Impactos da pandemia: compreensões de docentes de uma escola pública de São Carlos/SP

Cristiele Alves Pereira

Especialista em Educação: Ciência, Tecnologia e Sociedade (IFSP – Câmpus São Carlos), professora de Língua Portuguesa da rede estadual de São Paulo em Campinas/SP

Fábio Ricardo Mizuno Lemos

Doutor em Educação (PPGE/UFSCar), professor do IFSP – Câmpus São Carlos, líder do Núcleo de Investigações Progressistas em Educação (Ninped/IFSP)

A suspensão de aulas presenciais no Brasil devido à pandemia da covid-19 produziu impactos no sistema de ensino, os quais acentuaram ainda mais a desigualdade educacional do nosso país, uma vez que ficou evidente o abismo entre escolas públicas e privadas.

Esse contraste ficou demonstrado em artigo publicado no portal Melhor Escola (2024):

As diferenças para os alunos das escolas públicas são cada vez mais desafiadoras. Isso porque, com as escolas fechadas, as famílias com menos recursos não tiveram outra opção a não ser deixar o estudo em segundo plano. Em novembro de 2020, quase 1,5 milhão de crianças e adolescentes não estavam frequentando a escola (remota ou presencialmente) no Brasil. Outros 3,7 milhões de alunos matriculados na rede pública de ensino não conseguiram manter a rotina de estudos em casa por falta de recursos. Um estudo do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic) mostrou que as questões mais apontadas pelas pessoas das classes D e E para abandonar as salas de aula foram: necessidade de buscar um emprego; de cuidar da casa; e a falta de equipamentos tecnológicos, como tablets, computadores ou celulares, para acessar às aulas (Melhor Escola, 2024, n. p.).

Barbosa, Anjos e Azoni (2022, p. 2) afirmam que “o cancelamento das aulas ocorreu em cerca de 60% das escolas, prejudicando mais de um bilhão de estudantes ao redor do mundo e cerca de 52 milhões no Brasil”. Trezzi (2021, p. 10) destaca que “dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio (PNAD Contínua) 2020 mostram que 25% das famílias brasileiras ainda não têm acesso à internet, ou seja, cerca de 50 milhões de famílias”. Assim, o ensino remoto emergencial revelou-se excludente para as famílias desfavorecidas, já que muitas escolas não conseguiram proporcionar acesso remoto devido à falta de recursos tecnológicos adequados.

Para Trezzi (2021, p. 11-12),

a pandemia de covid-19 escancarou uma realidade educacional que já era conhecida. Essa realidade mostrou-se extremamente cruel e desumana, pois, além de acentuar a desigualdade, fez com que muitas famílias, que já passavam privações, economizassem ainda mais para a aquisição de equipamentos, ainda que rudimentares, para acessar as aulas remotas. Outros sequer conseguiram.

Agora, passado o período de impossibilidade de aulas presenciais devido ao isolamento, quais os impactos causados aos estudantes de escolas públicas? Quais as percepções dos docentes sobre essas dificuldades?

A educação pública brasileira já enfrentava problemas de evasão escolar e defasagens, conforme publicação do Unicef (2018, p. 4):

Segundo o Censo Escolar 2017, 12% dos estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental têm dois ou mais anos de atraso escolar. Nos anos finais do Fundamental, o índice passa a 26% [...]. Grande parte dessas meninas e desses meninos ingressaram na escola na idade correta, mas não tiveram seu direito à educação devidamente assegurado e não estão aprendendo os conteúdos curriculares adequadamente. Tal fato impactará negativamente suas trajetórias escolares, levando muitos a abandonar a escola.

Mas como esse cenário das defasagens se apresenta atualmente, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental (etapa que apresenta maior índice de defasagem)? Procurando responder a esse questionamento, sem pretensões de generalização, a presente pesquisa buscou compreender quais são as dificuldades que estão sendo enfrentadas por docentes dos anos finais do Ensino Fundamental de uma escola pública de São Carlos/SP, bem como quais ações os docentes estão realizando para superá-las.

