A formação leitora no espaço escolar por meio do cordel

Natália Thalita Vieira Maia

Licenciada em Pedagogia (UERN), pós-graduanda em Alfabetização, Letramento e Psicopedagogia e em Currículo e Prática Docente dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

O projeto Atores Mirins: o Teatro É de Cordel nasceu das particularidades da turma do 1° ano matutino, visto que, os alunos estavam em processo de alfabetização e apresentavam muitas dificuldades na oralidade e desinteresse pelos processos de leitura. Ao perceber a desmotivação na leitura e a inibição para participar dos momentos de interação, que apresentavam inúmeros causadores, idealizamos o projeto. O principal objetivo foi desenvolver o gosto pela leitura, expressividade corporal, autonomia e formação do futuro leitor crítico, contribuindo ainda para exercer a criatividade, a fala e muita diversão.

O livro escolhido para embarcar nesse desafio foi Os animais têm razão, do professor, escritor, cordelista e xilógrafo potiguar Antônio Francisco. O cordel escolhido foi recentemente transformado em livro com ilustrações bastante atrativas e encantadoras e foi utilizado durante o desenvolvimento do projeto.

A metodologia do trabalho foi um relato de experiência com pesquisa descritiva exploratória, pautado na observação e intervenção, com embasamento de autores como Freire (2003), Abramovich (2009) e Rubem Alves (2008), entre outros relevantes para esta pesquisa.

A metodologia escolhida para esse projeto foi a pesquisa descritiva, que narra através de vivências, observação em sala de aula, avaliação diagnóstica e execução do projeto de intervenção. O trabalho foi desenvolvido durante um mês e meio e teve como culminância a realização da I Feira Cientifica e Cultural na escola, evento aberto ao público.

Despertando o gosto pela leitura

Hodiernamente, o interesse pela leitura está sem prioridade na vida do ser humano. Algo que contribui de diversas formas para o desenvolvimento intelectual foi de forma abrupta retirada do cotidiano; a falta de acesso a ambientes com livros e de adultos que incentivem a leitura tem impactado negativamente o interesse das crianças e a possível formação do gosto pela leitura. Essa realidade preocupa os professores e mantém as bibliotecas vazias e os livros sempre novos nas prateleiras.

A literatura de cordel, prática de leitura oriunda dos poemas populares, carrega consigo ensinamentos passados por gerações, conhecimentos culturais de um povo e seus costumes. Apresentar o cordel e utilizá-lo no espaço escolar promove e fortalece a sala de aula de conhecimentos interdisciplinares e promove a investigação dos alunos. O cordel não apenas desperta o interesse dos alunos pela leitura como também os envolve em uma jornada de descoberta e aprendizado sobre a cultura e a história de seu próprio povo. Explorar os temas e elementos presentes nos cordéis oferece aos alunos a oportunidade de ampliar seus horizontes, desenvolver habilidades de análise crítica e se conectar de forma mais profunda com sua identidade cultural.

O desenvolvimento do projeto esteve pautado principalmente nos benefícios da contação de história e exploração do livro que seria trabalhado. Os alunos se mostravam com interesse ao ouvir a história, suas particularidades, seus novos conhecimentos, sua forma descritiva, sendo um cordel com palavras rimadas e ilustrações encantadoras.

E o objeto-livro... há tanto o que perceber, o que comentar, o que olhar, o que opinar  a respeito! [...] A começar da capa (se bonita, feia, atraente, boba, sem nada a ver com a narrativa...), do título – que, afinal, é o primeiro contato que se tem com o volume: o impacto visual e curiosidade despertada ou adormecida... (Abramovich, 2009, p. 145).

Como aborda a autora, o livro tem muitas particularidades a serem exploradas e que promovem curiosidade no leitor, mesmo que muitas vezes os alunos não estejam alfabetizados. Como afirma Freire (2003), no ambiente letrado, os alunos já se apropriam de seus significados e se inserem nesse processo muito antes de frequentar a escola.

No desenvolvimento do projeto foram traçados alguns caminhos para percorrer: no passo 1, apresentação do livro, leituras em voz alta, com expressão corporal e entonação dos animais, realizada pela professora diariamente. Explorando os animais, as letras e a compreensão do livro.

No passo 2, continuamos com a leitura compartilhada, e exploração dos elementos do cordel: o juazeiro, as plantas do sertão, o clima, o bioma e os animais da caatinga.

No passo 3, realizamos uma pesquisa sobre a biografia do autor e suas obras e desenvolvemos produções de pinturas (galeria dos personagens e xilogravura) para a exposição no dia da culminância do projeto na I Feira.

O último passo foi a confecção da arte da camiseta para a apresentação na Feira; os alunos, juntos, realizaram uma releitura da capa do livro em desenho único.

