Modelagem Matemática e o uso de tecnologias digitais: concepções de professores de Matemática do Ensino Médio
Greice Keli Silva Lacerda
Professora no Departamento de Matemática e Desenho do CAP-Uerj
Stella Maria Peixoto de Azevedo Pedrosa
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesa
A pandemia da covid-19 trouxe impactos profundos na vida cotidiana e nos processos educacionais, acelerando mudanças significativas nas práticas de ensino e na utilização de tecnologias digitais.
A utilização de modelos matemáticos e gráficos estatísticos tornou-se fundamental para estimar a evolução da pandemia, ajudando gestores a tomar decisões mais informadas. Esse movimento evidenciou a importância de um ensino que ultrapasse o currículo tradicional, integrando conhecimentos de diferentes áreas para resolver problemas reais.
No cenário educacional brasileiro, essa abordagem já era discutida há anos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (Brasil, 2000) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018), que defendem a necessidade de um ensino interdisciplinar e contextualizado.
Apesar dessas orientações, a aplicação prática da Modelagem Matemática (MM) no Ensino Médio ainda enfrenta resistências e limitações. Muitos professores sentem dificuldades em incorporar métodos que envolvem tecnologia e interdisciplinaridade devido a barreiras institucionais, pedagógicas e até culturais.
No entanto, há um consenso crescente sobre a relevância da Modelagem Matemática para desenvolver competências essenciais, como raciocínio lógico, pensamento computacional e a capacidade de resolver problemas do cotidiano, competências cada vez mais exigidas em um mundo permeado pela tecnologia.
Diante disso, este estudo explora as percepções de professores de Matemática do Ensino Médio sobre a Modelagem Matemática e as possibilidades que ela oferece para o ensino. A pesquisa buscou compreender como esses docentes percebem o uso dessa metodologia e das tecnologias digitais, e como elas podem contribuir para um ensino mais dinâmico e integrado.
Assim, com este trabalho, esperamos fornecer subsídios para diminuir as resistências à aplicação dessa abordagem, promovendo um ensino da Matemática que dialogue mais diretamente com a realidade dos estudantes e com as exigências contemporâneas da sociedade.
Porém, antes de adentrarmos nos procedimentos metodológicos da pesquisa, propomos, na seção a seguir, um entendimento dos desafios em relacionar a Modelagem Matemática, a Tecnologia e as aulas no Ensino Médio, a partir de um breve relato de experiência. Salientamos que essa experiência motivou a pesquisa realizada.
Modelagem Matemática, tecnologias e Ensino Médio
A Modelagem Matemática, ao trazer problemas do cotidiano para o contexto educacional, propõe uma abordagem que aproxima a Matemática das realidades dos alunos, facilitando sua aplicabilidade prática e aumentando o interesse dos estudantes. Segundo Biembengut (2012), esse método, introduzido no Brasil na década de 1970, adapta-se ao contexto da Educação Básica para melhorar o desempenho e o entendimento matemático.
Nas considerações de Bean (2001), destacam-se pontos importantes sobre a modelagem como metodologia de ensino, ao ressaltar que essa abordagem é essencial para a construção de modelos que não apenas explicam fenômenos reais, mas também conectam o ensino da Matemática a questões sociais e culturais, promovendo uma compreensão crítica dos conceitos envolvidos. Segundo o autor, o processo de modelagem de um problema reflete a ideia de criação de procedimentos variados, não lineares e não cíclicos (Bean, 2001, p. 51), guiados pelas ações necessárias à resolução do problema. A Figura 1 ilustra algumas etapas desse processo.

Figura 1: Etapas do processo de Modelagem Matemática
Fonte: Lacerda (2023, p. 31).
Nosso entendimento dessas etapas, aliado à leitura do trabalho de Almeida, Silva e Vertuan (2020), que descrevem a matemática como uma linguagem viva e dinâmica, motivou nossa tentativa de inserção da modelagem em turmas do 3º ano do ensino médio de uma escola pública estadual. Para aplicar essa metodologia, estruturamos nossas aulas a partir das seguintes questões: como introduzir a Modelagem Matemática para alunos acostumados com métodos tradicionais? Quais desafios e obstáculos são percebidos pelos alunos durante essa mudança? Inicialmente, organizamos o processo em quatro fases: Interação, Matematização, Resolução e Interpretação (Almeida; Silva; Vertuan, 2020), seguindo passos que incluem a leitura cuidadosa do enunciado, identificação e organização de dados, formulação de estratégias e resolução do problema, além da interpretação dos resultados.
Para ilustrar a aplicação prática da metodologia, apresentamos um exemplo (Figura 2) que explora a relação entre proporcionalidade e geometria, desenvolvido a partir da seguinte situação-problema, adaptada de uma questão do Enem (Brasil, 2010, p. 21).

