Hein, é de bebês que estamos falando! Experiências pedagógicas de uma professora em um berçário

Aline de Oliveira

Mestranda em Educação (FURB), membro do Grupo de Pesquisa em Formação de Professores e Práticas Educativas, graduada em Pedagogia (Uniasselvi), especialista em Educação Infantil e anos iniciais (Faculdade Futura/Icetec) e em Administração Escolar, Supervisão e Orientação (Uniasselvi), professora na rede pública do município de Witmarsum/SC em uma turma de berçário

Este artigo é fruto de um esforço de aproximação com meu tema de pesquisa de mestrado, as experiências docentes em berçários no município de Witmarsum. Nele tenho em vista explorar minhas experiências docentes em uma creche da cidade como fio condutor para um diálogo com a bibliografia especializada sobre a temática da Educação Infantil. De acordo com Freire (1996, p. 39), “na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”.

A sala de aula apareceu em minha vida como uma oportunidade de trabalho, em que havia oferta de serviço e formação nas possibilidades financeiras de minha família de pequenos agricultores. E aqui estou há quase quinze anos. Passei pelo Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação Especial e Educação Infantil; por fim, há cinco anos me dedico a uma turma de berçário. Sim, no começo eram bebês, 14 deles, de todos os tipos, todos ali juntos e misturados, vivendo um dia de cada vez, tanto eles como eu.

Intercalo essa vida que se pode dizer tripla: sou professora 40 horas em uma turma de berçário, mãe de duas meninas e ainda atividades domésticas no pequeno sítio onde vivemos. Refiro-me à criação de gado, galinhas, porcos e outras tantas atividades. Tento assim, juntamente com minha família, equilibrar a vida e as contas, fazendo um pouco aqui um pouco ali, mas saliento que a profissão aqui estabelecida é a de professora.

Para entender essa história, descrevo este texto visando apresentar alguns anseios que permeiam minha experiência como professora de bebês, e por fim questionamentos que incentivam a busca por conhecimento.

Em que mundo os bebês vivem

Após quase uma década como docente, experimento algo novo, trabalhando em uma creche. Apareceram oportunidades anteriormente, mas entendia que aquela prática não me cabia. Entretanto, como já disse Cortella (2014, p. 14), “na área de Educação, nós mudamos com processos – processos de vida, processos humanos, processos de conhecimento. Os processos são sempre mudanças; aliás, essa é a natureza processual de qualquer coisa”.

A responsabilidade de lidar com crianças pequenas, muito pequenas, é de extrema relevância. Não é só trocar uma fralda, alimentar e cantar uma música de ninar. Envolve sentimentos, emoções, conhecimento, prática e responsabilidade – e essas características me causavam certo anseio. Será que seria capaz? Como aponta Narciso (2012, p. 10), “para ser professor de crianças pequenas exige-se uma competência polivalente, abrangendo desde cuidados básicos essenciais até conhecimentos específicos provenientes das diversas áreas do conhecimento”.

Com a maternidade na porta e a chance de ficar apenas meio período fora de casa, tendo mais tempo assim para a família e para o trabalho da roça, eu me joguei nessa aventura. Que choque! Realmente eletrizante. Eu me vi em um mundo da educação completamente diferente do que eu experimentara até então. Já havia lecionado na Educação Infantil, mas creche conhecia só de vista. Ali me vi em apuros; agora entendo por que os animais aqui na roça, quando acuados no rancho ou cercado, fazem de tudo para sair dali, pois no meu primeiro dia também me vi acuada e minha vontade foi de saltar pela janela igual aos animais aqui de casa (detalhe: estão inclusos no meu tempo diário os cuidados em uma pequena propriedade rural).

Para meu desespero, minha colega no Maternal I, naquele já longínquo 2017, sofria das mesmas angústias. Igualmente novata em uma creche. Sem dramas, visto que as crianças começaram a chegar – aliás, algumas já estavam lá, pois vinham de madrugada, filhas das operárias e operários nas indústrias têxteis da região. Ao chegar eram encaminhadas à nossa sala. Era choro para um lado, choro para outro; olhávamos uma para a outra e tínhamos vontade de fazer o mesmo.

