O respeito às diferenças como princípio estruturante da prática pedagógica
Julia Niero Moda
Licencianda em Pedagogia (UFSCar - Câmpus Sorocaba), educadora infantil da rede municipal de Jundiaí/SP
Karen Simões Correa
Licencianda em Pedagogia (UFSCar - Câmpus Sorocaba), auxiliar de educação da rede municipal de Sorocaba/SP
Maísa Aparecida Ruiz Martins
Doutoranda (UFSCar - Câmpus Sorocaba), professora da rede municipal de Sorocaba/SP
O presente texto visa apresentar o relato de experiência (RE) de duas residentes, sob a supervisão de uma professora preceptora, acerca de suas vivências ao longo do Programa de Residência Pedagógica, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PRP/Capes), em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) - câmpus Sorocaba/SP. As residentes são graduandas do curso de licenciatura em Pedagogia, e a professora preceptora é doutoranda em Educação na mesma universidade.
O PRP tem por finalidade apoiar instituições de Ensino Superior (IES) na implementação de projetos inovadores que estimulem a articulação entre teoria e prática nos cursos de licenciatura, conduzidos em parceria com as redes públicas de educação básica.
O núcleo do PRP é composto por uma professora orientadora, vinculada à universidade parceira, por uma professora preceptora da escola de Educação Básica e por cinco residentes. Todas participaram do PRP no período de outubro de 2022 a fevereiro de 2024, em parceria com uma escola localizada no município de Sorocaba, que atende às séries iniciais do Ensino Fundamental e abrange, segundo dados coletados no final de 2023, um total de 526 alunos e 28 professores.
Pretende-se, por meio da apresentação do relato de experiência das práticas das residentes do PRP, colaborar com a formação de professores e professoras, incluindo a das próprias autoras, além de incentivar outros graduandos a integrarem programas de iniciação à docência. Para o enriquecimento dos relatos das vivências adquiridas por meio do PRP, foi realizado um levantamento bibliográfico com base nos descritores: bullying, diferença, escola e respeito.
Este relato está estruturado da seguinte forma: introdução e fundamentação teórica – O respeito às diferenças como princípio estruturante da prática pedagógica; materiais e métodos utilizados no desenvolvimento das atividades propostas aos estudantes; resultados e discussões; e as considerações finais.
O respeito às diferenças como princípio estruturante da prática pedagógica
O projeto relatado neste artigo foi criado a partir do interesse demonstrado por todo o núcleo do PRP em trabalhar a temática da diversidade e a importância de conhecer, compreender e respeitar as diferenças no ambiente escolar. Considerando que a escola é um espaço que abriga muitas pessoas distintas entre si, torna-se essencial que as crianças — assim como os adultos — saibam reconhecer e respeitar essas diferenças, construindo, assim, um ambiente harmônico e agradável para todos que ali vivem e convivem.
Em sua obra A diferença dos outros: discursos sobre diferenças no curso Gênero e Diversidade na Escola da UFSCar (2014), Anna Paula Vencato afirma que as diferenças coexistem e se articulam na vida de cada indivíduo, estando presentes nas vivências escolares de alunos, professores e funcionários em inúmeras situações de violência, silenciamentos e exclusões que atravessam seus cotidianos. Essas exclusões, segundo a autora, manifestam-se frequentemente em piadas, risadas e violências — tanto físicas quanto simbólicas — e, gradualmente, empurram para fora do espaço escolar todas as pessoas que não se encaixam em determinado padrão normativo. O conceito de diferença, para Avtar Brah, refere-se
à variedade de maneiras como discursos específicos da diferença são constituídos, contestados, reproduzidos e ressignificados. Algumas construções da diferença, como o racismo, postulam fronteiras fixas e imutáveis entre grupos tidos como inerentemente diferentes. Outras construções podem apresentar a diferença como relacional, contingente e variável. Em outras palavras, a diferença não é sempre um marcador de hierarquia e opressão. Portanto, é uma questão contextualmente contingente saber se a diferença resulta em desigualdade, exploração e opressão ou em igualitarismo, diversidade e formas democráticas de agência política (Brah, 2006, p. 374).
Sendo assim, apesar de causarem muitos conflitos no ambiente escolar, as diferenças devem ser compreendidas como sinônimo de riqueza, devendo ser valorizadas nas práticas pedagógicas e, assim, incluídas nos conteúdos, currículos, debates e nas relações entre os diferentes sujeitos que circulam nesse espaço. Cabe a nós, educadores, portanto, contribuir para o desenvolvimento da clareza de que o problema a ser enfrentado não são as diferenças, mas sim as desigualdades.