Metodologia

A metodologia adotada por este estudo foi qualitativa, sendo utilizada a coleta de dados por meio de entrevista. Segundo Gil (2008), a entrevista é uma técnica em que o investigador se apresenta frente ao entrevistado e lhe formula perguntas com o objetivo de obtenção de dados por meio de uma interação social, além de ter finalidade diagnóstica e orientadora. As entrevistas foram conduzidas de forma individual e gravadas remotamente, nos meses de março e abril de 2024, utilizando um smartphone. Participaram do estudo seis professores (Quadro 1), que ministram aulas nos anos finais do Ensino Fundamental em uma escola pública localizada no município de São Carlos/SP.

Quadro 1: Caracterização dos entrevistados

Docente

Sexo/Idade

Disciplina/Ano

Professora 1

Feminino/53 anos

Ciências/8° e 9° anos

Professora 2

Feminino/28 anos

Língua Portuguesa, Orientação de estudos/6°, 8° e 9° anos

Professor 3

Masculino/38 anos

Matemática, Educação Financeira/9°ano

Professor 4

Masculino/33 anos

Geografia/7°, 8° e 9° anos

Professora 5

Feminino/28 anos

Língua Inglesa, Orientação de Estudos/6°, 7°, 8° e 9°anos

Professora 6

Feminino/52 anos

História e Geografia/6°, 7° e 8° anos

A escola está localizada em um bairro popular e atende aproximadamente mil estudantes, distribuídos nas etapas de Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos e Ensino Técnico, organizados nos três períodos do dia. Os estudantes provêm de diversos bairros, incluindo áreas rurais, e suas famílias possuem perfis socioeconômicos variados, abrangendo diferentes níveis de renda.

As entrevistas foram semiestruturadas, ou seja, derivadas de um plano prévio, em que se define e registra, em ordem lógica para o(a) entrevistador(a), o essencial do que se pretende obter, havendo, a partir das respostas, possibilidade de complementações (Amado, 2014). As perguntas foram:

  1. Considerando o contexto do ensino e da aprendizagem nos anos finais do Ensino Fundamental, quais dificuldades decorrentes da pandemia de covid-19 você encontra atualmente?
  2. Quais práticas você tem realizado a fim de minimizar essas adversidades?

As entrevistas foram transcritas integralmente e analisadas conforme o desenvolvimento de categorias de codificação (Bogdan; Biklen, 1994). Primeiramente, os trechos significativos para o objetivo da pesquisa foram identificados e destacados como unidades de significado. Em seguida, essas unidades foram analisadas em busca de regularidades, padrões e tópicos recorrentes. Durante esse processo, foram identificadas palavras e frases representativas desses elementos. Posteriormente, essas palavras e frases foram organizadas em categorias, com o objetivo de classificar os dados descritivos de maneira que o material relacionado a cada tópico específico pudesse ser separado e analisado individualmente (Bogdan; Biklen, 1994).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-IFSP) no parecer nº 6.227.456, e todos os seis docentes concordaram em participar voluntariamente, preenchendo e assinando o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Resultados e discussão

O Quadro 2 apresenta a síntese das categorias resultantes dos discursos coletados, acompanhadas de suas respectivas unidades de significado (trechos significativos), numeradas em sequência conforme sua incidência nas entrevistas. A ausência de numeração em algumas categorias indica que não foram identificadas unidades relacionadas à temática nos discursos desses professores. Por exemplo, não foram encontradas no discurso da Professora 5 unidades significativas relativas à categoria A) Dificuldades socioemocionais e socioeconômicas.

Com base na análise das entrevistas, foram construídas as seguintes categorias:

a) dificuldades socioemocionais e socioeconômicas;

b) ações relacionadas ao ensino, aprendizagem e habilidades socioemocionais; e

c) problemas na alfabetização e novas demandas de trabalho.