Figura 2: Questão para a experimentação do processo de Modelagem Matemática
Fonte: Brasil (2010, p. 21).
Ao iniciarmos a investigação e o debate dessa questão (fase de Interação), a primeira reação dos alunos foi, em geral, concordar com a sugestão de Pedro. O raciocínio intuitivo predominante foi o de proporcionalidade direta: “se o diâmetro dobrou, o preço também deveria dobrar” (Aluno 1). O debate em sala foi direcionado por questionamentos como: “O que determina a quantidade de chocolate em uma moeda: o seu diâmetro ou sua superfície?”. Essa discussão foi crucial para que os alunos percebessem a necessidade de analisar a área das moedas.
O processo de modelagem (fase de Matematização) focou em calcular a área de cada moeda para comparar a quantidade de chocolate utilizada. Os alunos foram incentivados a desenhar os círculos no papel como representação dos modelos das moedas e a posicionar corretamente os valores e elementos oferecidos pela questão. Desse modo, conseguiram chegar aos seguintes modelos simples (Figura 3), que destacam o raio r e a área A do círculo dada por

Figura 3: Modelos simples construídos durante a experimentação da metodologia
Com esses modelos, os alunos puderam comparar a quantidade de material de acordo com a área de cada círculo e, ao calcular a razão entre as áreas (fase de Resolução), descobriram que a nova moeda, apesar de ter o dobro do diâmetro, utilizaria quatro vezes mais chocolate.
Essa constatação levou à conclusão de que, se o preço é proporcional à quantidade de chocolate, o preço justo para a nova moeda deveria ser quatro vezes o original, ou seja, o preço justo (P) deve ser P = 4 × R$ 1,50 = R$ 6,00.
Assim, na fase de Interpretação, os alunos chegaram à conclusão de que a sugestão de Pedro, de vendê-la por R$ 3,00, levaria João a um grande prejuízo.
Esta atividade inicial demonstrou como a Modelagem Matemática é uma ferramenta poderosa para confrontar o senso comum com a lógica matemática, desenvolvendo um raciocínio crítico que vai além das aparências e da proporcionalidade direta.
A experiência com essa e outras questões mostrou dificuldades iniciais, principalmente no entendimento dos enunciados, que os alunos consideraram desafiadores. Essa dificuldade reflete, talvez, um ensino mecanizado que privilegia o cálculo em detrimento da compreensão contextual.
Para auxiliar, propusemos um roteiro com sete passos (Figura 4), incluindo a seleção dos dados relevantes, o uso de ferramentas tecnológicas para pesquisa e a elaboração de uma solução estruturada.
No entanto, muitos alunos sentiram-se incomodados com o trabalho de escrita e organização dos dados, optando por “apenas resolver o problema” e demonstrando resistência ao uso de novas metodologias e tecnologias como fontes de pesquisa.

