Debate regrado: um relato de experiência em uma turma da 1ª série do Ensino Médio da rede pública estadual de São Paulo

Leandro de Souza França

Graduado em Letras, professor da Seduc/SP

Adriana Moreira de Souza Corrêa

Professora da UFCG, mestra em Ensino (UERN)

Os documentos oficiais do Ministério da Educação (MEC) pressupõem que o ensino de línguas seja mediado por textos que se realizam e circulam nas práticas sociais diversas, ou seja, a partir dos gêneros textuais que articulam as relações em uma sociedade grafocêntrica. Essa perspectiva, vale salientar, desenvolve-se mediante diversos estudos linguísticos publicados nas últimas décadas no Brasil e que nortearam a elaboração de documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), lançados no final da década de 1990, e, posteriormente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), publicada em 2017.

Ambas as orientações oficiais elencam quatro eixos de ensino, melhor dizendo, quatro práticas de linguagem: leitura, escrita/produção de textos escritos, oralidade/produção de textos orais e análise linguística e semiótica sob as quais devem-se desenvolver os eixos de ensino da Língua Portuguesa (LP).

Entre os textos possíveis de serem trabalhados em sala de aula está o debate regrado, um gênero textual oral que se enquadra na perspectiva de ensino mediado por gêneros e propicia o desenvolvimento desse eixo estruturante do ensino de LP. Nesse sentido, a inquietação que motivou a pesquisa foi: quais as contribuições do trabalho com o gênero textual debate regrado para o desenvolvimento das habilidades EM13LGG303 e EM13LP16 presentes na BNCC e que compõem o eixo da oralidade para a 1ª série do Ensino Médio (EM)? A primeira habilidade refere-se a “debater questões polêmicas de relevância social, analisando diferentes argumentos e opiniões, para formular, negociar e sustentar posições, frente à análise de perspectivas distintas” (Brasil, 2017, p. 485); a segunda, a

produzir e analisar textos orais, considerando sua adequação aos contextos de produção, à forma composicional e ao estilo do gênero em questão, à clareza, à progressão temática e à variedade linguística empregada, como também aos elementos relacionados à fala (modulação de voz, entonação, ritmo, altura e intensidade, respiração etc.) e à cinestesia (postura corporal, movimentos e gestualidade significativa, expressão facial, contato de olho com plateia etc.) (Brasil, 2017, p. 509).

Diante dessa inquietação, surgiu o relato ora descrito, que busca refletir sobre a aplicação de uma sequência de atividades desenvolvida na Escola Estadual Guilhermino Rodrigues de Lima, dentro do Programa de Ensino Integral (PEI), uma instituição que integra a Secretaria de Educação de São Paulo (Seduc-SP), localizada no município de Guarulhos, na região metropolitana. Em face do exposto, a relevância é evidenciada a partir de uma análise de uma prática situada – a aplicação da sequência de atividades – e do alinhamento do estudo com os documentos oficiais na perspectiva do ensino mediado por gêneros. Essa ação, por sua vez, como orientam os PCN e a BNCC, fundamenta-se na articulação de práticas sociais de linguagem significativas e favoráveis para a formação integral de indivíduos éticos, autônomos, solidários e protagonistas para além dos muros da escola.

Esta pesquisa objetiva relatar uma prática de ensino do componente curricular LP mediada pelo gênero debate regrado, trabalhado no eixo da oralidade, para desenvolver a habilidade EM13LGG303 e EM13LP16 da BNCC em uma turma da 1ª série do Ensino Médio de uma escola do PEI de São Paulo.

Para desenvolver este estudo foi utilizada a classificação de Prodanov e Freitas (2013) para delinear o percurso metodológico. Trata-se de uma pesquisa aplicada, do ponto de vista da sua natureza; exploratória, quanto aos objetivos; ex-post-facto, no que se refere aos procedimentos. O texto foi produzido na perspectiva de um relato de experiência, seguindo o protocolo de Fortunato (2018), com dados oriundos do registro do professor de LP e analisados em uma abordagem qualitativa.

Esse percurso metodológico permite ao professor refletir sobre a ação, revisitar a teoria que fundamenta a sua prática e analisar a relação entre elas. A prática proporciona um olhar reflexivo do professor sobre a sua própria atividade pedagógica e, ao ser publicizado por meio de um gênero textual da esfera do conhecimento científico, possibilita a formação continuada e funciona como orientador da replicação da prática relatada.

Para isso, após a introdução, este artigo traz duas seções de contribuições teóricas: a primeira sobre o ensino da LP na modalidade oral e a segunda sobre o gênero debate regrado em sala de aula, associado à perspectiva de ensino delineada na BNCC, que pressupõe que as aulas da área de linguagem sejam realizadas na perspectiva do letramento. Na sequência, é apresentado o percurso metodológico da pesquisa, seguido do relato da experiência analisado na perspectiva do letramento; por último, estão as considerações finais.

O ensino da modalidade oral da língua portuguesa

Ensinar uma língua significa possibilitar a comunicação por meio dela nas diferentes manifestações e modalidades utilizadas nas práticas sociais letradas. Para Marcuschi (2002, p. 24), essa ação educativa “certamente não se trata de ensinar a falar. Trata-se de identificar a imensa riqueza e a variedade de usos da língua”. Desse modo, o falante precisa conhecer as convenções sociais para o seu uso em diferentes situações, para diversas finalidades, a fim de atingir o objetivo da comunicação, que é o entendimento entre os interlocutores.

