Formação humana integral, na perspectiva da educação politécnica no âmbito da Educação Profissional na Rede Federal de Ensino
Rosiane de Oliveira da Fonseca Santos
Doutoranda em Ciências Ambientais e Conservação (UFRJ), Mestre em Ensino (UFF) e em Educação Profissional e Tecnológica (IFFluminense), graduada em História (UNIRIO) e em Pedagogia (Faveni), professora na Seeduc/RJ, tutora na Ufersa e na UENF
Dirceu Pereira dos Santos
Doutor (UFRJ), graduado em Engenharia Química (Unioeste), professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense)
O tema central deste artigo é a formação humana integral na Educação Profissional e Tecnológica na Rede Federal de Ensino, que, em meio a muitos desafios, vem buscando romper com o antigo paradigma de formação de mão de obra apenas para o trabalho, servindo aos interesses da classe dominante. A abordagem proposta visa compreender a perspectiva de formação humana integral, omnilateral – conceito que é compreendido neste trabalho a partir da definição de Manacorda (1991, p. 94) como o “desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos, das faculdades e das forças produtivas, das necessidades e da capacidade da sua satisfação” – e politécnica, que abrange uma pluralidade de saberes, articulação entre habilidades necessárias ao trabalho e capacitação para uma vida ativa na sociedade com leitura crítica do mundo.
Essas temáticas têm suscitado discussões de diversos autores, como Gaudêncio Frigotto, Marise Ramos e Maria Ciavatta, entre outros, que, por meio de suas obras, têm contribuído para uma melhor compreensão de como deve ocorrer uma educação politécnica profissional e sua importância, indo ao encontro da necessidade real da sociedade brasileira.
Dualidade de concepções
A educação escolar reflete o ideal de sociedade de um determinado momento histórico. Freire (2001) nos afirma que a educação é um ato político, Tavares (2008), concordando com o autor, demonstra a não neutralidade do ato pedagógico.
Em decorrência, ao longo do tempo, a Educação Profissional e Tecnológica tem sido permeada por disputas ideológicas de concepções pedagógicas bem diferentes de como deve ocorrer essa formação (Pereira; Cruz, 2019).
São apontadas por Pereira e Cruz (2019) duas concepções em debate; de um lado, tem-se uma perspectiva de formação única para o trabalho, visando à formação de mão de obra qualificada, permeada por uma visão voltada para a alta produtividade e lucro das empresas, em que o trabalhador é apenas uma engrenagem na grande máquina capitalista. Para os autores, nessa perspectiva, grandes instituições empresariais teriam papel decisivo nas definições dos currículos escolares, considerando a educação profissional, mesmo em parceria com o Estado, objeto da atividade empresarial. A formação, dessa forma, é voltada para o trabalho, em sentido restrito.
Por outro lado, na concepção de educação humana integral, há um processo de formação educativo comprometido com a preparação para além do trabalho em si, vinculado a uma concepção crítica, mais humanista e holística de formação integral. Nessa concepção, há um desafio longo e complexo, ir além da demanda capitalista de força de trabalho, rumo à emancipação e conquista da cidadania.
Conforme Pereira e Cruz (2019, p. 2), sob essa perspectiva, investir em Educação Profissional “se justifica enquanto direito das pessoas à educação e à formação para o trabalho, sob uma concepção inclusiva, de desenvolvimento voltado para a redução das desigualdades sociais e territoriais”.
Acerca da dualidade de concepções, Ferreira e Marins (2018, p. 109) ajudam a compreender a desigualdade, ao enfatizar que a história da Educação Profissional no Brasil impôs “um determinismo social aos menos favorecidos por meio da obrigatoriedade do ensino de ofícios, da formação instrumental e de preparação para o trabalho”.