Figura 4: Passos necessários para resolução de um problema
Fonte: Lacerda (2023, p. 131).
A aplicação prática evidenciou um distanciamento entre o aprendizado matemático e a capacidade de interpretação textual. Observamos que, no início, os alunos mostraram dificuldades em identificar quais dados do enunciado eram úteis e como organizá-los de forma lógica para a resolução. Ao questioná-los sobre quais dados eram relevantes (como o peso ou valor de um produto) versus informações irrelevantes (como o nome da loja), começamos a orientá-los na seleção e no uso eficiente das informações.
A necessidade de usar tecnologia digital foi outra barreira; os alunos, embora imersos na tecnologia no dia a dia, pareciam vê-la mais como entretenimento do que como ferramenta de pesquisa. Foi preciso incentivar o uso de buscadores on-line e de recursos educacionais, mostrando que as tecnologias digitais podem ser fontes valiosas para a construção do conhecimento matemático.
Na fase de resolução, o uso de representações visuais, como gráficos e figuras, também enfrentou resistência. Muitos alunos preferiam seguir diretamente para o cálculo, sem desenhar ou modelar o problema, prática que limitava seu entendimento de conceitos geométricos e algébricos.
Ao introduzir uma metodologia ativa e colaborativa, notamos uma evolução gradual no engajamento e na disposição dos alunos em explorar soluções com mais profundidade. A experiência sugeriu que o processo de adaptação à Modelagem Matemática requer apoio contínuo e, possivelmente, uma transição mais gradual.
Ao final do bimestre, uma avaliação prática com questões do Enem e de vestibulares confirmou essa evolução: embora inicialmente relutantes, muitos alunos adotaram o roteiro de passos proposto, organizando seus cálculos e estratégias de forma mais estruturada e coerente. Eles reconheceram que, apesar das dificuldades iniciais, a metodologia ajudou a desenvolver uma compreensão mais profunda do problema e a sequenciar as etapas da resolução.
A aplicação dessa prática ao longo do ano mostrou que a mudança de métodos tradicionais para a MM envolve romper com paradigmas profundamente enraizados, exigindo que o aluno assuma um papel mais ativo e reflexivo no processo de aprendizado.
Essa experiência mostrou a importância de transitar cuidadosamente entre métodos tradicionais e ativos, evidenciando que a Modelagem Matemática e a incorporação de tecnologias digitais podem potencializar o ensino da Matemática, mas requerem preparação inicial e suporte contínuo para que os alunos desenvolvam autonomia e habilidades críticas, inspirando, assim, inquietações para a investigação realizada.
A atividade proposta, comentada com as questões e observações no roteiro de desenvolvimento, pode ser acessada em Roteiro de experimentação em Modelagem Matemática (Lacerda, 2023).
A partir dessa experimentação, desenvolvemos a pesquisa descrita neste trabalho, cujos procedimentos metodológicos e resultados apresentamos a seguir.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa desenvolvida utilizou uma abordagem qualitativa exploratória para investigar o papel da Modelagem Matemática no ensino da Matemática no 3º ano do Ensino Médio. Inspirada em Gil (2008) e Fiorentini, Garnica e Bicudo (2020), a metodologia visou construir uma compreensão reflexiva e flexível dos dados, permitindo uma análise aprofundada dos significados que o uso da Modelagem Matemática assume na prática docente e na educação. Para Gil (2008, p. 46), uma pesquisa qualitativa deve "desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias"; com base nesses princípios, a pesquisa buscou um processo dinâmico e adaptável de coleta e análise de dados.
O estudo teve como público-alvo professores de Matemática do Ensino Médio, com o objetivo de compreender suas experiências e percepções ao utilizarem a Modelagem Matemática. Com base em Figueiredo (2022) e Pedrosa e Lacerda (2023), foram utilizados dois métodos complementares para a coleta de dados: uma revisão sistemática de literatura (RSL) e um questionário on-line direcionado aos professores.
Com a RSL, buscou-se identificar discussões relevantes sobre a relação entre Modelagem Matemática e o uso de tecnologias digitais no Ensino Médio, além de delimitar o escopo de questões que comporiam o questionário. A RSL, que contou com o auxílio do software Iramuteq (Souza, 2018), possibilitou uma análise textual detalhada das produções acadêmicas entre 2020 e 2023 sobre o tema.
A revisão de literatura identificou 136 estudos potenciais, reduzidos a 13 após a aplicação de critérios rigorosos de seleção e exclusão. Todo o processo de seleção e exclusão, bem como as análises gráficas, estão detalhados na pesquisa completa. A partir desses artigos, foi gerado um corpo textual para análise no Iramuteq (Souza, 2018), que ofereceu diversas possibilidades de análises gráficas. Entre elas, destacam-se a nuvem de palavras e a classificação hierárquica descendente (CHD), apresentadas a seguir.
A nuvem de palavras (Figura 5), que destacou termos como "Modelagem Matemática", "Professor", "Aluno" e "Problema", evidenciou a centralidade do tema de pesquisa no contexto pedagógico e na prática docente.