Uma das formas de comunicação mediada pela língua é a oralidade; essa prática, apesar de ser utilizada com frequência nas interações cotidianas, precisa ser refletida e ensinada na escola; afinal, como afirma Koch (2010, p. 78, grifo da autora), a interação oral apresenta as seguintes características:

1. é relativamente não planejável de antemão, o que decorre, justamente, de sua natureza altamente interacional; assim, ela é localmente planejada, isto é, planejada ou replanejada a cada novo “lance” do jogo;

2. o texto falado apresenta-se “em se fazendo”, isto é, em sua própria gênese, tendendo, pois, a “pôr a nu” o próprio processo de sua construção;

3. o fluxo discursivo apresenta descontinuidades frequentes devido a uma série de fatores de ordem cognitivo-interativa e que tem, portanto, justificativas pragmáticas;

4. o texto falado apresenta, assim, uma sintaxe característica, sem deixar de ter como fundo a sintaxe geral da língua.

Dessa maneira, a comunicação oral é dinâmica porque se faz e refaz na prática comunicativa; requer uma organização mental anterior à verbalização; se constrói na interação com o outro e é situada local e historicamente; varia conforme o conhecimento do interlocutor sobre o assunto e a língua; e pressupõe a cooperação entre os interlocutores, à medida que eles precisam ter atitudes, organização linguística e comunicativa para atingir o objetivo proposto.

Diante do exposto, os PCN (Brasil, 1997, p. 17) dizem que “ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar acesso a usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a importância que o domínio da palavra pública tem no exercício da cidadania”. Assim, o ensino da oralidade implica promover situações nas quais o estudante se aproprie de recursos linguísticos que o permitam modular o que se diz para adequar a forma e a organização da mensagem ao seu destinatário e à situação comunicativa a fim de participar nas práticas sociais letradas.

No mesmo sentido, a BNCC coloca a oralidade como um dos eixos organizadores das práticas de ensino de LP, juntamente com a leitura, a escrita, o conhecimento linguístico e gramatical e a literatura. Nesse contexto, a competência específica 2 de linguagens para o EM pressupõe a necessidade de conhecer as relações de poder que permeiam as práticas sociais de linguagem e ressalta que se faz necessário respeitar a diversidade e a divergência de ideias e posições para atuar em sociedade de maneira empática e cooperativa (Brasil, 2017).

Essa competência envolve as diferentes manifestações do uso da língua – entre elas a oralidade, que pressupõe a existência de interlocutores com níveis variados de conhecimento sobre o assunto, de uso proficiente do sistema linguístico (oral ou escrito) e de outras linguagens envolvidas na situação comunicativa (Kleiman, 2005). Logo, é possível afirmar que, além de conhecer o vocabulário e a sintaxe da língua, é preciso reconhecer o gênero textual utilizado, a situação de comunicação, o objetivo da interação, o interlocutor e outros aspectos que possibilitem o uso proficiente da língua no processo comunicativo.

Para Kleiman (2005, p. 16), “o letramento não é uma habilidade, embora envolva um conjunto de habilidades (rotinas de como fazer) e de competências (capacidades concretas para fazer algo)”. Desse modo, é preciso que sejam desenvolvidos letramentos, ou seja, saberes culturais e linguísticos, bem como atitudes necessárias para o uso social da leitura e da escrita (Soares, 2014).

Soares (2014), por sua vez, explica que “há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das necessidades, das demandas do indivíduo e de seu meio, do contexto social e cultural”. Em complementaridade, Biasi-Rodrigues (2008, p. 46) discorre que “a escola possui a responsabilidade de instrumentalizar os seus alunos para usos autênticos da linguagem. Logo, é preciso reconhecer que o uso da língua difere em cada prática comunicativa e que é necessário instrumentalizar os estudantes para buscar informações, desenvolver conhecimentos sobre o uso da língua em dada situação e organizar as ideias para participar de situações que envolvam a argumentação oral – a exemplo do debate regrado.

Debate regrado em sala de aula

O debate regrado é um gênero textual da oralidade de caráter argumentativo, que requer o uso formal e planejado da língua para alcançar o objetivo de convencer o interlocutor. Para Costa (2009, p. 83), o debate, “no cotidiano, trata-se de uma discussão acirrada, altercação, contenda por meio de palavras ou argumentos ou exposição de razões em defesa de uma opinião ou contra um argumento, ordem, decisão etc.”. Assim, apesar de os estudantes utilizarem a argumentação em diferentes situações do cotidiano, é preciso ensinar como preparar-se e comportar-se no momento do debate que apresenta regras diferenciadas e que pressupõe o uso formal da língua para atingir o objetivo desejado.

Nesse sentido, promover o debate regrado na escola é proporcionar um momento de internalização de letramentos que favorecem o uso social da leitura e da escrita nas práticas sociais. Como afirma Kleiman (2005, p. 18):

Na escola, é possível:(i) ensinar as habilidades e competências necessárias para participar de eventos de letramento relevantes para a inserção e participação social; (ii) ensinar como se age nos eventos de instituições cujas práticas de letramento vale a pena conhecer; (iii) criar e recriar situações que permitam aos alunos participar efetivamente de práticas letradas.

Logo, o letramento para a uso da oralidade no debate regrado pressupõe uma postura ativa e reflexiva sobre o tema em uma situação que envolva a criação ou simulação de uma atividade que permita ao estudante vivenciar a ação de pesquisar, argumentar, compreender, reformular e concordar ou refutar os dados apresentados, sendo eles sustentados por fatos e informações pertinentes ao tema e coerentes com o fluxo da discussão.