Saviani (2003) contextualiza historicamente a formação do trabalhador, explicando que a origem da universalização das escolas e ampliação da alfabetização ocorreu na Idade Moderna, sob demanda da sociedade capitalista. Esta, por sua vez, necessitava de um maior número de pessoas, que, naquele momento, estavam habitando em massa as áreas urbanas. Era necessário que essas pessoas dominassem os códigos de escrita e fossem qualificadas para novos ofícios. Assim, a escolarização popular surgiu como um meio para qualificação e inserção no mundo do trabalho.
Trabalho como princípio educativo para formação humana integral: politécnica, omnilateral e tecnológica
Antes de adentrarmos a reflexão acerca da formação humana integral no âmbito da Educação Profissional na Rede Federal de Ensino, precisamos compreender melhor o que seria essa complexa concepção de formação humana integral, que traz consigo vários conceitos usados como sinônimos, mas que carecem de uma análise mais apurada, como politécnica, omnilateral e tecnológica.
Fornecendo bases fundamentais a essa compreensão estão Karl Marx e Friedrich Engels, que, em suas obras, trazem grandes contribuições acerca da relação entre trabalho e educação, delineando vários conceitos fundamentais, como a natureza do trabalho, divisão do trabalho, classe social, alienação, mais-valia, modo de produção social, relações de produção, ideologia e outros (Mauad; Griberg; Caldas, 2010).
Por serem algumas das obras mais influentes dos séculos XIX e XX, os escritos de Marx situam-se na história como leituras de convocação à luta por direitos sociais, fim da exploração capitalista e instalação do comunismo. Vários partidos políticos e revoluções surgiram a partir deessas ideias. Muito além dessas interpretações, suas obras impactaram diversas áreas do conhecimento e inspiraram muitos autores, que produziram uma rica bibliografia marxista. Várias críticas também surgiram, impulsionando uma renovação da concepção marxista. Seu legado ainda permanece muito presente na produção acadêmica na atualidade (Mauad; Griberg; Caldas, 2010).
Della Fonte (2018), estudiosa das obras de Marx, ao discutir diferentes concepções históricas de trabalho, demonstra oscilações nas concepções ao longo do tempo, como honra e fonte de riqueza, desonra e punição, valorização de artes mecânicas e produção através do trabalho prático, condenação ao ócio e valorização do trabalho pelo espírito capitalista, como dever ético ou ainda como libertador.
Della Fonte (2018) ressalta grandes contribuições nas obras de Marx e Engels ao definir a natureza do trabalho, concebendo como um agir formativo. Seguem a mesma perspectiva, Nosella (2007), Ramos (2008) e Saviani (2008), este último defendendo que a formação do homem tem como centro o trabalho, concebendo o trabalho comoprincípio educativo.
Engels (2006, p. 1) fundamentou essa ideia ao conceber que o trabalho “é a primeira condição fundamental de toda a vida humana e, com efeito, num grau tal que, em certo sentido, temos que dizer: ele criou o homem”. Marx e Engels concebem como fundamento da vida humana o trabalho, pois os homens produzem suas vidas através do trabalho.
Em concordância, Della Fonte (2018) afirma que o trabalho é a ação tipicamente humana de produzir sua vida; ressalta que o homem não nasce humano, ele faz-se, forma-se humano”. O homem se humaniza e se transforma no trabalho e no ato educativo; dessa forma, não nascemos prontos e somos mais que instintos, somos dotados de razão.
Saviani (2007), na mesma esteira, ao analisar a relação entre trabalho e educação, concebe que trabalho-educação são atividades especificamente humanas e indissociáveis, sendo essa relação histórica-ontológica. É histórica porque resulta de um processo ao longo do tempo e pela ação dos homens; e é ontológica, pois o que resulta dessa ação é o próprio ser dos homens.
Sobre a educação do trabalhador, Della Fonte (2018) traz uma observação unilateral feita por Marx acerca da formação do trabalhador, ou seja, parcial e limitada na forma da produção capitalista: ao executar uma única tarefa na linha de produção, ele se torna prisioneiro dela. Essa concepção vai de encontro a uma formação em que apenas o saber fazer ou manusear a máquina é valorizado.
