Tipologias discursivas como ferramenta de avaliação no ensino de Ciências: um enfoque para o 8º ano

Adrielly Pereira Ansanelo

Doutoranda em Ensino de Ciências e Educação Matemática (UEL)

Álex de Carvalho Ferreira

Doutorando em Ensino de Ciências e Educação Matemática (UEL)

Carlos Eduardo Laburú

Doutor em Educação (USP), docente da UEL

Osmar Henrique Moura da Silva

Doutor em Educação para a Ciência (Unesp/Bauru), físico na UEL

A comunicação é um processo de transmissão de ideias com intencionalidade de levar precisão de pensamentos e condutas (Buyssens, 1973). Para Volli (2015), comunicar-se significa espalhar informações sobre si mesmo, apresentar-se ao mundo e transmitir uma aparência que é interpretada de forma implícita por qualquer pessoa presente. As informações recebidas são analisadas com base nas experiências individuais, o que faz com que a riqueza de significados presente no mundo varie de pessoa para pessoa, de sociedade para sociedade e de tempo para tempo.

De acordo com Prieto (1973), a relação entre o homem e o ambiente está ligada à utilização de ferramentas criadas para atender necessidades específicas. O autor destaca que os sinais, que são instrumentos que permitem a transmissão de mensagens, ocupam posição de destaque na sociedade. Para Prieto (1973), tudo no universo que tem significado para o homem passa pela interpretação de sinais e é ordenado por eles. Contudo, nem sempre a comunicação é efetiva, uma vez que os participantes devem ser capazes de perceber, distinguir, selecionar e relacionar diferentes classes de mensagens e seus respectivos sinais.

No âmbito escolar, o processo de ensino-aprendizagem ocorre em um ambiente plural e heterogêneo, formado por estudantes que vivenciaram experiências particulares; dessa forma, variados sentidos podem emergir durante o ato comunicativo. Diante da idiossincrasia presente em sala de aula, compreender o processo de comunicação que medeia a elaboração de significados, bem como avaliar a apropriação do conhecimento, torna-se essencial para obter êxito durante as práticas de ensino.

Os conhecimentos oriundos da Semiótica – ciência dos sistemas e dos processos sígnicos na cultura e na natureza, que estuda as formas, os tipos, os sistemas de signos e os efeitos do uso dos signos, sinais, indícios ou símbolos – devem ser incorporados e aplicados ao contexto educacional, pois oferecem modelos gerais do signo e dos processos de comunicação e significação (Nöth; Santaella, 2017) e permitem compreender que a conceituação de um objeto ou fenômeno está intimamente ligada à sua representação (Fidalgo, 1998).

Dada a importância dos modelos instrucionais contemporâneos de o professor estabelecer um ambiente de aprendizado baseado na interação dialógica que considere as construções individuais, ideias e participação ativa dos alunos, assim como avaliar como os estudantes compreendem as mensagens e constroem significados, a incorporação dos fundamentos semióticos torna-se frutífera no ensino de Ciências. A Semiótica aplicada à Educação Científica tem a finalidade de ofertar instrumentos úteis para encaminhar e acompanhar o processo de ensino-aprendizagem visando à construção de conhecimentos com maior significado e profundidade (Lemke, 1998; Prain; Waldrip, 2006; Laburú; Silva; Camargo Filho, 2021).

Diante do exposto, propomos investigar, por meio de uma abordagem analítica fundamentada nas tipologias discursivas, o processo de elaboração de significados durante uma sequência de aulas de Ciências, da temática matéria e energia, no 8º ano do Ensino Fundamental, em que o professor assume o papel de mediador dialógico e provocador de um ensino crítico, reflexivo e metodologicamente plural.

