Repertório comunicativo para bebês surdos: como favorecer a interação e a aprendizagem?
Andréa Athaides Bandeira Santos
Professora da rede municipal de ensino de São Paulo
Artur Maciel de Oliveira Neto
Mestrando profissional em Educação Especial (Unesp), especialista em Tradução e Interpretação (FAHE), em Docência no Ensino Superior de Libras (Funip), em Neuropsicopedagogia e Educação Especial e Inclusiva (Funip), em Atendimento Educacional Especializado (Funip), em Pedagogia, Gestão, Supervisão e Coordenação Escolar (Facol), bacharel em Administração de Empresas (FSH), licenciado em Letras, Português e Inglês e Literaturas (UPE), tradutor intérprete de Libras, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Inclusão Social (Gepis/Unesp), professor da Unicatólica do Rio Grande do Norte
Historicamente, desde o nascimento, crianças surdas de pais ouvintes têm a necessidade de recursos que favoreçam a sua superação de limitações desencadeadas pela ausência linguística, pois essas serão consequências na aprendizagem e no convívio em sociedade. De acordo com Vygotsky (1987), “a linguagem ocupa um papel essencial na organização das funções psicológicas superiores”. Assim é indispensável compreender como ocorrem as interações entre o bebê surdo e as educadoras da primeira infância, observando-se a construção do seu repertório comunicativo.
Há de se destacar que, devido à cultura de práticas oralistas, o surdo enfrenta a barreira da comunicação inicialmente na própria família. A família investe na oralização com treinamento da fala e da leitura labial, um processo lento e cansativo. Essa conduta é reforçada pela visão clínico-terapêutica. Os médicos orientam as famílias a proibirem o uso de sinais, bem como o contato com outros surdos (Pedroso, 2010), dificultando o seu desenvolvimento e a difusão da Libras, língua reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a partir da Lei nº 10.436/2002.
No Brasil, a cada 200 crianças que nascem, três são surdas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), 24,5 milhões de pessoas têm deficiências e, dentre elas, 16,7% são deficientes auditivos, sendo que 1.893.359 são do Estado de São Paulo.
Diante desses dados é fundamental refletir a respeito das políticas direcionadas a esse público, especialmente as ações para a promoção da comunicação e o fortalecimento das relações, como a aquisição de valores, de cultura e de padrões que perpassam o uso da língua a ser adquirida de forma natural e espontânea (Quadros, 1997).
O ingresso de crianças nas unidades educacionais antes de completarem um ano, mobiliza as instituições a repensarem nesses espaços como locais de convivência que acolhem as suas necessidades, impactando em seu desenvolvimento. Assim, o Centro de Educação Infantil precisou reestruturar suas práticas “valorizando as diferenças” (Mantoan, 2015) de modo a fortalecer o seu papel na formação do sujeito como protagonista, possibilitando as condições necessárias para a sua autoconfiança na superação dos estigmas e dos preconceitos.
Sabemos que a escola é um espaço dos sentidos, integrada à sociedade. Dessa forma, problemas externos acabam refletindo no ambiente educacional, mobilizando o sistema a se reorganizar para garantir um melhor desenvolvimento emocional, social, cognitivo e físico para todas as crianças.
Em 2020, devido à crise sanitária imposta pela covid-19, as unidades educacionais precisaram se adequar às novas exigências, atendendo remotamente bebês e crianças pequenas. O acesso às ferramentas tecnológicas - bem como às habilidades para o uso dos equipamentos – foram desafios à comunidade escolar.
A exposição ao uso de telas para crianças pequenas foi temática discutida entre docentes, embasados em dados coletados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e em conhecimentos teóricos e práticos, alicerçados no desenvolvimento humano e estruturados sob estímulos e interações sociais.
Em 2021, as escolas retomaram às atividades presenciais num novo contexto, com o uso de máscaras face shield e orientações de prevenção, com indicação de distanciamento social. Nesse “novo modelo” se tem o início da adaptação da criança surda no Centro de Educação Infantil.
São inúmeros os desafios e obstáculos que vão além da dificuldade de comunicação e interação do surdo. No início da vida escolar, as crianças apresentam resistências diante do desconhecido por meio do choro que perdura até que se sintam seguras no ambiente. Essas manifestações foram mais intensas e prolongadas no período pandêmico, o que é compreensível, tendo em vista as proteções faciais que impediam a percepção visual completa da criança e a sua interpretação das expressões realizadas pelos adultos educadores.
Bebê surdo na escola. E agora?
A expansão das creches no Brasil ocorreu pela necessidade da mão de obra das mulheres e pela preocupação com o abandono infantil. Devido ao avanço da industrialização, as mães trabalhadoras precisavam de instituições para compartilhar os cuidados destinados aos seus filhos. Durante décadas, esse foi um serviço mantido e vinculado à assistência social.