Porém, com as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho como consequência das transformações tecnológicas, tornaram-se mais fluidas as funções do trabalhador, que precisa ser flexível às novas demandas de trabalho e que exigem novas competências.
A essa nova forma de trabalho, Marx (2008) faz referência a uma nova formação humana, conhecida como omnitaleral, que podemos compreender como inteiro e que projetaria o homem à emancipação, abordando os conhecimentos de forma crítica e reflexiva.
Manacorda, a partir das ideais de Marx, conceitua omnilateral como a
totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a totalidade de capacidades de consumo e prazeres, em que se deve considerar, sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído em consequência da divisão do trabalho (Manacorda, 1991, p. 89).
O autor complementa a definição do conceito de omnilateral como “desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos, das faculdades e das for ças produtivas, das necessidades e da capacidade da sua satisfação” (Manacorda, 1991, p. 94).
Ramos (2008, p. 11), colocando em pauta de discussão o ensino integrado, defende que “a plena formação humana só pode ser alcançada à medida que o ser desenvolve suas capacidades de decisão e ação, sustentadas pela unidade entre trabalho intelectual e manual”.
Outro conceito que ganha destaque nas discussões sobre trabalho e educação é o de politecnia. Para Saviani (2003, p. 140),
diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno. Está relacionada aos fundamentos das diferentes modalidades de trabalho e tem como base determinados princípios, determinados fundamentos, que devem ser garantidos pela formação politécnica. Por quê? Supõe-se que, dominando esses fundamentos, esses princípios, o trabalhador está em condições de desenvolver as diferentes modalidades de trabalho, com a compreensão do seu caráter, da sua essência. Não se trata de um trabalhador adestrado para executar com perfeição determinada tarefa e que se encaixe no mercado de trabalho para desenvolver aquele tipo de habilidade. Diferentemente, trata-se de propiciar-lhe um desenvolvimento multilateral, um desenvolvimento que abarca todos os ângulos da prática produtiva na medida em que ele domina aqueles princípios que estão na base da organização da produção moderna.
Saviani (2003, p. 136) também define a politecnia como algo que “se encaminha na direção da superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre instrução profissional e instrução geral”, envolvendo a justaposição de escola e trabalho, instrução intelectual e trabalho produtivo.
O autor defende que em todo trabalho humano ocorre ao mesmo tempo o exercício corporal e intelectual, e a formação deve proporcionar uma compreensão da organização do trabalho na sociedade. Afirma que a formação omnilateral é preconizada em sua concepção de politecnia como desenvolvimento ao máximo das potencialidades dos indivíduos.
Manacorda (1991), após uma análise meticulosa das obras de Karl Marx, conclui que a expressão “educação tecnológica” é a que melhor traduz a concepção marxiana de educação, que é a formação com a união da teórica e prática para o trabalho manual e intelectual, possibilitando uma plena manifestação de si e independente do trabalho desenvolvido.
Saviani (2003) argumenta que, independente do termo usado, educação tecnológica ou politecnia, o sentido permanece o mesmo, ou seja, a união entre formação intelectual e a instrução para o trabalho produtivo manual, pois em suas análises o foco foi na semântica e na evolução do sentido da palavra, e não na origem da palavra. Assim, o mesmo defende o uso do termo politecnia.
Nosella (2007) consente com Manacorda (1991) nas críticas ao conceito de ensino politécnico de Saviani, mas discorda que é sinônimo do ensino tecnológico em Marx. O autor enfatiza que a politecnia é um conceito de semântica ultrapassada e insuficiente “que não traduz semanticamente as necessidades de educação da sociedade atual” (Nosella, 2007, p. 150). Assim, ressalta que, no bojo do marxismo, onde o conceito foi criado, se trata de um campo de investigação que se renova de forma contínua e dialógica, ampliando e aprofundando os objetos de pesquisa.
