Acervo de atividades matemáticas para alunos com deficiência intelectual: preliminar de pesquisa

Suzana Ramos Vieira Francini

Mestra em Novas Tecnologias Digitais na Educação (UniCarioca), professora da SME/RJ

Rosa Lidice de Moraes Valim

Doutora em Psicossociologia (Eicos/UFRJ), professora do MPNTDE/UniCarioca

Alessandro Jatobá

Doutor em Engenharia de Produção (Coppe/UFRJ), professor do MPNTDE/UniCarioca

A Educação Inclusiva representa, na atualidade, um dos maiores desafios para os sistemas de ensino, exigindo não apenas mudanças estruturais e atitudinais, mas também metodológicas. No contexto da inclusão de alunos com deficiência intelectual (DI), a aprendizagem da Matemática constitui um campo particularmente complexo, dada a natureza abstrata dos conteúdos e a frequência com que se desconsideram as especificidades cognitivas desses estudantes (Góes, 2002; Freitas; Ribeiro, 2019).

Apesar dos avanços legais e políticos no campo da inclusão escolar, ainda se observa uma lacuna significativa entre os pressupostos normativos e a realidade vivida em sala de aula. Docentes frequentemente relatam a ausência de recursos pedagógicos acessíveis, a escassez de formação continuada específica e a falta de apoio institucional para promover adaptações curriculares compatíveis com as necessidades dos estudantes com DI (Nozi; Vitaliano, 2017). Tais lacunas tornam-se ainda mais evidentes nas aulas de Matemática, em que o ensino tradicional, centrado na repetição e na padronização, mostra-se excludente frente à diversidade de ritmos e estilos de aprendizagem. Nesse cenário, a utilização de tecnologias assistivas e metodologias lúdicas surge como estratégia potencial para tornar o ensino da Matemática mais acessível, significativo e motivador (Rodrigues, 2013; Schlemmer; Lopes, 2016). No entanto, a eficácia de tais propostas depende diretamente da qualidade dos materiais disponíveis e da formação do professor para utilizá-los de forma crítica e contextualizada (Wilson et al., 2013).

Este artigo tem como objetivo averiguar a eficácia de um produto educacional (um e-book), destinado a alunos do Ensino Fundamental com deficiência intelectual, apresentando dados e achados de conversas realizadas com três professores de escolas públicas que atuam junto a crianças dessa etapa de ensino.

O produto foi desenvolvido no âmbito do Mestrado Profissional em Novas Tecnologias Digitais na Educação da UniCarioca, com a finalidade de trazer contribuições à prática docente em relação aos alunos incluídos com deficiência intelectual. O e-book sugere atividades assistivas que podem agregar à metodologia voltada ao ensino da Matemática de maneira funcional, significativa e eficaz.

Tanto o produto, modelado com base em dados de campo, quanto a avaliação dele vinculam-se à dissertação de mestrado que tramitou na Plataforma Brasil e teve seus contornos aprovados pelo Comitê de Ética da instituição Augusto Motta (Unisuam), sob o parecer nº 5.815.991.

As atividades apresentadas neste produto podem ser implantadas por meio de tecnologias digitais e de tecnologias analógicas. Essa estrutura foi pensada para facilitar o trabalho dos profissionais docentes que têm dificuldades com metodologias inovadoras e que atendem alunos com deficiência intelectual. Entretanto, vale lembrar que, dentro da Educação Inclusiva, quando se trata de adequações curriculares com atividades adaptadas, não existe um padrão a ser seguido, mas sim a necessidade de oferecer ao aluno adaptações precisas que atendam às suas limitações específicas. O mais importante é que esse aluno com deficiência intelectual se sinta incluído e realize as atividades juntamente com a turma. As atividades não precisam ser cognitivamente inferiores, mas sim adaptadas e pensadas para promover um aprendizado eficaz.