Dolz e Schneuwly (1998, p. 166 apud Gomes-Santos, 2009, p. 43) consideram que o termo debate público, uma variação do gênero,

se volta sempre para uma questão controversa e permite a intervenção de diversos parceiros que exprimem suas opiniões ou atitudes, tentando modificar aquelas dos outros pelo ajuste das suas próprias, em vista, idealmente, de construir uma resposta comum à questão inicial. Pode ser chamado de regrado quando um moderador gere e estrutura seu desenrolar evidenciando a posição de diferentes debatedores, facilitando as trocas entre eles e tentando eventualmente arbitrar os conflitos e conciliar as posições opostas.

Em consonância com aqueles autores, Costa (2009) explica que o debate público regrado pressupõe um moderador e acrescenta que esse gênero permite a realização das funções de “síntese, de reenfoque, de reproposição, não permitindo uma dispersão desnecessária” (Costa, 2009, p. 84). O debate regrado necessita de organização prévia, de um contrato que é firmado entre os debatedores para garantir o tempo e a continuidade da fala, ou seja, permitir oportunidade igual de exposição das suas ideias e que elas sejam apresentadas sem interrupções que levem a descontinuidades na argumentação.

Desse modo, o debate regrado estimula o desenvolvimento de várias habilidades porque, segundo Oliveira (2020, p. 447),

exige, dos debatedores, dentre outras habilidades, tanto a capacidade de produzir bons argumentos quanto a competência para ouvir os argumentos contrários aos seus, com a expectativa de desconstruí-los. Dessa forma, o trabalho recorrente com o gênero debate regrado mostra-se capaz de exercitar a fala formal em público, ao mesmo tempo que amplia o escopo da argumentação, muitas vezes restrito ao texto escrito em contextos escolares.

Assim, a pesquisadora está em concordância com a competência específica 3 da BNCC (Brasil, 2017) na área de Linguagens para o Ensino Médio, que orienta sobre a necessidade de utilizar as diferentes linguagens, dentre as quais destaca-se a linguagem oral, para exercer a autonomia e o protagonismo na defesa de pontos de vista e promoção do Direitos Humanos.

Nessa perspectiva, é pertinente a contribuição de Carvalho e Martins (2009, p. 273) ao afirmarem que o letramento, palavra vinda da língua inglesa, se refere à apropriação da leitura e da escrita para fazer o indivíduo “refletir sobre o mundo que o rodeia, de forma que venha a modificá-lo conforme sua necessidade”. Desse modo, o papel social da escola e das aulas de Língua Portuguesa é assegurar o letramento no uso de diferentes manifestações da linguagem em contextos diversos e, consequentemente, amenizar as desigualdades que permeiam a sociedade brasileira. Nesse contexto, Almeida (2012, p. 14) afirma que,

numa sociedade como a brasileira – que, por sua dinâmica econômica e política, divide e individualiza as pessoas, isola-as em grupos, distribui a miséria entre a maioria e concentra os privilégios nas mãos de poucos –, a língua não poderia deixar de ser, entre outras coisas, também a expressão dessa mesma situação.

O acesso ao conhecimento da língua e o acesso à leitura e escrita, de algum modo, possibilitam a mobilidade social à medida que permite o acesso a informações e espaços variados pela possibilidade de posicionar-se e argumentar de maneira assertiva sobre os seus direitos.

Ademais, a perspectiva de Carvalho e Martins (2009) harmoniza-se com o autor mencionado quando afirma que o letramento tem por objetivo fazer o sujeito deixar uma consciência ingênua para perceber os fatos de maneira crítica, interpretá-los e transformá-los segundo a necessidade. Para as autoras, o letramento visa uma educação abrangente, visto que, na nossa conjuntura social, ele exerce influência na autoafirmação do sujeito ao ser capaz de reconhecer-se como um sujeito de direitos, além de buscar informações e utilizar práticas que possibilitem conquistá-los.

Dessa maneira, o ensino de procedimentos e atitudes que corroborem a argumentação sólida dos pontos de vista construídos pelos estudantes constitui-se em uma ferramenta para a participação cidadã e protagonista na sua realidade social.

Nessa conjuntura, Antunes (2010, p. 31) salienta que “falamos com a intenção de ‘fazer algo’. O sucesso de nossa atuação comunicativa está, sobretudo, na identificação dessa intenção por parte do interlocutor com quem interagimos”. Assim, o desenvolvimento de aulas centradas em um gênero oral como o debate possibilita que o discente reflita sobre a ação de falar e comunicar como uma ação dotada de intenção. Como a autora esclarece, nada é dito aleatoriamente; pelo contrário, ao falar, é realizado um esforço deliberado ou inconsciente para dizer o que é relevante ou aquilo que parece ser do interesse do outro.

Desse modo, a prática do debate, sobretudo o debate regrado, além de estimular a ampliação de um repertório cultural e linguístico que permita ao estudante reconhecer os argumentos voltados para persuadi-lo, também desenvolve práticas de letramento mediadas pelo debate regrado que possibilita que ele ocupe um lugar ativo no processo de discussão das suas percepções e valores ou reivindicação de seus direitos e melhora para o ambiente em que vive.

Metodologia

A pesquisa em tela busca realizar uma reflexão acerca da aplicação de uma sequência de atividades mediada pelo gênero textual debate regrado desenvolvida em escola pública localizada na região metropolitana do Estado de São Paulo, no município de Guarulhos, durante o primeiro semestre de 2024, no decorrer das aulas de Língua Portuguesa, em uma turma da 1ª série do Ensino Médio.