Desse modo, e de acordo com Vencato (2014, p. 218 e 227), a inclusão das diferenças deve ser considerada um pressuposto para uma boa prática pedagógica, e não o resultado dela. Para isso, a autora defende ser necessário que nós, enquanto agentes do ensino, vetores dos saberes e da autoridade pedagógica, nos responsabilizemos, fomentando o debate de que o combate aos preconceitos e às discriminações passa, inicialmente, pelo reconhecimento de nossos próprios preconceitos e limites para lidar, de forma democrática e inclusiva, com a diferença, completando:
Quando nos referimos a diferenças é importante então, [...] falar de marcadores sociais da diferença, que compreendem uma gama de categorias, como gênero, sexualidade, raça/etnia, geração e classe social. Esses conceitos, em suas combinações variadas, estabelecem lugares diferenciados para indivíduos diversos. Assim, inserem as diferenças num jogo complexo de hierarquias que em alguns momentos podem contribuir para a construção de enormes desigualdades (Vencato, 2014, p. 224).
Nesse contexto, torna-se essencial reconhecer e falar sobre a diferença, deixando de enxergá-la como responsável por causar problemas no interior da escola e passando a considerá-la um princípio estruturante da prática pedagógica, garantindo, desse modo, uma escola de qualidade para todas as pessoas, na qual todos se sintam representados.
A partir desse entendimento, foi desenvolvido o projeto Combatendo o Bullying, em parceria com o PRP, com o intuito de estimular essa mesma consciência nos estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental, público-alvo mais suscetível a problemas de ordem interpessoal em razão das mudanças próprias dessa faixa etária.
Proveniente do inglês, o termo bullying equivale, em Língua Portuguesa, a "assédio moral" e inclui, entre outras situações, o uso de apelidos pejorativos para humilhar colegas. Infelizmente, casos de bullying são fatos corriqueiros nas instituições escolares brasileiras, estando vinculados, em sua grande maioria, a episódios de violência no ambiente escolar. De acordo com Pedrozo (2017), essa situação expõe a fragilidade educacional relacionada a questões éticas e morais, trazendo à tona temas referentes à formação dos futuros cidadãos.
Apesar da reconhecida existência e frequência desses fatos nas instituições escolares, muitas vezes há pouco investimento no combate ao bullying. Segundo Camargo (2010), há uma tendência de as escolas não admitirem a ocorrência do problema entre seus alunos, seja por desconhecimento, seja pela recusa em enfrentá-lo. Pedrozo (2017), por sua vez, explica que uma das causas dessa problemática é o despreparo dos docentes e demais profissionais que atuam na escola.
Pesquisas realizadas pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia, 2004) revelam que o bullying constitui um problema complexo e de causas múltiplas, cabendo a cada escola desenvolver sua própria estratégia para reduzi-lo. Diante disso, a Abrapia defende a cooperação de todos os envolvidos, professores, funcionários, alunos e pais, como a única maneira de combater o bullying e, assim, contribuir positivamente para a formação de costumes de não violência na sociedade.
Pensando no papel das escolas brasileiras, em um país marcado pela grande diversidade cultural, Gadotti (2000, p. 67) afirma:
Para cumprir sua tarefa humanista, a escola precisa mostrar para os alunos que existem outras culturas além da sua. Por isso, a escola tem que ser local, como ponto de partida, mas tem que ser internacional e intercultural, como ponto de chegada. [...] Escola autônoma significa escola curiosa, ousada, buscando dialogar com todas as culturas e concepções do mundo. Pluralismo não significa ecletismo, um conjunto amorfo de retalhos culturais. Significa sobretudo diálogo com todas as culturas, a partir de uma cultura que se abre às demais.
Desse modo, podemos considerar a escola como um espaço fundamental para a construção de um ser integral e autônomo, comprometido em mostrar aos estudantes que todos possuem direitos e deveres. Como defende Pedrozo (2017), um dos aspectos essenciais para uma educação de qualidade e para uma sociedade cada vez mais justa e igualitária é a perspectiva de que todos, apesar de suas diferenças — sejam elas éticas, fisiológicas, culturais ou sociais — são iguais, inclusive perante a Constituição Federal de 1988.