Assim, ressalta-se que as tecnologias selecionadas para a elaboração do produto aqui apresentado somente serão eficazes se relacionadas ao conteúdo ministrado, não podendo estar desvinculadas do processo de aprendizagem. É importante que haja preparo e atenção aos detalhes de cada jogo e de cada material desenvolvido. Caso não haja planejamento, corre-se o risco de tornar a atividade infrutífera, haja vista que não basta introduzir inovações, mas é necessário que as concepções pedagógicas sejam, de fato, inovadoras.

Desenvolvimento: a descrição do produto

O produto desenvolvido foi intitulado “Acervo de atividades matemáticas para alunos com deficiência intelectual” (Figura 1). Ele apresenta uma proposta que visa oferecer sugestões de atividades para as aulas de matemática, especificamente nos conteúdos de base, que são: formas geométricas, cálculos de adição, cálculos de subtração, multiplicação e noções de divisão.

Figura 1: Capa do e-book

As atividades propostas no e-book estão organizadas em duas partes: na primeira, o professor encontra as atividades assistivas analógicas; na segunda, as atividades de alta tecnologia.

Entre as atividades classificadas como analógicas de baixa tecnologia, destacam-se os argumentos de Schlemmer e Lopes (2016):

Ao observarmos crianças e jovens que, em diferentes épocas vêm se desenvolvendo cada vez mais em interação com tecnologias – analógicas e digitais –, é possível perceber mudanças profundas nos modos como se apropriam e se inserem na cultura. Desenvolveram uma forma de pensar e organizar o pensamento com base em meios não só analógicos, mas também digitais, e essa combinação (construída nessa coexistência) tem possibilitado um nível de ação e de interação muitas vezes extremamente dinâmico e instantâneo (Schlemmer; Lopes, 2016, p. 181).

Dentre as atividades classificadas como de alta tecnologia, por exemplo, têm-se aquelas associadas ao Learning Apps (plataforma online que permite a criação e o compartilhamento de atividades educativas interativas, como quizzes, jogos e exercícios). O produto pode ser consultado sempre que o professor encontrar dificuldades para desenvolver atividades de matemática com alunos incluídos. O material apresenta o passo a passo de como implantar uma atividade adaptada, além de indicar caminhos para o desenvolvimento das habilidades específicas desejadas.

Ao término de cada atividade proposta no e-book, o professor encontra um QR code que o direciona ao YouTube. Cada vídeo didático explica uma atividade.

O docente que atua em classe inclusiva encontra neste produto um suporte visual, tecnológico e direto, com atividades que podem ser facilmente reproduzidas e que permitem romper com a rotina pedagógica tradicional, alcançando novas possibilidades de ensino-aprendizagem.

Metodologia: preliminar de pesquisa do produto

Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória, voltada à análise da eficácia de um produto educacional desenvolvido para apoiar o ensino de Matemática a alunos com deficiência intelectual no ensino fundamental. A abordagem qualitativa permitiu investigar, de forma aprofundada, as percepções e experiências docentes, valorizando os significados atribuídos pelos participantes ao uso do material.

Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas abertas, baseadas em um roteiro semiestruturado, aplicadas a três professores com experiência em educação inclusiva. Os participantes foram selecionados por amostragem não probabilística por conveniência, considerando-se sua atuação direta com alunos com deficiência intelectual e sua disponibilidade para participar da pesquisa. Os nomes foram substituídos por pseudônimos para garantir o sigilo ético.

Além da escuta ativa sobre o material, os três professores participantes testaram efetivamente as atividades do e-book com seus alunos em situações reais de sala de aula, durante o desenvolvimento de aulas de Matemática com estudantes incluídos com deficiência intelectual. Essa aplicação prática, ainda que limitada em termos de amostragem e tempo, permitiu observar aspectos importantes relacionados à aplicabilidade do produto, à sua adequação às demandas do cotidiano escolar e aos desafios enfrentados durante a mediação docente. Essa experiência foi essencial para levantar hipóteses iniciais sobre a eficácia pedagógica do material, reforçando a necessidade de aprofundamento em investigações futuras.