A partir da Constituição Federal de 1988, o Estado assumiu o dever de garantir educação de qualidade a todos os brasileiros. Em seu Artigo 208º, emenda Constitucional 53/06 e emenda Constitucional 59/09, se estabelece que
o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade (Brasil, 1988).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96 traz o primeiro texto legal que reconhece essa etapa como integrante da educação e determina que:
o dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio; II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade (Brasil, 1996).
Contudo, somente a partir da homologação da Lei nº 12.796/13, essa modalidade de ensino destinada às crianças entre quatro e cinco anos passa a ser obrigatória. O Estado, além dessa oferta, tem como dever ampliar o número de vagas para o atendimento aos bebês e às crianças de zero a três anos sob um caráter assistencialista, conforme destacado no Artigo 29:
A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos deidade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (Brasil,1996).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), Resolução n° 5/2009, estabelece caminhos para a organização das propostas pedagógicas com vistas a garantir o acesso e a permanência nessa etapa da Educação Básica.
Com as alterações na Constituição Federal e nas legislações educacionais, enfatiza-se a importância da primeira infância no processo de aprendizagem e no desenvolvimento global da criança, confrontando os ideários das práticas assistencialistas, conforme Parecer CEB/CNE nº 20/09:
O atendimento em creches e pré-escolas como um direito social das crianças se concretiza na Constituição de 1988, com o reconhecimento da Educação Infantil como dever do Estado com a Educação, processo que teve ampla participação dos movimentos comunitários, dos movimentos de mulheres, dos movimentos de redemocratização do país, além, evidentemente, das lutas dos próprios profissionais da educação. A partir desse novo ordenamento legal, creches e pré-escolas passaram a construir nova identidade na busca de superação de posições antagônicas e fragmentadas, sejam elas assistencialistas ou pautadas em uma perspectiva preparatória a etapas posteriores de escolarização.
As políticas inclusivas garantem a todos os estudantes com deficiência o atendimento educacional especializado. Com relação à surdez, o município de São Paulo, por meio do Decreto nº 57.379/16, regulamentado pela Portaria nº 8764/16, assegura o atendimento optativo aos Polos Bilíngue, conforme o Artigo 46:
§ 1º A Educação Bilíngue, de que trata o caput deste artigo, será ofertada às crianças, adolescentes, jovens e adultos, cujos familiares/responsáveis ou o próprio educando ou educanda, optarem por esta proposta.
O CEI atende bebês e crianças pequenas cabendo à família a opção entre o Polo Bilíngue e a unidade regular. Em sua maioria, os responsáveis matriculam seus filhos nas unidades próximas à residência ou nas mediações do trabalho. Essa escolha se deve pelo conforto no deslocamento, uma vez que as duas unidades Polo atendem ao extenso território da cidade de São Paulo. Pela distância, elas podem preconizar um prolongamento da permanência nos transportes, de acordo com o Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (Cefai).
Quando o bebê surdo chega às unidades educacionais, por ser normalmente de família ouvinte, não possui uma linguagem desenvolvida ou um domínio de uma língua, conforme apontado pelo Currículo da Cidade Língua Brasileira de Sinais (2019, p. 103): “primeiro contato da criança surda com a língua de sinais geralmente ocorre no ambiente escolar com um professor bilíngue”.
Nesse âmbito é necessário compreender a importância da instituição educacional no desenvolvimento global do indivíduo, como ressalta Mantoan (2015). Ela define a escola como um espaço de convivência, de troca de saberes e de interação humana, onde os conhecimentos acadêmicos e científicos são oportunizados por meio de práticas alicerçadas em valores humanos éticos e comprometidos com uma educação de qualidade.
Partindo dessa premissa e pensando na inclusão, assim como na promoção dos direitos comunicativos dessa criança, os profissionais precisam ter clareza em relação à importância das vivências e das interações uns com os outros. Por meio delas, o bebê estabelecerá e estruturará as suas habilidades linguísticas para construir uma identidade surda. Como defende Vygotsky (1984), o processo de aprendizagem (assim como todo o desenvolvimento humano) depende das interações com o outro e com o meio no qual o indivíduo está inserido. Para desenvolver a comunicação junto ao bebê surdo é preciso considerar a diversidade. É imprescindível conhecer a origem da família, valorizando a sua forma de expressão, comunicação, gestos, fisionomia e movimentos corporais, pois eles viabilizarão a interpretação de desejos e sentimentos. Para Quadros (1997, p. 59), “a cultura surda tem características peculiares, específicas diante das demais culturas”, cabendo à escola resgatar o repertório utilizado nessa comunicação familiar. A partir desse repertório, haverá a ampliação das suas possibilidades linguísticas, introduzindo a Libras e desvinculando a criança surda da padronização que homogeneíza os indivíduos, não respeitando suas características individuais e necessidades.