Fundamentação teórica

O processo pedagógico para a construção do conhecimento científico é algo complexo e requer o pluralismo metodológico durante os encaminhamentos didáticos na direção de uma aprendizagem com significado. Isso porque contempla o variado espectro de demandas de ensino e aprendizagem presentes em sala de aula e supera a visão de que a aprendizagem deve obedecer a regras fixas e universais (Laburú; Carvalho, 2005). Para que o ensino alcance a maioria dos aprendizes, é desejável variar a forma de ensinar e considerar práticas em que o aluno se torne também protagonista do seu processo de aprendizagem, pois ser ativo é requisito para o pleno crescimento cognitivo educacional (Kempa; Martin-Dias, 1990; Bacich; Moran, 2018).

Ausubel et al. (1980) e Vygotsky (1998) trouxeram inegáveis contribuições para a compreensão dos processos de ensino-aprendizagem. Esses autores concordam que o indivíduo aprende de maneira ativa a partir do contexto em que está inserido, do que é próximo ao seu nível de competência, significativo e relevante. Ao reconhecer que o processo de aprendizagem é único e diferente para cada aprendiz, esses autores também questionam os modelos tradicionais de ensino, que se concentram na transmissão de conteúdos e na avaliação uniforme (Bacich; Moran, 2018).

Os alunos da Educação Científica não precisam somente reter informação, mas, sim, selecioná-la, organizá-la e interpretá-la para dar sentido. A Educação Científica deve proporcionar aos alunos conhecimentos que os ajudem a construir seu próprio ponto de vista, para que futuramente eles possam "aprender a aprender", pois vivemos na sociedade do aprendizado contínuo (Pozo; Crespo, 2009). As práticas de ensino-aprendizagem vêm sendo orientadas a valorizar procedimentos interativos e comunicativos em que os estudantes são instruídos de maneira sistemática e planejada pelo professor a construir conhecimentos relacionados a determinadas parcelas da realidade. Por esse motivo, mecanismos de construção de significados compartilhados cada vez mais ricos, complexos e adequados são fomentados (Laburú et al., 2020a).

Para Mortimer e Scott (2002), a aprendizagem se dá pela negociação de novos significados num espaço comunicativo em que as interações discursivas são consideradas constituintes do processo de construção de significados. Vygotsky (1998) considera a linguagem como intermediadora da interação entre membros mais e menos experts durante a aquisição do conhecimento e se pauta no entendimento de que a linguagem e o pensamento devem ser compreendidos como uma composição de mecanismos cognitivos indissociáveis. Para ele, a relação do homem com o mundo não é direta, mas mediada pelos signos (Laburú; Silva; Camargo Filho, 2021). Diante disso, compreender o processo de comunicação para mediá-lo durante a construção do conhecimento, bem como avaliar para estabelecer encaminhamentos, é fundamental para uma aprendizagem com maior significado.

Teoria da Comunicação

A fim de entender o processo de comunicação durante o ensino de Ciências nos anos finais do Ensino Fundamental, pautamo-nos na Teoria da Comunicação de Prieto (1973), que destaca, em sua obra Mensagens e sinais, a importância dos sinais para o desenvolvimento da vida social humana. Logo, na medida em que se emitem sinais, os estados de consciência dos sujeitos são reconhecidos, pois sinais emitem mensagens e ambos são elementos indissociáveis da comunicação. Enquanto os sinais são representações semióticas exteriorizadas por meio de um recurso perceptivo, as mensagens são aquilo que transportam os seus significados (Pietro, 1973; Laburú; Silva; Camargo Filho, 2021). É por meio dos sinais que os seres humanos concebem o mundo à sua volta e expressam seus pensamentos para os outros. No entanto, as experiências individuais e as relações de cada sujeito com o sinal podem conduzir à construção de significados divergentes (Prieto, 1973).

Durante a comunicação, o emissor deve dar ao sinal um formato acessível para recepção do destinatário. O trabalho de reconstruir a intenção do emissor e de interpretar a mensagem cabe ao destinatário (Volli, 2015). No ensino, esse trabalho cabe principalmente ao professor orientador/mediador, ainda que o aprendiz seja autoconstrutor do seu conhecimento. Assim como proposto por Prieto (1973), adotaremos os termos emissor e receptor para nos referir ao sentido da mensagem, e eles não devem ser confundidos com os utilizados dentro do modelo instrucional objetivista, baseado em transmissão verbal de informações. Na dinâmica de interação dialógica em sala de aula para a construção de significados, professor e estudantes alternam as funções de emissor e receptor. Durante o ensino, tanto os emissores quanto os receptores devem ser capazes de diferenciar as classes de mensagens e sinais e estabelecer correspondência entre ambas para a compreensão do que está sendo comunicado (Prieto, 1973).