Pânico em nossos olhos: o que seria de nós? Não tínhamos nenhum preparo, muito menos capacitações e cursos, apenas a base da graduação como referência. É nesses momentos que refletimos sobre nossa real formação: será que ela realmente me preparou para estar nessa situação? Hoje percebi que não; quando me lembro do momento em que nos encontrávamos, me senti como o náufrago de Gabriel García Márquez (2021), em um barco à deriva.

O que fizemos? Ora, o que minha mãe, pobre, agricultora, desassistida por políticas públicas, fez na maior parte de sua vida e ensinou a seus quatro filhos pelo exemplo: fomos à luta. Naquele ano sofremos com nossa falta de conhecimento a respeito do mundo em que estávamos inseridas. No entanto, não me dei e não nos demos por vencidas e corremos atrás da solução. “Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além. […] É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da história” (Freire, 1996, p. 53).

A turma era composta por crianças de onze meses até dois anos. Ali vivenciamos a tarefa de professor de creche: muito trocar, cuidar, alimentar. “Muitas das ações executadas pelos professores no cotidiano de algumas creches acabam sendo automatizadas e, não sendo contempladas como relevantes, passam despercebidas, não desvelando a riqueza da vida diária” (Prado, 2020, p. 44).

Não tínhamos conhecimentos prévios sobre a turma e as práticas ali desenvolvidas, mas tentamos manter a ordem, e assim se seguiu até o fim do ano. Fávero, Agostini e Rigione (2023, p. 3) salientam que “nem sempre a formação de cunho inicial da profissão é suficiente para dar conta das demandas cada vez mais exigentes e complexas da área”.

Aprendemos a nos comportar perante seres tão pequenos e aguçados; conseguimos em alguns momentos, posso dizer até em muitos, inserir algumas práticas pedagógicas que “achávamos” condizer com a turma. Utilizamos o princípio da curiosidade, notamos o que lhes agradava e tentamos criar algo pedagógico. Como exemplo, cito as histórias contadas. Crianças em diferentes idades demonstram curiosidade com os animais; assim, utilizamos histórias com eles para o momento da literatura. De acordo com Bortolanza e Oening (2022, p. 5),

para planejar o trabalho pedagógico na Educação Infantil, é necessário um olhar atento à realidade, observar as crianças, a realidade em que estão inseridas, os contextos em que são cuidadas e educadas, o processo educativo e, sobretudo, organizar o trabalho pedagógico por meio de atividades que façam sentido para elas. A atividade não pode se limitar a uma simples ação, pois ela é o lugar de inserção nas relações com o outro; para isso o protagonismo infantil nesse processo é fundamental.

E assim completamos o ano, todas sãs e salvas. Tanto as crianças como nós, professoras.

No ano seguinte optei por trabalhar no berçário com os legítimos bebês, conforme Prado (2020, p. 2): “ao vivenciar a docência na Educação Infantil, na etapa I, é imprescindível apontar que a conivência se dá com os bebês”, crianças de quatro meses até um ano e meio. Ali permaneço até hoje, ou seja, cinco anos de trabalho com bebês. Nesses anos, diversas colegas professoras dividiram comigo o fazer pedagógico, e de todas sempre busquei aproveitar o que de melhor cada uma tinha a oferecer à minha prática.

De acordo com Prado (2020, p. 3), “no contato com outras colegas, professoras de berçários […], nas conversas no café ou mesmo durante o almoço na creche percebo a forma carinhosa com que cada uma comenta o jeito como cada bebê gosta de dormir, o que mais apreciam comer, seus brinquedos favoritos”.

Nesse ambiente desenvolvi um sentimento de extremo afeto por aqueles seres tão pequenos e inseridos em um ambiente tão cedo fora do círculo familiar. Tomei os choros dos bebês e muitas vezes de seus pais, da angústia por eles por vezes involuntariamente partilhadas, quando cada novo bebê chegava. Iniciei uma luta interna comigo mesma, primeiramente para eu entender que era preciso deixar minhas filhas aos cuidados de outros para eu cuidar dos filhos dos outros.