Quadros (1997, p. 60) acrescenta que "a cultura surda é multifacetada, própria do surdo, […] o pensamento e a linguagem são de ordem visual e por isso é tão difícil de ser compreendida pela cultura ouvinte". Conhecer a língua de sinais a partir do contato com a criança é uma necessidade humana de interação, fato que não deve se consolidar como barreira à especialização dos profissionais que atendem um bebê surdo. Entretanto, a inclusão requer mudança de paradigmas, pois pensar numa escola inclusiva é adequar práticas pedagógicas para atender às especificidades dos estudantes num sistema organizado que estabeleça uma interlocução funcional e equitativa para o processo. Oliveira Neto (2020) reforça essa ideia ao destacar os problemas desencadeados pela falta de formação continuada em serviço, pois há professores que recebem os estudantes com deficiência em sala de aula e isso pode se refletir no processo de ensino-aprendizagem tornando-o confuso e ineficiente.
Como o bebê surdo se comunica
Constituímo-nos como seres humanos a partir das interações que realizamos com o outro e com meio, e a linguagem é o instrumento potencializador e promotor de acesso às organizações sociais.
Segundo Ferreira (1996, p. 443), “a comunicação é o ato de comunicar-se, emitir, transmitir e receber mensagens, através de métodos convencionais", sendo necessário destacar que a transmissão do pensamento expresso por palavras é a forma de manifestação humana mais utilizada no convívio em sociedade. Todavia existem diferentes maneiras de se expressar e de se fazer entender. Além da oralidade há a comunicação não verbal que ocorre com um olhar, um toque e um gesto, possibilitando a emissão de ideias, desejos e favorecendo à compreensão da intencionalidade comunicativa. A intencionalidade, por sua vez, constitui a prática mais utilizada pelo bebê surdo à medida que envolve a noção visuoespacial.
As primeiras palavras do bebê ouvinte podem ocorrer a partir dos 12 meses, quando passa a apresentar uma intenção na emissão da palavra utilizada. Isso ocorre porque desde os primeiros dias de vida ele já possui contato com a língua oral, uma vez que suas funções auditivas favorecem esse processo. Já os bebês surdos não possuem esse contato anterior e só a partir dos seis meses de vida entrarão em contato com a língua de sinais, quando ocorre o início da coordenação visual junto ao desenvolvimento motor.
A coordenação visuomotora é uma habilidade desenvolvida a partir de estímulos do ambiente, quando a criança adquire determinadas aptidões relacionadas ao estágio neuropsicomotor. A utilização desses sistemas envolve a percepção visual e a coordenação olho-mão que a auxiliarão no processo de aprendizagem da Libras.
Deve estar claro que a ausência auditiva não diferencia esses bebês quanto à capacidade de aprender. Segundo Petito (1987), desde o nascimento, a criança começa a utilizar alguns gestos para estabelecer a comunicação não intencional, abrindo o período pré-linguístico. Assim, os estímulos auditivos direcionados à criança ouvinte são revertidos em estímulos visuoespaciais no bebê surdo, favorecendo o desenvolvimento da língua de sinais, “uma língua espacial e visual, onde a pessoa surda utiliza a visão para captar a mensagem que os movimentos, principalmente das mãos, irão transmitir”, segundo Quadros (1997, p. 35).
Ao considerar a ausência do processamento da fonética (som), o balbucio do bebê surdo é caracterizado como manual. Dessa forma, o aprendizado da língua de sinais dependerá das influências recebidas pela criança na modalidade visuoespacial (Petito,1987), evidenciando as semelhanças entre os gestos e as palavras e defendendo que, a partir dos 13 meses, a criança surda inicia a intenção de nomear o objeto, utilizando gestos manuais que ocorrem num espaço finito, em frente ao seu corpo. A autora destaca ainda a importância do olhar que acompanha esses gestos para compreender a intencionalidade comunicativa do bebê surdo.
A partir dos dois anos, a criança consegue estabelecer a combinação entre dois sinais para repertoriar uma intencionalidade comunicativa. Petito (1987) afirma que nesse período ocorre uma reorganização básica, quando a criança muda o conceito de apontar e passa a realizar a diferenciação entre pessoas e objetos.
Diante do exposto em relação à linguagem, acreditamos ser possível minimizar as desigualdades quando apoiamos essa criança surda na forma de simbolizar o mundo e dar-lhe significados, reconhecendo e garantindo o seu direito comunicativo. Assim, a escola assume sua função social, distanciando-se dos modelos estigmatizados que colocam a deficiência como condição à aprendizagem, regularizando as potencialidades do desenvolvimento desse indivíduo, conforme afirma Gesser:
O funcionamento da esfera cognitiva, linguística e afetiva no indivíduo surdo se desenvolve a partir do acesso a uma língua que não dependa do recurso da audição, o que significa que os estigmas, problemas apontados na pessoa surda “são produzidos por condições sociais” (Gesser, 2009).
Como a legislação municipal promove o AEE à criança surda no CEI
O atendimento educacional especializado (AEE) foi organizado no município de São Paulo considerando-se o Decreto Federal nº 6.849/09, bem como a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.