Figura 5: Nuvem de palavras a partir dos textos
Fonte: Lacerda (2023, p. 71).
Esse resultado valida as hipóteses iniciais sobre a relevância da Modelagem Matemática para a Educação Matemática, por seu papel em relacionar o conteúdo matemático às realidades dos alunos.
A análise da CHD identificou cinco classes de palavras que representaram temas significativos para a pesquisa:
- construção do conhecimento matemático nas práticas pedagógicas;
- concepções de modelagem e relações com a Educação Matemática Crítica;
- desafios e obstáculos nas atividades de Modelagem;
- resolução de problemas e formalização do conhecimento; e
- práticas de modelagem na Educação do Campo (Figura 6).

Figura 6: Classes de palavras da análise textual
Fonte: Lacerda (2023, p. 32).
Essas classes permitiram uma visão abrangente sobre as discussões centrais em torno da Modelagem Matemática, mostrando que sua aplicação vai além de resolver problemas matemáticos e possibilitando a delimitação dos temas abordados nas perguntas do questionário. O questionário desenvolvido complementou a análise com dados diretos dos professores. Ele foi composto por 16 perguntas (14 objetivas e 2 discursivas), estruturadas para captar desde o perfil dos participantes até sua experiência com a Modelagem Matemática (MM). A técnica de amostragem snowball foi utilizada para recrutar participantes a partir de grupos de contato das pesquisadoras, obtendo-se um total de 17 professores (Figura 7).

Figura 7: Participantes da pesquisa por sementes
Fonte: Lacerda (2023, p. 84).
A técnica de amostragem snowball foi escolhida para contornar desafios institucionais e otimizar a coleta de dados. No questionário, as perguntas enfocaram temas como concepções sobre a Modelagem, uso de tecnologias digitais e os benefícios percebidos dessa metodologia, como a promoção do protagonismo dos alunos e a aproximação da matemática com a realidade social dos estudantes, previamente apurados e analisados pelo método de RSL.
Este artigo deriva de uma pesquisa mais ampla, cuja versão integral está disponível na tese de doutorado de Lacerda (2023), listada na seção de Referências.
Resultados, inferências e discussões possíveis
Conforme detalhado nas seções anteriores, a pesquisa investigou as percepções de professores sobre a Modelagem Matemática no Ensino Médio, com ênfase em seus desafios e potencialidades. A partir de um questionário, foram coletadas informações de 17 professores, selecionados por amostragem snowball (Bockorni; Gomes, 2021), o que permitiu alcançar docentes com experiência ou interesse em Modelagem Matemática.
A análise inicial destacou que 35,3% dos professores têm entre 10 e 15 anos de magistério, com ampla atuação em diferentes redes de ensino (Gráfico 1), principalmente na Educação Básica.

Gráfico 1: Rede de ensino de atuação dos participantes
Fonte: Lacerda (2023, p. 85).
O Gráfico 2 indica que parte considerável dos professores já trabalhou com modelagem, enquanto outros manifestaram interesse em aplicá-la em suas aulas, apontando o Ensino Médio como o principal foco de aplicação (Gráfico 3).

Gráfico 2: Experiências dos participantes com Modelagem Matemática
Fonte: Lacerda (2023, p. 86).

Gráfico 3: Anos de escolaridade das experiências com modelagem
Fonte: Lacerda (2023, p. 86).
As respostas dos professores à questão: “o que é Modelagem Matemática, na sua concepção?” evidenciaram uma concepção de Modelagem Matemática centrada na resolução de problemas relacionados a temas do cotidiano dos alunos (Gráfico 4).

Gráfico 4: Análise de similitudes gerada com as respostas discursivas
Fonte: Lacerda (2023, p. 87).
No grafo gerado pelo software Iramuteq, apresentado no Gráfico 4, a palavra “problema” emergiu como o vértice central, com conexões a termos como “Modelagem Matemática”, “cotidiano” e “atividade”. Os professores ressaltaram que a modelagem oferece oportunidades para desenvolver habilidades como pensamento crítico e cidadania, em consonância com documentos oficiais de educação, como os PCN (Brasil, 2000) e a BNCC (Brasil, 2018).
Ao analisar as respostas das questões discursivas, emergiram perspectivas variadas sobre a prática da modelagem. Um exemplo é o Professor 4 (Figura 8), que vê a modelagem como “um processo de ensino que permite analisar situações reais, tentando explicar matematicamente fenômenos como padrões de repetições, auxiliando nas predições e tomadas de decisões”. Essa visão reflete o entendimento de que a modelagem pode conectar a Matemática ao mundo real, promovendo uma educação mais contextualizada e relevante.