No que se refere à sua natureza, compreende uma pesquisa aplicada que, para Prodanov e Freitas (2013, p. 51), “objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos à solução de problemas específicos. Envolve verdades e interesses locais”. Assim, a investigação permite dialogar diretamente com a teoria para analisar a aplicação da sequência de atividades, com o intuito de identificar as suas potencialidades, lacunas e perspectivas para futuras replicações. A pesquisa é exploratória, pois permite formular hipóteses (Prodanov; Freitas, 2013). Nesse caso, o objeto que se deseja conhecer é o trabalho com o gênero debate regrado com a análise de um fato já ocorrido que, por sua vez, permitirá a elaboração de outros procedimentos metodológicos em pesquisas futuras para investigação do fenômeno.

Quanto aos procedimentos técnicos, esta pesquisa identifica-se como ex-post-facto, que, conforme Prodanov e Freitas (2013, p. 65), busca estudar “um fenômeno já ocorrido, [o qual] tentamos explicá-lo e entendê-lo”. Em vista disso, permite a formação do docente que aplicou a sequência de atividades à medida que ele rememora os fatos e procura alinhar as suas tomadas de decisão com as teorias que embasam a sua prática, ao mesmo tempo que vislumbra novas possibilidades de ensinar ao refletir sobre os fatos e suas escolhas metodológicas.

A organização do texto segue as orientações de Fortunato (2018, p. 38) para a elaboração do relato de experiência, descrito pelo autor como um método que visa apresentar uma das possibilidades de fazer, mas que, para isso, “precisa discriminar todo o contexto e qualificar todas as ações, sequencialmente, até a conclusão da experiência”. Daltro e Faria (2019, p. 224), em acréscimo, dizem que o relato pode ser entendido “como produção científica que, entretanto, performatiza através da linguagem a experiência do um, não enquanto centralidade estável, mas na condição de ponto de abertura e análise crítica”. Desse modo, é perceptível que, para os autores, o relato de experiência tem caráter descritivo, analítico e qualitativo.

De acordo com Fortunato (2018), para possibilitar a reflexão e as análises, nove elementos essenciais devem ser descritos: antecedentes, local, motivo, agentes, envolvidos, epistemologia para a prática, planejamento, execução e análise por meio de uma lente teórica. Esses elementos serão apresentados a seguir, juntamente com as reflexões baseadas nas teorias de ensino de gênero na perspectiva dos letramentos.

Relato de uma prática de ensino mediada pelo debate regrado

A ação educativa ora destacada parte do escopo sequência disponibilizado pela Seduc/SP. O documento indica os objetos do conhecimento, temas e objetivos da aula, norteia a elaboração de apresentações digitais para serem utilizadas nas aulas ministradas nas escolas da rede (São Paulo, 2024). Assim, a experiência aqui relatada está relacionada às seguintes aulas: (i) argumentação planejada, (ii) o debate – parte I: preparação, (iii) o debate – parte II: apresentação; e (iv) é preciso avaliar. Essas aulas integraram uma sequência de atividades propostas no escopo sequência em etapas distintas que foram voltadas para a realização de um debate na turma de 1ª série do EM nas aulas do componente curricular Língua Portuguesa.

Essa vivência ocorreu na escola estadual PEI Guilhermino Rodrigues de Lima, na cidade de Guarulhos/SP, uma instituição que oferta duas etapas da Educação Básica: os anos finais do Ensino Fundamental no período da manhã (das 7h às 14h) e o Ensino Médio no turno vespertino/noturno, das 14h30min às 21h30min. No período vespertino/noturno atende estudantes de sete turmas da etapa final da Educação Básica: duas turmas de 2ª série, duas de 3ª série e três turmas de 1ª série (A, B e C); todavia, serão descritas e analisadas as ações desenvolvidas com estudantes da 1ª série B, única turma em que o professor que contribui com os dados neste escrito ministra aula de Português.

O agente articulador das ações desenvolvidas foi um professor regente/titular dos componentes de LP e de Redação e Leitura. Esse profissional é graduado em Letras – Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Campina Grande. Ademais, uma professora universitária atuou como coautora para discussão e análise dos dados. Os envolvidos foram os estudantes da 1ª série B, composta por 28 estudantes.

Outro ponto a ser destacado é o de tratar-se de ações ocorridas com estudantes inseridos em uma instituição pública localizada em uma região de periferia de uma metrópole brasileira, de uma sociedade altamente conectada às redes sociais nas quais circulam discursos não fidedignos. O Currículo Paulista (2012, p. 69) ressalta que “é preciso intensificar o desenvolvimento de habilidades que possibilitem o trato com o diverso e o debate de ideias. Tal desenvolvimento deve ser pautado pelo respeito, pela ética e pela rejeição aos discursos de ódio”. Tal vivência de produção de um gênero oral, formal e público urge que seja compartilhada em espaços acadêmicos para corroborar o desenvolvimento de políticas educacionais públicas para o ensino de LP e futuras publicações estruturadas sob esse eixo relevante para a vida em sociedade. De acordo com Oliveira (2020, p. 453),

quando lidamos com um corpo discente oriundo de classes sociais menos favorecidas e, por conseguinte, por tanto tempo silenciado, acreditamos que é nosso dever como educadores dar oportunidades para que esses alunos façam valer seus direitos por meio do uso público da fala. Exercitar a expressão oral formal significa, portanto, prover-lhes instrumentos para se posicionarem na sociedade.