O Decreto nº 57.379/16 institui a Política Paulistana de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, definindo a quem se destina esse atendimento:
Art. 1º […] assegurar o acesso, a permanência, a participação plena e a aprendizagem de crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento – TGD e altas habilidades nas unidades educacionais e espaços educativos da Secretaria Municipal de Educação.
Assim como estabelece o objetivo do AEE:
Art. 1º, IV – [...] da promoção da autonomia e do máximo desenvolvimento da personalidade, das potencialidades e da criatividade das pessoas com deficiência, bem como de suas habilidades físicas e intelectuais, considerados os diferentes tempos, ritmos e formas de aprendizagem.
Os desafios para o atendimento às crianças com necessidades educacionais especiais nos CEIs se apresentam na insuficiência de serviços e de recursos voltados a esse público, pois não contemplam as especificidades dos bebês e de crianças pequenas. Essas barreiras são apontadas, por vários pesquisadores da área, como dificultadores para a efetivação de uma educação inclusiva de qualidade:
Formação insuficiente dos professores, necessidade de articulação entre professores do ensino regular e do ensino especializado, dúvidas e melindres quanto às melhores formas e estratégias para trabalhar com o aluno com deficiência em sala de aula; baixos salários, falta de apoio pedagógico, infraestrutura, inadequada e condições de trabalho precárias (Zulian; Vedovatto; Silva, 2017, p. 3).
O AEE na rede municipal de ensino de São Paulo ocorre de forma distinta entre as modalidades educativas. O CEI conta com o Professor de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (PAAI), um profissional designado com especialização na área de uma deficiência e vinculado ao Cefai, cuja competência é estabelecida pela Portaria nº 8.764/16, Art. 1º:
VIII - realizar o AEE itinerante, por meio da atuação colaborativa, nos diferentes tempos e espaços educativos, dentro do turno de aula do educando e educanda, colaborando com o professor regente da classe comum e demais educadores no desenvolvimento de estratégias e recursos pedagógicos e de acessibilidade.
Considerando que todo coletivo é diverso, as ações devem ocorrer de forma dialógica, integrada e não isolada e, ainda, de forma solitária, um sentimento que afeta muitos profissionais da educação, conforme afirma Martins (2019).
De acordo com a Portaria SME nº 8.764, o PAAI deve colaborar com o professor regente no desenvolvimento de estratégias e recursos pedagógicos (de acessibilidade), cabendo ao Cefai organizar esse acompanhamento. Atualmente, o quantitativo de profissionais é insuficiente para atender periodicamente crianças, jovens e adultos matriculados no AEE.
A ausência de um profissional especializado que atue com regularidade na unidade de Educação Infantil, articulando as demandas que se apresentam na dinâmica dos contextos, causa descontinuidade nas ações, trazendo grandes desafios aos educadores da primeira infância. Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p. 25), “quanto menor for a criança, mais serão necessárias as atitudes e os procedimentos de cuidado do adulto no processo educativo”.
Mesmo a creche tendo se desvinculado da assistência social, a cultura do assistencialismo sobrevive nessas instituições. De acordo com Collet (2006, p. 14), isso fica evidente nas práticas adotadas pelas políticas do município que estabelecem critérios para priorizar a matrícula daqueles que estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Isso se contrapõe ao estabelecido pela LDB/96, pois ela determina que a Educação Infantil é um direito de toda criança, independentemente da sua situação social ou econômica.
A preocupação em garantir o acesso às unidades de Educação Infantil mobiliza gestores públicos a gerarem vagas, uma ação que atenta ao cumprimento do acesso, mas não reflete as condições de permanência, considerando que ‘quantidade não é sinônimo de qualidade’, sobretudo no que diz respeito ao aumento do número de matrículas no AEE, conforme os dados coletados do Censo Escolar pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) de 1998 a 2012. De acordo com o Decreto n° 57.379/2016, Art. 7º, os professores devem:
IV - participar das discussões sobre as práticas educacionais desenvolvidas nas U.Es, em parceria com o Coordenador Pedagógico, os familiares e responsáveis e demais educadores envolvidos, na construção de ações que garantam a aprendizagem, o desenvolvimento, a autonomia e a participação plena dos educandos e educandas (Brasil, 2016).
A indissociabilidade entre o cuidar e o educar tem sido uma das inúmeras justificativas utilizadas pelo Sistema Municipal de Educação (SME) para sustentar essa diferença na prestação dos serviços do AEE entre CEI, EMEI e EMEF. Outro fator relevante é a carga horária com indicação para o trabalho no contraturno apenas aos estudantes cuja permanência seja inferior a um período de sete horas, garantindo a sua plena participação nas propostas do Ensino Regular, conforme a Portaria nº 8.764/16, Art. 23:
§ 3º - Fica vedada qualquer forma de organização do AEE ou estratégia/recurso que impeça o acesso às atividades educacionais com seu agrupamento/turma/etapa.
