Não existe jogar fora! Projeto interdisciplinar sobre lixo doméstico e coleta seletiva para turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental
Monique Lombardo de Almeida
Professora de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, licenciada em Química (UFRJ), doutora em Engenharia (Coppe/UFRJ), pesquisadora da UFRJ
Thiago Marconcini Rossi
Licenciado em Química (UFRJ), engenheiro Químico (Faacz), doutor em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos (EQ/UFRJ), pesquisador da UFRJ
As atividades humanas mal planejadas têm trazido sérios problemas ao nosso planeta, como o consumo dos recursos naturais e a poluição vinda do descarte inadequado de resíduos. Os danos causados ao meio ambiente acabam por comprometer todas as formas de vida no planeta. Com isso, é importante conscientizar a sociedade de que é preciso ajustar as nossas necessidades à preservação de um ambiente seguro e saudável, o que já deve ser introduzido desde a educação básica.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) define a Educação Ambiental como um processo permanente de tomada de consciência do meio no qual estamos inseridos e de propagação de uma nova cultura individual e coletiva que impacte positivamente nos problemas ambientais do presente e do futuro (Brasil, 2022). Ela deve ser crítica e emancipatória, e atuar no combate à cultura do consumo e às injustiças sociais e ambientais causadas pela maneira errada de se viver e produzir no mundo. Essa nova forma de educação tem como principal finalidade promover um ambiente seguro e sustentável para as futuras gerações (Reigota, 2009).
A Educação Ambiental está incluída na BNCC em um de seus cadernos de temas contemporâneos transversais, nomeado Meio Ambiente: Educação Ambiental e Educação para o Consumo (Brasil, 2018; Brasil, 2022). Segundo esse caderno, a inserção do tema Meio Ambiente no currículo escolar está amparada pela Lei nº 9.795/99 (Brasil, 1999) e pode ser trabalhado em todas as faixas etárias de estudantes, distribuídas nas diferentes etapas e modalidades da Educação Básica.
A Educação Ambiental não é uma cultura seletiva, na qual apenas uma parcela da sociedade pode tomar parte; ela é um processo coletivo e, assim sendo, é de suma importância que faça parte da educação formal. Com ela, podemos formar cidadãos críticos, capazes de resolver problemas do dia a dia, de pensar e promover a justiça social, e de zelar pela manutenção do ambiente em que vive.
Dentre os diversos problemas ambientais do planeta, a questão do lixo é uma das mais preocupantes e diz respeito a cada um de nós. Enquanto sociedade de consumo, extraímos a matéria prima da natureza, transformamos em bens de consumo que, depois de utilizados, vão parar em lixões e aterros sanitários. Não há preocupação com a escassez dos recursos naturais, muito menos com o reaproveitamento de produtos recicláveis (Felix, 2007).
Ribeiro e Lima (2000) definem o lixo, também chamado de resíduo ou rejeito, como um conjunto heterogêneo de elementos desprezados e que passa por um processo de exclusão, pois ele é “posto fora de casa”. Dessa forma, as pessoas encaram o lixo de forma pejorativa, ligando-o à inutilidade, à sujeira, a algo repugnante e à pobreza. Entretanto, boa parte do lixo gerado em nossas casas pode ser reciclado e, inclusive, possui valor comercial.
A coleta seletiva consiste na separação dos resíduos sólidos com o intuito de levá-los à reciclagem, à compostagem, ao tratamento ou a outras destinações adequadas. Na coleta seletiva do lixo doméstico, separamos os restos de alimentos, chamados de resíduos orgânicos, dos resíduos inorgânicos (papel e papelão, vidro, plástico e metal) (Peixoto; Campos; D’Agosto, 2005).
Enquanto a matéria orgânica separada pode ser utilizada para a produção de adubo, os resíduos inorgânicos podem ser revendidos para indústrias que os usam como matéria-prima ou os transformam em produtos. Pilhas e baterias, apesar de não serem recicláveis, também devem ser separadas e descartadas da maneira correta para que não provoquem contaminação do solo e das águas (Brum, 2010).