Atores mirins e o teatro de cordel

O desenvolvimento da intervenção proporcionou inúmeros momentos prazerosos para as crianças. Todas as etapas planejadas foram executadas com sucesso, incluindo o processo de alfabetização e escrita em todas as atividades. O livro de cordel tornou-se um aliado crucial nesse processo, facilitando a implementação das propostas curriculares e as adaptações necessárias.

Por meio do cordel, as crianças puderam não apenas se envolver nas atividades teatrais, mas também explorar a linguagem escrita de forma lúdica e significativa, contribuindo para seu desenvolvimento cognitivo e suas habilidades de leitura e escrita. Assim, a combinação do teatro de cordel com o processo de alfabetização provou ser uma estratégia eficaz e enriquecedora para o aprendizado dos alunos.

O livro leva a criança a desenvolver a criatividade, a sensibilidade, a sociabilidade, o senso crítico, a imaginação criadora, e algo fundamental: o livro leva a criança a aprender o português. É lendo que se aprende a ler, a escrever e interpretar. É por meio do texto literário (poesia ou prosa) que ela vai desenvolver o plano das ideias e entender a gramática, suporte técnico da linguagem. Estudá-la desconhecendo as estruturas poético-literárias da leitura é como aprender a ler, escrever e interpretar e não aprender a pensar (Prado, 1996, p. 19).

O autor destaca que é no processo que nos constituímos e nos tornamos quem somos. No contexto específico dos alunos instigados por uma prática escassa em sala de aula, vários fatores contribuíram para esse cenário, sendo o desafio um deles. Muitos colegas de escola duvidaram do resultado dessa abordagem pouco convencional. No entanto, o teatro proporcionou aos alunos uma experiência transformadora, concedendo-lhes autonomia, abrindo novos horizontes e fortalecendo sua segurança na encenação. Essa vivência os ajudou a desenvolver habilidades teatrais e os capacitou a superar desafios e acreditar em si mesmos, desafiando as expectativas dos outros e, principalmente, as suas próprias.

Quando as situações lúdicas são intencionalmente criadas pelo adulto com vistas a estimular certos tipos de aprendizagem, surge a dimensão educativa. Desde que mantidas as condições para a expressão do jogo, ou seja, a ação intencional da criança para brincar, o educador está potencializando as situações de aprendizagem (Kishimoto, 1996, p. 36).

Os alunos foram imersos em uma nova prática, já que era o primeiro ano deles em uma modalidade diferente. Rapidamente, eles se encantaram pela proposta, uma forma lúdica intencionada que gera novos conhecimentos. Durante as aulas, estabelecemos uma rotina adaptada para a realização do projeto, na qual os alunos já tinham conhecimento prévio das atividades planejadas para o dia. Esse planejamento se mostrou fundamental para a efetivação do projeto, pois foi intencional e com objetivos claros para alcançar resultados específicos.

Ademais, a literatura de cordel fortaleceu as aulas interdisciplinares desenvolvidas, de modo que os alunos conseguiram explorar diversos âmbitos e investigar para além do espaço escolar.

O teatro se revelou uma prática extremamente importante para o ensino e a aprendizagem crítica dos alunos. Além de despertar o interesse e o entusiasmo das crianças, o teatro proporcionou oportunidades para desenvolverem habilidades como expressão corporal, comunicação, trabalho em equipe e criatividade. Essa abordagem multifacetada não apenas enriqueceu o processo educativo como também permitiu que os alunos se envolvessem de forma mais profunda e significativa com os conteúdos curriculares. Assim, o teatro se tornou uma ferramenta valiosa para promover uma aprendizagem mais dinâmica e reflexiva, preparando os alunos para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo com uma visão crítica e criativa.

O teatro, no processo de formação da criança, cumpre não só a função integradora, mas dá oportunidade para que ela se aproprie crítica e construtivamente dos conteúdos sociais e culturais de sua comunidade mediante trocas com os seus grupos. No dinamismo da experimentação, da influência criativa propiciada pela liberdade e pela segurança, a criança pode transitar livremente por todas as emergências internas integrando imaginação, percepção, emoção, intuição, memória e raciocínio (Brasil, 1997, p. 84).

O teatro, quando aliado à prática docente e ao ensino de Arte, promove uma dinâmica diferente e enriquecedora na sala de aula. Ele proporciona uma experiência artística única e se torna uma ferramenta poderosa para integrar conteúdos sociais, culturais e locais, enriquecendo assim o aprendizado dos alunos com múltiplos saberes. Ao utilizar o teatro como recurso pedagógico, podemos criar cenários e situações que reflitam questões sociais e culturais relevantes para os alunos, estimulando sua reflexão e análise crítica. Além disso, o teatro permite explorar temas locais e regionais de forma mais autêntica e significativa, conectando os alunos com sua própria identidade cultural e promovendo o respeito pela diversidade.