Figura 8: Concepções dos professores sobre Modelagem Matemática
Fonte: Lacerda (2023, p. 90).
Entre os benefícios citados para o uso da modelagem, os professores destacaram a aproximação da matemática com a realidade dos alunos, o desenvolvimento da autonomia e do interesse pela pesquisa, e a promoção de um ambiente de aprendizagem colaborativo (Gráfico 5).

Gráfico 5: Benefícios do uso da Modelagem segundo os professores
Fonte: Lacerda (2023, p. 91).
Quanto ao processo de modelagem em sala de aula, a maioria dos docentes prefere iniciar as atividades com temas pré-selecionados, proporcionando aos alunos a definição dos problemas a serem explorados (Gráfico 6). Essa abordagem visa reduzir a imprevisibilidade do processo e apoiar uma transição mais estruturada para a modelagem em sala de aula.

Gráfico 6: Formas que iniciam as atividades de modelagem
Fonte: Lacerda (2023, p. 91).
No entanto, os desafios enfrentados pelos professores para implementar essa metodologia são numerosos. O principal obstáculo identificado foi a falta de tempo para planejamento e aplicação da modelagem, seguido pela pressão para atender ao currículo tradicional e às demandas de exames externos, como o Enem. Além disso, a defasagem de conhecimentos matemáticos dos alunos e a resistência a métodos investigativos foram mencionadas como dificuldades. Tais fatores indicam um afastamento entre a prática docente e as exigências das metodologias ativas, sugerindo a necessidade de um suporte mais robusto para superar esses desafios. Quanto ao uso de tecnologias digitais, os professores reconheceram vantagens, como a criação de ambientes de aprendizagem dinâmicos e interativos (Gráfico 7).

Gráfico 7: Vantagens do uso das tecnologias na modelagem segundo os professores
Fonte: Lacerda (2023, p. 94).
Contudo, a pesquisa identificou que muitos professores ainda não integram essas tecnologias em suas aulas, apontando a falta de domínio e de acesso aos recursos tecnológicos como barreiras significativas (Gráfico 8).

