Literatura e brincadeiras na Educação Infantil: análise de sequências didáticas propostas pela coleção "Cadê? Achou!"
Claudia Nunes Gonzaga
Mestranda do Curso de Mestrado Profissional em Práticas da Educação Básica do Colégio Pedro II
José Ricardo Dordron de Pinho
Professor doutor, orientador do Colégio Pedro II
O presente artigo tem como objetivo realizar uma análise da coleção Cadê? Achou! Educar, cuidar e brincar na ação pedagógica da creche, de Aline Pinto. O livro foi aprovado no PNLD para os anos de 2019, 2020 e 2021. Ele é voltado para os professores da Educação Infantil que atuam no segmento de creche.
Serão analisados os momentos em que a literatura infantil e as brincadeiras aparecem nas propostas de sequências didáticas presentes no exemplar para crianças de um ano e sete meses a três anos e onze meses. A primeira sequência é “Cabeça, ombro, joelho e pé” , cujo objetivo é o desenvolvimento da identidade, da autonomia, do protagonismo infantil e do sentimento de pertencimento ao grupo. A segunda sequência é “Click, click, zoom”, cujo objetivo é oportunizar diversas experiências de pesquisa a respeito do olhar fotográfico.
A prática da leitura nas instituições de ensino é um requisito essencial para o aluno entender a sua realidade sociocultural. Mesmo na Educação Infantil essa prática precisa ser cotidiana para que se desenvolvam esses aspectos.
Os documentos legais referentes à Educação Infantil afirmam que a prática da leitura precisa ocorrer em um ambiente organizado, atraente, aconchegante e com gêneros diversificados. Segundo Oliveira (2009), a literatura infantil é um dos meios essenciais para o desenvolvimento do processo criativo dos alunos, pois oferece ao leitor uma gama de conhecimentos capazes de provocar uma ação criadora, ocasionando também novas experiências para o desenvolvimento da fantasia e da imaginação.
A ludicidade na Educação Infantil pode encontrar portas abertas pela literatura, assim como em outra prática essencial para esse período da vida que é o brincar, pois é nessa fase que se aprende brincando. Quanto mais trabalhada a ludicidade, mais experiências e vivências significativas irão compor esse processo de aprendizagem da criança.
Através de uma vivência lúdica, a criança está aprendendo com a experiência, de maneira mais integrada, a posse de si mesma e do mundo de um modo criativo e pessoal. Assim, a ludicidade, como uma experiência vivenciada internamente vai além da simples realização de uma atividade, é na verdade a vivência dessa atividade de forma mais inteira (Bacelar, 2009, p. 28).
Esse mundo de faz de conta oferecido pela ludicidade favorece às crianças o conhecimento de si e do mundo, com momentos de aprendizagens mais significativas. É necessário que as crianças pequenas aprendam a se expressar usando sua própria construção de narrativas, pois assim será possível a construção do conhecimento e a transformação do aluno em sujeito de sua própria história.
A fim de alcançar o objetivo proposto, o artigo se organiza da seguinte forma: a próxima seção traz o referencial teórico no qual a análise se baseia, apresentando, brevemente, como a literatura infantil era entendida em seus primórdios e qual é o papel dela no atual cenário da educação. Também será apresentada a importância da ludicidade e da brincadeira para a Educação Infantil (EI) e de que maneira ambas estimulam o desenvolvimento pleno das crianças.
Na seção de metodologia serão apresentadas as propostas adotadas para realizar a análise e, de forma geral, como foi organizada a obra, com uma descrição das propostas apresentadas em cada sequência.
Na seção de análise será apontada a relevância da Educação Infantil nas propostas presentes, se há uma autonomia do docente no preparo dessas atividades e/ou se há textos complementares para o auxílio no preparo de suas aulas.