Ao transmitir uma mensagem, o emissor de um sinal realiza um ato sêmico, comunicação que estabelece uma relação social de "informação", "interrogação" ou "ordem" (Prieto, 1973). O ato sêmico está a serviço do emissor que possui a intenção de comunicar uma mensagem específica, mas para obter êxito é necessário que o receptor perceba o propósito e identifique a mensagem com o significado que o emissor quer dar e vice-versa, em razão de o feedback do receptor, via seu ato sêmico, subsidiar o professor para a emissão de novos signos (sinais e indicações circunstanciais). O ato sêmico, portanto, é considerado bem-sucedido somente quando a mensagem que o emissor se propõe a transmitir coincide com aquela que o receptor atribui ao sinal. Nesse caso, admite-se que há compreensão (Prieto, 1973).

De maneira óbvia, o fracasso no ato sêmico ocorre quando a mensagem que o receptor entendeu não foi exatamente aquela que o emissor quis transmitir. Nesse caso, há duas situações de fracasso: má compreensão e não compreensão. O primeiro caso é observado quando a mensagem que o emissor tenta emitir e a mensagem que o receptor atribui ao sinal não são uma única e mesma mensagem – o receptor compreende algo, mas não aquilo que o emissor gostaria que ele compreendesse. A não compreensão ocorre quando o receptor não consegue atribuir ao sinal uma mensagem determinada pelo fato de haver duas ou mais possibilidades de interpretação – o receptor é incapaz de atribuir uma mensagem ao sinal e, por isso, afirma-se não haver compreensão (Prieto, 1973).

Conforme esses referenciais, a Teoria da Comunicação busca compreender os processos de transmissão e recepção de mensagens entre emissor e receptor e fornece fundamentos importantes para o estabelecimento de espaços comunicativos eficientes, que permitam interações discursivas e a negociação de significados no contexto do ensino de Ciências.

Tipologias discursivas

O discurso escrito encontra suas bases nas funções representativas descritiva, narrativa e dissertativa. Dessa forma, há três situações representativas básicas que se constituem em princípios de organização sequencial do discurso verbal: o descrever, o narrar e o dissertar. Santaella (2005) propõe que os três universos representativos básicos, o universo das qualidades, o universo dos fatos e o universo das ideias, correspondem justa e respectivamente à descrição, à narração e à dissertação. Para estabelecer tal correspondência, Santaella (2005) fundamenta-se nas ideias piercianas, pelas quais tudo que a nossa mente é capaz de apreender e tudo que aparece à consciência ocorrem numa gradação de três elementos formais: a qualidade de sentimento (primeiridade), ação e reação (secundidade) e mediação (terceiridade).

A descrição é um tipo de discurso que basicamente visa reconstruir nas palavras as qualidades das coisas captadas pelos nossos sentidos: olhos, ouvidos, tato, paladar, olfato. Dessa forma, o que é descrito é tudo aquilo recebido pelos nossos sentidos, sejam qualidades visualizáveis, sonoras, táteis, gustativas e olfativas. A descrição permeia o registro verbal das impressões de qualidade que as coisas despertam em nossos sentidos. Pode ser apresentada na forma de inventário ou lista do que se é percebido, caracterizando pessoas e lugares. A descrição traduz em linguagem verbal as apreensões sensoriais do que inicialmente não foi refletido, mas declarado. A autora relata que a descrição era considerada pelos antigos como uma definição insuficiente, pois se descreveria o que não se poderia definir (Santaella, 2005).