Ao ser indagado sobre qual nome seria mais adequado para ser usado na denominação dessa proposta educacional, Nosella (2007, p. 147) argumenta que escolher um nome “é também um fator de separação, fonte de novas ambiguidades, causa de engessamento teórico e de limitação ideológica. Só a linguagem poética e artística, talvez, escape desses perigos”. Ele defende uma educação escolar que é voltada para valores de liberdade, de justiça e de igualdade, em atualização constante.
Curi e Giordani nos ajudam na compreensão da politecnia com uma definição clara e de linguagem simples:
numa primeira acepção etimológica, o termo politecnia pode ser entendido como a conjugação de múltiplas técnicas, ou seja, poli (muitas) e tecnia (técnicas). Seu significado, porém, não se limita à etimologia da palavra. Desse modo, a politecnia seria um projeto pedagógico e político de formação humana integral para todos e, principalmente, para os trabalhadores, tradicionalmente desprovidos de uma educação completa desde os primórdios da história humana. A politecnia, então, seria sinônima de uma formação plena, dita omnilateral, e não de apenas de uma educação limitada a um aspecto, ou seja, unilateral (Curi; Giordani, 2019, p. 3).
É importante lembrar que essa concepção de educação que abrange diversas áreas da vida não é inovação marxista, podendo ser reconhecida já na antiguidade grega no ideal da Paideia – conceito de grego que é um ideal de formação integral e consciente do homem, a formação do cidadão para agir em sociedade. Uma educa ção abrangendo corpo e espírito, desenvolvendo suas potencialidades, sendo um processo que se prolonga por toda a vida (Diez; Marcon; Santos, 2016) – na Humanitas romana – ideal romano de formação, que “buscava a dimensão prática da vida humana, fazendo da educação a tarefa de formar cidadão virtuoso, como ser moral, político e literário. Onde se buscava a formação de um falante ideal (orador), onde não ficavam somente as teorias, procurava as técnicas e as práticas” (Diez; Marcon; Santos, 2016, p. 1) – e na Bildung alemã do século XVII – conceito que remete ao século XVIII na tradição humanista. O homem, aqui, passa a ser concebido como responsável pela construção de si mesmo, da sociedade, política e economia. De acordo com Diez; Marcon; Santos (2016, p. 4), “Bildung pressupõe independência, liberdade e autonomia, como uma autoformação, na relação com o meio, com o outro e consigo mesmo, onde o homem desenvolver á suas disposições naturais e se apropriaria vivamente da cultura formando sua alma e representando o caminhar do espírito humano”. Entendemos que esse conceito também remete à autocompreensão e ao entendimento do mundo no qual se insere.
No entanto, reconhecemos que a teoria marxista faz ampliações às ideias anteriores de formação humana integral (Curi; Giordani, 2019). Ramos (2014) defende a politecnia por sua importância, afirmando que esse conceito é um ideal sempre em construção, compreendendo o trabalhador como um sujeito que pode transformar a realidade. Ele reconhece o desafio de colocar em prática essa concepção, ressaltando o papel das instituições escolares neste sentido, promovendo uma educação relacionada ao trabalho e outras experiências sociais.
Como pode-se observar, são muitos os desafios contemporâneos de colocar em prática essa concepção de educação. É necessária uma construção diária que necessita de um trabalho em equipe, com disposição para romper com as práticas pedagógicas conservadoras rotineiras e desconfiar das novidades que são apenas velhas ideias com novas roupagens (Ramos, 2014).
Os debates acerca da formação humana integral, sobretudo nos últimos anos, têm se tornado recorrentes, mais enriquecidos e ampliados, principalmente no seio dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, nos cursos de pós-graduação em rede (Souza et al., 2021).
Embora seja uma construção desafiadora, a politecnia se mostra necessária e urgente. Antunes (2001), há mais de uma década, já nos alertava sobre a crescente precarização das relações trabalhistas e o crescimento da exclusão social.