Para a análise dos dados, utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo de Bardin (2011), que pressupõe três etapas: (1) pré-análise, (2) exploração do material e (3) tratamento dos resultados.

Na fase de pré-análise, realizou-se a leitura flutuante e a organização do corpus textual. Em seguida, na exploração do material, selecionaram-se as unidades de codificação, estabeleceram-se três categorias (prática docente inclusiva, tecnologia assistiva e inovação) e os dados foram agrupados nessas categorias. As categorias precisaram atender às seguintes características: exclusão mútua (cada elemento pertence a uma categoria); homogeneidade (cada categoria representa uma dimensão de análise); pertinência (cada categoria diz respeito às intenções da pesquisadora); objetividade e fidelidade (para evitar distorções); e produtividade (para gerar resultados consistentes e férteis).

Por fim, na terceira fase da análise de conteúdo, realizou-se o tratamento dos resultados – a inferência e a interpretação. A inferência, nesse contexto, funciona como um instrumento de indução que possibilita a averiguação das causas a partir dos efeitos.

Dados da preliminar de pesquisa

Por ocasião da pesquisa preliminar, realizaram-se conversas com três professores: o professor Gomes, a professora Maria e a professora Joana (nomes fictícios) – dados no Quadro 1, a seguir. Os três professores tiveram contato com o material, puderam dar suas opiniões, expressar seus pensamentos e críticas em relação à qualidade do e-book. Eles integram uma amostra não probabilística por conveniência (Marconi; Lakatos, 2011; Kinnear; Taylor, 1979; Mattar, 1996), haja vista que são conhecidos da pesquisadora.

Nessa perspectiva, a pesquisa preliminar do produto procurou levar em consideração as impressões dos professores e inspirou-se nas seguintes questões: (1) O que você achou do produto? (2) O produto apresenta condições favoráveis para a sua aplicação em sala na educação inclusiva? (3) Sua linguagem é clara e de fácil entendimento? (4) Quais pontos poderiam ser melhorados no produto? (5) O que você achou das atividades apresentadas? (6) Você considerou que as tecnologias são assistivas para o campo da matemática para alunos com DI?

Importa ponderar que tais profissionais não pertencem a uma instituição específica apenas. Cada qual possui sua própria empresa e presta serviços ao mercado por meio de CNPJ próprio – em outras palavras, são profissionais liberais.

Quadro 1: Dados dos professores

Professora Maria

  • Formação: Pedagogia e Psicomotricista
  • 47 anos
  • 11 anos de experiência em docência

Professor Gomes

  • Formação: Pedagogia e Geografia
  • 28 anos
  • 7 anos de experiência em docência

Professora Joana

  • Formação: Pedagogia
  • 31 anos
  • 13 anos de experiência em docência

Por fim, é importante mencionar que a dissertação à qual este artigo se vincula seguiu as diretrizes éticas estabelecidas pela Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 (Brasil, 2012) e pela Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016 (Brasil, 2016), ambas do Conselho Nacional de Saúde.

Análise dos dados

Os dados da pesquisa preliminar foram observados à luz do material bibliográfico relevante. Para tanto, este artigo valeu-se da técnica de análise de conteúdo de Bardin (2011), que propõe a realização da análise em três etapas: pré-análise dos dados das conversas, a partir de leitura flutuante; exploração do material; e tratamento dos resultados (por meio de inferências).

Na pré-análise, realizou-se a organização do material e a leitura flutuante das unidades de leitura demarcadas. Já na fase de exploração do material, efetuaram-se a codificação e a categorização, estabelecendo-se as seguintes categorias: prática docente inclusiva, tecnologia assistiva e inovação. Por fim, na terceira etapa da análise, realizaram-se inferências balizadas pelas categorias mencionadas, procurando tornar os resultados brutos significativos e válidos.

A interpretação não se restringiu ao conteúdo manifesto nos dados de campo: buscou-se também identificar o que estava por trás do prontamente apreendido (conforme apresentado a seguir). Afinal, foram consideradas observações empíricas e fundamentos teóricos da área, o que fortaleceu a consistência metodológica da investigação.