É assim que a sociedade funciona. Por estas reflexões é que firmava minha profissão de professora de bebês, queria oferecer àqueles pais o que eu gostaria que oferecessem às minhas filhas, que, além de oportunidade de um lugar seguro, teriam a possibilidade de oferecer o melhor desenvolvimento aos seus bebês. “Em relação ao bebê, ele precisa ser acolhido em ambientes familiares que possam lhe proporcionar a satisfação de suas necessidades básicas e vivências enriquecedoras para o seu desenvolvimento cognitivo e emocional” (Marim; Carvalho; Aragão, 2022, p. 79).

A creche existe, sim

Venho aprendendo muito nesses anos. Confesso que a maior parte do conhecimento adquirido vem da prática em si. Atrelada a ela, pesquiso constantemente, seja prática de ensino, metodologias a serem desenvolvidas, material a ser usado e até como fazer um bebê dormir. Sim, até o sono deles passa a ser objeto de estudo, pois ao estudar suas fases de desenvolvimento notamos que um bebê, para se desenvolver melhor, precisa ter sono de qualidade. E como conseguir isso em um ambiente completamente fora de seu círculo familiar? A partir daí outras questões vão surgindo, e o grande desafio que permeia é encontrar materiais de referência que possam me auxiliar na prática com o berçário.

Ser professora de bebês atualmente é um grande desafio, pois, diferentemente de outras modalidades de ensino, não se trata de ensinar nada a um bebê, mas de proporcionar experiências para seu melhor desenvolvimento, respeitando suas especificidades de ser. É o que a BNCC mostra, sendo ela uma das últimas atualizações que embasam a Educação Infantil, principalmente em se tratando dos bebês.

Ao me deparar com a história da Educação Infantil, percebo o quão desafiador foi e está sendo para demonstrar a importância dessa prática. Com o passar dos anos se tem tentado discutir e ampliar os conhecimentos envolvendo-a. Documentos e políticas públicas surgem com a intenção de favorecer o trabalho de professores e dirigentes educacionais. Na minha cidade não é diferente.

Em contato com o projeto político-pedagógico (PPP) de Witmarsum, é possível perceber o caminho que a Educação Infantil vem trilhando e o quanto ainda precisa avançar. Exemplo disso é o município possuir apenas um PPP para todas as unidades de ensino, que são quatro até o momento. Há duas escolas rurais que tentam a todo custo se manter em funcionamento e atender à comunidade existente ali, de produtores rurais.

O município conta ainda com uma escola no centro da cidade que abrange o Ensino Fundamental e a pré-escola e, por fim, uma creche. O PPP traz essas informações e informa de maneira geral que o ensino surgiu no município em meados de 1930, juntamente com seus colonizadores, autodenominados italianos, ucranianos, alemães e poloneses, entre outras etnias.

A creche com atendimento de bebês se fazia na escola do centro da cidade, conhecida como Escola de Educação Básica Nossa Senhora das Graças, juntamente com as demais modalidades de ensino. Com a crescente demanda e falta de espaço, ela teve que ser remanejada para outro espaço cedido pela prefeitura, espaço esse que, se não me engano (pois nada disso está indicado no PPP até o momento), era uma casa utilizada por freiras que trabalhavam no hospital da cidade.

Após alguns anos, o município foi beneficiado com a construção pelo Governo Federal de uma creche referência, que hoje está em funcionamento, chamada Creche Municipal Professora Rosane Luisa Schütze de Mello. “O MEC definiu o Programa Pró-Infância, em 2007, com a perspectiva de que o Governo Federal auxiliasse os municípios na construção de pelo menos uma creche em cada cidade, seguindo um padrão mínimo de qualidade na construção e infraestrutura” (Ortiz; Carvalho, 2012, p. 63).

Posso salientar que, quando se fala em prática docente para o berçário, infelizmente, encontramos poucas referências ou informações, indicando a urgente necessidade de estudos e pesquisas, bem como a divulgação da produção acadêmica sobre a temática.

Conforme o PPP, a prática na Educação Infantil deve seguir o que “sugerem os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, esta etapa da Educação Básica organiza-se por eixos de trabalho” (Witmarsum, 2018). O mesmo documento citado foi elaborado em 1998 pelo Ministério da Educação.