Materiais e métodos
Como já elucidado, o PRP iniciou-se em outubro de 2022 e encerrou-se em fevereiro de 2024. As visitas à escola ocorriam semanalmente, em dois dias diferentes, totalizando quatro horas semanais. Localizada na região leste da cidade de Sorocaba, a escola, apesar de antiga, apresenta uma estrutura, em geral, bem conservada. Suas salas são amplas e possuem carteiras adequadas ao número de alunos, bem como lousas grandes, incluindo a digital, em ótimo estado, o que contribui para tornar as aulas mais dinâmicas. O horário de funcionamento da escola é das 7h às 17h30min. Ao todo, havia onze turmas no período da manhã e onze no período da tarde, com 526 alunos matriculados, atendidos por 22 docentes em sala de aula, dois docentes de Educação Física, dois voltados ao atendimento educacional especializado e dois destinados ao reforço escolar. Quanto aos estagiários remunerados e vinculados a um projeto próprio da Secretaria da Educação, foram contabilizados catorze.
Nesse período, a escola também contava com três núcleos do PRP, sendo dois vinculados à UFSCar e um à Universidade de Sorocaba, com 15 residentes atuando na instituição. A secretaria era composta por uma secretária, uma auxiliar administrativa e quatro docentes afastados da sala de aula. Já a gestão era formada por diretora, vice-diretora e orientadora pedagógica.
Além das visitas à escola, no decorrer do PRP também ocorriam reuniões com a docente orientadora, com a preceptora e com as demais residentes. Uma das práticas desenvolvidas foi a construção de projetos realizados com estudantes do 5º ano da escola municipal, com faixa etária de 10 anos. O primeiro projeto foi elaborado a partir de livros paradidáticos, representando uma experiência significativa e enriquecedora sobre a importância da literatura para a infância. O segundo foi desenvolvido em conjunto com as residentes da UFSCar, que buscaram discutir, conceituar e conscientizar as crianças sobre o bullying, constituindo mais uma vivência significativa para todos os envolvidos. É sobre este projeto que trataremos ao longo deste trabalho, destacando relatos e experiências que nos levaram a compreender a importância de as crianças reconhecerem e respeitarem as diferenças entre si, tema central da proposta.
No âmbito desse projeto, foram criadas seis propostas de atividades sobre a temática do bullying, aplicadas em duas turmas de 5º ano, às quais chamaremos, de agora em diante, de turma A e turma B. Durante a aplicação do cronograma, observamos que os alunos da turma A foram mais receptivos e participaram de maneira satisfatória das atividades lúdicas, enquanto na turma B, embora houvesse receptividade, alguns estudantes demonstraram desinteresse quando iniciávamos as dinâmicas, considerando-se, por vezes, maduros demais para elas, o que acabava por atrapalhar o andamento das atividades com seus colegas.
A partir dessa percepção, foi necessário realizar alguns ajustes ao longo do processo, diferenciando detalhes das propostas conforme a turma, já que cada uma apresentava um perfil distinto.
O planejamento das atividades ocorreu sempre de forma coletiva, entre a professora preceptora e as residentes, considerando uma visão geral dos alunos do 5º ano, a partir de suas possibilidades de compreensão e interação. Contudo, reconhecendo que uma turma de estudantes é heterogênea e que cada qual possui características próprias, sempre há a possibilidade de modificar um planejamento inicial de atividades, seja a partir de uma avaliação diagnóstica ou mesmo ao longo do processo, corrigindo rotas e configurando novas propostas.
Contextualização do projeto
O projeto de conscientização contra o bullying foi idealizado pelas cinco residentes do núcleo, em parceria com a professora preceptora. A proposta consistiu em trabalhar com as crianças de maneira lúdica, promovendo experiências marcantes por meio de abordagens instigantes para tratar da temática recorrente nos ambientes escolares. As seis propostas criadas foram aplicadas na seguinte ordem:
Proposta 1: "Batata quente com bexigas" – Dinâmica para apresentação dos direitos das crianças de forma lúdica.
Proposta 2: "Receita do Monstrinho" – Atividade de desenho para reflexão sobre as diferenças.
Proposta 3: "O que é bullying?" – Conceituação e reflexão sobre o bullying, com uso de vídeo e dinâmica.
Proposta 4: "Conscientização do bullying" – Sensibilizar os alunos quanto ao impacto do bullying e promover a criação de um ambiente escolar respeitoso e mais inclusivo, por meio de atividade artística.