Nesse sentido, como destaca novamente Antunes (2020), nas últimas décadas presenciamos transformações nefastas de precarização das relações trabalhistas e aumento da uberização, na qual o autor define como um processo de individualização e invisibilização das relações de trabalho, que passam a ser “prestação de serviços”, destruindo as relações de assalariamento e aumentando a exploração, que é histórica, o que vem contribuindo cada vez mais para a exclusão social. Esse processo é impulsionado pelo uso cada vez maior das tecnologias na produção, sendo cada vez mais automatizada e robotizada, com controle digital e com regulação do trabalho por aplicativos.
Precisamos caminhar em direção à emancipação social, com uma formação sólida e abrangente de sujeitos críticos, rompendo com a profissionalização restrita. Só dessa forma, poderemos preparar a classe trabalhadora para compreender o complexo mundo do trabalho e construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Educação Profissional Técnica de nível médio integrada ao Ensino Médio
São alicerçados, por meio da Lei nº 11.892/08, no Art. 7º, os objetivos da Educação Profissional e Tecnológica nos Institutos Federais. A concepção de Educação Profissional é emancipatória e continuada, buscando capacitar para mundo do trabalho e a vida social, aperfeiçoar, especializar e atualizar profissionais em diversos os níveis de escolaridade. Uma concepção de educação comprometida com o desenvolvimento local e regional, pensando em seus benefícios à comunidade (Brasil, 2008).
A Educação Profissional Técnica de Nível Médio já era prevista no Art. 39 da Lei das Diretrizes e Bases (LDB), Lei nº 9.394/96. Porém, temos o Decreto nº 5.154/04 como marco regulatório da modalidade de Ensino Médio Integrado. Conforme Curi e Giordani (2019), desde a década de 1980 travam-se lutas para a criação do Integrado ou educação politécnica.
A ideia de Ensino Médio integrado na Educação Profissional vai ao encontro das discussões de perspectivas de formação e projetos de sociedade. Os princípios e concepções de formação humana integral, trabalho e pesquisa, como princípios educativos, estão descritos no documento Base da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio (Brasil, 2010):
uma concepção de formação humana, com base na integração de todas as dimensões da vida no processo educativo, visando à formação omnilateral dos sujeitos. Essas dimensões são o trabalho, a ciência e a cultura. O trabalho compreendido como realização humana inerente ao ser (sentido ontológico) e como prática econômica (sentido histórico associado ao modo de produção); a ciência compreendida como os conhecimentos produzidos pela humanidade que possibilita o contraditório avanço das forças produtivas; e a cultura, que corresponde aos valores éticos e estéticos que orientam as normas de conduta de uma sociedade (Brasil, 2010, p. 41).
A concepção de formação humana integral do documento-base alicerça-se em autores como Kosik (1978), Gramsci (1991), Saviani (1987; 2003), Moura (2004; 2006; 2007), Frigotto e Ciavatta (2005), Ramos (2004; 2005; 2007), Frigotto (2009) e outros.
É proposta nesse documento uma superação da dualidade na formação, em que se opõem a cultura geral e a cultura técnica.Compreende-se a educação tecnológica ou politécnica como sinônimos, o que proporciona uma ampla apreensão do processo produtivo.
Dessa forma, a modalidade foi concebida como solução transitória e viável, “o Ensino Médio integrado ao Ensino Técnico, sob uma base unitária de formação geral, é uma condição necessária para se fazer a travessia para uma nova realidade” (Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2005, p. 43).
Ramos (2008), ao defender uma educação plena, afirma:
formar profissionalmente não é preparar exclusivamente para o exercício do trabalho, mas é proporcionar a compreensão das dinâmicas sócio produtivas das sociedades modernas, com as suas conquistas e os seus revezes, e também habilitar as pessoas para o exercício autônomo e crítico de profissões, sem nunca se esgotar a elas (Ramos, 2008, p. 5).