Referencial teórico
A literatura infantil é um dos gêneros mais recentes do campo literário, como afirma Zilberman (2003). As primeiras obras destinadas às crianças são do século XVII e início do século XVIII, pois até então não havia uma preocupação com a infância. As crianças eram vistas como adultos em miniatura, por isso não necessitavam de nenhum entretenimento diferente do restante da sociedade.
No período clássico, com o fortalecimento da burguesia, se desenvolveu a ideologia de priorizar a vida doméstica fundada no casamento e na educação dos filhos. Percebeu-se a importância de priorizar a vida em família para criar uma identidade familiar. Nesse momento, começaram a ser pensadas formas de passar valores às crianças. As famílias começaram a se importar em educar e preparar seus filhos para o mundo intelectual e os valores sociais da vida adulta. Ariès (1981) expõe, na citação a seguir, que o sentimento de família neste momento não se constitui separado de infância. “O sentimento de família, que emerge no século XVII é inseparável do sentimento de infância. O interesse pela infância [...] [é uma] expressão particular desse sentimento mais geral, o sentimento da família” (Ariès, 1981, p. 2010). Para esse autor, a família começa a ser entendida como a célula do Estado, por isso uma preocupação e uma atenção voltados aos assuntos familiares.
A literatura infantil passou por várias transições, de acordo com as épocas. Os clássicos infantis eram espelhos das ideologias predominantes daquele momento histórico. Para explicitar o fato, tomemos como exemplo o clássico Chapeuzinho vermelho, conhecido conto de várias versões. Essa história é tão conhecida que o fato de mencionar o seu capuz vermelho e a cesta de doces já traz para a ponta da língua o nome do clássico. Na versão de Perrault (1697), representante do período clássico, a mensagem incutida no enredo da narrativa é a de que não se deve desobedecer às regras vigentes, que é preciso seguir princípios e que o desvio desses princípios pode trazer o mal, como acontece no desfecho com a menina sendo devorada pelo lobo mau.
Nota-se uma diferença muito grande quando se analisa o contexto da releitura Chapeuzinho amarelo, de Chico Buarque (1970). A menina não apresenta nenhum medo do lobo e ainda faz brincadeiras com o seu nome. Essa versão traz a ideia de que o homem consegue controlar seu medo usando a racionalidade.
A literatura infantil se relaciona muito com as ideias e os valores da época na qual se encontra inserida, mostrando que a literatura não está separada da vida, acontecendo um diálogo constante entre ambas. Ao criar no aluno o hábito pela leitura estamos promovendo também um diálogo interno, pois as crianças começam a fazer inferências de suas experiências já vividas, bem como também são estimuladas à imaginação, elemento essencial para o indivíduo, principalmente na primeira infância.
A disciplina literatura começa a ser um componente obrigatório no currículo educacional brasileiro apenas na etapa do Ensino Médio. Nesse período, no curto tempo destinado a essa disciplina, é comum que as aulas fiquem restritas à apresentação de conjuntos de obras e autores importantes dentro de cada gênero literário e época estudada. Reyes (2012) afirma que, como forma de acompanhar o desenvolvimento dos alunos, os docentes passam produções textuais como tarefas com temas muitas vezes já pré-estabelecidos.
A literatura, em sua prática, perpassa toda a Educação Básica. Na Educação Infantil, especificamente, são apresentados aos alunos diferentes gêneros literários. A escola precisa pensar com maior atenção a literatura, com um olhar mais voltado para a sensibilidade, ensinando a ler de várias formas e não apenas a decifrar signos ou interpretá-los.
Segundo Reyes (2012), para os alunos se tornarem mais interessados pela literatura, a motivação deve começar já na Educação Infantil, com rodas de conversa a respeito dos textos lidos, respeitando a opinião de cada aluno para que esse mesmo aluno, mais tarde, possa se sentir à vontade para produzir seus escritos, sem ficar inibido em colocar o seu “eu” verdadeiro em suas produções.
Uma prática muito simples é indagar a um grupo de alunos a respeito do que é uma casa. De forma geral, teremos definições parecidas dentro do campo concreto, mas se direcionarmos para o campo do sentimento, várias e diferentes definições surgirão.