A partir das verbalizações dos professores ouvidos, fica evidente que todos consideraram o produto favorável e relevante – apropriado à prática docente inclusiva.

Inicialmente, imaginei que o produto pudesse ser de difícil entendimento por se tratar de tecnologias. No entanto, ao analisar mais profundamente, percebi que a metodologia assistiva consiste em oferecer atividades diversificadas. Gostei muito do produto, pois trouxe uma contribuição significativa para a minha prática docente. Foi uma verdadeira aula para mim; agora sei que tecnologias incluem todo tipo de recurso alternativo (Maria).

Achei o produto excelente para incorporar ao meu dia a dia na sala de aula. Embora não aborde todos os conteúdos, as metodologias apresentadas são suficientes para trabalhar com alunos com deficiência intelectual. Saí muito empolgado, pois agora tenho mais ideias de como ensinar de maneira inclusiva (Gomes).

Achei o produto muito inovador; ele trouxe ainda mais motivação para o meu trabalho (Joana).

Pensar novos produtos para lecionar está em consonância com as ideias de Padilha (1997, p. 11), que afirma que o professor necessita buscar soluções e questionar por que uma criança não está aprendendo. Precisamos repensar se o problema está na aprendizagem ou no ensino, e jamais devemos focar em laudos que apresentem a deficiência como explicação para o fracasso.
Maria, todavia, traz à tona um ponto importante ao ressaltar que não basta que o docente tenha disposição para buscar soluções e metodologias alternativas para lecionar a fim de promover impactos significativos nos discentes, se as escolas não disponibilizarem recursos tecnológicos apropriados.

Vejo que é um material que pode ser incorporado às minhas práticas docentes. Achei bem “mastigadinho”, podendo ser aplicado tranquilamente em sala com alunos incluídos e não incluídos. Considero o produto bastante inclusivo, pois consegue envolver todos os alunos sem distinção, tanto com recursos de alta tecnologia quanto de baixa tecnologia. Em relação aos aplicativos de alta tecnologia, a única barreira seria a internet, que não temos; ainda assim, isso não impede que aproveitemos as ideias das plataformas e as adaptemos (Maria).

Joana, assim como Maria, reconhece o valor do material que remete ao objeto de análise da preliminar de pesquisa aqui apresentada e também faz ressalvas quanto à aplicabilidade do produto, realizando distinções entre metodologias que demandem alta e baixa tecnologia:

Sim, é possível aplicar em sala sem nenhuma dificuldade, pois, em relação aos recursos de baixa tecnologia, por exemplo, os materiais são bem simples; qualquer professor consegue realizar qualquer atividade que o material propõe. Considerei o produto bem inclusivo, pois está adequado às limitações dos alunos e ao cotidiano da sala de aula. Em relação aos recursos de alta tecnologia, só precisaríamos de um bom computador com internet, o que ainda não temos, a internet (Joana).

Muitos são os desafios presentes nas instituições de ensino. Dentre eles, destaca-se a falta de infraestrutura tecnológica.

A garantia da disponibilidade de infraestrutura adequada, a organização da dinâmica escolar, as condições para a realização do planejamento didático e para a formação continuada no uso das tecnologias na educação são questões que precisam ser refletidas, discutidas e planejadas nas unidades educacionais (Recife, 2015, p. 58).

Em muitos casos, o docente não tem acesso às tecnologias mais simples necessárias para o desenvolvimento das atividades tradicionais com seus alunos – de forma a promover aprendizado significativo – quanto mais acesso a recursos tecnológicos mais complexos.

Todavia, os três professores reconhecem, de forma uníssona, que o produto analisado será de grande valia. A respeito disso, Gomes acrescenta ainda que o produto analisado “vai funcionar como um verdadeiro suporte, pois no cotidiano é corrido”. Ele acrescenta ainda:

Às vezes, não temos tempo para pensar em atividades inovadoras e tão lúdicas, pois elas exigem dedicação e trabalho. O e-book vem, então, trazer soluções e inovações bem completas para agregar às minhas metodologias e à minha prática docente. Era exatamente o que eu precisava, pois gosto muito de inovação, mas nem sempre tenho criatividade para isso (Gomes).