Gráfico 8: Ferramentas tecnológicas utilizadas nas aulas de modelagem
Fonte: Lacerda (2023, p. 95).
Entre as tecnologias sugeridas para potencializar a modelagem no Ensino Médio, destacam-se softwares matemáticos e simuladores, que facilitam a visualização e a manipulação de conceitos abstratos. As discussões sugerem que a Modelagem Matemática, embora promissora, requer adaptações estruturais e pedagógicas para ser implementada de forma eficaz.
As inferências a partir do questionário revelam uma abordagem pragmática por parte dos professores, que buscam formas de minimizar riscos e maximizar o engajamento dos alunos.
A análise comparativa entre as concepções dos professores participantes e as perspectivas teóricas da Modelagem Matemática encontradas na literatura científica permitiu identificar aproximações e distanciamentos entre os resultados, organizados em subtemas e sintetizados em tabelas específicas.
Concepções de Modelagem Matemática
A concepção de MM como metodologia de ensino que conecta a matemática à realidade social dos alunos emerge tanto das respostas dos professores quanto da literatura contemporânea. A literatura destaca a MM como uma abordagem que favorece a conexão do conteúdo matemático com os interesses dos alunos e a vida cotidiana, corroborando a visão de Bean (2001). No entanto, observa-se um distanciamento: enquanto os pesquisadores buscam definir formalmente a MM, os professores a descrevem de forma mais empírica, baseada em experiências e expectativas próprias; e a perspectiva de modelagem se distingue entre o foco evidenciado no problema. Nas pesquisas contemporâneas, destacam-se, nas práticas, as perspectivas sociocrítica, contextual, educacional conceitual e educativa didática (Tabela 1).
Tabela 1: Quanto ao foco do problema
Com o método RSL |
Com o questionário |
|
|
Fonte: Lacerda (2023, p. 105).
A Tabela 1 indica que, embora os professores demonstrem preferência pela perspectiva sociocrítica da MM, esse enfoque ainda enfrenta desafios práticos na implementação.
Justificativas para o uso da modelagem
A literatura (Ramon et al., 2022) e as respostas dos professores apontam vantagens comuns na aplicação da MM, como o desenvolvimento da autonomia e do protagonismo estudantil, além da possibilidade de trabalho colaborativo (Tabela 2).
Tabela 2: Justificativas para o uso da modelagem nas aulas
Com o método RSL |
Com o questionário |
|
|
Fonte: Lacerda (2023, p. 107).
A Tabela 2 sintetiza essas vantagens, indicando a valorização da construção de modelos matemáticos como ferramenta importante para a compreensão de conceitos complexos. Entre as dificuldades, contudo, está a criação de modelos aplicáveis na prática, especialmente no uso de tecnologias que ampliem sua aplicabilidade.
Desafios e obstáculos ao uso da modelagem
A implementação prática da MM enfrenta obstáculos ligados à “zona de risco” (Almeida; Silva; Vertuan, 2020), que engloba a imprevisibilidade dos temas e a demanda de planejamento adicional (Tabela 3).
Tabela 3: Desafios ao uso da modelagem nas aulas
Com o método RSL |
Com o questionário |
|
|
Fonte: Lacerda (2023, p. 109).
Na Tabela 3, observa-se que a ruptura com paradigmas tradicionais de ensino foi apontada tanto na literatura quanto pelas respostas dos professores como um obstáculo crítico. Em relação aos desafios, a transição do ensino tradicional para uma abordagem mais investigativa exige mudanças no planejamento, no currículo e na abordagem pedagógica. Embora alguns professores consigam incorporar parcialmente a MM por meio de temas adaptados, a maioria sinaliza o tempo de preparação e o currículo como desafios.
Uso de tecnologias digitais
A tecnologia é reconhecida como um elemento capaz de transformar o ensino da matemática, ao facilitar a visualização de conceitos e promover um ambiente de aprendizagem mais dinâmico (Tabela 4).
Tabela 4 : Vantagens do uso da tecnologia nos processos de modelagem nas aulas
Com o método RSL |
Com o questionário |
|
|
Fonte: Lacerda (2023, p. 112).
No entanto, como a Tabela 5 indica, a incorporação da tecnologia na MM não ocorre de forma espontânea, sendo influenciada por limitações estruturais e práticas, incluindo a falta de formação e de infraestrutura adequada. Os professores identificam benefícios, como o estímulo à lógica, à criatividade e à manipulação de conceitos matemáticos, mas relatam dificuldades na integração dessas ferramentas.
Tabela 5: Tecnologias efetivamente usadas nos processos de modelagem nas aulas
Com o método RSL |
Com o questionário |
|
|
Fonte: Lacerda (2023, p. 113).
A análise de aproximações e distanciamentos revelou que, enquanto a literatura acadêmica apresenta a MM como uma metodologia estruturada, os professores a compreendem como uma prática adaptada às suas realidades. As convergências indicam o potencial da MM para promover uma aprendizagem contextualizada, crítica e ativa, embora seu uso pleno dependa da superação de obstáculos como a preparação curricular e a integração tecnológica. No entanto, as limitações institucionais e a resistência cultural ao uso de tecnologias ainda representam obstáculos importantes.