A literatura deve ser lida - vale dizer: sentida - a partir da própria vida. Quem escreve deve estrear as palavras e reinventá-las a cada vez, para lhes imprimir sua marca pessoal. E quem lê recria esse processo de invenção para decifrar e decifrar-se na linguagem do outro (Reyes, 2012, p. 26).
Um dos papéis da literatura é o de proporcionar ao ser humano o conhecimento de si mesmo. Quando se exercita o hábito da expressão pessoal usando a escrita, colocando para fora o seu íntimo, o aluno produz literatura. Essa criação não precisa ser apenas de fatos vivenciados em momentos reais, pois a literatura também tem caminhos imaginativos. Isso é algo muito latente quando falamos de crianças. Nesses momentos de criação ou até mesmo de leitura e escrita de histórias, a imaginação não deve ter muros e ir aonde a história levar, por isso a literatura se assemelha ao brincar. Em ambos os casos, a imaginação é latente no lúdico do ‘faz de conta’, tão presente na infância.
Na Educação Infantil, crianças devem ser estimuladas ao exercício da expressão. O mundo do ‘faz de conta’ é um mundo muito importante para crianças. As instituições voltadas a esse público precisam colocar a literatura e o brincar como um caminho de auxílio ao desenvolvimento da criança. Com a contação de histórias e as brincadeiras, o aluno faz reflexões relacionadas a questões que despertam o seu interesse e a sua curiosidade, resgatando a comunicação oral interativa. A imaginação e a ludicidade expressam atividades externas do brincar, mas também atividades internas que o aluno vivencia como experiência.
Quando estamos definindo ludicidade como um estado de consciência, onde se dá uma experiência em estado de plenitude, não estamos falando, [sic] em si das atividades objetivas que podem ser descritas sociológica e culturalmente como atividade lúdica, como jogos ou coisa semelhante. Estamos, sim, falando do estado interno do sujeito que vivencia a experiência lúdica. Mesmo quando o sujeito está vivenciando essa experiência com outros, a ludicidade é interna; a partilha e a convivência poderão oferecer-lhe, e certamente oferece, sensações do prazer da convivência, mas, ainda assim, essa sensação é interna de cada um, ainda que o grupo possa harmonizar-se nessa sensação comum; porém um grupo, como grupo, não sente, mas soma e engloba um sentimento que se torna comum; porém, em última instância, quem sente é o sujeito (Luckesi, 2006, p. 6).
Luckesi (2006) aponta que as propostas lúdicas propiciam experiências plenas e levam o aluno a sentimentos mais profundos e inconscientes, tornando-se um ponto de expansão para o indivíduo. As práticas lúdicas no ambiente escolar aparecem como recursos de formação e de autoconhecimento. Para o uso dessas práticas lúdicas, o professor não pode se apresentar como o detentor do saber, mas dar espaço para que o aluno expresse sua criatividade, possibilitando que ele seja um construtor do seu conhecimento. A integração do fazer, do sentir e do pensar caracterizam o estado da ludicidade. Ao brincar de faz de conta, as crianças demonstram seus desejos e anseios, por isso é relevante observar esses momentos livres, como se relacionam entre si e as representações que realizam no seu entorno.
Uma representação é algo presente no lugar de algo. Representar é corresponder a alguma coisa e permitir sua evocação mesmo em sua ausência. O brinquedo coloca a criança na presença de reproduções: tudo o que existe no cotidiano, a natureza e as construções humanas. Pode-se dizer que um dos objetivos do brinquedo é dar à criança um substituto dos objetos reais, para que possa manipulá-los (Kishimoto, 2005, p. 20).
Independentemente de época, cultura e classe social, os jogos e os brinquedos estão presentes no mundo da fantasia da criança e no seu encantamento, onde realidade e ‘faz de conta’ se confundem. Ambos estão na origem do pensamento, da descoberta de si mesmo, da possibilidade de experimentar, de criar e de transformar o mundo.