A disposição inadequada do lixo doméstico causa poluição do ar, da água e do solo, além de causar enchentes e proliferação de vetores de doenças (Ribeiro; Besen, 2007). O lixo doméstico possui um alto potencial para a reciclagem, pois contém matéria orgânica compostável e materiais com valor agregado, como papel e papelão, metais, plásticos e vidro (Ribeiro; Lima, 2000).
Entretanto, a coleta seletiva ainda é algo pouco estimulado no Brasil: estima-se que apenas 10% dos municípios brasileiros desenvolvem programas de coleta seletiva, e esse pouco está concentrado nas regiões Sul e Sudeste do país, com abrangência territorial limitada. O maior volume de separação de materiais reciclados ainda é feito por catadores avulsos em todo país (Ribeiro; Besen, 2007).
Trabalhar o tema da coleta seletiva no meio escolar, desde os anos iniciais, é uma ferramenta promissora para melhorar a relação da sociedade com a natureza, promovendo valores e atitudes mais sustentáveis e engajados com a qualidade de vida para as futuras gerações (Felix, 2007). Dessa forma, estimulamos em nossos alunos uma transformação em sua consciência ambiental, e eles poderão atuar como educadores ambientais em suas próprias casas e na sua comunidade, impactando diretamente na sua realidade social e desencadeando uma série de valores benéficos ao meio ambiente.
Este artigo tem como objetivo apresentar um projeto interdisciplinar voltado à Educação Ambiental intitulado “Não existe jogar fora! – O lixo doméstico e a coleta seletiva”. O projeto é composto por quatro aulas não sequenciais, integrando as disciplinas de Ciências, Artes, Matemática e Português, e foi elaborado para turmas de 5º ano do Ensino Fundamental, com base na BNCC e no caderno temático de Meio Ambiente.
Espera-se que, com esse projeto, os alunos possam:
- desmistificar a ideia de que podemos “jogar fora” aquilo que não nos serve mais;
- conhecer o que é a coleta seletiva e diferenciar o que é um material reciclável e um não reciclável;
- valorizar e cuidar melhor do meio ambiente; e
- compreender que nossas atitudes diárias mais simples podem acarretar em impactos positivos ou negativos no meio ambiente.
Percurso metodológico do projeto
Dia 1: Aula de Ciências
Nessa primeira aula, que terá duração de duas horas, para fazer a problematização inicial do tema, o professor pode fazer aos alunos algumas perguntas para investigar os conhecimentos prévios do grupo sobre o assunto, como: “O que é lixo?”, “O que tem no lixo?”, “Para onde vai o lixo?”, “É possível jogar fora o lixo?”. Então, o professor deverá ler para eles o livro O Saci e a reciclagem do lixo, de Samuel Murgel Branco (Coleção Viramundo, da Editora Moderna). Durante a leitura, o professor deverá mostrar as figuras do livro para a turma, para que todos possam vê-las.
A obra, protagonizada pelo personagem folclórico Saci Pererê, narra como ele, em meio ao problema de descarte de resíduos da cidade de Jequitibá, separa o lixo por classes — papel/papelão, plástico, vidro e metal —, devolvendo cada material às respectivas fábricas e transformando o lixão em uma fábrica de compostagem, deixando ali apenas o lixo orgânico (Branco, 2002).
Após a leitura, será promovida uma roda de conversa para discutir com os alunos questões relacionadas aos problemas ambientais causados pelo descarte inadequado de resíduos, a impossibilidade de simplesmente “jogar fora” aquilo que não serve mais, os materiais presentes no lixo doméstico, bem como os conceitos de coleta seletiva e reciclagem. Como apoio, o professor confeccionará um cartaz com os tipos de materiais recicláveis e não recicláveis, e as cores correspondentes aos cestos de coleta (Figura 1), que será fixado na sala, possibilitando aos alunos o contato visual com o conteúdo discutido.
Na sequência, os alunos serão levados à sala de informática para participar do jogo pedagógico Coleta Seletiva (Escola Games, 2023). Organizados em duplas ou trios, os alunos jogarão em computadores, promovendo a interação e o trabalho colaborativo. Antes da atividade, o professor explicará o objetivo do jogo, lerá as instruções em conjunto com a turma e esclarecerá eventuais dúvidas. A proposta do jogo é permitir que os alunos separem virtualmente os resíduos nos cestos corretos, reforçando o aprendizado de forma lúdica e interativa, por meio de uma interface colorida, acessível e adequada à faixa etária.