Quadro 2: Categorias e unidades de significado

Discursos/
Categorias

Professora 1

Professora 2

Professor

3

Professor

4

Professora 5

Professora 6

A) Dificuldades socioemocionais e socioeconômicas

1; 3; 4

2; 3; 4; 5; 6; 7; 8

1; 2; 3; 4; 5; 6; 7

1; 2; 3; 4; 5; 6

-

1; 2; 3

B) Ações relacionadas ao ensino, aprendizagem e habilidades socioemocionais

5; 6; 7

9; 10

-

7; 8; 9; 10

2; 4; 5; 6; 7; 8; 9; 10; 11

4; 5; 6; 7; 8

C) Problemas na alfabetização e novas demandas de trabalho

2

1; 11

-

-

1; 3

-

A) Dificuldades socioemocionais e socioeconômicas

As dificuldades socioemocionais enfrentadas pelos estudantes durante e após a pandemia são significativas, refletindo-se em diversos aspectos de sua vida acadêmica e pessoal. As habilidades e as características socioemocionais são essenciais para que os indivíduos se relacionem com os outros e consigo mesmos, e a pandemia exacerbou muitas das dificuldades já existentes, além de criar novas (Fonseca, 2023).

Analisando os dados coletados, percebe-se que os desafios relacionados às habilidades sociais são uma adversidade comum a todos os professores entrevistados, já que, de acordo com Akiyoshi et al. (2023, p. 2),

ao retornar para a escola, muitos alunos depararam-se com a dificuldade em socializar-se, não são todos que necessitam de espaço físico para a aprendizagem, mas para o desenvolvimento faz muita diferença, e durante essa experiência, de aulas remotas, os alunos e professores sentiram-se mais sobrecarregados e observados do que o comum. Há um ponto a ser destacado, sobre a dificuldade dos alunos e talvez de professores quanto ao acesso às aulas remotas e atividades, mas principalmente de alunos porque não foi planejado, e sim, parte de planos de contingências para atender decretos e recomendações de saúde. Durante o período da pandemia foi necessário mudar toda estrutura social, e a desigualdade social e tecnológica foi se destacando.

A Professora 1 relata que, atualmente, seus alunos apresentam “falta de atenção” (unidade 3) e “vício em celular, falta de compromisso” (unidade 4), evidenciando como o uso intensivo de tecnologia e a ausência de um ambiente estruturado de aprendizado afetam negativamente a concentração e o comprometimento dos estudantes. Esse ponto é reforçado pela Professora 2, que observa uma “defasagem neles com que às vezes é difícil de lidar em sala de aula” (unidade 2), impactando a autoestima dos alunos e dificultando sua inserção no contexto escolar (unidade 4). Tal defasagem pode decorrer da interrupção abrupta das aulas presenciais e da adaptação inadequada ao ensino remoto, que não supriu completamente as necessidades educacionais e emocionais dos estudantes (Oliveira; Borges; Silva, 2023).

O Professor 3 destaca o uso excessivo de telas e redes sociais, jogos violentos e abuso de tecnologias como fatores que prejudicam a concentração dos alunos (unidades 1, 2, 5, 6 e 7). O impacto dessas atividades sobre a saúde emocional é um aspecto crítico a considerar, pois a sobrecarga de estímulos digitais pode ocasionar problemas de atenção e de concentração prolongados (Diniz; Bezerra; Silva, 2023).

Na visão do Professor 4, os jovens “perderam as suas habilidades de convivência em sociedade” (unidade 5) e apresentam atualmente problemas emocionais, como baixa tolerância (unidade 6). Esse relato evidencia como a falta de interação social regular durante a pandemia trouxe consequências negativas para o desenvolvimento das habilidades sociais de crianças e de adolescentes (Akiyoshi et al., 2023). A ausência de um ambiente escolar estruturado, no qual as interações são constantes, prejudicou a capacidade dos alunos de lidar com frustrações e conflitos, resultando em comportamentos inadequados e dificuldades de relacionamento — impactos que perduram até hoje.