Procedimentos metodológicos
O presente trabalho realizou uma pesquisa qualitativa, respondendo como a coleção abordou as brincadeiras e a literatura infantil durante suas propostas de sequências didáticas. Os procedimentos de análise foram iniciados com a observação da coleção utilizada a fim de expor as informações recolhidas para o trabalho.
A coleção analisada tem um formato pedagógico e instrutivo ao público-alvo: os professores. O livro, com 288 páginas, vem com um CD informativo em linguagem fluida e de fácil compreensão. Nas primeiras páginas, a autora explica os ícones e as seções que irão aparecer durante a extensão do livro. Entre os ícones, estão:
- O sinal de alerta: indica os cuidados que se deve ter com os bebês e as crianças;
- ‘Você sabia?’ que apresenta textos complementares sobre a temática para enriquecer o repertório docente;
- ‘Para refletir’ que sinaliza questionamentos importantes que conduzem a possíveis intervenções no cotidiano da creche;
- Possibilidades práticas, visando aplicar a teoria no cotidiano da creche, principalmente por meio de sugestão de trabalho.
Os ícones citados anteriormente aparecem no decorrer de todo o livro, mas há ícones que são apresentados de forma exclusiva dentro dos capítulos 2 e 3:
- Recepção: momento de atenção no direcionamento das ações necessárias para receber os alunos de acordo com a temática trabalhada;
- Musicalizar e brincar: como utilizar a música, o som e o silêncio como elementos norteadores das atividades;
- Estica, dobra e puxa: orienta o trabalho com o corpo, utilizando o gesto e o movimento, dentro e fora da sala de aula;
- Pirlimpimpim, conte para mim: direciona atividades de leitura, dramatização de histórias e músicas; também propõe confecção de alguns materiais;
- Meleca na mão é pura diversão: indica o trabalho com traços, cores e formas, confeccionando produções artísticas usando diversos suportes;
- 1, 2, 3 e já: propõe o trabalho com o espaço, o tempo, a quantidade e as transformações de forma lúdica;
- Espelho, espelho meu: orienta o trabalho de consciência corporal e identidade;
- Relaxar e aproveitar, é só começar: orienta propostas de relaxamento para finalizar as temáticas.
Após a apresentação das seções e ícones, a coleção apresenta um sumário em três capítulos. O primeiro intitulado “Referências para a ação docente”, o segundo com as sequências didáticas voltadas ao público de 0 a 1 ano e 6 meses e o terceiro capítulo voltado ao público de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses.
O primeiro capítulo traz todo o referencial teórico para a Educação Infantil, com um breve histórico de como se consolidou até os dias atuais. Apresenta, ainda, documentos norteadores da fase, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o qual vem em uma tabela, com os objetivos e as habilidades a serem desenvolvidas durante o período da creche.
No segundo e no terceiro capítulos, a coleção apresenta as sequências didáticas (um total de sete), sendo que cada capítulo aborda temáticas pertinentes à Educação Infantil. Todas as sequências têm um caráter de instruir o professor a respeito do trabalho com dicas de materiais a serem usados. Durante toda a coleção aparecem produções de alunos e materiais pedagógicos como formas de ilustrar a coleção.
O presente artigo analisará duas sequências didáticas que fazem parte do capítulo três: “Cabeça, ombro, joelho e pé” e “Click, click, zoom!”.
A sequência “Cabeça, ombro, joelho e pé” sugere um trabalho voltado à consciência corporal, com um olhar mais para o indivíduo, com a descoberta das próprias singularidades e com o respeito à diversidade, tendo como objetivos desenvolver a identidade, a autonomia e o protagonismo infantil, além do sentimento de pertencimento de grupo.