Durante toda a aula, a avaliação será formativa e considerará a participação dos alunos nas discussões e atividades, tendo como critérios a capacidade de argumentação, o respeito às opiniões divergentes, a organização na fala, a atenção e concentração, além da habilidade de trabalhar em equipe.

Figura 1: Cartaz de apoio produzido como recurso pedagógico para a aula de Ciências
Dia 2: Aula de Artes
No dia seguinte à aula de Ciências, será realizada uma aula de Artes, com duração de 1h30min, iniciada por uma retomada dos assuntos discutidos anteriormente. Em seguida, o professor explicará que a turma confeccionará caixas de coleta seletiva para a sala, com o objetivo de separar os resíduos recicláveis e não recicláveis produzidos durante a semana.
Serão utilizadas cinco caixas de papelão, cola branca, tesouras sem ponta, cartolinas coloridas (azul, verde, vermelha e amarela), um saco preto e os símbolos impressos de cada categoria de lixo. Organizados em grupos, os alunos deverão forrar as caixas com a cor correspondente a cada resíduo (azul para papel, verde para vidro, vermelho para plástico e amarelo para metal), enquanto a caixa para materiais não recicláveis será coberta pelo saco preto. Depois, colarão os símbolos indicativos em cada caixa. As lixeiras confeccionadas (Figura 2) ficarão expostas na sala, próximas ao cartaz de apoio elaborado na aula anterior.
A avaliação dessa aula considerará o envolvimento na atividade, a cooperação em grupo e a qualidade estética das caixas produzidas.

Figura 2: Caixas de coleta seletiva que deverão ser produzidas durante a aula de Artes
Dia 3: Aula de Matemática
Uma semana após a aula de Artes, será realizada uma aula de Matemática, com duração de uma hora, na qual os alunos construirão um gráfico de barras para contabilizar a quantidade de materiais recicláveis separados durante a semana. O professor iniciará explicando a finalidade de um gráfico e, especificamente, de um gráfico de barras, utilizando como recurso o vídeo Tabelas e gráficos – o que são? Após a exibição, o professor discutirá o conteúdo e esclarecerá dúvidas.
Para a atividade, serão disponibilizadas cartolinas coloridas (branca, azul, verde, vermelha e amarela), tesouras, cola branca e uma régua grande. Os alunos escreverão na parte inferior do cartaz as categorias de resíduos (metal, papel, vidro e plástico) e, na parte superior, o título: “Lixo reciclável produzido pela turma em uma semana”. Em seguida, confeccionarão quadrados coloridos que representarão a quantidade de cada material separado. Por exemplo, sete resíduos de metal correspondem a sete quadrados amarelos colados acima da categoria “metal”, formando a barra do gráfico. Caso não haja materiais em alguma categoria, a barra não será representada (Figura 3).
Ao final, o professor mediará a leitura e interpretação do gráfico, possibilitando aos alunos compreender, de maneira visual e concreta, o volume de materiais recicláveis que poderiam poluir o ambiente se descartados inadequadamente. O cartaz será fixado no mural da turma, junto aos materiais das aulas anteriores.
Como fechamento do projeto, sugere-se que o professor destine os resíduos recicláveis a um ponto de coleta da comunidade, podendo vendê-los para custear um lanche coletivo simples. Já os não-recicláveis poderão ser descartados no lixo comum ou utilizados na horta da escola, caso exista. A avaliação dessa aula considerará a concentração e o envolvimento dos alunos, a cooperação em grupo e a qualidade estética do cartaz final.

Figura 3: Cartaz com gráfico de barras de deverá ser produzido durante a aula de Matemática
Dia 4: Aula de Português
Na quarta e última aula da sequência didática, será realizada uma atividade de Língua Portuguesa, com duração de uma hora, no dia seguinte à aula de Matemática. Nessa ocasião, o professor explicará que os alunos deverão produzir uma redação, de três a quatro parágrafos, sobre a importância da coleta seletiva, os impactos do descarte inadequado do lixo no meio ambiente e suas impressões pessoais sobre a experiência desenvolvida na escola. Para orientar a atividade, será entregue uma folha de apoio com cabeçalho, enunciado, espaço para escrita e ilustrações relacionadas ao tema.