Diante disso, a prática pedagógica ora relatada foi motivada pela necessidade da utilização dos materiais e de atividades que estimulassem a participação oral dos estudantes, visto que essa foi uma demanda proposta pela diretora da instituição em uma das observações de aula realizadas na turma. A gestora percebeu que os mesmos estudantes participavam oralmente da aula e, como oportunidade de ampliação de participação dos demais, sugeriu o uso de metodologias para assegurar maior engajamento durante as discussões.

Para desenvolver a proposta houve busca pelas orientações presentes nos PCN (Brasil, 1997) e na BNCC (Brasil, 2017) ao indicar que o ensino de línguas deve ser mediado pelos gêneros textuais em práticas situadas, ou seja, em situações reais ou que se aproximem, ao máximo, do uso em dado contexto. Logo, a epistemologia para a ação se baseia nos estudos do letramento e no ensino da oralidade conforme destacam os documentos citados e as orientações da Seduc/SP.

Retomando as orientações de Biasi-Rodrigues (2008), antes da produção textual oral ou escrita é preciso que ocorram atividades que possibilitem a reflexão, dentre outros aspectos, sobre: as características formais e linguísticas do gênero a ser produzido, o papel dos interlocutores envolvidos e os propósitos comunicativos que orientam a realização da situação comunicativa. Convêm, portanto, a apreensão e a apropriação do gênero e, posteriormente, a experiência para vivenciar e demonstrar habilidades comunicativas em um contexto de uso significativo da linguagem.

A atividade encontra concordância com a afirmação de Oliveira (2020, p. 446), ao frisar que:

Acreditamos que a escola precisa tomar para si a tarefa de levar os alunos a irem além do domínio do oral cotidiano e buscar meios para que o ensino da oralidade formal tenha efetivamente seu espaço no ambiente escolar. É preciso, por conseguinte, empreender atividades que mostrem aos alunos que há gêneros da oralidade que demandam controle consciente e voluntário do próprio comportamento e que exigem preparação.

A proposta foi planejada para ser desenvolvida em oito aulas de 45 minutos cada. Entre as atividades realizadas estão: o conhecimento do gênero, o planejamento, a efetivação da ação e a avaliação da experiência. As aulas foram ministradas durante o mês de maio de 2024, entre os dias 14 e 28, conforme descrito no Quadro 1.

Quadro 1: Organização das aulas

Data

Aula

Carga horária

Atividade(s) desenvolvida(s)

14/05

Argumentação planejada

90 min.

(2 aulas)

Apresentação da proposta da sequência de atividades e produção textual de argumentação em defesa de tema do cotidiano que gera discordância

16/05

Debate – a preparação

90 min.

(2 aulas)

Apresentação em PowerPoint, pelo professor, sobre o gênero e as regras do debate

21/05

Debate – a apresentação

90 min.

(2 aulas)

Debate com exposição oral de argumentos e posições contrarias e favoráveis aos temas

23/05

É preciso avaliar

90 min.

(2 aulas)

Perguntas escritas na lousa que geraram uma roda de conversa para avaliar a situação de aprendizagem realizada e o desempenho dos envolvidos

A primeira atividade, realizada no dia 14 de maio de 2024, compreendeu o planejamento de argumentos para defender questões do cotidiano que suscitam contrariedades. Para isso, a turma foi dividida em grupos de quatro participantes que, posteriormente, foram subdivididos em duplas pelos próprios estudantes.

Na sequência, eles sortearam um dos papéis com os temas que foram propostos: Coca ou Fanta, Pelé ou Maradona, frio ou calor, filme ou série. Cada grupo precisava elaborar e registrar por escrito, a partir do seu conhecimento de mundo e de pesquisas na internet usando os celulares, os argumentos contra e a favor dos temas escolhidos por eles para realizar a leitura oral para a turma. Essa ação é orientada por Bagagim (2018, p. 354), ao destacar que, para a construção da argumentação, “é primordial a indicação de leituras a respeito do tema a ser abordado na discussão, objetivando a construção dos próprios argumentos dos discentes com base no conhecimento prévio que eles já possuem sobre a temática”.

A atividade teve como objetivo estimular o trabalho cooperativo para a construção de argumentos em defesa de um tema que gera discordância e desenvolver a atenção e o respeito ao ouvir e respeitar a posição contrária. Ademais, após a leitura dos argumentos de cada dupla, a turma votou e escolheu qual dupla fez a melhor exposição. Após a leitura de cada dupla, a turma comentou os argumentos dos demais estudantes e, em seguida, foi realizada a votação dos melhores argumentos.

Para esse momento, houve uso de fontes escritas que proporcionaram a ampliação dos conhecimentos e a organização das ideias para o planejamento da argumentação. Desse modo, a atividade relaciona-se à afirmação de Kleiman (2005, p. 22) quando destaca que há “ocasiões em que a fala se organiza ao redor de textos escritos e livros, envolvendo a compreensão dos textos; são eventos de letramento”. Assim, a atividade, apesar de ter como foco o uso da oralidade, foi construída em uma perspectiva na qual o uso da língua e das linguagens é indissociável no processo de comunicação humana.

No dia 16 de maio de 2024, foi projetada pelo professor uma apresentação por meio do aplicativo Powerpoint com a definição do gênero debate e suas características. Sobre o processo de familiarização do estudante com o tema, Bagagim (2018, p. 354) diz que,

para a ocorrência de um debate, faz-se necessário em primeira instância verificar os saberes que os estudantes já têm sobre o gênero, o tipo argumentativo, a linguagem adequada, o tom da voz, o público-alvo de acordo com o tema em discussão, a escuta do outro e a retomada do discurso, os conectores coesivos, as marcas linguísticas, o respeito com o posicionamento do outro, a coerência dos argumentos etc.