A sequência “Click, click, zoom!” é apresentada como uma continuidade da sequência anterior, pois como na primeira foram trabalhados o corpo e a identidade, nessa o trabalho se relaciona ao desenvolvimento de um olhar mais sensível para as vivências e as experiências. A fotografia é abordada com histórias, poemas, músicas e jogos, explorando diferentes possibilidades gráficas/gestuais e utilizando brincadeiras/brinquedos como estratégias para apresentar um pouco do mundo da fotografia às crianças.
Apresentação e discussão dos resultados (análise do livro)
Para iniciar a apresentação da análise da coleção foram construídas tabelas relacionadas às sequências didáticas mostrando se a literatura e a brincadeira aparecem nelas. Para aprofundar o estudo, posteriormente serão apresentados detalhadamente critérios que consolidam o trabalho. Os critérios utilizados foram: a coleção favorece a autonomia do professor e apresenta textos complementares para o enriquecimento do conteúdo? Os recursos apresentados são viáveis, de fácil acesso? Como as brincadeiras e a literatura são abordadas dentro da sequência didática?
Nas tabelas constam a informação da literatura e as brincadeiras abordadas dentro das seções específicas do capítulo 3. Na sequência didática “Cabeça, ombro, joelho e pé”, a literatura só aparece em uma seção direcionada ao momento de contação de história (‘Pirlimpimpim, conte para mim’) de forma muito simples, apenas com uma sugestão de história para ser apresentada para as crianças. Na sequência “Click, click, zoom! ”, em uma das seções, aparece uma sugestão de contar uma história para sanar o medo das crianças, mas não há exemplos de literatura a ser usada nesse momento.
Tabela 1: Sequência didática: 1 - "Cabeça, ombro, joelho e pé"
Subtítulo |
Literatura |
Brincadeira |
Recepção: momentos de muita atenção |
N |
N |
Musicalizar e brincar |
N |
S |
Espelho, espelho meu |
N |
S |
Estica, dobra e puxa |
N |
S |
Pirlimpimpim, conte para mim |
S |
S |
1, 2, 3 e já |
N |
S |
Meleca na mão é pura diversão |
N |
S |
Relaxar e aproveitar, é só começar |
N |
S |
Tabela 2: Sequência didática: 2 - "Click, click, zoom!"
Subtítulo |
Literatura |
Brincadeira |
Recepção: momentos de muita atenção |
N |
S |
Musicalizar e brincar |
N |
S |
Espelho, espelho meu |
N |
S |
Estica, dobra e puxa |
N |
S |
Pirlimpimpim, conte para mim |
N |
N |
1, 2, 3 e já |
N |
S |
Meleca na mão é pura diversão |
N |
S |
Relaxar e aproveitar, é só começar |
S |
N |
Após realizar esse levantamento de dados, a análise do livro didático se aprofundará, seguindo os critérios apresentados.
Autonomia do professor
No decorrer de toda a coleção não é estimulada a autonomia docente, pois a coleção não apresenta, por exemplo, locais variados em que esses docentes possam buscar informações. Com um olhar mais específico para as sequências didáticas analisadas, essa autonomia também é pouco estimulada. A autora já menciona qual é o tempo de duração da sequência. Essa demanda deveria ficar em aberto, pois cada turma apresenta um ritmo e interesses distintos. Sendo assim, o docente deveria ter a autonomia de organizar as atividades na duração que considera mais adequada ao perfil de sua turma. Dentro das seções, a autora já apresenta quais materiais devem ser utilizados, não deixando em aberto para o profissional realizar uma pesquisa ou ter outras opções para trabalhar as temáticas.
Na seção “Relaxar e aproveitar, é só começar”, de ambas as sequências, há apenas uma atividade como se fosse a única forma de relaxamento possível para as crianças. Não se apresenta um local no qual os professores possam realizar uma pesquisa a respeito das formas para alcançar o relaxamento das crianças após uma atividade lúdica. Em todo o decorrer das sequências didáticas, a autora menciona a atividade apresentada como a única forma de desenvolver a temática proposta.