Os estudantes terão cerca de uma hora para realizar a redação. A avaliação considerará a concentração durante a atividade, a compreensão do tema, a organização das ideias, o uso adequado da pontuação e ortografia, bem como a coesão e coerência do texto produzido.
Comentários finais
Independente da disciplina ministrada, o grande desafio de todo professor é despertar o interesse de seus alunos pelo estudo. Para isso, a atividade docente deve ser fruto de planejamento e reflexão, sempre priorizando a diversidade de suas estratégias didáticas, para promover uma aprendizagem contextualizada, crítica e emancipadora.
Trabalhar com um subtema dentro do tema transversal de Educação Ambiental é sempre bastante relevante para a sociedade e não há dificuldades de se encontrar documentos na literatura que embase o trabalho docente. Como mencionado anteriormente, a Educação Ambiental é para todos, para todas as idades e para todos nichos sociais. Não é difícil abordar o tema e inserir valores socioambientais na escola, independente da etapa para qual lecionamos. O que fazemos é adequar as atividades à realidade do grupo com o qual estamos trabalhando.
Lembramos que não é possível a utilização de um projeto único e imutável para todos os grupos de alunos com os quais se trabalha e, sabendo disso, as atividades aqui descritas se propõem a ser norteadoras da prática. As estratégias de ensino não são estáticas; devem acompanhar as necessidades do seu público ao longo do tempo e se valer dos recursos disponíveis no espaço escolar ou fora dele. Cada aluno, ou grupo de alunos, traz consigo as suas experiências e visões de mundo, e possui diferenciados desenvolvimentos intelectuais, o que deve ser levado em consideração durante o ato de planejar o projeto.
Referências
BARROS, D. Tabelas g Gráficos: O que são? [Vídeo]. Youtube, 2020. Disponível em: https://bit.ly/4aUhE0r. Acesso em: 20 de set. 2023.
BRANCO, S. M. O Saci e a reciclagem do lixo. São Paulo: Moderna, 2002. (Coleção Viramundo).
BRASIL. Casa Civil. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a Educação Ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília, 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9795.htm. Acesso em: 15 set. 2023.
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BRUM, D. P. Educação Ambiental na escola: da coleta seletiva do lixo ao aproveitamento do resíduo orgânico. 2010. 53f. Monografia (Especialização em Educação Ambiental) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2010.
ESCOLA GAMES. Coleta seletiva. s/d. Disponível em: https://bit.ly/4dhOIB3. Acesso em: 20 set. 2023.
FELIX, R. A. Z. Coleta seletiva em ambiente escolar. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v. 18, p. 56-71, 2007.
REIGOTA, M. O que é Educação Ambiental. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2009.
RIBEIRO, H.; BESEN, G. R. Panorama da coleta seletiva no Brasil: desafios e perspectivas a partir de três estudos de caso. Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente, v. 2, nº 4, p. 1-18, 2007.
RIBEIRO, T. F.; LIMA, S. C. Coleta seletiva de lixo domiciliar – estudo de casos. Caminhos de Geografia, v. 1, nº 2, p. 50-69, 2000.
PEIXOTO, K.; CAMPOS, V. B. G.; D’AGOSTO, M. A. A coleta seletiva e a redução dos resíduos sólidos. Rio de Janeiro: IME, 2005. Disponível em: https://bit.ly/4bszU1h. Acesso em: 20 set. 2023.
Publicado em 23 de julho de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
ALMEIDA, Monique Lombardo de; ROSSI, Thiago Marconcini. Não existe jogar fora! Projeto interdisciplinar sobre lixo doméstico e coleta seletiva para turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 27, 23 de julho de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/27/nao-existe-jogar-fora-projeto-interdisciplinar-sobre-lixo-domestico-e-coleta-seletiva-para-turmas-dos-anos-iniciais-do-ensino-fundamental
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