Na narração registram-se atos concretos e experiências singulares, sejam verídicos ou frutos da imaginação. Nessa tipologia discursiva, a linguagem é estruturada em uma série de eventos temporalmente sequenciais que são encadeados por verbos de ação de modo a gerar algum tipo de conflito, coerção, dúvida, surpresa. A estruturação descritiva e narrativa pressupõe temporalidades distintas. Enquanto na descrição o tempo é contínuo, as mudanças próprias da narrativa recortam o tempo em unidades descontínuas. A descrição não é suficiente para criar uma narrativa, mas esta, por sua vez, não exclui a primeira ao evidenciarmos desvio do fluxo narrativo que tem por finalidade caracterizar lugares ou personagens (Santaella, 2005).

No caso da dissertação, a estrutura organizacional requer uma expressão racional, intelectual e hábitos mentais de inferência. Ela suscita uma realidade que tem forma puramente intelectiva, racional de se expressar e, como tal, tem natureza universal, exigindo familiaridade e hábitos mentais de inferência. Dissertar requer operações mentais que permitam organizar as ideias segundo leis gerais, ou seja, organizá-las em categorias. A dissertação trata de redes conceituais logicamente estruturadas. Há a formação de hierarquias, generalidades, regularidades e sistematicidades apreciadas por meio de leis, regras e fatores causais – portanto, do sentimento de necessidade. A dissertação está organizada de modo a desenvolver conceitos, formular opiniões e responder a perguntas com princípios. Todo discurso com tal configuração nasce de um raciocínio que, consequentemente, se constitui em um argumento, uma vez que implica a passagem de suposições para conclusões guiadas por regras inferenciais (Santaella, 2005).

Então, resumidamente, a linguagem descritiva é um discurso de impressão de qualidade, a linguagem narrativa é um discurso carregado de descrição com sequencialidade de ações e a linguagem dissertativa é um discurso argumentativo, intelectivo, racional que exige familiaridade. É preciso apontar que uma descrição não é suficiente para tipificar uma narração; no entanto, parte dos textos descritivos está imersa na narrativa e parte desta está inserida na dissertação (Santaella, 2005).

Considerando esse caráter qualitativo construtivo gradual, é possível estabelecer níveis de mais sofisticação e aprimoramento discursivo para a aprendizagem. Decorre daí que a complexidade organizacional da composição discursiva elaborada pelo aprendiz tende a manter correspondência com a apropriação do conhecimento ensinado. Por assim ser, as produções com qualidades dissertativas tendem a indicar a melhor compreensão ou elaboração do conteúdo em contraposição às narrativas ou simples descrições (Laburú et al., 2020a; Laburú et al., 2020b).

Diante do exposto, as tipologias discursivas viabilizam-se como ferramentas que auxiliam na compreensão e classificação dos textos, considerando as características e finalidades específicas de cada modalidade. Elas permitem identificar como a linguagem é utilizada para transmitir informações, narrar eventos, descrever objetos ou fenômenos e expressar argumentos e opiniões, assim como proporcionam um arcabouço teórico para compreendermos como as informações são apresentadas e organizadas de acordo com o propósito comunicativo.

Metodologia

O estudo, de abordagem qualitativa, foi conduzido em uma escola pública localizada na periferia, no interior de São Paulo. A pesquisa contou com a participação de dez estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental. Eles foram selecionados com base em sua presença em todas as atividades de ensino e na autorização dos responsáveis, obtida por meio de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Cada estudante foi identificado com a letra "E" seguida de um número atribuído pelo pesquisador, variando de 01 a 10. A temática central abordada ao longo da pesquisa foi matéria e energia, que fazia parte do currículo adotado pela instituição de ensino (São Paulo, 2022). Os tópicos abordados incluíram as fontes e os tipos de energia, bem como suas aplicações no dia a dia. Seguindo as orientações curriculares, buscou-se desenvolver nos estudantes a habilidade de identificar e analisar as diferentes formas de energia e seus respectivos impactos socioambientais, bem como identificar e classificar diferentes fontes, renováveis e não renováveis, e comparar como a energia é utilizada em residências ou cidades em relação aos princípios da sustentabilidade.