A Professora 6 também menciona a dificuldade de engajamento dos alunos e a ausência de contato físico como fatores que afetaram o desenvolvimento socioemocional dos estudantes (unidades 1 e 3). A falta de presença física de professores e colegas contribuiu para um sentimento de isolamento e desconexão, dificultando a motivação e o engajamento nas atividades escolares (Santos et al., 2024).

Com a ausência física do(a) professor(a), essa interação foi delegada aos membros da família. No entanto, de acordo com Pretto, Bonilla e Sena (2020, p. 13), isso nem sempre foi possível:

Para muitas famílias, acompanhar e organizar a rotina escolar em casa, uma vez que, em muitos casos, têm dificuldades relacionadas às condições de trabalho e de formação de seus membros, dificuldades estas que podem se intensificar com relação ao acompanhamento dos/as filhos/as menores, que muitas vezes precisam de uma atenção mais próxima.

Paralelamente, a pandemia acentuou as desigualdades socioeconômicas, refletindo-se diretamente no acesso desigual à educação (Trezzi, 2021; Corrêa; Lemos, 2022). A Professora 2 destaca que alunos em situação de vulnerabilidade ficaram ainda mais desassistidos (unidades 5 e 6), e o Professor 4 aponta a falta de estrutura e de recursos como um grande desafio (unidade 4). Esses alunos, já vulneráveis, enfrentaram barreiras adicionais, como a ausência de dispositivos tecnológicos adequados e de conexão estável à internet, impedindo sua participação efetiva nas aulas remotas.

A Professora 6 enfatiza que a falta de acesso igualitário à tecnologia prejudicou o aprendizado (unidade 2). Essa disparidade tecnológica gerou uma lacuna educacional significativa, em que alunos sem os recursos necessários não conseguiram acompanhar as aulas, resultando em atrasos no aprendizado e no aumento das taxas de abandono escolar (Santos et al., 2024).

Fica evidente que tanto o excesso quanto a escassez de acesso à tecnologia representaram obstáculos relevantes para os estudantes durante a pandemia. Aqueles com acesso limitado enfrentaram dificuldades significativas para acompanhar as aulas remotas, enquanto os que utilizaram intensivamente as telas sofreram com distrações frequentes e impactos emocionais negativos, como dificuldades de concentração e uma maior tendência ao isolamento social.

B) Ações relacionadas ao ensino, aprendizagem e habilidades socioemocionais

As ações relacionadas ao ensino e à aprendizagem envolvem o processo cognitivo dos estudantes e o ato de ensinar e aprender (Reis; Prata; Soares, 2012). A Professora 1 trabalha atualmente de forma mais lenta para facilitar a aprendizagem e utiliza trabalho em grupo para que alunos mais adiantados possam ajudar os colegas com mais dificuldades (unidade 5). Esse método de ensino colaborativo não apenas pode ajudar a reduzir os atrasos no aprendizado, mas também promover um ambiente de apoio e de cooperação entre os alunos (Reis; Prata; Soares, 2012). Além disso, ela implementou “pesquisas usando celulares para minimizar o uso indevido” (unidade 7), transformando o celular de uma fonte de distração em uma ferramenta educativa que pode contribuir para o aprendizado dos alunos.

A Professora 2 defende a recuperação continuada e a identificação das dificuldades individuais dos alunos, ressaltando a necessidade de um trabalho “caso a caso” (unidades 9 e 10). Essa abordagem personalizada é fundamental para atender às necessidades diversas dos alunos, especialmente após um período de interrupção educacional presencial tão prolongado (Santos et al., 2024). O Professor 4 realiza aulas mais dinâmicas para cativar a atenção dos estudantes (unidade 9), reconhecendo a importância de mantê-los engajados e motivados.