As salas de recursos multifuncionais cujos espaços devem apresentar uma estrutura para atender qualquer deficiência, a fim de minimizarem as barreiras observadas, se encontram disponíveis apenas para o Ensino Fundamental. A forma como as SRM se consolidam no município é justificada pelas práticas que se apresentam nesses ambientes, com uma atuação voltada à ludicidade indo ao encontro de propostas desenvolvidas para a Educação Infantil.
Assim, nos Centros de Educação Infantil a criança surda só terá seu acesso a uma língua conforme estabelecido na Portaria nº 8.764/16, Art. 50º:
III - para as Escolas Comuns: instrutor de Libras, preferencialmente surdo, intérprete e Guia-Intérprete de Libras/Língua Portuguesa.
A ausência da percepção auditiva evidencia o uso de outros suportes, como a confecção de materiais visuais e táteis. Segundo Campos (2013, p. 48) são elementos imprescindíveis para o ensino da Libras. Assim, ter um intérprete na unidade educacional atuando como um modelo linguístico não garante à criança pequena o desenvolvimento da sua linguagem. É preciso que o trabalho aconteça de forma articulada com o planejamento e às atividades, sendo desenvolvidos em parceria. De acordo com a Portaria SME nº 8.764/16, essa atribuição deve ser partilhada entre o instrutor e o professor da sala comum. É preciso ampliar o olhar para a comunicação que se estabelece entre o regente e o instrutor a fim de que o planejamento seja articulado e se efetive em experiências significativas à aprendizagem da criança surda, um acompanhamento que deve ser realizado tanto pela gestão escolar quanto pelo Cefai.
Considerando as especificidades desse público é urgente a necessidade de se repensar a estrutura escolar do município de São Paulo, refletindo a respeito das expectativas educacionais de crianças de zero a três anos, garantindo a elas os princípios de uma Educação Inclusiva de qualidade. Elas precisam aprender a conhecer, conviver, fazer e ser no processo educativo.
Percurso investigativo
Apresentaremos o percurso metodológico com o intuito de possibilitar a adequada compreensão da pesquisa realizada. A partir dele, o estudo mostra como o bebê surdo constrói o seu primeiro repertório comunicativo no Centro de Educação Infantil. Também mostra a sua relevância na interação dessa criança com seus educadores no processo de aprendizagem.
Universo da pesquisa
A pesquisa é fundamentada na problematização de como ocorrem as interações comunicativas entre a criança surda e as educadoras da primeira infância. Os dados apresentados são de experiências vivenciadas com um bebê surdo em um Centro de Educação Infantil de um bairro periférico residencial, no município de São Paulo, pertencente à Diretoria Regional de Educação de Itaquera. Esse equipamento da rede direta foi construído num complexo educacional denominado Centro de Educação Unificado (CEU) junto a outras modalidades de ensino: Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), Escola Municipal de Educação Fundamental (EMEF) e Universidade Aberta do Brasil (UAB). Além da estrutura predial, as unidades educacionais compartilham práticas esportivas (quadras e piscinas), culturais (biblioteca, teatro), tecnológicas (sala de informática) e de lazer (parques). As instituições de ensino possuem gestões independentes, todavia dialogam entre si para que os interesses em comum sejam contemplados no cronograma de uso dos diferentes espaços.
O CEI ocupa o piso térreo e possui 13 salas de aula com 233 bebês e crianças pequenas de 0 a 3 anos atendidas das 7h às 17h. Desse quantitativo, duas com deficiências já diagnosticadas: uma com transtorno do espectro autista (TEA) e outra com surdez bilateral profunda. Devido aos comportamentos atípicos, dez bebês e crianças estão em processo de investigação no Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (Cefai).
A escola é um espaço de múltiplas relações. Para tanto, os recursos humanos são organizados considerando-se a quantidade de crianças matriculadas, bem como o espaço físico disponível. A equipe docente é composta por 54 educadores, oito contratados e 46 concursados. Sete profissionais efetivos estão em processo de readaptação realizando atuações administrativas. O apoio técnico educacional é formado por seis profissionais que seguem as orientações da gestão escolar composta pelo diretor, o vice-diretor e um coordenador pedagógico. Os serviços de cozinha, lavanderia, limpeza e vigilância são terceirizados, atrelando o desempenho da função desses profissionais à otimização das diferentes materialidades. O CEI é estruturado para o atendimento à comunidade escolar.
O centro de Educação Infantil oferta quatro momentos de refeição ao longo do dia. A alimentação é realizada respeitando a característica de cada faixa etária. Alguns são amamentados e outros fazem uso de cadeiras para alimentação, até que tenham coordenação e equilíbrio para se manterem nas mesas do refeitório. Grande parte das crianças matriculadas ingressa na unidade utilizando fralda. A higienização é realizada no trocador acoplado ao banheiro infantil. A partir das manifestações das crianças quanto ao controle dos esfíncteres, inicia-se o processo do desfralde. A rotina é organizada em dez horas de permanência na unidade, com um momento de descanso no período intermediário do dia, quando são disponibilizados colchonetes, lençóis, travesseiros e cobertores.