O referencial citado serviu e ainda serve de base para algumas instituições de Educação Infantil, principalmente para aquelas em que os documentos produzidos pelo MEC em 2006 e 2009 ainda não foram discutidos ou foram engavetados na secretaria municipal de Educação e não chegaram às mãos dos professores envolvidos com o processo educacional (Narciso, 2012, p, 5).

Posteriormente, vieram o Plano Nacional de Educação em 2001, as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil em 2009, o Marco Legal da Primeira Infância em 2016 e, por último, como já descrito, a BNCC de 2017, que parte do princípio de “apresentar aos profissionais da Educação um ponto de partida para a organização curricular que atenda o trabalho nas instituições de educação infantil” (Vitta; Cruz; Scarlassa, 2018, p. 64). Nota-se, dessa forma, a desatualização das informações que sustentam essa etapa tão importante do ensino.

Na busca de mais informações sobre a prática no berçário, encontro o Plano Municipal de Educação do Município, que traz características da Educação Infantil e algumas informações complementares sobre a creche do município, como data de sua oferta e finalidade.

A faixa etária de 0 a 3 anos sempre teve representatividade relevante, apesar da preferência no atendimento estar compreendida dos 4 a 6 anos; por isso, em 01/06/1996 o poder público municipal implantou uma creche no centro do município destinada a atender a significativa parcela de famílias cujos pai e mãe trabalhavam fora e não tinham condições de cuidar de seus filhos (Witmarsum, 2018).

Apesar de mostrar alguns resquícios de detalhes, o PME também não faz referências ao berçário nem à prática pedagógica que deve existir nesse ambiente e aborda a Educação Infantil de maneira geral. “A Educação Infantil é considerada a primeira etapa da Educação Básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos, respeitando sua dignidade e considerando suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas e religiosas” (Witmarsum, 2018, p. 15).

Ser professor no berçário

Entender que nos momentos rotineiros de troca e alimentação há uma relação maior do que parece é algo a ser refletido; Martins Filho (2020, p. 102) enfatiza que “as repetições deveriam ser entendidas como possibilidade de aprimoramento e não servir para se lamentar por estar fazendo sempre o mesmo”.

Noto diariamente colegas professoras cansadas da rotina, alegando que é angustiante. Baseiam sua prática no receber o bebê, trocar, higienizar, alimentar, cuidar e o entregar à família. Elas se esquecem de que em torno dessas vivências existe a possibilidade de muito a ser feito. De acordo com Ortiz e Carvalho (2012, p. 37),

ao realizarmos um trabalho cotidiano, nem sempre identificamos todo desdobramento de cada ação, afinal, muitas vezes se troca e se alimenta uma criança de forma automática, sem se dar conta de tantos processos que estão acontecendo concomitantemente.

Ao colocar um bebê no chão da sala e oferecer materiais prontos e brinquedos estereotipados, acabam por dificultar o desenvolvimento tão necessário. O mesmo acontece quando não há a oportunidade de vivência fora do ambiente da sala. Tanto os bebês como as demais crianças sentem extremo prazer na liberdade. Muitas passam de seis a oito horas, quando não mais, no ambiente da creche. Imagine ficar todo esse tempo em uma sala?

Entendo que, se outros, como eu, desistirem de se envolver em refletir e lutar por uma educação mais consciente, o que será de nossas crianças e de nossos bebês? Analiso as práticas de outros docentes e reflito sozinha: como podemos deixar isso acontecer? Onde foi que o ser professor se tornou algo robótico e frustrante para alguns? Professoras com mais de vinte ou trinta anos de sala contando os dias para se aposentar, descontando suas frustrações em suas vivências em sala. De acordo com Prado (2020, p. 50), “não queremos que as experiências de infância sejam marcadas pelo desafeto, pela desesperança, pelo descaso, pela humilhação e pela negligência, que deixam suas cicatrizes e estigmas”.

Cortella (2014, p. 22) me faz refletir que talvez nossas creches tenham muitos professores velhos, sim velhos.

Por isso, cuidado com professor velho. Não se confunda idoso com velho; idoso é quem tem bastante idade, enquanto velho é quem acha que já está pronto e não precisa ou não conseguirá mais mudar. Há colegas com mais de 60 anos de idade que não envelheceram, enquanto alguns, em meados de carreira, já estão vestidos.