Proposta 5: "Campanha antibullying" – Conscientização sobre o bullying, seus efeitos prejudiciais e formas de prevenção, por meio de uma oficina interativa.
Proposta 6: "O que eu mais gosto em você?" – Dinâmica para fortalecer as relações e valorizar as qualidades únicas de cada participante.
Vivências
Na proposta inicial, foi contemplada a questão dos direitos das crianças, fundamental para a abertura do projeto, visto a necessidade de os alunos estarem cientes de seus direitos como seres humanos. Deste modo, após uma dinâmica realizada em roda, iniciamos uma conversa importante sobre o assunto, em que citamos cada um dos direitos da criança, estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e explicamos, de forma leve e simples, como eles são executados e em quais situações podem ser exigidos.
No decorrer da atividade, notamos o entusiasmo de muitos alunos em conhecer seus direitos e percebemos que a maioria deles não tinha consciência da sua existência. Por isso, reforçamos a sua importância e veracidade, sem deixar de destacar a necessidade do cumprimento de seus deveres como cidadãos.
Finalizamos a proposta com uma reflexão sobre o fato de esses direitos não serem individuais, mas sim referentes a todas as crianças do nosso país. Assim, explicamos que, em situações que desrespeitam e ridicularizam uma criança – como casos de bullying –, os direitos da vítima não estão sendo respeitados. Por fim, ressaltamos a importância de que situações como essa sejam denunciadas a um adulto ou responsável mais próximo, que saberá, com maior conhecimento e preparo, agir adequadamente sobre elas. De acordo com Monteiro et al. (2020, p. 2),
é fundamental conhecer as variáveis que possas representar um fator de proteção contra o envolvimento em bullying ou mesmo aquelas que podem amenizar os efeitos desastrosos que a vitimização pode acarretar. Um dos principais fatores de proteção com relação à vitimização, ou redução de seus efeitos adversos, é o apoio social. Contar com pais, outros adultos e amigos que ajudam, se preocupam e dão suporte, é um aspecto fundamental para amenizar o sofrimento de agressões, reduzindo os impactos negativos que essas possam ocasionar.
Além disso, Stadler et al. (2010) indicam outros possíveis fatores de proteção ao bullying relacionados à educação formal da vítima, como um clima escolar positivo, o suporte dos professores e o apego à escola, o que evidencia a importância do nosso papel, enquanto educadores, no combate a esse ato.
A segunda proposta, intitulada "Receita do Monstrinho", teve como objetivo abordar a ideia de que todos devemos nos respeitar diante das diferenças que carregamos, a partir da imaginação de cada um, expressa nos desenhos realizados após a leitura dessa receita. A atividade consistiu em estimular os alunos a desenharem as características descritas na receita lida pela professora, sem verem as produções uns dos outros. Após finalizados, os desenhos foram expostos na lousa para que todos vissem os resultados e, a partir disso, foram realizadas perguntas que levassem os alunos a refletir sobre as diferenças entre os desenhos, como: "Por que os monstros não ficaram iguais?" e "Apesar de diferentes, todos são monstros?".
Tanto a turma A quanto a B tinham alunos que gostavam muito de falar e expor opiniões, o que tornou o resultado da atividade bastante satisfatório. Eles perceberam que, mesmo com instruções idênticas, os desenhos resultavam diferentes, pois cada autor tinha sua individualidade. Ainda assim, todos continuavam sendo monstros — analogia que permitiu compreender que, assim como eles, mesmo com diferenças, todas as crianças devem ser respeitadas.
Consideramos a terceira proposta a mais marcante do projeto, pois promoveu diálogos importantes e emocionantes em ambas as turmas sobre vivências com situações de bullying. Para iniciá-la, exibimos em sala de aula, por meio da lousa digital, o vídeo Que papo é esse bullying, disponível no YouTube, que retrata, em desenho animado, uma situação de bullying escolar. Ao final, realizamos uma roda de conversa em que explicamos a definição e o significado do termo.
Em seguida, fizemos perguntas para instigar os conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema e nos surpreendemos com a compreensão que a maioria apresentou. Descobrimos que eles já haviam estudado sobre o bullying no Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), destinado a estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental das redes pública e particular.
Após conceituar o termo, perguntamos se alguma das crianças já havia presenciado ou vivido uma situação semelhante à relatada no vídeo. Nesse momento, o cenário mudou. Na turma A, uma aluna relatou espontaneamente uma triste experiência vivida quando mais nova, em que sofreu críticas às suas características físicas, incluindo sua cor e raça.