A Professora 5 utiliza metodologias ativas, como leitura e escrita, projetos em grupo e jogos educacionais (unidades 4, 5, 6 e 7), enquanto a Professora 6 adapta atividades para torná-las mais significativas e envolventes, considerando a realidade dos alunos (unidades 6 e 7). Essas estratégias inovadoras não apenas podem facilitar o aprendizado, mas também contribuir para reestabelecer um ambiente familiar e acolhedor (Reis; Prata; Soares, 2012).

Considerando as dificuldades socioemocionais dos alunos que persistem desde o período pandêmico, os professores têm adotado estratégias para auxiliá-los na reflexão sobre suas emoções e no aprimoramento de suas habilidades sociais. A Professora 1 promove conversas para diminuir a falta de atenção e de comprometimento (unidade 6), enfatizando a importância do diálogo aberto e da comunicação como recursos para lidar com questões emocionais.

As metodologias ativas e a dialogicidade presentes nesse momento são importantes para que os estudantes retomem sua autonomia e reforcem suas habilidades socioemocionais, pois, como afirma Freire (2005), o ser humano não pode ser visto isoladamente, sendo necessário que haja estímulos para que ele transforme o contexto em que está inserido.

A Professora 5 integra discussões sobre o impacto da pandemia em seu componente curricular, utilizando essa experiência como ponto de partida para debates e reflexões mais amplas sobre a sociedade e a história recente (unidade 10). Esse tipo de abordagem contextualizada pode ajudar os alunos a compreender melhor suas próprias experiências e a desenvolverem uma visão mais crítica e empática do mundo ao seu redor (Reis; Prata; Soares, 2012).

A Professora 5 desenvolve projetos relacionados a bullying, respeito e empatia para aprimorar as habilidades emocionais dos alunos (unidades 2 e 8), ressaltando a importância das trocas entre colegas e entre professores, especialmente porque muitos enfrentaram a pandemia sem preparo ou formação adequada (unidade 10). Nas palavras da professora: “tá todo mundo junto, nós, professores, nós com os alunos, pra tentar fazer um trabalho legal e compensar nas dificuldades” (Professora 5, unidade 11). Ao promover um ambiente escolar baseado no respeito mútuo e na empatia, os professores podem ajudar a mitigar os efeitos negativos da pandemia sobre a saúde emocional dos alunos e fortalecer sua resiliência emocional (Reis; Prata; Soares, 2012).

A Professora 6 adota práticas centradas no aspecto humano, priorizando a conexão emocional e o compartilhamento de experiências em sala de aula, o que contribui para reestabelecer um ambiente escolar mais acolhedor e colaborativo (unidades 4, 5 e 8). Essas práticas são essenciais para auxiliar os alunos a se readaptar ao ambiente escolar, promovendo um senso de comunidade e apoio mútuo, cruciais para o bem-estar emocional e acadêmico dos estudantes (Reis; Prata; Soares, 2012).

C) Problemas na alfabetização e novas demandas de trabalho

Considerando que os estudantes que atualmente cursam os anos finais do Ensino Fundamental passaram pelos anos iniciais durante a pandemia, é importante ressaltar que enfrentaram desafios significativos no processo de alfabetização. A Professora 1 relata a “falta de conteúdo dos anos iniciais” (unidade 2), enquanto a Professora 2 menciona o impacto negativo na produção textual dos alunos em fase de alfabetização (unidade 1). A ausência de aulas presenciais, fundamentais para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita por meio da interação direta com professores e colegas, pode ter prejudicado severamente o progresso desses alunos (Oliveira; Borges; Silva, 2023).

A Professora 5 também sinaliza problemas na alfabetização, leitura e escrita (unidades 1 e 3), refletindo a necessidade de estratégias eficazes para recuperar esses déficits. As dificuldades enfrentadas por esses alunos no domínio das habilidades básicas de alfabetização podem ter efeitos de longo prazo em sua trajetória educacional, comprometendo o desempenho acadêmico futuro e a capacidade de aprendizagem (Oliveira; Borges; Silva, 2023).