É preciso desenvolver habilidades para comunicar, por meio do gênero textual, em dada situação. Para isso, o conhecimento da forma, das regras, do comportamento do interlocutor e do processo de interação é fundamental para a compreensão mútua. Na ocasião também foram apresentados os temas do debate (cotas raciais e limites para o humor) e escritas na lousa as regras do debate.

As regras apresentadas seguiram o material disponibilizado pela Seduc/SP; baseada nesse modelo, a turma realizou ajustes que se adequavam às suas vivências anteriores com o gênero. A Figura 1 dispõe as regras do debate, disponibilizadas no material de orientação da Seduc/SP.

Figura 1: Regras do debate

Fonte: São Paulo, 2024, p. 8-9.

A Figura 1 apresenta dois slides do material disponibilizado pela Seduc/SP para realização do debate. As regras construídas com a turma foram: seguir os comandos do moderador, esperar o outro concluir a fala, utilizar linguagem adequada para o ambiente, respeitar a opinião do outro e o tempo de fala. Para indicar o fim do tempo de fala, foi utilizada uma campainha, conforme combinado no momento. As regras foram combinadas a partir do conhecimento de mundo e experiências anteriores dos estudantes, uma vez que, segundo eles relataram, haviam participado de um debate no Ensino Fundamental.

Na sequência, houve votação para escolha dos debatedores principais e do estudante que atuaria como moderador. Nesse momento, os estudantes tiveram a oportunidade de candidatarem-se como moderadores ou debatedores; os nomes foram escritos na lousa pelo professor, que convidou a turma a votar levantando a mão, a princípio, para as funções de debatedores e depois para moderador. No total, 24 discentes presentes manifestaram interesse em desempenhar essas funções, sendo 12 para a função de mediadores e 12 para a função de debatedores.

A atividade foi realizada no dia 21 de maio de 2024, em dois blocos; o primeiro foi dedicado ao debate da questão das cotas raciais; o segundo, sobre o limite para o humor e a piada. Os estudantes desempenharam as mesmas funções em ambos os blocos.

Durante a apresentação da argumentação, todos os estudantes presentes seguiram as orientações do moderador. Antes de iniciar, ele solicitou que as mesas e cadeiras fossem organizadas de modo que um grupo ficasse de frente para o outro. Foi realizada a apresentação dos líderes (um de cada grupo) e dos debatedores principais (dois de cada grupo) que foram escolhidos e apontados no dia da votação; os demais estudantes acompanharam as argumentações e realizaram complementações ao fim do debate.

Após esse momento, o moderador realizou a leitura das regras estabelecidas e apresentou o primeiro tema a ser debatido: “as cotas raciais ajudam ou atrapalham no combate ao preconceito racial no Brasil?”. Esse tema foi adaptado pelo docente e substituiu o que fora proposto no material, que era prioridade à inovação x proteção da privacidade. Essa mudança pautou-se na observação do docente sobre as temáticas que eram abordadas pelos estudantes nas atividades escolares; portanto, de interesse dos discentes. Essa modificação encontra fundamento em Oliveira (2020, p. 445), quando diz que

ancorar nossas práticas diárias de sala de aula nessa concepção de texto e de sujeitos é um importante passo para refletirmos sobre o que consideramos prioridade nas aulas de Língua Portuguesa, tendo em mente nosso compromisso como educadores, os quais desejam contribuir para a formação de cidadãos pensantes e que não se calam frente a injustiças.

Nessa ocasião foi perceptível o interesse da turma em participar da atividade e realizar comentários fundamentados em suas pesquisas para enriquecer a discussão. É preciso destacar que esses estudantes geralmente utilizam o celular para fins recreativos mesmo durante as aulas; no entanto, a atividade proporcionou a utilização dessa ferramenta tecnológica como suporte para o ensino na medida em que os discentes demonstraram habilidades para pesquisar e socializar dados e notícias relacionados ao tema.

Nesse processo, foi observado que o grupo que defendeu que “as cotas ajudam no combate ao preconceito” demonstrou mais propriedade para argumentar e questionar os adversários conforme traziam, em sua fala, experiências de vida e dados coletados em notícias, ao passo que o grupo que defendia a extinção das cotas mostrou-se mais tímido, sobretudo no início da atividade.

Os debatedores principais (três de cada grupo) e os demais estudantes presentes na sala de aula trouxeram suas considerações e relacionaram o conteúdo à sua realidade, visto que relataram histórias de familiares, amigos e conhecidos que acessaram o Ensino Superior por meio das cotas raciais. Ao finalizar o debate dessa temática, cada estudante poderia se posicionar sobre a sua percepção; nesse sentido, pessoas que foram contrárias às cotas devido à função assumida no debate argumentaram conforme as suas percepções do tema e valores.

Nesse momento, todos os discentes se posicionaram quase que de forma unânime a favor das cotas, na medida em que apontavam a necessidade dessa política afirmativa diante do cenário de desigualdade da sociedade brasileira. Embora alguns tenham destacado que deveriam existir outros mecanismos para substituí-las, quando questionados pelo docente, a turma deliberou que as cotas constituem um meio para diminuição do preconceito na sociedade brasileira. Desse modo, a atividade contribuiu para a “formação de sujeitos capazes de entender as teses subjacentes aos discursos alheios e de veicular com clareza as suas próprias ideias e defendê-las” (Oliveira, 2020, p. 448).