Este estudo concluiu que, para que a Modelagem Matemática realize seu potencial como metodologia de ensino, é necessário um planejamento cuidadoso que considere as particularidades do contexto educacional. A prática com metodologias ativas, como a Modelagem, oferece uma oportunidade para que professores e alunos rompam com paradigmas tradicionais, aproximando o ensino da matemática das realidades e demandas contemporâneas.
Considerações finais
A motivação para este trabalho surgiu da necessidade de refletir sobre os processos de ensino e aprendizagem utilizando a Modelagem Matemática e as tecnologias digitais, com o objetivo de aprofundar o entendimento dessa metodologia. Em busca de respostas, questionamos: o que representa a Modelagem Matemática para professores que ensinam matemática no Ensino Médio? Quais são as possibilidades que esses professores, especialmente na Educação Básica, vislumbram para o uso da Modelagem e das tecnologias digitais no ensino do 3º ano do Ensino Médio?
Para alcançar essas respostas, estruturamos o trabalho em duas etapas principais. A primeira consistiu na revisão sistemática de literatura (RSL), visando levantar referenciais teóricos sobre Modelagem Matemática. A segunda fase envolveu uma análise aprofundada das percepções dos professores, realizada por meio de um questionário on-line, destinado a captar as concepções e práticas de docentes no 3º ano do Ensino Médio.
A partir dessas análises, identificamos aproximações e distanciamentos no entendimento da Modelagem Matemática como metodologia de ensino investigativa, voltada para a exploração de problemas contextualizados na realidade dos alunos. Observou-se uma predominância das perspectivas sociocrítica, contextual, educacional conceitual e educativa didática entre as abordagens dos docentes.
Ao comparar os resultados obtidos, percebe-se que, apesar das possibilidades de construção de modelos matemáticos para o ensino, a Modelagem ainda é uma prática pouco usual, e o uso de tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem, embora valorizado, enfrenta entraves. A pesquisa indica que tanto a aplicação da Modelagem quanto das tecnologias digitais é afetada por fatores que vão além das práticas ou preferências individuais dos professores.
Embora não tenhamos construído modelos matemáticos ou explorado plenamente as tecnologias digitais, nem o processo de modelagem em si, em nossa prática com resolução de problemas, o processo destacou questões essenciais para o uso de metodologias ativas. Entre os aspectos mais desafiadores, observamos a necessidade de negociar novos contratos didáticos, rompendo com paradigmas como o professor no centro do processo, o exercício como foco principal e o erro visto como deficiência de conhecimento.
Outro ponto foi o uso da tecnologia, que, em muitas práticas, ainda é considerado um privilégio do professor. Esses paradigmas são discutidos por Bastos e Rosa (2020), Tortola e Silva (2022), Almeida, Silva e Vertuan (2020), Ramon et al. (2022) e Bissolotti e Titon (2022), e foram mencionados pelos professores respondentes da pesquisa.
Os professores sinalizaram a necessidade de mais tempo para planejar e executar atividades de modelagem, bem como a pressão para cumprir o currículo tradicional e preparar os alunos para avaliações internas e externas, incluindo o Enem.
Os resultados obtidos trazem certa tranquilidade ao evidenciar que os desafios enfrentados com a Modelagem ou com a Resolução de Problemas não são exclusivos de nossa prática, mas refletem dificuldades inerentes à transição de metodologias tradicionais para abordagens mais ativas.
Contudo, esses desafios também despertam preocupação, ao destacar que o sucesso desse processo demanda mais do que escolhas metodológicas bem fundamentadas. Ele envolve fatores externos à prática docente, como a aceitação do aluno, acostumado a métodos convencionais; a pressão institucional por desempenho em avaliações; e a obrigatoriedade de cumprimento integral do currículo.
Concluímos a pesquisa com um entendimento mais claro do tema, mas também com questões em aberto: o uso da perspectiva sócio crítica da Modelagem reflete uma consciência da função social da Matemática ou apenas obedece às diretrizes dos documentos oficiais? Como os professores desenvolvem essas aulas e, se realmente utilizam a Modelagem, por que não relatam suas experiências? Quais são as reações dos alunos ao uso dessa metodologia no Ensino Médio? E de que forma os desafios e obstáculos são superados na prática? Deste modo, inspiradas nas palavras da professora Lourdes Maria Werle de Almeida (Silva; Malheiros, 2021), reforçamos que o uso da Modelagem demanda estudo constante e colaboração, tanto entre docentes quanto entre alunos.
Finalizamos aqui a exposição de nossa pesquisa com a liberdade de expressar nossas percepções e recomendações, conforme orientado pela professora Lourdes Almeida, e encorajamos todos que desejam utilizar ou estudar a Modelagem a se sentirem igualmente livres, porque, nas palavras da professora, “quem vai dizer se o que você fez é Modelagem Matemática é você mesmo!” (Silva; Malheiros, 2021, p. 28).