A proposta de ensino apresenta elementos para potencializar as interações discursivas e abarca requisitos para que ocorra a aprendizagem. Dentre eles, destacam-se a organização do material didático, o vocabulário e as terminologias, os conhecimentos prévios e as intervenções que engajam e fomentam a predisposição para aprender (Ausubel et al., 1980). Ademais, a elaboração dos seminários permite aos estudantes serem ativos na construção do conhecimento. Segundo Fagundes e Sepel (2022), o seminário é uma experiência de pesquisa, permeada pela seleção de informações e comunicação; é um momento de partilhar ideias e propor debates, ou seja, nessa atividade predominam a análise, a interpretação, o compartilhamento e a organização de informações, habilidades essas que são essenciais para atender às demandas educacionais da sociedade da informação e do conhecimento. A seguir, serão descritas as ações desenvolvidas durante a prática de ensino e as respectivas intencionalidades pedagógicas. O foco de análise se concentrou nas tipologias discursivas produzidas pelos estudantes.

Inicialmente, com o intuito de mobilizar e conhecer os saberes dos estudantes, foi solicitado que eles anotassem em lembretes, tipo post-it, o que vem à mente ao ouvirem a palavra energia. Em seguida, os alunos compartilharam verbalmente suas anotações, e o professor as dispôs no quadro. Analisando as postagens da turma, identificou-se a prevalência de equipamentos eletrônicos ou indicações referentes a energia elétrica. Os raros apontamentos a outros tipos de energia, como solar e química, foram utilizados pelo docente para mediar e enriquecer a discussão.

Ao evidenciar que os conhecimentos dos estudantes estavam centrados em energia elétrica, na aula posterior utilizou-se o vídeo intitulado No light, animação que retrata as dificuldades da personagem em um dia sem eletricidade, bem como a dependência de equipamentos eletrônicos no cotidiano, com algumas questões norteadoras para fomentar as interações dialógicas: que tipos de energia aparecem no vídeo? Quais aparelhos dependem da energia? Algum deles funcionaria com outra fonte de energia? Qual a relação da personagem com a eletricidade?

O objetivo, com isso, era tornar os estudantes capazes de reconhecer os tipos de energia presentes na animação e a dependência de equipamentos eletrônicos no cotidiano. No final da aula, e dentro do nível gradativo conforme a série escolar, os alunos foram orientados a pesquisar acerca dos tipos (formas) de energia, como química, nuclear, térmica, sonora, luminosa e cinética.

p>Na terceira aula, os alunos compartilharam a pesquisa que fizeram, utilizando-a para completar um quadro disponível no material didático a respeito dos equipamentos usados no cotidiano. Nas colunas do quadro, os alunos deveriam registrar o aparelho (liquidificador), sua finalidade (triturar os alimentos) e o tipo de energia utilizada (elétrica). Para finalizar, assistiram ao vídeo Transformações de energia em casa e buscaram identificar as transformações ocorridas nos equipamentos eletrônicos presentes na sala de aula.

Instigados pelo problema norteador: de onde vem a energia elétrica que utilizamos em nossa residência?, que teve como objetivo introduzir o tema fontes de energia, ocorreu a interação inicial na qual os alunos forneceram suas possíveis respostas para a questão. No caso, o professor mediou as participações dos alunos, permitindo que relacionassem a presença de muitos rios na região com a produção de energia em hidrelétricas. Em seguida, disponibilizou-se para a turma um texto que aborda fontes de energia, com definições, exemplos, questões ambientais e distinção entre renováveis e não renováveis. A finalidade era lê-lo, discuti-lo em pequenos grupos, resolver questões e elaborar um mapa mental. Os alunos já haviam elaborado mapa mental em anos anteriores, tanto em Ciências como em Língua Portuguesa.

