Resenha do livro “Formação humana no ciberespaço: os sentidos da presença na Educação a Distância”
Dionisio de Almeida Brazo
Licenciando em História pelo Colégio Pedro II; doutorando em Comunicação, mestre em Cultura e Territorialidades e bacharel em Turismo (UFF)
Antes mesmo de se imaginar que a Educação a Distância (EaD) e suas ferramentas se tornariam tão populares e, de certo modo, indispensáveis durante o período mais crítico da pandemia ocasionada pela covid-19, Karla Godoy, em seu livro Formação humana no ciberespaço: os sentidos da presença na Educação a Distância, publicado em 2017 pela Editora da Universidade Federal Fluminense, já discutia como a tecnologia digital e o ciberespaço estão transformando as formas de relacionamento, comunicação e aprendizagem.
Karla Godoy é formada em Museologia, mestre em Memória Social e doutora em Políticas Públicas e Formação Humana, as duas primeiras pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e a última pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ela pesquisa, desde o mestrado, assuntos relacionados ao ciberespaço, ora no campo dos museus, ora na educação, mas sempre trazendo uma reflexão crítica acerca do assunto.
Seu livro está dividido em seis partes, além da Introdução. No primeiro capítulo, intitulado "Problematização", a autora expõe seu tema e as perguntas que guiaram sua pesquisa. Godoy argumenta que, em vez de se concentrar apenas em questões técnicas e de infraestrutura, é importante entender como as tecnologias digitais afetam a formação humana na educação, buscando, assim, refletir sobre os modos de presença (e de ação) na Educação a Distância. Dessa forma, salienta que a presença não é apenas estar presente fisicamente diante de alguém, mas uma atitude ou ação, tornando-se "elemento fundamental para educação, pois que, sem ela, nenhuma atividade existiria" (Godoy, 2017, p. 22).
No segundo capítulo, "Modos de presença", a autora discorre sobre a ideia de presença no campo empírico, virtual e os suportes tecnológicos que propiciam sua emergência. Nele, a autora se indaga se é realmente possível estabelecer uma forma de presença a distância. Por meio do uso do conceito de virtualização de Pierre Lévy, a autora é simpática ao processo, entendendo que tem um impacto significativo na formação humana e na cultura, criando novas formas de expressão e de interação, mas observa limites no uso aplicado à EaD no sentido de garantir ao educando "um modo de presença virtual com potencialidades criadoras" (Godoy, 2017, p. 36).
No que se refere às tecnologias da presença, isto é, aquelas que têm como objetivo criar a sensação de presença física em um ambiente virtual, a autora argumenta que essas tecnologias são cada vez mais utilizadas no ciberespaço, com o objetivo principal de criar uma sensação de imersão no ambiente virtual, fazendo com que os usuários sintam como se estivessem realmente presentes nesse ambiente. Essa imersão é criada por meio de técnicas como a simulação de movimentos, a utilização de dispositivos de realidade virtual e a criação de ambientes virtuais tridimensionais. No entanto, ela ressalta que as tecnologias da presença têm limitações, especialmente no que se refere à interação social, aspecto importante para a autora. Pois, apesar de proporcionarem uma sensação de imersão no ambiente virtual, essas tecnologias ainda não são capazes de reproduzir completamente a complexidade das interações sociais que ocorrem no mundo físico.
O terceiro capítulo, mais denso teoricamente, relaciona o conceito de presença ao de ação, encontrado em Hannah Arendt, para estabelecer o que chamou de "presença-ação". Esse capítulo é o mais importante para compreender a trajetória de pensamento que levou a autora a cunhar o conceito.
A ação, ao lado do labor e do trabalho, é uma das condições humanas descritas por Arendt. De acordo com Godoy (2017, p. 56):
O homem poderia viver sem trabalhar, poderia fruir de sua existência sem que houvesse objetos úteis, mas não poderia viver fora da ação (e o discurso): sem eles, a vida deixa de ser humana e passa a estar literalmente morta para o mundo. A ação é, pois, a necessidade do homem de viver entre os seus semelhantes, sendo sua natureza eminentemente social.