Em contrapartida, a cada novo dia, quando chego à minha turma e encontro aqueles seres tão pequenos já acordados, penso que de forma alguma posso desistir da educação. Ao chegar e dizer “bom dia”, sou recepcionada com sorrisos e até mesmo choros. Choro, sim. Às vezes de fome ou angústia; sabendo que cheguei, eles podem expressar seus anseios sabendo que vão ser atendidos. Conforme Prado (2020, p. 50), “saber o que toca e o que transforma cada um dos pequenos é uma aprendizagem que se dá por meio de uma escuta e de um olhar pedagógico delicado, sutil e atento dos docentes aos sinais que cada bebê emite”.

Ortiz e Carvalho (2012, p. 20) salientam ainda que “chorar, buscar o contato visual, agarrar, aconchegar-se, sorrir são algumas das formas de externalização do comportamento de apego. Com isso, a pessoa desenvolve uma base segura a partir da qual pode explorar o mundo”.

Estamos ali para sermos mais que instrumentos de ensino de um sistema; estamos primeiramente como pessoas para ajudar outras pessoas a se desenvolver da melhor forma para viver nessa sociedade e nesse mundo.

Promover educação a um bebê significa possibilitar o crescimento integral do indivíduo, bem como desenvolver solidariedade, capacidade de enxergar e compreender o outro. Muitos dos atos de violência ocorrem pela falta de respeito com a vida humana. Vivemos em um período de barbárie da Modernidade, em que os fatores éticos e morais estiveram (ou estão) em desuso; dessa forma, criou-se uma geração de jovens que não conseguem respeitar o ser humano, simplesmente porque não veem os outros como seus semelhantes (Prado, 2020, p. 47).

Ao pegar um bebê no colo e abraçá-lo, demonstro mais que um sentimento; demonstro que ali ele está seguro, que sua mãe/pai/avó não estão presentes, mas eu estou e ele pode confiar em mim.

Com o passar dos dias, noto diferença em minhas experiências no berçário. Decorrente de formações, cursos, pesquisas, diálogos e vivências na sua maioria feitas por meu interesse. Silva e Tomio (2023, p. 17) enfatizam que “os professores, encontrando-se em constante processo de aperfeiçoamento, contribuirão para promover mudanças na escola em busca de enfrentar os desafios exigidos para se atingir um ensino de qualidade”.

O professor, refletindo sobre sua prática e sobre si mesmo, potencializa mudanças em seu modo de agir; Tomelin e Rausch (2022, p. 4) acrescentam que

a prática profissional docente exige que os professores busquem caminhos que os aproximem de conhecimentos que lhes permitam qualificar sua práxis, notadamente no que diz respeito à promoção de uma educação libertadora. Essa educação fundamenta-se em algumas categorias fundantes: reflexividade, criticidade, complexidade, humanização, diversidade e reinvenção. São elas que, em um contexto formativo, conduzirão para novos fazeres como alicerces para uma profunda e necessária transformação.

No início, eu acreditava que tinha que suprir as obrigações da instituição. Quando via uma professora expor algum trabalho no mural, me via obrigada a fazer o mesmo. Conforme Prado (2020, p. 50), “é possível tecer uma crítica ao modelo de educação vigente, no qual todos devem seguir os mesmos tempos, nos mesmos espaços, seguindo a lógica do consenso que estagna a pluralidade e a diferença”.

Algumas vezes aquilo nem sentido fazia para a criança, mas o importante era mostrar serviço, mostrar que você não estava “dormindo” na sua turma; e o pior: os pais gostavam. Sim, pais gostam de ver as “produções” de seus filhos, indiferentes a como aquilo foi produzido, mesmo que seu filho tenha, veja bem, “cinco meses”.

Se a criança chora ao colocar a mão em um pouco de tinta, estranhando a textura em uma atividade pretensamente lúdica como fazer uma flor, tudo bem, acontece. Se a professora colocou o material ali apenas para o registro, tudo bem, o que vale é a intenção. É assustador, mas é assim que muitas práticas ocorrem. Temos que refletir urgentemente sobre essas práticas, pois “o importante é que os atos pedagógicos produzam significados para os pequenos de forma que eles possam extrair sentido das práticas que estão sendo proporcionadas" (Prado, 2020, p. 51).