Gomes ainda acrescenta reflexões a respeito da Educação Inclusiva: “Em relação à Educação Inclusiva, o produto tem boa adequação e pode ser utilizado por todos, inclusive por alunos com dificuldades de aprendizagem”.

Sabe-se que a deficiência intelectual (DI) não pode ser curada, mas pode ser tratada e gerenciada, a fim de que se encontrem possíveis soluções para que a criança tenha uma vida mais saudável. Recorrer a tratamentos com uma equipe médica multidisciplinar pode garantir muitas evoluções satisfatórias para a criança, permitindo que, futuramente, ela se torne um adulto mais independente. Além disso, o docente possui papel importante nesse processo de estímulo ao desenvolvimento cognitivo das crianças com DI.

A formação do professor deve ocorrer de forma permanente e para a vida toda.  Sempre surgirão novos recursos, novas tecnologias e novas estratégias de ensino e aprendizagem.  O professor precisa ser um pesquisador permanente, que busca novas formas de ensinar e apoiar alunos em seu processo de aprendizagem (Jordão, 2009, p. 12).

Assim, urge que docentes procurem aprender e se aprofundar sobre tecnologias assistivas em prol de uma educação mais significativa.

Ao avaliarem o e-book, objeto de estudo da preliminar de pesquisa aqui feita, os três professores consideraram que as tecnologias apresentadas são assistivas, destinam-se ao campo da Matemática e são voltadas para alunos com DI.

Sim, as tecnologias abordadas vão favorecer muito o nosso cotidiano enquanto docentes e o aprendizado do aluno com DI. Elas são assistivas, sim, e vão ao encontro das necessidades dos alunos com DI, com certeza! (Maria).

Elas são assistivas, sim, porque são funcionais. Atendem bem às necessidades reais do aluno e são bem específicas (Gomes).

Achei assistivas porque oferecem maior assistência para a ampliação do aprendizado dos alunos. Logo, são assistivas e completas para o professor, seja ele adepto da tecnologia mais moderna ou não (Joana).

Todavia, Maria afirmou não ter muita habilidade para lidar com metodologias que envolvam alta tecnologia e disse que, de qualquer forma, acredita que o ensino pautado por metodologias tradicionais – com uso apenas de baixa tecnologia – seja mais eficaz. Esta resistência talvez se dê pela falta de habilidade para lidar com metodologias que envolvam alta tecnologia, como a própria professora ressalta. Todavia, uma vez que as crianças, atualmente, já nascem cercadas por telas e tecnologia, imersas em um contexto tecnológico dinâmico (Brasil, 2018), urge que os docentes busquem letramento digital, visando à absorção de uma linguagem já tão naturalizada pelos discentes e tão determinante na formação de seus processos cognitivos.

Wilson et al. (2013) afirmam que professores com letramento digital são capazes de elaborar aulas e materiais pedagógicos mais sofisticados e interessantes, além de manusear corretamente os canais de comunicação com produções de conteúdos confiáveis e atrativos, que contribuirão para a aprendizagem educacional. Mas essas habilidades podem ser desenvolvidas – especialmente a partir de estratégias institucionais que beneficiem e envolvam todo o corpo docente. A escola precisa ir além: não deve apenas investir em novas tecnologias, mas também na capacitação de seus professores, uma vez que

a escola é concebida como um centro cultural em que diferentes linguagens e expressões culturais estão presentes e são produzidas. Não se trata simplesmente de introduzir na escola as novas tecnologias de informação e comunicação e sim de dialogar com os processos de mudança cultural, presentes em toda a população, tendo, no entanto, maior incidência entre os jovens e as crianças, configurando suas identidades (Moreira; Candau, 2013, p. 34).