A ação é a capacidade de realização humana que se dá sempre de forma improvável e nunca condicionada, pois a ação tem a liberdade como princípio em que o sujeito demonstra a sua liberdade. Ela também é política, no sentido de que não vivemos separados, precisamos ter um pensamento coletivo e o "outro" no horizonte de nossas ações. Nenhuma ação existe no isolamento. E, por isso, ela demanda um pertencimento a um grupo que partilha ideias comuns.
De acordo Godoy (2017, p. 62),
segundo Hannah Arendt, a ação é isso: um meio de liberdade, que só se pode ser exercida em conjunto, e, para se efetivar, necessita de que haja um sentimento de pertença ao espaço público. Ora, dessa forma, estamos estabelecendo uma correlação entre o conceito de ação em Hannah Arendt e aquilo a que estamos considerando como um modo de presença capaz de superar a distância e possibilitar a formação humana no ciberespaço. Assim, passaremos a chamar esse modo de presença de "presença-ação".
Não se deve confundir com o conceito de presença social, o qual a autora considera restrito, pois, ao não levar em consideração a ação, o educando seria reduzido às mensurações diversas das verificações de aprendizagem. Para Godoy (2017, p. 64):
Não basta, portanto, se constatar o nível de presença social para solucionar (ou explicar) a problemática que envolve os sentidos de presença na educação a distância, como se assim pudesse se efetivar a formação humana, mas sim de considerar que, para haver formação humana na educação a distância, é preciso um tipo de presença que corresponda numa acepção mais ampla, a uma ação do sujeito.
Por isso, estabelece a liberdade, o agir em conjunto e o pertencimento como critérios adotados para definir a presença-ação no ciberespaço, os quais podem explicitar quando terá ou não presença. Esses três critérios buscam evidenciar a capacidade de ação do sujeito.
Observando a importância do espaço público como lugar de exercício da liberdade e da ação política no contexto da cultura digital, Godoy analisa a ideia de rede e de isolamento do homem moderno no quarto capítulo, "Liberdade, agir em conjunto e pertencimento". Questiona até que ponto o sujeito está realmente conectado em rede com outras pessoas, considerando que "estar em rede" denota uma ideia de presença e de pertencimento a um grupo, ao mesmo tempo em que o isolamento é uma das características do sujeito moderno.
No capítulo seguinte, "Como se apresenta EaD", a autora elabora uma contextualização histórica acerca da implementação da EaD no Brasil e no mundo, além das políticas públicas brasileiras.
No último capítulo do livro, "Os sentidos da presença na Educação a Distância", é feita a análise sobre o modo de presença, no sentido daquilo que chamou de "presença-ação", focando na relação do professor e do aluno e resgatando as três características da ação — liberdade, agir em conjunto e pertencimento.
O livro, embora acadêmico, traz uma linguagem acessível para um público mais amplo do que aquele que leria a sua tese. Ao desenvolver os conceitos utilizados, a autora permite que o leitor consiga caminhar lado a lado, compreendendo sua argumentação.
Torna-se, portanto, uma importante contribuição para a discussão sobre a educação a distância e a formação humana no ciberespaço. No entanto, é importante lembrar que a EaD é uma área em constante evolução e transformação, sendo necessário estar sempre atento às mudanças e aos desafios que surgem nesse contexto, como o que enfrentamos recentemente com a pandemia, que ocasionou uma disseminação indiscriminada da EaD sem o menor rigor crítico para estabelecer uma formação humana aos seus educandos.
Karla Godoy traz uma abordagem crítica e reflexiva sobre os desafios e as possibilidades dessa modalidade de ensino, ao mesmo tempo em que propõe estratégias e soluções para tornar a EaD mais efetiva e inclusiva. Dessa forma, seu livro é um aporte teórico importante para pesquisadores, professores e estudantes que se interessam pela temática.
Referência
GODOY, Karla Estelita. Formação humana no ciberespaço: os sentidos da presença na Educação a Distância. Niterói: Eduff, 2017.
Publicado em 20 de agosto de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
BRAZO, Dionisio de Almeida. Resenha do livro “Formação humana no ciberespaço: os sentidos da presença na Educação a Distância”. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 31, 20 de agosto de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/31/resenha-do-livro-rformacao-humana-no-ciberespaco-os-sentidos-da-presenca-na-educacao-a-distanciar
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