Referências
ALMEIDA, L. W. de; SILVA, K. P. da; VERTUAN, R. E. Modelagem Matemática na Educação Básica. São Paulo: Contexto, 2020.
BASTOS, T. A.; ROSA, M. Modelagem na Educação Matemática para o desenvolvimento de conceitos de Análise Combinatória. Educação Matemática Debate, Montes Claros, v. 4, p. 1-26, 2020. Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/6001/600162805003/html/. Acesso em: 21 set. 2023.
BEAN, D. O que é Modelagem Matemática? Educação Matemática em Revista, São Paulo, v. 8, nº 9/10, p. 49-57, 2001. Disponível em: http://sbemrevista.kinghost.net/revista/index.php/emr/article/view/1689. Acesso em: 20 set. 2023.
BIEMBENGUT, M. S. Modelagem Matemática: competência e contexto. 3ª ed. Blumenau: Edifurb, 2012.
BISSOLOTTI, M. de L.; TITON, F. P. Diagnóstico sobre as dificuldades de aprendizagem da Geometria no Ensino Médio e os potenciais elementos facilitadores. Contraponto: Discussões Científicas e Pedagógicas em Ciências, Matemática e Educação, Lages, v. 3, nº 4, p. 5-22, 2022.
BOCKORNI, B. R. S.; GOMES, A. F. A amostragem em snowball (bola de neve) em uma pesquisa qualitativa no campo da Administração. Revista de Ciências Empresariais da Unipar, Umuarama, v. 22, nº 1, 22 jun. 2021. DOI: 10.25110/receu.v22i1.8346. Disponível em: https://www.revistas.unipar.br/index.php/empresarial/article/view/8346. Acesso em: 15 set. 2022.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - com a inclusão da etapa do Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 2018.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC, 2000. Disponível em: https://www.google.com/search?q=par%C3%A2metros+curriculares+nacionais+para+o+ensino+m%C3%A9dio&oq=parametros+curriculares+nacionais+para+o&aqs=chrome.1.69i57j0i512l2j0i22i30l7.11565j0j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acesso em: 8 dez. 2021.
FIGUEIREDO, R. L. Concepções e práticas dos professores de Matemática sobre o uso das tecnologias digitais na Educação Profissional Técnica de nível médio do Cefet-MG. 2022. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/8739648.pdf. Acesso em: 20 set. 2023.
FIORENTINI, D.; GARNICA, A. V. M.; BICUDO, M. A. V. Pesquisa qualitativa em Educação Matemática. In: BORBA, M. de C.; ARAÚJO, J. de L. (org.). Tendências em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 99-112.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. Disponível em: https://biblioteca.isced.ac.mz:443/handle/123456789/707. Acesso em: 25 jun. 2021.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional do Ensino Médio – Enem 2010 (2ª aplicação): Prova de Matemática e suas Tecnologias, Caderno 6 (Azul). Brasília: Inep, 2010. Disponível em: https://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2010/2010_PV_reaplicacao_PPL_D2_CD6.pdf. Acesso em: 6 out. 2025.
LACERDA, G. K. S. Modelagem Matemática no 3º ano do Ensino Médio: concepções e possibilidades segundo professores que ensinam Matemática. 2023. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.5281/zenodo.17281991. Acesso em: 6 out. 2025.
PEDROSA, S. M. P. de A.; LACERDA, G. K. S. Educação Matemática: questões éticas no ensino remoto. Revista Científica do UBM, Barra Mansa, p. 18-31, 3 jan. 2023. Disponível em: https://doi.org/10.52397/rcubm.v0i48.1417.
RAMON, R.; SOUZA, N. F. de; KLÜBER, T. E. Conferência Nacional sobre Modelagem na Educação Matemática: aspectos evidenciados nos relatos de experiência. Revista Dynamis, Blumenau, v. 28, nº 1, 2022.
SILVA, K. A. P. da; MALHEIROS, A. P. dos S. Entrevista: um caminho para a prática de sala de aula e para a pesquisa sob o olhar da professora Lourdes Maria Werle de Almeida. Revista Paranaense de Educação Matemática, Campo Mourão, v. 10, nº 23, p. 13-29, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.33871/22385800.2021.10.23.13-29. Acesso em: 12 set. 2023.
SOUZA, M. A. R. de et al. O uso do software Iramuteq na análise de dados em pesquisas qualitativas. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 52, e03353, 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353. Acesso em: 6 out. 2025.
TORTOLA, E.; SILVA, K. A. P. da. De questões do Enem a aulas com Modelagem Matemática: o caminhar para uma Educação Matemática crítica. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 103, p. 589–614, 2022. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbeped/a/RdgKytQrKv59WCj5cbSGxzR/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 21 set. 2023.
Publicado em 29 de outubro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
LACERDA, Greice Keli Silva; PEDROSA, Stella Maria Peixoto de Azevedo. Modelagem Matemática e o uso de tecnologias digitais: concepções de professores de Matemática do Ensino Médio. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 41, 29 de outubro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/41/modelagem-matematica-e-o-uso-de-tecnologias-digitais-concepcoes-de-professores-de-matematica-do-ensino-medio
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.