Ao término, somente três estudantes se abstiveram, ao afirmarem não ter posição definida sobre o assunto. Assim, de modo geral, a turma portou-se de maneira respeitosa perante os questionamentos, argumentos e relatos trazidos pelos adversários no decorrer do debate.

Na sequência, ainda no mesmo dia, o moderador anunciou o segundo bloco do debate acerca de outro tema controverso: “existe limite para o humor ou pode-se fazer piada com qualquer assunto?”. Embora o material propusesse apenas um tema, o docente achou pertinente propor dois temas para discussão, com o intuito de mostrar a diversidade de questões que existem e geram controvérsias na sociedade e assegurar que um número maior de discentes trouxesse suas posições, pois a variedade de temas possibilitaria esse engajamento.

Nesse momento, vieram à tona questões pessoais entre estudantes da classe, e foi necessária a intervenção do moderador. Para isso, o docente lembrou à turma que se tratava de uma atividade pedagógica; portanto, pautada no respeito. Durante a atividade, foi notória a necessidade de intervenção do moderador e do docente para reflexão e desenvolvimento da habilidade de escuta do argumento contrário, como destacam Costa (2009), a BNCC (2017) e o Currículo Paulista (2020).

Em continuidade, o grupo favorável à existência de limite ou de um mecanismo de moderação para o humor mostrou-se mais desinibido, porém o outro que argumentou de maneira contrária se posicionou, embora tenham dito de antemão que estavam defendendo aquela posição porque havia sido feito um sorteio e que os argumentos e fatos trazidos não representavam seus posicionamentos pessoais.

A atividade contribuiu para um aspecto ressaltado por Oliveira (2020, p. 452), ao discorrer que

outra vantagem de se trabalhar a oralidade por meio do gênero debate regrado é o fato de o aluno ser levado a posicionar-se frente a questões que se apresentam na vida em sociedade, uma vez que o pleno exercício da cidadania está atrelado à possibilidade de exposição do próprio ponto de vista e à convivência com posições ideológicas distintas.

Assim, colocar-se em posição contrária é entender que os argumentos de que se discorda partem de vivências e interpretações distintas do mesmo fenômeno e, portanto, devem ser respeitados, conforme orienta a BNCC (Brasil, 2017) ao abordar o trabalho com a oralidade.

O segundo bloco do debate foi mais curto, pois o bloco anterior, com o tema das cotas, instigou a turma a discutir questões como educação, emprego, moradia e mobilidade urbana, relacionando-as à necessidade das cotas para uma reparação histórica, conforme apontado em determinado momento por um estudante.

Pela situação relatada, é possível identificar que os alunos relacionaram dados, notícias, reportagens e fatos que circulam em grandes veículos de imprensa para corroborar suas opiniões, mas em determinados momentos trouxeram frases e falas do senso comum. Desse modo, eles foram orientados pelo professor acerca do cuidado com as fontes pesquisadas, para serem confiáveis e evitarem as lacunas e fragilidades da argumentação.

No dia 23 de maio de 2024, houve a avaliação oral do desempenho dos envolvidos na ação. Para essa aula, o professor elaborou perguntas e escreveu-as na lousa a fim de que os estudantes refletissem sobre a aprendizagem vivenciada, conforme observado no Quadro 2.

Quadro 2: Avaliação da atividade

Questão

Síntese das respostas

1. O que aprendi após participar do debate?

Desenvolver o respeito à opinião do outro e interagir expressando uma posição.

2. Quais os pontos positivos da atividade?

Cooperação, organização, participação e comunicação.

3. Quais os pontos negativos da atividade?

Fuga do tema e desinteresse de alguns colegas em expressar uma posição.

4. Qual a avaliação da postura da turma durante o debate?

Adequada.

5. Qual a avaliação das intervenções do professor?

Contribuíram de forma positiva para o bom andamento da atividade.

6. Qual a avaliação da postura do moderador e dos líderes?

A postura do moderador foi aprovada, na medida em que seu desempenho garantiu o cumprimento das regras. Os líderes dos grupos e debatedores foram avaliados positivamente quanto à postura esperada para a ocasião, de uso formal da língua.

Por meio da simulação do debate regrado, os estudantes puderam compreender e experienciar o uso da leitura e da escrita na situação comunicativa. Logo, como afirma Kleiman (2005), eles desenvolveram letramentos que permitem que ajam nessas situações conforme as convenções sociais de uso do sistema linguístico, a partir do seu conhecimento de mundo, como afirma Bagagim (2018).

Com a atividade, foi possível, mediante questões que geram percepções sociais diferenciadas, estimular a pesquisa em fontes confiáveis, comunicar-se pelo uso formal da língua para expressar pontos de vista, respeitar opiniões contrárias à sua e buscar argumentos para desconstruir ideias que se consideram equivocadas e empregar habilidades citadas por Costa (2009) e Oliveira (2020) e em documentos que orientam as práticas educacionais, como os PCN (Brasil, 1997) e a BNCC (Brasil, 2017).

Essa atividade mediada pela escola contribuiu para a compreensão do papel do estudante como agente transformador da realidade social (Carvalho; Martins, 2009), bem como para instrumentalizá-los na utilização da fala para ampliação da participação social (Almeida, 2012), na medida em que fomentou a análise de argumentações contrárias entre si e seu posicionamento frente à temática.

Considerações finais

O texto buscou refletir sobre o emprego do debate regrado na promoção das habilidades EM13LGG303 e EM13LP16 para o desenvolvimento da oralidade em uma turma de 1ª série do Ensino Médio da rede pública de São Paulo.