A questão é que o trabalho do professor não pode ser solitário e sem assistência. Nozi e Vitaliano (2017) apontam que uma das maiores dificuldades encontradas na educação inclusiva é a falta de suporte emocional, pedagógico e governamental, que acaba se tornando um dos maiores obstáculos dentro da educação. O professor não pode ser responsabilizado ou culpabilizado por todo o processo de ensino-aprendizagem. Assim, para que haja um bom desenvolvimento matemático dos alunos com deficiência intelectual (DI), é urgente que haja atuação presente e ativa da escola, a fim de prover suporte, treinamento, capacitação e orientação aos professores que estão na linha de frente, lecionando e interagindo.

Pensar em contribuições ao trabalho docente, para amenizar as dificuldades promovidas pelas limitações da realidade, é tarefa que exige criatividade e flexibilidade, de modo a promover adaptações tecnológicas e metodológicas em consonância com os novos tempos. Afinal, as tecnologias podem ser instrumentos de auxílio ao trabalho docente. Ensinar Matemática de modo assistivo para alunos com deficiência intelectual, portanto, não precisa gerar fardo ou desmotivação; ao contrário, pode proporcionar maior dinamismo e ampliar a gama de possibilidades e potencialidades.

Conforme Rodrigues (2013 apud Morais; Morais, 2018, p. 6), “a tecnologia assistiva pode apoiar a ação docente tanto em processos de superação de limitações sensoriais, motoras, mentais e sociais, quanto em processos de potencialização de capacidades”. Esse apoio pode se dar inclusive por meio da adaptação das atividades propostas, possibilitando o acesso e a realização dessas atividades pelos estudantes com deficiência (Rodrigues, 2013 apud Morais; Morais, 2018).

Nesse sentido, quando o professor se coloca à disposição de aprimorar sua prática educacional, não basta apenas dominar as ferramentas tecnológicas; é preciso também criar estratégias adequadas para uma educação inclusiva, ou seja, o docente pode exercer a criação de tecnologias assistivas.

O produto objeto da pesquisa preliminar apresentada neste artigo procura operar nesse sentido, facilitando o processo de ensino-aprendizagem sem sobrecarregar os docentes. O produto pode ser utilizado por qualquer profissional que atue em classe inclusiva, lecionando matemática a discentes com deficiência intelectual, conforme relataram os três professores ouvidos.

Sim, compreendi bem a linguagem do e-book, e o legal foi aprender sobre os jogos gratuitos dos quais eu não tinha conhecimento, sem contar com a presença do QR code, que é a nova moda do mundo. Achei interessante trazê-lo para o material, pois ajuda ainda mais na compreensão do que o e-book propõe. É muito inovador e acessível, cumprindo de fato a proposta da educação inclusiva (Maria).

A linguagem é bem clara, assim como as imagens autoexplicativas. O passo a passo e o QR code são os elementos que tornam o e-book bem acessível e de fácil compreensão (Gomes).

Não tive nenhuma dificuldade para compreender o material. Ele é bem adequado e apresenta várias formas de abordagem de um conteúdo específico. Achei muito inovadora a presença do QR code, pois agrega muito ao campo da acessibilidade, até mesmo para professores com deficiência (Joana).

Dentre os pontos positivos, destacaram-se a linguagem clara e de fácil compreensão, a abordagem inovadora, o acesso facilitado (através do QR code) e o viés inclusivo, pontos esses absolutamente relevantes para material didático de apoio, conforme ressalta Freitas (2009, p. 27).

Historicamente, no Brasil, as sucessivas reformas educacionais incluem materiais didáticos inovadores, como exigências de novas filosofias e/ou metodologias de ensino, que agregam aos conceitos didáticos e pedagógicos a reformulação da prática docente. Em geral, tal reformulação prevê a adoção de novas técnicas, às quais se relacionam novos materiais e equipamentos. Outra questão a ser pensada é a produção de materiais didáticos próprios – ou a adaptação de equipamentos não didáticos – que atendam a real demanda dos conteúdos escolares e dos estudantes.