No curso técnico integrado, conhecido também como Ensino Médio Técnico, a formação geral ocorre de forma integrada à formação profissional em algumas áreas específicas. Assim, na trajetória curricular do aluno contém disciplinas do currículo regular do ensino m édio e específicas do curso técnico escolhido.
Para Ramos (2008, p. 12), a Educação Profissional deve seguir alguns princípios:
a forma integrada de oferta do ensino médio com a educação profissional obedece a algumas diretrizes ético-políticas, a saber: integração de conhecimentos gerais e específicos; construção do conhecimento pela mediação do trabalho, da ciência e da cultura; utopia de superar a dominação dos trabalhadores e construir a emancipação – formação de dirigentes.
Explicitando melhor esse apontamento sobre o ensino integrado, Ciavatta (2012, p. 84) traz a seguinte consideração ao refletir sobre o “integrar” da educação geral e Educação Profissional:
remetemos o termo ao seu sentido de completude, de compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como uma totalidade social, isto é, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos. No caso da formação integrada ou ensino médio integrado ao ensino técnico, queremos que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional em todos os campos onde se dá a preparação para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos processos educativos como a formação inicial, como o ensino técnico, tecnológico ou superior.
A Resolução nº 6, de 20 de junho de 2012, orienta toda a organização, definindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Um dos princípios norteadores no Art. 6º é a “relação e articulação entre a formação desenvolvida no Ensino Médio e a preparação para o exercício das profissões técnicas, visando à formação integral do estudante” (Brasil, 2012).
Precisamos estar sempre repensando a Educação Profissional, o papel docente e suas práticas na atualidade, os quais não se esgotam no modelo de transmissão do conhecimento, o que nos leva a uma perspectiva de construção do conhecimento a partir de mediações pedagógicas ativas, humanas e críticas. O aluno detém o papel principal do/no processo de construção do conhecimento, exigindo do profissional uma formação contínua que englobe competências profissionais humanas e tecnológicas.
Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 3), a formação politécnica busca “responder, também, às necessidades do mundo do trabalho permeado pela presença da ciência e da tecnologia como forças produtivas, geradoras de valores e fontes de riqueza”.
Para tanto, a intuição escolar deve incorporar, no processo de ensino- aprendizagem, temas fundamentais transversais com o uso das novas tecnologias a favor da educação, formando cidadãos críticos e leitores de um mundo em constante mudança.
Procedimentos metodológicos
A presente pesquisa enquadra-se no escopo de uma investigação exploratória, conforme a definição proposta por Gil (2002). Como procedimentos técnicos, utilizamos pesquisa bibliográfica a partir da análise de publicações de relevância científica.
O levantamento bibliográfico foi desenvolvido com utilização de materiais disponíveis na internet, constituído principalmente de livros e artigos científicos, presentes em diferentes bases de dados científicos. Utilizamos como descritores de busca os termos Politecnia OR Integral Training OR Integrated Curriculum OR Integrated High School OR Vocational Training (Politecnia OU Formação Integral OU Currículo Integrado OU Ensino Médio Integrado OU Formação Profissional).
A busca foi realizada em bases de dados do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), utilizando a ferramenta de busca avançada e publicações em todos os idiomas, e que sejam em periódicos revisados por pares, no segundo semestre de 2022. A partir destes, também buscamos obras dos autores clássicos mais citados.
Dessa forma, construímos o referencial teórico com base em autores clássicos e estudos mais recentes. Não realizamos um recorte temporal, pois desejamos abranger a trajetória histórica do tema em análise.
Considerações finais
Como visto, ao longo do tempo, a Educação Profissional e Tecnológica tem sido permeada por disputas ideológicas e concepções pedagógicas diferentes.