Hoje tento buscar e inserir com os bebês uma prática que mais se assemelha ao seu desenvolvimento possível. Tento elaborar os projetos de modo que as atividades propostas respeitem o ser bebê. Prado (2020, p. 43) salienta que “as atividades pedagógicas propostas pelo docente aos bebês, […] são imprescindíveis na configuração da atuação docente, já que sendo relacional é também humanizante”.

Tem dias que é perceptível que eles apenas precisam ser bebês, engatinhar, explorar, ganhar colo, se sentir acolhidos e respeitados. E, acreditem, isso é algo cada vez mais difícil de ser visto no ambiente da creche. Conforme Wroblewski (2022, p. 7) ao tratar do ambiente na Educação Infantil,

é imprescindível que possibilitem espaços e tempos [...] em que a criança crie vínculos afetivos com o meio em que vive, a fim de agir e interferir na melhoria das relações com esse meio, ampliando diferentes formas de conectar-se com o entorno, consigo mesmo, com seus pares, com adultos e com a vida que acontece a partir de diversas experiências.

Silva et al. (2018, p. 3) salientam ainda que, nesse sentido, “as propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil precisam prever a organização de tempos, espaços e materiais que atendam as especificidades de aprendizagem e desenvolvimento das crianças”.

Carrinhos, bancadas, cadeirinhas e caminhas muitas vezes perdem sua finalidade para serem utilizados como meio de controle. Controle de choro, birras, brigas, qualquer atividade exercida pela criança que se enquadre como anormal para o professor. A percepção que tenho é de que alguns profissionais querem que as crianças tenham atitudes “maduras” e “aceitáveis”, como ficar sentadas na frente de uma televisão por determinado tempo, sem choro e sem drama.

Hein, estamos falando de bebês! De acordo com Prado (2020, p. 43), “a visão autocêntrica, por vezes impregnada em cada um de nós [...], na maioria das vezes, ignora a infância, sobretudo o período de desenvolvimento de cada bebê”.

No entanto, apesar de parecer simples, deixar bebês serem bebês não é algo fácil – não para mim até o momento. Constantemente sou questionada pelas práticas utilizadas e para atingir os objetivos propostos pela instituição; com isso, hoje me dedico ainda mais em busca de conhecimento, para compreender e tentar cada dia mais inserir uma prática de qualidade e respeito para com os bebês. “Devemos nos reportar à prática eminentemente relacional na Educação Infantil, já que buscamos ações cujo processo desemboque na emancipação e não na subalternidade” (Prado, 2020, p. 50).

Muitas vezes, ao chegar do trabalho e me dedicar aos serviços de casa e do sítio, presto atenção nos animais aqui presentes. Noto que todos entre os de sua espécie se relacionam de maneira afetiva e me pergunto onde foi que a espécie humana se tornou tão indiferente aos anseios do próximo – neste caso, de nossas crianças.

Considerações finais

Ao escrever este artigo me sinto reconfortada por dar um primeiro passo para a mudança. Entendo que criar coragem e se propor ao novo é o que preciso fazer neste momento em relação à minha posição como profissional e pessoa em encontro com a educação.

Produzi este artigo como um guia, um roteiro, o meu tema de pesquisa de mestrado: as experiências docentes em berçários no município de Witmarsum. Nele, faço de minhas experiências profissionais objeto de investigação. Não como verdades, mas como ponto de partida para um diálogo com as minhas iguais de ofício e a produção acadêmica sobre o tema.

Espero ter contribuído para que o leitor profissional da Educação, gestor de políticas educacionais e demais pesquisadores tenha a oportunidade de vislumbrar aspectos das experiências docentes em um berçário na zona rural de Santa Catarina.

Aprofundar os temas aqui tratados é o desejo e sonho desta professora que se fez pesquisadora e que planeja aprofundar ao desenvolver esta pesquisa.

Referências

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Publicado em 25 de junho de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

OLIVEIRA, Aline de. Hein, é de bebês que estamos falando! Experiências pedagógicas de uma professora em um berçário. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 23, 25 de junho de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/23/hein-e-de-bebes-que-estamos-falando-experiencias-pedagogicas-de-uma-professora-em-um-bercario

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