Posteriormente, os alunos se juntaram em duplas e sortearam os temas para a preparação dos seminários. Durante essa preparação, estipulou-se que cada dupla deveria classificar a fonte de energia em renovável ou não renovável, analisar suas vantagens e desvantagens e identificar as transformações de energia presentes na obtenção de energia utilizando essa fonte. Os alunos utilizaram o laboratório de Informática durante três aulas para confecção dos slides que seriam apresentados para a turma. Foi disponibilizado um arquivo do Apresentações Google para elaboração compartilhada do material. Foram necessárias duas aulas para finalizar as apresentações dos seminários. Uma semana após as apresentações, os alunos foram orientados para a elaboração do discurso escrito (texto) para análise das tipologias discursivas produzidas. Realizou-se leitura coletiva do enunciado e certificou-se de que os alunos compreenderam a proposta. A atividade proposta aos alunos pode ser verificada na Figura 1.

Figura 1: Atividade proposta aos alunos para elaboração do discurso escrito

Fonte: https://www.nhssolar.com.br/conheca-as-diferencas-entre-energia-renovavel-e-nao-renovavel/

A fim de compreender o processo de significação dos discursos produzidos pelos estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental, as produções escritas foram analisadas à luz da ferramenta analítica proposta por Silva (2018), que estabelece associação entre a Teoria da Comunicação de Prieto (1973) e as tipologias discursivas (Santaella, 2005). A associação entre a compreensão e a tipologia discursiva utilizada fundamenta-se no pressuposto de que é possível relacionar os níveis de sofisticação da organização textual do aprendiz com a apropriação dos conteúdos, autorizando assim associação entre a aprendizagem e as tipologias discursivas utilizadas. Por isso, considera a existência de um forte vínculo entre a compreensão do conteúdo adquirido pelo educando e o desenvolvimento argumentativo (Laburú et al., 2020a).

Silva (2018) analisou as produções discursivas de alunos do 7º ano segundo as categorias de Prieto (1973), de "não compreensão", "má compreensão" ou "compreensão", bem como de acordo com as tipologias discursivas descritiva, narrativa ou dissertativa, e constatou as correspondências sintetizadas no Quadro 1. A investigação revelou que textos dissertativos, devido à exigência de uma construção cognitiva mais elaborada, estão propensos a indicar apropriação correta do conteúdo, ou seja, "compreensão", mas não está excluída a possibilidade de a categoria "má compreensão" tomar parte dessa tipologia, devido a falhas conceituais de aprendizagem.

Quadro 1: Síntese da ferramenta analítica utilizada para analisar os discursos

Categoria de compreensão

Característica predominante do discurso

Não compreensão

Descritivo

Má compreensão

Narrativo

Dissertativo - argumenta, mas equivocadamente

Compreensão

Dissertativo - argumentativo, reflexivo e associativo

Fonte: Adaptado de Silva, 2018.

Resultados e discussão

A seguir são apresentadas e discutidas quatro produções escritas dos estudantes que melhor representam a tipologia discursiva e a categoria de compreensão evidenciada. Vale relembrar que a atividade proposta os convidou a desenvolver um discurso escrito em que deveriam auxiliar o prefeito a tomar uma decisão quanto à fonte de energia a ser utilizada em sua cidade, com base nas leituras, atividades, apresentação dos seminários e interações realizadas durante as aulas (Figura 1). Para evitar dúvidas na tarefa, o professor realizou uma leitura coletiva com os estudantes. Os discursos estão transcritos exatamente como foram redigidos, sem correção gramatical. Na sequência, o Quadro 2 apresenta uma síntese dos resultados obtidos.

Se eu fosse o senhor prefeito escolheria a energia solar, porque ela é uma energia renovável e não traz problemas no ambiente. Mas a energia solar tem seus defeitos porque ela é muito cara para colocar. E também tem a energia eólica que é pelo vento, ela também é renovável, mas ocupa muito espaço, por ser grande e também ela precisa ser colocada longe da cidade porque faz muito barulho (E01)