Vivenciamos na atualidade, na Rede Federal de Ensino, a transição de um antigo paradigma voltado exclusivamente para a formação de mão de obra em direção a uma educação integral, que visa à emancipação social, com uma formação sólida e abrangente de sujeitos críticos, buscando formar para o trabalho e a vida em sociedade, rompendo com a profissionalização restrita.
Buscamos aprofundar, ao longo do texto, a compreensão de conceitos e concepções de formação humana integral, politécnia, omnilateral e tecnológica. Não buscamos limitar a educação a partir da escolha de conceitos. Enfatizamos a importância de buscar uma abordagem pedagógica que os capacite para o mundo do trabalho e os torne cidadãos críticos e participativos na sociedade.
As ideias dos diversos autores analisados convergem para a necessidade de uma educação que integre diversas dimensões da vida, para formação plena e abrangente, em que o indivíduo possa desenvolver suas capacidades individuais, promovendo uma leitura crítica do mundo.
Como ressaltaram Marx, Engels e Saviani, é de suma importância o trabalho como princípio educativo fundamental para formação humana integral. Concordamos com os autores, que dizem que o trabalho é uma atividade formativa que vai muito além da mera execução de tarefas. Ele nos constrói como seres humanos.
Dessa forma, os currículos escolares não devem ser instrumentos de controle e reprodução de desigualdades, mas abranger trabalho e educação de forma interligada. Dessa forma, poderemos preparar uma classe trabalhadora, que compreende o complexo mundo do trabalho na qual está inserido.
A formação humana integral que almejamos na Educação Profissional e Tecnológica é um desafio constante, e exige a superação de práticas pedagógicas conservadoras arraigadas em nossa sociedade historicamente e a promoção de uma educação crítica e emancipatória.
Embora o caminho seja dificil, precisamos prosseguir firmes. Na atualidade, estamos diante de uma crescente precarização trabalhista, com a exploração da mão de obra por meio da prestação de serviços sem qualquer garantia de direitos, condições ruins de trabalho, sem salários fixos e dependentes de seu total esforço constante, usando muitas vezes seus próprios instrumentos de trabalho, para receber algum valor financeiro, assim, a formação humana integral se mostra cada vez mais urgente e necessária.
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em meio a desafios, têm atuado em busca de uma formação mais ampla e emancipatória, visando à redução das desigualdades sociais e territoriais, e auxiliando na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Referências
ANTUNES, R. Trabalho e precarização numa ordem neoliberal. In: GENTILI, P.; FRIGOTTO, G. (org.). A cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. São Paulo: Cortez, 2001. p. 35-48.
ANTUNES, R. (org.). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. São Paulo: Boitempo, 2020.
BRASIL. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do Art. 36 e os Arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, 2004. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto /d5154.htm. Acesso em: 27 jul. 2023.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/L9394.html. Acesso em: 10 jun. 2023.
BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Diário Oficial da União, Brasília, 30 dez. 2008.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a Educação Profissional Técnica de nível médio em debate (Texto para discussão). Brasília: Setec/MEC, 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=6695-dcn-paraeducacao-profissional-debate&category_slug=setembro-2010-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 17 out. 2023.
BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 06/12. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico. Brasília: MEC, 2012. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view =download&alias=11663-rceb006-12-pdf&category_slug=setembro-2012-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 07 mar. 2023.
CIAVATTA, M. A formação integrada: a escola e o trabalho como lugares de memórias e de identidade. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. N. (org.). Ensino Médio Integrado: concepção e contradições. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 83-105.
CURI, L. M.; GIORDANI, C. C. O. Politecnia e Ensino Médio Integrado: aproximações e distanciamentos. Revista Brasileira de Educação Profissional e Tecnológica, v. 2, p. e8384, 2019. Disponível em: https://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/RBEPT/article/view/8384. Acesso em: 17 out. 2023.
DELLA FONTE, S. S. Formação no e para o trabalho. Educação Profissional e Tecnológica em Revista, v. 2, nº 2, 2018. Disponível em: https://ojs.ifes.edu.br/index.php/ept/article/view/383. Acesso em: 17 out. 2023.