Especificamente, os QR codes presentes nos vários capítulos do produto foram considerados exemplares em termos de tecnologia assistiva pelos professores, uma vez que possibilitam que eles acompanhem, por meio de vídeos, reflexões inerentes às várias etapas das atividades educacionais propostas.

Aliás, inovação e ludicidade são, atualmente, pontos nevrálgicos no processo de ensino-aprendizagem. Maluf (2019) enfatiza que, quando a criança aprende com ludicidade, ela está absorvendo conhecimento. Santos (2001, p. 42) afirma que o brincar ativa diretamente os quadrantes cerebrais. O ser humano faz pouco uso do hemisfério direito, responsável pelas emoções, que são essenciais para o despertar da ludicidade. Na Educação Inclusiva, essa ludicidade não pode ser dispensada.

Maria, Gomes e Joana destacam esse traço de inovação e ludicidade inerente ao produto por eles avaliado.

Achei que as atividades apontadas foram as principais dentro da Matemática. Gostei muito, principalmente das atividades manipuláveis. Em relação às atividades de alta tecnologia, vi que os campos são infinitos; de fato, é um universo que preciso explorar para ajudar meus alunos incluídos, apesar de ter mais afinidade com as metodologias tradicionais (Maria).

Achei bem completa, deu para ter uma ideia geral da proposta, que é ensinar de maneira lúdica. As atividades foram bem pensadas, pois são as principais no campo da matemática, e aplicar atividades de matemática para alunos com deficiência intelectual não é uma tarefa simples. Mas requer planejamento, estudo e adaptação. Com o material produzido, consigo ter algumas noções alternativas de ensino inclusivo e adaptado (Gomes).

Achei as atividades muito boas, pois abordam as principais atividades dentro do campo da Matemática de maneira inovadora. São atividades que poderei executar com todos os alunos, incluídos e não incluídos. Gostei da abordagem em e-book, até porque, estando baixado, poderei compartilhar e acessar a qualquer hora e lugar (Joana).

Joana, Gomes e Maria destacam que, embora adorassem que o e-book contemplasse outras disciplinas, isso não era foco do objeto de análise da preliminar de pesquisa. Todavia, compreende-se que a abordagem inovadora e criativa do produto estimulou nos professores o desejo de acesso a produtos semelhantes que contemplassem outras disciplinas. 

Achei que poderiam ser incluídas mais atividades de outros campos de aprendizagem, apesar de ter compreendido que o objetivo era apresentar os conteúdos de maneiras diferentes e inovadoras. No campo da Matemática, ele atendeu bem às expectativas (Joana).

Acho que poderia ampliar o e-book e pensar em um mais abrangente, com outras disciplinas, ou em um e-book pensado para o próprio aluno manusear. Acho que pode ser um bom material. Os de alta tecnologia poderiam ser acessados sem a necessidade de internet (Gomes).

Acredito que o e-book poderia se estender para outros conteúdos e ter a disponibilidade de jogos offline também, porque nem sempre temos internet disponível no andar da escola. Ainda assim, é possível aproveitar muitas ideias do material (Maria).

Freitas e Ribeiro (2019) afirmam que as pessoas com DI estão mais susceptíveis aos impactos da educação – positivos ou negativos. Quando o aluno com DI é inserido na Educação Inclusiva, criam-se múltiplas oportunidades para que ele possa vivenciar evoluções, acompanhado de suportes, entre outros, da neuropsicologia e da psicologia comportamental.

Segundo Góes (2002), é importante destacar que nenhum aluno merece conviver com a frustração de não aprender em função da falta de oportunidade de adaptação curricular. Góes enfatiza que o déficit que a criança apresenta não pode ser visto como fatalístico. Nenhuma criança merece ser fadada ao fracasso, independentemente da sua limitação. Todas merecem a oportunidade de aprender.