A análise do discurso do estudante E01 indica uma dissertação. Ele expõe suas ideias ao indicar a energia solar e a eólica e utiliza argumentos para sustentá-las. Ao sugerir a energia solar, argumenta que é "porque" – conectivo dissertativo – ela é renovável e "porque" não traz problemas ao meio ambiente. Ao apresentar as desvantagens das duas fontes de energia, o estudante demonstra um pensamento reflexivo e crítico, apresentando mais evidências para nortear a decisão do leitor. O excerto do estudante permite-nos evidenciar que houve compreensão do conteúdo, pois ele não apresenta equívocos conceituais, reconhece a energia solar e a eólica como fontes renováveis, assim como suas vantagens e desvantagens, e relaciona as fontes renováveis à preservação ambiental, além de mobilizar esses conhecimentos para elucidar o problema da tarefa. Dessa forma, constatamos a correlação entre a compreensão do conteúdo ensinado e o discurso dissertativo usado na construção do texto e a resolução do problema proposto.

O prefeito tem que escolher entre fontes renováveis e não renováveis, se eu estivesse no lugar dele escolheria a renovável menos prejudicial ao meio ambiente e não contribui para o efeito estufa. Então o prefeito tem que escolher a fonte renovável para colocar na cidade para fornecer energia para seu povo (E02).

A análise do texto do estudante E02 revela uma dissertação. Ele fundamenta sua escolha por uma fonte renovável com a justificativa de que é por ela ser "menos prejudicial ao meio ambiente e não contribuir para o efeito estufa". A compreensão de que as fontes renováveis atendem aos princípios de sustentabilidade revela-se no trecho "escolheria a renovável menos prejudicial ao meio ambiente e não contribuir para o efeito estufa". Ele demonstra >consciência sobre os malefícios causados pelas fontes de energia não renováveis ao meio ambiente, como também sua relação com o efeito estufa, e mobiliza esses conhecimentos para a resolução do problema. As sentenças fundamentadas e justificadas com argumentos baseados em conhecimentos científicos indicam a compreensão do conteúdo. Sendo assim, ao constatar a elaboração dos significados por meio da estruturação tipológica, evidenciamos a relação entre a complexidade organizacional do texto dissertativo e a compreensão.

Bom, pelo que eu estudei as energias mais "usada" pelas cidades é a energia solar, hidrelétrica, térmica, química. A energia renovável não polui o ambiente. A energia solar é quando tem várias placas em um lugar que reflete muito sol, as placas pegam a energia e "vai" direto para casa, as placas são mais usadas em cima da casa, e quando vai para casa torna outra energia de energia solar, pode "vira" energia elétrica, química, térmica (E03).

De maneira geral, a produção escrita do estudante E03 está organizada como narração. Embora haja períodos com descrição de fatos e conceitos, como evidenciados nos trechos "as energias mais "usada" pelas cidades é a energia solar, hidrelétrica, térmica, química", "A energia renovável não polui o ambiente", considerou-se narração, pois sabe-se que a descrição acompanha os textos narrativos. A presença de verbos de ação no final do discurso (pegam, vai, vira) estruturam a linguagem em uma sucessão de eventos, caracterizando a tipologia narrativa. Quanto à elaboração de significados, verifica-se má compreensão; embora o estudante tenha compreendido que "A energia renovável não polui o ambiente", não foi capaz de aplicar adequadamente os conceitos estudados para a resolução do problema proposto. Além disso, ele menciona a energia solar, hidrelétrica, térmica e química como as "mais usadas" pelas cidades, mas não apresenta compreensão clara sobre suas características, vantagens, desvantagens e aplicações. Identifica-se, neste caso, que a estruturação tipológica narrativa mantém relação com a má compreensão. O estudante, ao descrever e narrar eventos sem fundamentá-los com argumentos, demonstra uma compreensão superficial e mecânica do conhecimento.

A energia eólica é uma das melhores opções, pois ela não causa efeitos no meio ambiente e é renovável, e também tem a energia solar, ela é cara, mas não tem efeitos no ambiente e é renovável (E04).