Participantes
Foram escolhidos seis participantes e o critério de escolha se deu a partir da atuação educativa junto ao bebê ou à criança surda durante o seu acesso e a sua permanência no CEI. Elegemos um educador por módulo. Um deveria atuar das 7h às 13h e outro das 12h às 18h. Cumprimos o compromisso assumido com os participantes da pesquisa em manter o sigilo de seus dados pessoais e de suas identificações. Os participantes foram descritos por meio de símbolos compostos pelas iniciais da turma e do período. Assim, os educadores do Berçário ll foram identificados como BM e BT, os professores do Mini Grupo l, nomeados como M1M e M1T e os docentes do Mini Grupo II, identificados como M2M e M2T.
Educador |
Formação Módulo - Tempo de atuação |
BM |
Pedagogia 15 anos Berçário ll (manhã) |
BT |
Licenciatura em Pedagogia e Educação Física 13 anos Berçário ll (tarde) |
M1M |
Licenciatura em Pedagogia 25 anos Mini Grupo l (manhã) |
M1T |
Licenciatura Plena em Pedagogia e Matemática 21 anos Minigrupo l (tarde) |
M2M |
Pedagogia 23 anos Minigrupo ll (manhã) |
M2T |
Pedagogia 6 anos Minigrupo ll (tarde) |
Instrumentos
O instrumento utilizado na pesquisa foi um questionário fechado composto de cinco perguntas que objetivaram compreender como se deu a interação comunicativa entre o professor e o bebê surdo, de modo a favorecer o desenvolvimento da língua natural dessa criança.
A técnica utilizada para o questionário apresenta algumas vantagens na coleta de dados, conforme afirma Gil (1999, p.128):
como a técnica de investigação composta por um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas etc.
Para nortear a construção deste instrumento de pesquisa, ressaltamos algumas ações que auxiliaram no processo, como a leitura do projeto político-pedagógico (PPP), o acesso ao plano de atendimento educacional especializado, bem como a apreciação dos relatórios de desenvolvimento do estudante durante a sua permanência na unidade. Esses documentos foram fundamentais no percurso da pesquisa e possibilitaram conhecer a organização das propostas atreladas ao desenvolvimento dessa criança.
Procedimentos para a coleta e seleção de dados
O contato estabelecido com as educadoras participantes da pesquisa se deu presencialmente e por telefone. Na oportunidade foi apresentada a proposta do trabalho acadêmico em curso. Os profissionais atuantes foram convidados a colaborar com seus conhecimentos e experiências, sem a exposição de seus nomes.
O questionário transcrito em word foi compartilhado por meio da ferramenta WhatsApp. O procedimento seguiu uma estruturação com perguntas pré-determinadas que nortearam a investigação de modo a compreender como o bebê surdo constrói o seu repertório comunicativo, apontando os desafios e a trajetória pedagógica vivenciados na interação.
Procedimentos para a análise de dados
Para a análise dos dados coletados foi utilizada a análise de conteúdo de Bardin (2008). Por meio de técnicas de análise e procedimentos sistemáticos, ela visa à organização dos dados, assim como à leitura flutuante, à elaboração de unidades de sentido, à sistematização de categorias e, na quinta etapa, à interpretação dos dados.
Após a coleta das informações, transcrevemos as entrevistas das professoras. No processo de transcrição procuramos respeitar todos os detalhes da fala, como pausas, repetições e erros gramaticais. Após as transcrições, realizamos várias leituras flutuantes das entrevistas, como proposto por Bardin (2008). O segundo momento da análise corresponde à seleção dos tópicos da entrevista para que estivessem diretamente relacionados ao nosso objeto de pesquisa: o acolhimento da criança na turma, o conhecimento prévio dos professores da surdez e as ações que favoreceram ou dificultaram o processo de interação e comunicação daquele indivíduo.
Resultados e discussões
Os dados coletados de seis educadores que acompanharam o percurso educativo do bebê surdo revelaram três importantes indicadores na avaliação da construção do repertório comunicativo do bebê surdo no CEI: o acolhimento da criança na turma, o conhecimento prévio dos professores a respeito da surdez e as ações que favoreceram ou dificultaram esse processo. É relevante considerarmos que as respostas dos professores contemplam situações vivenciadas num contexto atípico, como a oscilação entre o modelo presencial/ remoto e as desencadeadas pela pandemia.
Ao serem indagados acerca do acolhimento do bebê surdo temos os seguintes apontamentos:
Foi muito complicado acolher um bebê surdo na turma principalmente pela falta de formação, materiais e suporte (visual e concreto), devido ao grande número de faltas não houveram momentos significativos de exploração criança, espaço e brinquedos. O choro era constante, pois o mesmo não aceitava as refeições ofertadas no CEI (Educador BM, 2023).