DIEZ, C. L. F.; MARCON, S. B. W.; SANTOS, V. Paideia e os caminhos da educação. Barbarói, Santa Cruz do Sul, nº 46, p. 22-32, jan./jun. 2016. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/view/8468. Acesso em: 17 out. 2023.
ENGELS, F. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem (1876). Revista Trabalho Necessário, v. 4, nº 4, 12 dez. 2006. Disponível em: https://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/view/4603/4239. Acesso em: 16 jun. 2023.
FERREIRA, Júlia Angélica de Oliveira Ataíde; MARINS, Rosa Oliveira. Contribuições de assistentes sociais para a formação humana integral de estudantes da EPTM do IFAM. In: SALAZAR, Marques et al. (org.). Mundo do trabalho e práticas educativas. Manaus: IFAM, 2018. Disponível em: https://www2.ifam.edu.br/profept/arquivos/saept/edicao-2018/anaissaept2018.pdf. Acesso em: 16 jun. 2023.
FREIRE, P. Política e Educação: ensaios. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.
FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise (org.). Ensino Médio integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MANACORDA, M. A. Marx e a pedagogia moderna. Campinas: Autores Associados, 1991.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2008.
MAUAD, A. M.; GRIBERG, L.; CALDAS, P. S. P. Teoria da História. v. 1. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2010.
NOSELLA, P. Trabalho e perspectivas de formação dos trabalhadores: para além da formação politécnica. Revista Brasileira de Educação, v. 12, nº 34, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/8dNYBcjfPKZL4js8xWbhpjv/abstract/?lang=pt. Acesso em: 16 jun. 2023.
PACHECO, E. Concepção e diretrizes. Brasília: Setec/MEC, 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/instievolucao.pdf. Acesso em: 16 jun. 2023.
PEREIRA, L. A. C.; CRUZ, J. L. V. da. Os Institutos Federais e o desenvolvimento regional: interface possível. Holos, v. 4, p. 1-18, dez. 2019. Disponível em: http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/7992. Acesso em: 16 jun. 2023.
RAMOS, M. N. História e política da Educação Profissional [recurso eletrônico]. Curitiba: Instituto Federal do Paraná, 2014. (Coleção formação pedagógica; v. 5).
RAMOS, M. N. Concepções e princípios do Ensino Médio integrado. In: BRASIL. Ensino Médio integrado: uma perspectiva abrangente na política pública educacional. Brasília: mimeo, 2008.
SAVIANI, D. O choque teórico da Politecnia. Trabalho, Educação e Saúde, v. 1, nº 1, p. 131-152, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/zLgxpxrz CX5GYtgFpr7VbhG/. Acesso em: 16 jun. 2023.
SAVIANI, D. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista Brasileira de Educação, v. 12, nº 34, p. 152-180, jan./abr. 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/wBnPGNkvstzMTLYkmXdrkWP/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 16 jun. 2023.
SOUZA, L. M. de et al. Formar para o cuidado: a formação humana integral e o ensino integrado em Saúde. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, v. 2, nº 21, p. E12839, 2021. Disponível em: https://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php /RBEPT/article/view/12839. Acesso em: 17 out. 2023.
TAVARES, D. E. A interdisciplinaridade na contemporaneidade – qual o sentido? In: FAZENDA, I. C. A. (org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. p. 135-146.
Publicado em 25 de junho de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
SANTOS, Rosiane de Oliveira da Fonseca; SANTOS, Dirceu Pereira dos. Formação humana integral, na perspectiva da educação politécnica no âmbito da Educação Profissional na Rede Federal de Ensino. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 23, 25 de junho de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/23/formacao-humana-integral-na-perspectiva-da-educacao-politecnica-no-ambito-da-educacao-profissional-na-rede-federal-de-ensino
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.