos termos.

No fechamento do Capítulo 4, Carone detalha a importância da correlação, da justaposição, além das questões envolvendo o particípio, gerúndio e infinitivo, que por vezes funcionam como verbos e, em outras situações, como substantivos. Os Capítulos 4 e 5 expõem a trajetória da subordinação e da coordenação, oferecendo ao leitor uma análise mais aprofundada, fundamentada nos pontos de vista de especialistas, o que contribui para uma argumentação mais clara e estruturada.

Por fim, os dois últimos capítulos apresentam as conclusões de Carone, que questiona se a coordenação poderia ser considerada um reflexo da subordinação, uma ideia particularmente instigante, especialmente por ela ter iniciado o livro com a obra Alice através do espelho e o que ela encontrou por lá. A autora retoma diversas questões abordadas ao longo do texto e deixa claro que, embora o uso da língua possa ser complexo, é fundamental que o sujeito considere os recursos sintáticos para garantir a lógica do seu discurso, o que implica na necessidade de que a informação transmitida seja compreendida de forma clara.

Nesse contexto, destaca-se a relevância da obra de Flávia Carone para a Linguística, uma vez que ela propõe reflexões críticas sobre as orações subordinadas e coordenadas. Esse livro se configura como contribuição significativa para estudantes de Letras, professores de línguas, mestrandos, doutorandos e pesquisadores interessados no estudo da língua portuguesa, servindo ainda como uma introdução robusta para investigações mais aprofundadas e detalhadas na área.

Referências

CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e coordenação: confrontos e contrastes. 6ª ed. São Paulo: Ática, 2001.

CARROLL, Lewis. Alice através do espelho e o que ela encontrou por lá. 4ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2013.

HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1968.

PILON, André. A caixa de Pandora, uma metáfora para o mundo de hoje? Jornal da USP, 16 de novembro de 2021. Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/a-caixa-de-pandora-uma-metafora-para-o-mundo-de-hoje/. Acesso em: 10 jun. 2023.

Publicado em 18 de junho de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

GUIMARA, Andressa Camilo. O opúsculo de Pandora: reflexões sobre o livro “Subordinação e coordenação: contrastes e confrontos”, de Flávia Carone. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 22, 18 de junho de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/22/o-opusculo-de-pandora-reflexoes-sobre-o-livro-rsubordinacao-e-coordenacao-contrastes-e-confrontosr-de-flavia-carone

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