Além dos problemas relacionados diretamente aos estudantes, o ensino remoto emergencial trouxe novas demandas de trabalho para os professores no pós-pandemia. A Professora 2 aponta a dificuldade em conciliar novas atividades com as demandas da Secretaria da Educação, mencionando que essas exigências frequentemente se chocam com suas responsabilidades habituais (unidade 11). Esse aumento da carga de trabalho, sem a devida preparação ou suporte, pode resultar em níveis elevados de estresse e burnout (esgotamento profissional) entre os professores, afetando seu desempenho e bem-estar (Guedes, 2023).

Considerações finais

A análise das entrevistas revela a amplitude das dificuldades enfrentadas durante a pandemia de covid-19 e as medidas adotadas para enfrentá-las. As dificuldades socioemocionais, socioeconômicas e os desafios na alfabetização emergem como questões recorrentes, evidenciando a complexidade dos impactos da pandemia no sistema educacional.

As estratégias implementadas pelos professores, como metodologias ativas, adaptação de atividades e fortalecimento das habilidades socioemocionais dos alunos, demonstram a resiliência e a capacidade de inovação dos educadores diante das adversidades. Esses esforços são fundamentais para garantir que os alunos possam superar os desafios impostos pela pandemia e continuar seu desenvolvimento acadêmico e pessoal de maneira equilibrada.

A falta de socialização durante o período de ensino remoto afetou as habilidades socioemocionais dos alunos, levando a conflitos em sala de aula e ao uso excessivo de dispositivos eletrônicos. A disparidade no acesso à educação on-line evidenciou a desigualdade social e tecnológica entre os estudantes. Além disso, a ausência de conteúdo e de interação direta afetou os alunos em processo de alfabetização, gerando lacunas em sua aprendizagem.

Os professores estão buscando formas de promover um ensino mais dinâmico e inclusivo, adaptando-se às necessidades dos alunos e compartilhando práticas entre si. A colaboração entre os educadores, o compartilhamento de boas práticas e o apoio institucional são elementos essenciais para sustentar a qualidade do ensino e promover um ambiente de aprendizado construtivo e inclusivo.

Diante da fragilidade do acesso à educação durante e após o período de isolamento social, é necessário refletir sobre os prejuízos, desafios e impactos da pandemia, especialmente no campo educacional. Considerando que a educação é um direito de todos (Brasil, 1988), torna-se essencial analisar o contexto educacional e as dificuldades enfrentadas por estudantes e professores no período pós-pandêmico, uma vez que os envolvidos no ensino ainda precisarão superar essas adversidades por alguns anos.

O apoio de gestores e governantes desempenha papel fundamental ao garantir formação contínua e enfrentar as novas demandas surgidas do ensino remoto emergencial — demandas que, em algumas redes de ensino, permanecem até hoje, com a adoção de plataformas digitais como apoio ao ensino. Refletir sobre essas questões é essencial para reduzir as desigualdades educacionais e assegurar uma educação justa e democrática para todos.

Referências

AKIYOSHI, M. C. S.; ARAUJO, B. Y. O.; THEODÓRIO, D. P.; VALENTE, M. M. P. Socialização pós-pandemia: dificuldades encontradas em crianças em escolas de Salesópolis. Revista Científica UMC, v. 8, nº 2, e080200050, p. 1-8, 2023. Disponível em: https://revista.umc.br/index.php/revistaumc/article/view/1907. Acesso em: 23 maio 2024.

AMADO, J. Manual de investigação qualitativa em educação. 2ª ed. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014.

BARBOSA, A. L. A.; ANJOS, A. B. L.; AZONI, C. A. S. Impactos na aprendizagem de estudantes da Educação Básica durante o isolamento físico social pela pandemia da covid-19. CoDAS, v. 34, nº 4, e20200373, p. 1-7, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2317-1782/20212020373. Acesso em: 23 maio 2024.

BOGDAN, R. S.; BIKEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto, 1994.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 maio 2024.