Muito desafiador, pois foi algo novo e não tínhamos conhecimento pedagógico para atender esta especificidade, tinha dificuldade com a alimentação, no dia a dia conseguimos atender as necessidades básicas, como sono, água e sabíamos alguns brinquedos que gostava, geralmente era carrinho (Educador BT, 2023).
Foi um desafio pois tive que construir estratégias de comunicação com a criança pois a família ainda não tinha estabelecido com ele uma forma alternativa de comunicação. Elaboramos uma comunicação alternativa com fotos da rotina do CEI com o bebê surdo as realizando (Educador M1M, 2023).
Sentimento de insegurança diante da ausência de conhecimentos práticos com esse público alvo, urgente necessidade de pesquisar e potencializar os conhecimentos teóricos, repensar as ações e através de uma escuta ativa, planejar propostas que pudessem ressignificar o cotidiano de todas as crianças, tentativas de resgatar a dinâmica comunicativa familiar, comunicação alternativa, era apresentada junto ao sinal correspondente. Nossa prática era constantemente revisitada, refletida e replanejada (Educador M1T, 2023).
Pensava como transpor a barreira para estabelecer a comunicação e as interações entre nós e as outras crianças, apoio visual de fotos retiradas como parques, brincadeiras, refeições para sinalizar e comunicar nossas ações (Educador M2M, 2023).
Pra mim foi difícil, pois não sei Libras, me comunicava por gestos, a criança também não sabia Libras e era autista. A interação se deu por contato físico ou por gestos. Eu apontava tal objeto que era desejado pela criança (Educador M2T, 2023).
Nas narrativas em destaque é possível observar que o acolhimento foi marcado por dificuldades similares, atreladas ao desconhecimento da surdez. A maioria dos entrevistados enfatizou a barreira da comunicação como um desafio à prática pedagógica, conduzindo o profissional a desenvolver materiais e procedimentos para favorecer as interações com esse bebê, sem haver uma sistemática coletiva, mas uma ação pautada no improviso. É importante salientar que “as línguas de sinais são instrumentos essenciais para transmitir cultura e conhecimento” (Lopes, 2011, p. 28), sendo importante que o “ambiente permita o desenvolvimento das bases precursoras para a aquisição das línguas de sinais” (São Paulo, 2019).
Com relação ao conhecimento prévio de surdez, os participantes dessa pesquisa destacaram:
Não tenho formação educacional em surdez (Educador BM, 2023).
Tinha poucas informações, já havia feito uma pós de libras, mas para mim ficou tudo raso e não consegui colocar em prática no dia a dia (Educador BT, 2023).
Meus conhecimentos eram superficiais, pois tinha apenas conhecimentos teóricos. A prática fui adquirindo no dia a dia com a parceria das Professoras da turma. Buscando informações na internet (Educador M1M, 2023).
Embasados em teorias, fundamentadas em cursos realizados ao longo da vida acadêmica. O acolhimento à criança surda emergiu na necessidade de buscar novas oportunidades de formação (Educador M1T, 2023).
Fui pesquisando sobre o quadro diagnóstico de forma individual e nas conversas entre as professoras que faziam parte da turma (Educador M2M, 2023).
Não possuía e não tenho conhecimento sobre surdez. Embora fui procurar algum conhecimento para realizar meu trabalho, ou seja, por minha conta, acredito que não apresentei grande ampliação no meu conhecimento (Educador M2T, 2023).
Quanto à formação específica na área da surdez, os educadores alegam que a teoria não é suficiente para subsidiar uma prática funcional e efetiva junto ao estudante surdo. Apenas um dos participantes cursou Libras, todavia ele não se sente apto para estabelecer essa comunicação.
A importância de compartilhamentos entre docentes foi uma questão citada por dois professores. Essa é uma ação que permite refletir a respeito das experiências a fim de traçar novos caminhos e favorecer a ampliação do olhar para as possibilidades de aprendizagem: “desses vínculos, com nossos pares, com os objetos e com os demais seres é que nasce o entendimento e a compreensão" (Mantoan, 2015).
Diante da prerrogativa de identificar as ações que favoreceram ou dificultaram o processo de interação e comunicação desses sujeitos, a pesquisa apontou:
A CP entrou em contato com o Cefai e logo a ca nos orientou a fazer desenhos visuais sobre a rotina dele em casa com a família. Um grande desafio, pois, precisa preparar o espaço para acolher a criança, propiciando momentos de aprendizagem (Educador BM, 2023).
Positivo foi o intérprete de libras para acompanhá-lo na sala, mas logo veio a pandemia e esse trabalho ficou remoto. A barreira da comunicação, a falta de conhecimento referente ao fazer pedagógico para essa criança, a falta de suporte da gestão (Educador BT, 2023).