A presença de sentenças fundamentadas e justificadas no discurso do estudante E04, como no trecho "A energia eólica é uma das melhores opções, pois ela não causa efeitos no meio ambiente e é renovável", demonstra exposição de ideias de forma dissertativa. A sugestão adequada da energia eólica e solar embasada na argumentação de que são renováveis, e "não tem efeitos no ambiente", indica que o estudante foi capaz de identificar e classificar as fontes de energia renováveis e não renováveis e relacioná-las aos princípios de sustentabilidade. Logo, houve compreensão do tema. Nesse caso também se identifica a relação entre a complexidade organizacional do texto dissertativo e a compreensão.

O Quadro 2 reúne a compreensão alcançada pelos estudantes de acordo com a tipologia discursiva produzida. A análise das produções escritas dos estudantes não revelou discursos predominantemente descritivos; dessa forma, não se constatou evento de não compreensão. Das dez produções analisadas, nove demonstraram discursos dissertativos com compreensão, como as dos estudantes E01, E02 e E04 trazidas acima, corroborando o pressuposto de que há relação entre os níveis de sofisticação das organizações textuais dos estudantes e a compreensão do conteúdo. Pelas transcrições, possibilitou-se indicar compreensão, aplicação adequada dos conhecimentos para a resolução do problema apresentado e a utilização de argumentos, assim como vantagens e desvantagens para escolha da fonte de energia.

Quadro 2: Compreensão alcançada pelo estudante de acordo com a análise da tipologia discursiva produzida

Estudante

Característica predominante do discurso

Categoria de compreensão

E1

Dissertativo

Compreensão

E2

Dissertativo

Compreensão

E3

Narrativo

Má compreensão

E4

Dissertativo

Compreensão

E5

Dissertativo

Compreensão

E6

Dissertativo

Compreensão

E7

Dissertativo

Compreensão

E8

Dissertativo

Compreensão

E9

Dissertativo

Compreensão

E10

Dissertativo

Compreensão

Considerações finais

A abordagem de ensino metodologicamente plural em que o professor assume o papel de orientador e provocador de um ensino crítico e reflexivo demonstrou-se eficiente ao constatarmos, por meio das tipologias discursivas, que nove participantes apresentaram compreensão do tema trabalhado. Essa abordagem de ensino permite integrar e dialogar com os estudantes com maior facilidade. Isso possibilita um canal de participação dialógica dentro da sala de aula, em que o professor é capaz de mediar, orientar e ensinar a serviço da construção do conhecimento compartilhado, fomentando canais para uma comunicação eficiente.

A análise da estrutura discursiva demonstra ser valiosa ferramenta complementar para avaliar e acompanhar como os significados estão sendo elaborados pelos estudantes. A avaliação da aprendizagem torna-se mais abrangente e aprofundada, pois indica o domínio do conteúdo e as diferentes formas de expressão e estruturação textual utilizadas. As organizações dissertativas tendem a indicar melhor compreensão do conteúdo quando comparadas às narrativas ou descrições. Sendo assim, permite examinar não apenas o conhecimento adquirido pelos alunos, mas também sua capacidade de aplicação, reflexão e argumentação.

Além disso, a identificação de casos de má compreensão evidencia a necessidade de intervenção e mediação docente para auxiliar os estudantes a superar suas dificuldades e aprimorar sua compreensão. Ao escrutinar como os alunos constroem seus discursos e interpretam os conteúdos, o professor pode adaptar suas estratégias de ensino, oferecendo suporte específico para superar os obstáculos encontrados e favorecer uma aprendizagem mais efetiva. Dessa forma, a aplicação dos conhecimentos semióticos à Educação Científica oferece instrumentos úteis para acompanhar o processo de ensino-aprendizagem, visando à construção de conhecimentos com maior significado e profundidade.

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Publicado em 29 de janeiro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

ANSANELO, Adrielly Pereira; FERREIRA, Álex de Carvalho; LABURÚ, Carlos Eduardo; SILVA, Osmar Henrique Moura da. Tipologias discursivas como ferramenta de avaliação no ensino de Ciências: um enfoque para o 8º ano. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 4, 29 de janeiro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/40/tipologias-discursivas-como-ferramenta-de-avaliacao-no-ensino-de-ciencias-um-enfoque-para-o-8-ano

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