CORRÊA, P. A.; LEMOS, F. R. M. Trabalho docente e aprendizado dos filhos na pandemia: com a palavra os docentes. Motricidades: Revista da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana, v. 6, nº 2, p. 91-101, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.29181/2594-6463-2022-v6-n2-p91-101. Acesso em: 23 maio 2024.

DINIZ, S. S.; BEZERRA, T. A.; SILVA, S. R. Os impactos do uso excessivo da tecnologia em crianças – uma revisão de literatura. Revista Fisio&Terapia, v. 26, nº 127, 2023. Disponível em: https://revistaft.com.br/os-impactos-psicologicos-do-uso-excessivo-da-tecnologia-em-criancas-uma-revisao-de-literatura/. Acesso em: 23 maio 2024.

FONSECA, R. B. S. A prática docente mediante aos desafios da implementação da Lei 13.415/17: a formação de professores para unidade curricular cultural digital. 2023. 117f. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino Tecnológico) – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, Câmpus Manaus Centro, Manaus, 2023. Disponível em: http://repositorio.ifam.edu.br/jspui/handle/4321/1381. Acesso em: 23 maio 2024.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 41ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF). Panorama da distorção idade-série no Brasil. 2018. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/461/file/Panorama_da_distorcao_idadeserie_no_Brasil.pdf. Acesso em: 23 maio 2024.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GUEDES, L. M. Burnout acadêmico: o estresse transicional da vida acadêmica para a profissional. 2023. 62f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Administração de Empresas) – Centro de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/63368/63368.PDF. Acesso em: 23 maio 2024.

MELHOR ESCOLA. Escolas públicas e privadas: pandemia amplia abismo no ensino. Melhor Escola, 2024. Disponível em: https://www.melhorescola.com.br/artigos/escolas-publicas-e-privadas-pandemia-amplia-abismo-no-ensino. Acesso em: 23 maio 2024.

OLIVEIRA, E. C. R.; BORGES, L. M.; SILVA, L. E. P. Alfabetização e letramento e os desafios pós-pandemia: uma reflexão necessária. Revista Acadêmica Caderno de Diálogos, v. 4, nº 1, p. 54-67, 2023. Disponível em: https://periodicos.faculdadefamart.edu.br/index.php/cadernodedialogos/article/view/109. Acesso em: 23 maio 2024.

PRETTO, N. L.; BONILLA, M. H. S.; SENA, I. P. F. S. (org.). Educação em tempos de pandemia: reflexões sobre as implicações do isolamento físico imposto pela covid-19. Salvador: Edição do Autor, 2020.

REIS, V. T. C.; PRATA, M. A. R.; SOARES, A. B. Habilidades sociais e afetividade no contexto escolar: perspectivas envolvendo professores e ensino-aprendizagem. Psicologia Argumento, v. 30, nº 69, p. 347-357, 2012. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/psicologiaargumento/article/download/23290/22363. Acesso em: 23 maio 2024.

SANTOS, A. N. S. et al. Experiência, inclusão escolar e pandemia: desafiando os limites da aprendizagem a partir da experiência dos alunos em tempos de ensino remoto e híbrido. Cuadernos de Educación y Desarrollo, v. 16, nº 5, p. 1-24, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.55905/cuadv16n5-060. Acesso em: 23 maio 2024.

TREZZI, C. A educação pós-pandemia: uma análise a partir da desigualdade educacional. Dialogia, nº 37, e18268, p. 1-14, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5585/dialogia.n37.18268. Acesso em: 23 maio 2024.

Publicado em 08 de outubro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

PEREIRA, Cristiele Alves; LEMOS, Fábio Ricardo Mizuno. Impactos da pandemia: compreensões de docentes de uma escola pública de São Carlos/SP. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 38, 8 de outubro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/38/impactos-da-pandemia-compreensoes-de-docentes-de-uma-escola-publica-de-sao-carlossp

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.