Enriquecimento do conteúdo
Na sequência “Cabeça, ombro, joelho e pé”, o único texto complementar que aparece no ícone “Você sabia?” traz a informação do porquê de as crianças pequenas gostarem de ficar ouvindo as mesmas histórias. Ele explica que é uma forma de se sentirem seguras emocionalmente, pois já sabem o que vai acontecer no final (Bettelheim, 2014, p. 14).
Já na sequência “Click, click, zoom!”, há textos complementares. O primeiro texto traz a apresentação da atividade para iniciar o tema da fotografia com os alunos pequenos na seção “Recepção: momento de muita atenção”, no ícone “Você sabia?”. Nesse momento, explica-se ao educador o que é um monóculo e aparece a imagem do objeto. Durante a seção “Musicalizar e brincar”, aparece o texto complementar de maior foco no ícone “Você sabia?”. Ele apresenta o livro “Festa e danças brasileiras”, como uma forma de aumentar o repertório de ações do educador na sequência didática.
Nenhum outro texto complementar aparece nas sequências didáticas analisadas, o que se contrapõe ao objetivo da coleção apresentado nas primeiras páginas, assim como no primeiro capítulo. Em ambas as situações são apresentadas sugestões de leituras.
Recursos são viáveis?
De maneira geral, os recursos são bem específicos. A autora apresenta sempre um material a ser utilizado ou confeccionado nas seções nas duas sequências.
Na sequência “Cabeça, ombro, joelho e pé”, o primeiro recurso apresentado é uma caixa para realizar a chamadinha, feita de pote de sorvete com imagens da escola coladas, um recurso fácil de se elaborar. Na seção “Meleca na mão é pura diversão”, a proposta é a produção de massinha caseira. Os alunos podem ajudar nessa produção, mas também pode não ser viável para a realidade de algumas escolas, pois pode ser que o professor precise arcar com os custos.
Na sequência “Click, click, zoom!”, os recursos apresentados pela autora são produzidos com materiais reaproveitados (rolinhos de papel higiênico e garrafas pets). Nessa sequência, os materiais são de fácil acesso e fáceis de serem produzidos no ambiente escolar.
Abordagem das brincadeiras e da literatura
Na sequência “Cabeça, ombro, joelho e pé”, as brincadeiras aparecem, na maioria das seções, com uma diversidade de brincadeiras, colocando o aluno como protagonista. Em uma das brincadeiras sugeridas está o desenho livre de bonecos. A proposta é uma atividade para acontecer em uma área externa, na qual os alunos possam desenhar no chão. Essa atividade coloca os alunos como agentes produtores do seu conhecimento, pois em nenhum momento foi apresentado um modelo de boneco.
Outra brincadeira bem criativa é a do quebra-cabeças feito de pedras, no qual os alunos pintam as partes do corpo com tinta guache para, depois, brincarem com o brinquedo que confeccionaram. Há sugestões de brincadeiras de roda com cantigas populares e, no que diz respeito às brincadeiras, essa sequência tem uma proposta bem marcada nesses momentos lúdicos.
No que diz respeito à literatura, ela aparece na seção “Pirlimpimpim, conte para mim” numa releitura da história do Chapeuzinho vermelho. A atividade tem o intuito de trabalhar as partes do corpo, considerando-se o objetivo do livro que é enriquecer o trabalho dos profissionais da educação. A autora poderia ter fornecido outros livros de literatura infantil ou sugerido locais onde os professores pudessem pesquisar outras obras.
A literatura é pouco explorada nessa sequência. A atividade que se desenvolve, depois da contação, incentiva a imaginação dos alunos e a criatividade a fim de que dramatizem e construam outros enredos, tendo como ponto de partida a temática das partes do corpo.
Na sequência “Click, click, zoom!” temos a sugestão de uma brincadeira com a confecção de brinquedos para favorecer o brincar voltado ao mundo fotográfico. Há duas propostas de confeccionar máquinas fotográficas com materiais reaproveitáveis. Outra brincadeira muito criativa é a do mestre mandou, na qual um dos alunos apresenta um comando para a turma, de qual posição ele deseja que os amigos fiquem, para depois ele fotografar essas poses.