Antes da realização da I Feira, que seria a culminância do projeto, organizamos a apresentação de duas formas: o teatro do cordel e a exposição (biografia do autor, obras, bioma e animais), devido ao número de alunos (19 alunos), que não contemplariam apenas na peça. Assim foi realizado: ensaiamos as falas dos personagens, visto que eles se apropriaram rapidamente de suas falas, devido aos dias em que realizamos a contação do cordel; nós nos dedicamos, assim, à entonação, às expressões, aos movimentos e ao ritmo.

Os alunos tiveram a oportunidade de conhecer a árvore que é destaque no livro, o juazeiro; um aluno da turma tinha um no sitio e trouxe o fruto para a escola, o juá, para que os colegas que não conheciam pudessem observar e conhecer o fruto que antes era utilizado por outras gerações para fazer sabão e pasta de dente. Os alunos produziram um desenho coletivo da capa do livro do cordel, uma releitura da capa do livro personalizada por todos os alunos para estampar na camiseta dos narradores e expositores da biografia do autor, das obras e animais do nosso bioma.

Figura 1: Releitura confeccionada pelos alunos para a camiseta

Fonte: Acervo pessoal.

No dia da apresentação, na Feira, foi visível o despertar pelo gosto do cordel e da leitura, a autonomia, a atenção e a diversão; eles se divertiram muito encenando, com a caracterização de personagens e expondo o que tinham aprendido sobre o cordel. Todas as experiências contribuíram para que nossos alunos tivessem ganhos no aprendizado e no desenvolvimento de habilidades com o meio social e com o mundo.

No dia da realização da I Feira Científica e Cultural, os alunos apresentaram o teatro e as exposições com total autonomia e muita segurança. Sua entonação e seus gestos estavam muito articulados e emocionantes, transportando verdadeiramente os espectadores para dentro do universo do livro de cordel. Os narradores utilizaram recursos para a leitura das partes mais extensas, enquanto os personagens e o retirante memorizaram as falas; vale salientar que a memorização não se destaca diante da falta de leitores; no final do projeto foi realizada avaliação diagnóstica dos alunos, destacando grandes avanços de nível (do pré-silábico para o silábico e do silábico-alfabético para o alfabético).

O resultado foi uma apresentação envolvente e cativante, na qual os alunos demonstraram não só suas habilidades teatrais como sua compreensão e conexão com a história que estavam contando. Foi um momento de orgulho para todos os envolvidos, evidenciando o impacto positivo que o projeto teve no desenvolvimento dos alunos e na promoção do gosto pela leitura.

Considerações finais

O espaço escolar desempenha papel fundamental na promoção do interesse pelo processo de leitura. Ele se torna o ambiente privilegiado onde ocorrem as interações e as experiências que moldam a relação dos alunos com os livros e a leitura em geral. Nesse contexto, a escola se torna totalmente responsável por estimular e nutrir esse interesse, o qual está intrinsecamente relacionado ao percurso do ensino-aprendizagem, visto que há poucos ambientes que promovem o prazer pela leitura.

Assim, concluímos que o projeto obteve grandes resultados para os alunos, para a comunidade escolar e para a família, que teve muito envolvimento durante todo o processo incentivando os filhos.

Essa experiência destacou a importância de abordagens criativas e contextualizadas para incentivar o hábito da leitura desde os primeiros anos escolares, contribuindo para o desenvolvimento integral dos alunos; promoveu avanços significativos na sua formação e no seu prazer pela leitura, demonstrando o potencial da poesia como ferramenta educativa e motivadora.

O projeto proporcionou aos alunos a aquisição de conhecimentos sobre o tema e abriu portas para oportunidades além da sala de aula.

Os alunos se envolveram com o teatro na escola e receberam convites para apresentações em inaugurações de espaços culturais. Além disso, foram convidados para homenagear o autor da obra Os animais têm razão em um festival gastronômico e cultural muito conhecido na cidade. Na oportunidade, os alunos conheceram o autor, conversaram e apresentaram o teatro de cordel para os presentes.

Isso demonstra o impacto positivo do projeto não apenas no aprendizado dos alunos, mas também no reconhecimento e valorização de seus talentos artísticos pela comunidade e instituições culturais.

Referências

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. 5ª ed. São Paulo: Scipione, 2009.

ALVES, Rubem. Ostra feliz não faz pérola. São Paulo: Planeta, 2008.

AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? Literatura infantil e prática pedagógica. 7ª ed. Petrópolis: Vozes; Natal: Ed. UFRN, 2003.

BRASIL. MEC. Secretária de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.

KISHIMOTO, Tizuko Mochida (org.). Jogos, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 1996.

REVERBEL, Olga. Um caminho do teatro na escola. São Paulo: Scipione, 1997.

Publicado em 15 de outubro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

MAIA, Natália Thalita Vieira. A formação leitora no espaço escolar por meio do cordel. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 39, 15 de outubro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/39/a-formacao-leitora-no-espaco-escolar-por-meio-do-cordel

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