Na BNCC e nos PCN, documentos que orientam o ensino de Língua Portuguesa, a oralidade é uma das habilidades necessárias para o uso proficiente desse sistema linguístico em práticas comunicativas; essa ação promovida pela escola deve basear-se no uso situado local e socialmente das manifestações da língua presentes no ato comunicativo. Desse modo, ensinar a língua implica possibilitar situações que promovam o seu uso assertivo para a finalidade que se deseja obter na interação.

Nesse sentido, o debate regrado, por ser um gênero argumentativo da oralidade, deve fazer parte das atividades propostas pela escola, tendo em vista que desenvolve diferentes habilidades que permitem ao estudante ter uma atitude ativa diante da informação e argumentação dos seus pontos de vista fundamentados em dados, fatos, notícias e vivências. Para isso, é preciso conhecer o gênero, a situação, o interlocutor, o assunto, as regras comunicativas no desenrolar da interação entre outros saberes necessários para portar-se e posicionar-se de maneira assertiva.

Cabe à escola, promover momentos nos quais os estudantes aprendam a respeitar a opinião contrária sem anular-se diante da argumentação do outro. Em outras palavras: é preciso aprender a compreender para contra-argumentar, utilizando argumentos fundamentados, de fontes confiáveis e com dados que se relacionem à sua vida e para a melhoria da qualidade de vida da comunidade.

Para isso, é preciso um planejamento que estimule a busca em fontes diversas, que permitam a ampliação de conhecimentos e a internalização de comportamentos que possibilitem a exposição de opiniões com fatos e comportamentos que convençam o interlocutor. Desse modo, a experiência contribui com a formação cidadã, na medida em que instrumentaliza o estudante a refletir sobre a informação e a promover discussões que ampliem o conhecimento sobre o assunto, de modo a fomentar a reivindicação por melhorias na qualidade de sua vida e na da comunidade.

Referências

ALMEIDA, M. J. de. Ensinar Português? In: GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula. 5ª ed. São Paulo: Anglo, 2012. p. 10-16.

ANTUNES, I. Noções preliminares sobre o texto e suas propriedades. In: ANTUNES, Irandé. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola, 2010. p. 29-44.

BAGAGIM, N. C. O debate regrado e a construção de competências e habilidades orais no 9º ano do Ensino Fundamental. Revista Práticas de Linguagem, v. 8, nº 2, p. 352-360, 2018. DOI: https://doi.org/10.34019/2236-7268.2018.v8.28336.

BIASI-RODRIGUES, B. A abordagem dos gêneros textuais no ensino da Língua Portuguesa. In: PONTES, Antônio Luciano; COSTA, Maria Aurora Rocha (org.). Ensino de língua materna na perspectiva do discurso: uma contribuição para o professor. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2008. p. 33-50.

BRASIL. MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC, 1997.

BRASIL. MEC. Base Nacional Curricular Comum. 3ª versão. Brasília: MEC, 2017.

CARVALHO, L. de F. C. de.; MARTINS, S. A. de F. Letramento: alfabetização de qualidade uma questão multidisciplinar. Sciencutl, v. 1, nº 1, p. 272-279, 2009.

COSTA, S. R. Dicionário de gêneros textuais. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

DALTRO, M. R.; FARIA, A. A. de. Relato de experiência: Uma narrativa científica na pós-modernidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 19, nº 1, p. 223-237, jan./abr. 2019. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/43015 Acesso em: 14 jul. 2024.

FORTUNATO, I. O relato de experiência como método de pesquisa educacional. In: FORTUNATO, I.; SHIGUNOV NETO, A. (org.). Método(s) de pesquisa em Educação. São Paulo: Hipótese, 2018. p. 37-50.

GOMES-SANTOS, S. N. Modos de apropriação do gênero debate regrado na escola: uma abordagem aplicada. D.E.L.T.A., nº 25, v. 1, p. 39-66, 2009. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/delta/article/view/28205 Acesso em: 16 jul. 2024.

KLEIMAN, A. B. É preciso ensinar o letramento? Não basta ensinar a ler e a escrever? Campinas: Cefiel/IEL/Unicamp, 2005.

KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. 10ª ed. São Paulo: Contexto, 2010.

MARCUSCHI, L. A.  Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco “falada”. In: DIONÍSIO, A. P.; BEZERRA, M. A. O livro didático de Português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

OLIVEIRA, S. R. S. de. Oralidade formal e argumentação: a importância de se trabalhar com o gênero debate regrado na Educação Básica. Letras, Santa Maria, nº 1, edição especial, p. 443-461, 2020.

PRODANOV, C. C.; FREITAS, E. C. de. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2ª ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.

SÃO PAULO (Estado). Diretrizes do Programa de Ensino Integral. São Paulo: Seduc-SP, 2014. Disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/342.pdf. Acesso em: 3 ago. 2024.

SÃO PAULO (Estado). Currículo Paulista. São Paulo: Seduc-SP, 2020. Disponível em: http://www.escoladeformacao.sp.gov.br/portais/portals/84/docs/pdf/curriculo_paulista_26_07_2019.pdf. Acesso em: 1 set. 2024.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 3ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.

Publicado em 10 de setembro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

FRANÇA, Leandro de Souza; CORRÊA, Adriana Moreira de Souza. Debate regrado: um relato de experiência em uma turma da 1ª série do ensino médio da rede pública estadual de São Paulo. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 34, 10 de setembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/34/debate-regrado-um-relato-de-experiencia-em-uma-turma-da-1-serie-do-ensino-medio-da-rede-publica-estadual-de-sao-paulo

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.