Embora surpresas, pois não esperávamos esse relato, destacamos que se tratava de racismo, caracterizado como crime. Até então, as crianças pareciam não compreender a gravidade da situação sofrida pela colega, considerando-a apenas um exemplo de bullying. Assim, enfatizamos a questão do racismo para toda a turma, conscientizando-os sobre a importância de denunciar tais práticas aos adultos da escola, caso presenciassem ou fossem vítimas de ato semelhante.
Na turma B, ao fazermos o mesmo questionamento, uma aluna começou a chorar. Enquanto uma de nós dava continuidade à atividade, a outra se aproximou e ofereceu apoio, buscando entender a causa da emoção. Descobrimos, então, que a aluna havia se lembrado do bullying que sofria no passado, quando era chamada pejorativamente de "gorda".
Esse foi um momento impactante, pois não imaginávamos que a proposta poderia servir de gatilho para tais lembranças. Ao mesmo tempo, foi fundamental para compreendermos a relação dos estudantes com o tema e a forma como poderíamos abordá-lo nas atividades seguintes.
Na quarta proposta, buscamos conscientizar os alunos sobre o impacto do bullying. Retomamos o conceito e os tipos de bullying, organizamos a sala em grupos e entregamos diferentes cenários ilustrados com imagens e desenhos que representavam situações de violência, exclusão ou zombaria. Cada grupo deveria analisar o cenário, discutir maneiras positivas e empáticas de lidar com ele e registrar suas ideias em produções artísticas, como poemas, histórias ou cartazes, que posteriormente foram compartilhados com a turma.
A quinta proposta consistiu em uma oficina de cartazes. Para promover uma campanha antibullying, dividimos novamente a sala em grupos e sugerimos que elaborassem cartazes com informações sobre o tema, baseando-se nos conhecimentos adquiridos ao longo do projeto. Recomendamos pesquisas prévias e que trouxessem materiais, como textos, gráficos e imagens. Durante a elaboração, foi interessante observar a forma como as crianças interagiam em grupo e como cada equipe lidava de modo distinto com as decisões e os diálogos (ou sua ausência). Ao final, surgiram cartazes variados, com diferentes cores, títulos e mensagens.
A sexta e última proposta foi uma das mais agradáveis. Com o objetivo de encerrar o projeto de forma leve e fortalecer os vínculos entre os alunos, desenvolvemos a atividade O que Eu mais Gosto em Você. Realizamos um sorteio em que cada estudante recebeu o nome de um colega. Em seguida, pedimos que registrassem, em uma folha, elogios ao colega sorteado, podendo expressá-los em textos, desenhos ou poemas. Depois, os trabalhos foram entregues aos destinatários.
Na turma A — a primeira em que realizamos a atividade —, a professora sugeriu que, em vez de apenas entregar o trabalho, os alunos compartilhassem com toda a turma o que haviam produzido. Isso tornou a dinâmica ainda mais emocionante e animada. Como a experiência foi positiva, reproduzimos a ideia na turma B. Contudo, os alunos preferiram apenas entregar suas produções, sem exposição pública ou demonstrações de afeto.
Essa situação nos levou a refletir sobre a necessidade de trabalhar as emoções com as crianças, como defende Abed (2014), ao afirmar que as instituições de ensino devem resgatar o prazer do diálogo, revestindo os atos mentais de emoção e significado, de modo a garantir a verdadeira apropriação do conhecimento e sua transformação em saber. Abed (2014, p. 71) ainda explica que
promover o desenvolvimento das habilidades socioemocionais significa realizar ações mediadoras intencionais para que o aluno construa vínculos saudáveis com os ensinantes e com os objetos do conhecimento, engajando-se com a situação de aprendizagem, revestindo os conhecimentos de sentidos pessoais, mas sem perder a dimensão dos significados adotados pela cultura, posicionando-se criticamente, com seriedade e compromisso, aprofundando, enriquecendo e ampliando o arcabouço de saberes da sociedade.
Envolver os estudantes afetiva e emocionalmente no processo de ensino e aprendizagem pode contribuir positivamente para a formação subjetiva do indivíduo, bem como para a construção de uma sociedade que respeite as diferenças e valorize o conhecimento que promove o ser humano.