No que diz respeito à literatura, essa sequência não apresenta nenhuma proposta que envolva o momento literário, até na seção destinada para esse momento de contação de história a atividade direcionada é a observação de fotos, para depois o profissional ouvir o que os alunos acham sobre as fotografias.
Considerações finais
Ao analisar a coleção Cadê? Achou! percebemos que a literatura foi pouco abordada nas sequências didáticas apresentadas, mesmo sendo um instrumento importante para o desenvolvimento do aluno da Educação Infantil e uma temática abordada na BNCC. De acordo com o documento é necessário que a criança tenha contato com diferentes gêneros textuais desde a primeira infância, o que não foi observado nas sequências.
As abordagens a respeito da temática da literatura poderiam ser mais ricas, indicando diversidade nos gêneros trabalhados, deixando disponível ao professor um acervo de leituras destinadas às crianças e às pesquisas docentes para melhores escolhas aos grupos de trabalho.
A autonomia do docente é praticamente nula no decorrer da coleção, pois as propostas apresentadas são bem fechadas, não deixando lugar para os professores elaborarem materiais com características pessoais.
Outro ponto importante a ser observado na coleção é a falta de atenção aos textos informativos a respeito das atividades para os professores. Nesses textos apresentados deveria constar locais de busca para o acesso docente, pois nem sempre os desafios encontrados são os mesmos em todas as turmas.
A diversidade dos recursos é interessante, pois há a utilização de materiais reaproveitados, tornando a confecção dos objetos pedagógicos acessível aos públicos, sem contar com o cuidado com o meio ambiente, quando se realiza o reaproveitamento de materiais a serem descartados.
Já o mundo lúdico é abordado nas duas sequências apresentadas, porém poderia trazer propostas mais interessantes e diversificadas no trabalho das temáticas. Por exemplo, apresentar mais de uma sugestão de brincadeira ou propor momentos livres infantis a fim de observar como as crianças absorvem a temática apresentada sem a interferência do professor no momento do brincar espontâneo.
Referências
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
BACELAR, Vera Lúcia da Encarnação. Ludicidade e educação infantil. Salvador: Ed. UFBA, 2009.
BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília, 2010.
BUARQUE, Chico. Chapeuzinho amarelo. Rio de Janeiro: Autêntica, 1970.
CAREGNATO, R. C. A.; MUTTI, R. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Revista Texto & Contexto, Florianópolis, 2006.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O jogo e a Educação Infantil. In: KISHIMOTO, Tizuko M. (org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.
LUCKESI, Cipriano. Estados de consciência e atividades lúdicas. In: PORTO, Bernadete. Educação e ludicidade. Ensaios 3, Salvador, 2006.
MINAYO, M. C. O desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M. C. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2009.
OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação Infantil: fundamentos e métodos. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2009.
PERRAULT, Charles. Contos da mamãe ganso. Lausanne: Éditions Rencontre, 1697.
PINTO, Aline. Cadê? Achou!: educar, cuidar e brincar na ação pedagógica de creche de 0 a 3 anos e 11 meses. Livro do professor da Educação Infantil. Curitiba: Positivo, 2018.
REYES, Y. Ler e brincar, tecer e cantar: literatura, escrita e educação. São Paulo: Pulo do Gato, 2012.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Global, 2003.
Publicado em 22 de janeiro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
GONZAGA, Claudia Nunes; PINHO, José Ricardo Dordron de. Literatura e brincadeiras na Educação Infantil: análise de sequências didáticas propostas pela coleção "Cadê? Achou!". Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 3, 22 de janeiro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/3/literatura-e-brincadeiras-na-educacao-infantil-analise-de-sequencias-didaticas-propostas-pela-colecao-cade-achou
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