O intérprete de libras, mas solicitamos alguns materiais e brinquedos q auxiliassem o bebê em sala, mas não chegaram. Do Cefai no ano letivo q o bebê estava em sala não recebi nenhuma visita em meu período. Dispor de recursos q auxiliasse a comunicação com o bebê, relatórios da equipe q ele era atendido e um profissional para apoiar o uso das áreas externas foi o que dificultou (M1M, 2023).
A maior dificuldade foi que desenvolvessem o plano de ação para o atendimento educacional especializado sem que houvesse diálogos com a equipe da gestão ou ainda com o Centro de Formação e Apoio à Inclusão, apoio da equipe escolar e compartilhamentos, recursos para dar suporte às explorações táteis e visuais deste estudante, mesmo solicitando a compra de alguns materiais (Educador M1T, 2023).
Instrutor de libras, não recebi nenhuma visita ou orientação específica e especializada de forma pontual com a equipe de Cefai (Educador M2M, 2023).
Instrutor de libras para acompanhar a criança. Não havia uma interação entre o instrutor e eu, o instrutor mantinha contato com a coordenadora pedagógica do CEI é não comigo, e a CP não me informava nada. O Cefai foi algumas vezes no CEI e não conversou nada comigo, só com a CP que nunca me informou nada, .me senti frustrado muitas vezes por não conseguir passar a orientação de forma correta para a criança (Educador M2T, 2023).
Quatro educadores apontam o acesso à língua de sinais, com a presença do intérprete de Libras, como uma ação positiva. De acordo com Oliveira Neto (2020), isso ainda não é uma ação suficiente para a inclusão comunicativa, uma vez que toda a comunidade escolar deve ser usuária da Libras. Apenas um professor enfatizou a participação do Cefai nas articulações das propostas, enquanto os demais relataram a ausência de suporte no órgão e em membros da gestão. Segundo Soares (2005, p. 39) isso impacta na construção de práticas pedagógicas que atendem alunos surdos e ouvintes, pois deve-se "organizar a vida da criança de tal maneira que a linguagem lhe resulte necessária e interessante” (Vygotsky, 1997, p. 90). A ausência de suporte, recursos e apoio foi aspecto citado em todos os relatos e representa um desafio para favorecer e fortalecer a interação com o bebê surdo.
Diante dos registros dos documentos da UE e em face aos relatos dos questionários, identificamos que o ambiente não foi organizado de modo a contemplar as necessidades e as especificidades comunicativas da criança surda, como previsto pela Portaria nº 8.764/16, Art. 23º:
III - Itinerante: dentro do turno, de forma articulada e colaborativa com professores da turma, a Equipe Gestora, o PAAI e demais profissionais, assegurando atendimento às especificidades de cada educando e educanda, expressas no Plano de AEE.
Considerações finais
Os dados apresentados e analisados nesta pesquisa demonstram que os educadores compreendem a importância do processo inclusivo aos bebês e às crianças surdas. No entanto, o desconhecimento da surdez nos alerta ao fato de que o sistema escolar continua perpetuando padrões de um ideal de aluno vinculado a um fenômeno cultural que destaca a supremacia do ouvinte.
Pensar no processo educativo precisa nos impulsionar a refletir a respeito dos cursos de formação docente, dos recursos e dos equipamentos disponibilizados ao atendimento de bebês e crianças pequenas de forma padronizada. Assim, aquelas cujas características individuais não se ajustam ao esperado, são sujeitos a práticas improvisadas, com materiais confeccionados sem a mesma qualidade, diversidade e quantidade, impactando no seu processo de aprendizagem.
Por fim, precisamos entender que a Libras, apesar de ser reconhecida como a língua da comunidade surda pela Lei n° 10.436/2002, ainda não está difundida nas escolas e na comunidade. A falta de familiaridade com a língua leva ao desconhecimento das suas possibilidades comunicativas, trazendo consequências aos sujeitos surdos. É importante que a Libras seja obrigatória como disciplina curricular nas diferentes modalidades de ensino, pois na sua ausência “haverá consequências para o crescimento intelectual, o intercurso social, o desenvolvimento da linguagem e as atitudes emocionais e simultâneas” (Sacks, 2010, p. 60).
Diante do exposto é urgente rever a grade curricular. Ela precisa contemplar uma adequada formação docente de modo a viabilizar a habilitação dos profissionais nas diferentes áreas da deficiência, bem como repensar a estruturação e a organização do sistema educativo no acolhimento dos diferentes públicos, priorizando a integralidade dos sujeitos. Assim, a inclusão deixará de ser uma perspectiva para se tornar algo socialmente concreto à diversidade humana.
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Publicado em 22 de janeiro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
SANTOS, Andréa Athaides Bandeira; OLIVEIRA NETO, Artur Maciel de. Repertório comunicativo para bebês surdos: como favorecer a interação e a aprendizagem? Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 3, 22 de janeiro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/3/repertorio-comunicativo-para-bebes-surdos-como-favorecer-a-interacao-e-a-aprendizagem
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