A percepção de que cada ser é único e que cada grupo de alunos se configura de forma diversa, de acordo com as relações que ali se estabelecem ao longo de sua trajetória escolar, levou-nos a considerar que essa vivência foi fundamental para a nossa formação. Através dela, passamos a entender que, embora a criação de um planejamento articulado seja essencial para a dinâmica e rotina do professor, caberá a ele saber ser flexível e ajustar suas propostas quando necessário, a partir de um olhar sensível e atento ao ritmo, envolvimento e conhecimento de seus alunos.
Considerações finais
A participação como bolsista residente no Programa de Residência Pedagógica da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) proporcionou uma experiência positiva e enriquecedora para nossa formação enquanto estudantes de Licenciatura em Pedagogia. Com o apoio da professora preceptora, foi possível vivenciar situações enriquecedoras e acessar inúmeros aprendizados que certamente não seriam proporcionados apenas por atividades e apresentações teóricas.
Desenvolver um projeto voltado ao combate ao bullying, além de propiciar um aprendizado significativo sobre os temas que atravessam o currículo do ensino fundamental, permitiu oportunizar espaços coletivos de reflexão acerca do respeito às diferenças. Além disso, ouvir os relatos dos estudantes foi um processo que sensibilizou todos os participantes do projeto, levando cada um a refletir sobre suas próprias ações em relação ao próximo. Para nós, futuras professoras, coube perceber a necessidade de sermos propositoras de projetos que viabilizem discussões sobre respeito, diversidade e inteligência emocional, considerando o espaço educativo como propício para ações de desenvolvimento integral da criança, formando cidadãos sensíveis ao outro e situados politicamente na sociedade.
Sabemos que planejar atividades, desenvolver materiais didáticos, lidar com a imprevisibilidade de uma sala de aula e gerenciar emoções são elementos que constituem o trabalho diário do professor. No decorrer do desenvolvimento deste projeto, vinculado ao Programa Residência Pedagógica, pudemos vivenciar todas essas etapas.
Mesmo reconhecendo que não estávamos totalmente preparadas para lidar com determinados resultados e desdobramentos das atividades, como as emoções despertadas nas crianças, salientamos que o fazer docente se dá dentro de um coletivo. Assim, reconhecemos e destacamos a importância deste projeto de iniciação à docência, que congrega professores em diferentes espaços e tempos, mobilizados para a construção de sua profissionalidade.
Referências
ABED, A. L. Z. O desenvolvimento das habilidades socioemocionais como caminho para a aprendizagem e o sucesso escolar de alunos da Educação Básica. São Paulo, 2014.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA MULTIPROFISSIONAL DE PROTEÇÃO À INFÂNCIA E À ADOLESCÊNCIA (ABRAPIA). Do marco zero a uma política pública de proteção à criança e ao adolescente – 0800-99-0500. Sistema Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantojuvenil. Rio de Janeiro: Abrapia, 2004.
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MONTEIRO, R. P.; MEDEIROS, E. D. de; PIMENTEL, C. E.; GOUVEIA, R. S. V.; GOUVEIA, V. V. Valores sociais atenuam sintomas depressivos em vítimas de bullying. Psico, v. 51, nº 1, e29342, 2020. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/revistapsico/article/view/29342. Acesso em: 15 fev. 2024.
PEDROZO, K. V. A conscientização do respeito às diferenças dentro da escola. Práticas de Iniciação à Docência na Região Sul: enfoques, avaliação e perspectivas, São Leopoldo, p. 1-5, 13 dez. 2017. Disponível em: http://repositorio.jesuita.org.br/bitstream/handle/UNISINOS/7943/6595-9865-1-DR.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 14 fev. 2024.
STADLER, C.; FEIFEL, J.; ROHRMANN, S. et al. Peer-victimization and mental health problems in adolescents: Are parental and school support protective? Child Psychiatry Hum Dev, v. 41, p. 371-386, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10578-010-0174-5. Acesso em: 22 fev. 2024.
VENCATO, A. P. A diferença dos outros: discursos sobre diferenças no curso Gênero e Diversidade na Escola da UFSCar. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar, São Carlos, v. 4, nº 1, p. 211-229, jan./jun. 2014. Disponível em: https://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/199/103Acesso em: 14 fev. 2024.
Publicado em 20 de agosto de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
MODA, Julia Niero; CORREA, Karen Simões; MARTINS, Maísa Aparecida Ruiz. O respeito às diferenças como princípio estruturante da prática pedagógica. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 31, 20 de agosto de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/31/o-respeito-as-diferencas-como-principio-estruturante-da-pratica-pedagogica
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