O “destino” desse aluno será construído de acordo com o modo como a deficiência intelectual é tratada. As experiências propiciadas serão fundamentais para a sua trajetória educacional (Góes, 2002), e pensar em inovação e ludicidade na educação revela-se essencial. Afinal, quando a criança brinca, desenvolve diversas inteligências, e, quando a ludicidade é aplicada à prática educacional, ela não apenas contribui para o desenvolvimento, como também abre caminhos para que o professor transforme suas aulas em experiências ainda mais prazerosas e envolventes.

Considerações finais

Dados da preliminar de pesquisa do produto sugerem que:

  1. o produto é relevante – apropriado à prática docente inclusiva;
  2. o professor necessita buscar soluções e questionar o porquê de uma criança não estar aprendendo, mas não basta que o docente tenha disposição para buscar soluções e metodologias alternativas para lecionar a fim de promover impactos significativos nos discentes se a escola não viabilizar recursos tecnológicos apropriados;
  3. docentes precisam apreender e reaprender sobre tecnologias assistivas em prol de uma educação mais significativa, para que possam desmistificar preconceitos (ainda existe a crença, por parte de alguns, de que o ensino pautado por metodologias tradicionais, com uso apenas de baixa tecnologia, seja mais eficaz);
  4. inovação e ludicidade são, hoje, pontos cruciais no processo de ensino-aprendizagem e na Educação Inclusiva, e essa ludicidade não pode ser dispensada, visto que é fundamental (contribui para o desenvolvimento e abre caminhos para que o professor transforme suas aulas, tornando-as mais prazerosas e envolventes).

Antes de seguir com as reflexões, vale destacar: reconhece-se que o número reduzido de participantes neste estudo e a curta duração da aplicação limitam a generalização dos resultados aqui apresentados, bem como a avaliação sistemática dos efeitos do material sobre o desempenho discente. Ciente de tais limitações, deseja-se aqui inspirar docentes de distintas secretarias a refletirem sobre a importância e as peculiaridades do ensino da matemática para alunos com deficiência intelectual. Assim, convida-se cada interessado a conhecer o material e a testá-lo em seu contexto, caso o considere pertinente.

É importante salientar que, na Educação Inclusiva, o aprendizado jamais poderá ser padronizado. Todos os resultados devem ser valorizados, assim como nenhuma metodologia ou método deve ser exclusivo. Skliar (2017) aponta que o maior problema dentro da sala de aula é quando não conseguimos enxergar no outro a sua alteridade. O pior erro da educação inclusiva é tratar as produções dos alunos com deficiência intelectual como marginais ou desarticuladas. Costa (2018), a respeito disso, afirma que o que se ensina para um aluno sem deficiência deve ser ensinado para todos; entretanto, em virtude das dificuldades de desenvolver o aprendizado do aluno incluído, muitas vezes o professor acaba caindo na velha rotina de seguir caminhos tradicionais, sem buscar alternativas mais modernas e funcionais.

A escola deve reconhecer as dificuldades dos alunos, mas de maneira alguma resumi-los ao seu laudo, levando sempre em consideração o respeito, o tempo e o estilo de aprendizagem, não deixando, no entanto, de assegurar o compromisso com a educação de qualidade por meio de um currículo flexível e apropriado, com organizações e estratégias. As crianças que necessitam de adaptações educacionais especiais precisam receber total apoio para que possam ter seu desenvolvimento efetivo (Brasil, 2013). Com base na fala de Kishimoto (1994), todas as escolas que recebem alunos com deficiência intelectual devem, automaticamente, se preocupar não só com a inclusão, mas também com a promoção do aprendizado. Seja por meio de altas tecnologias ou baixas tecnologias, o ensino necessita de ludicidade e alegria.

Referências

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Publicado em 10 de setembro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

FRANCINI, Suzana Ramos Vieira; VALIM, Rosa Lídice de Moraes; JATOBÁ, Alessandro. Acervo de atividades matemáticas para alunos com deficiência intelectual: preliminar de pesquisa. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 34, 10 de setembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/34/acervo-de-atividades-matematicas-para-alunos-com-deficiencia-intelectual-preliminar-de-pesquisa

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