A Educação para o pensar e o fazer pedagógico e filosófico
Eliane Rosa
Graduada em Pedagogia, licenciada em Filosofia (Ufpel), pós-graduada em Psicopedagogia e Supervisão Escolar, Educação Infantil e Fundamental, especialista em Ensino de Filosofia, professora de Ensino Fundamental no município de Canoas/RS
O panorama educacional brasileiro – e talvez não só o brasileiro – está desolador. São muitas guerras e poucas batalhas vencidas, e a busca constante pela melhora da educação parece ser exatamente isso: uma guerra sem fim, tanto para os educadores quanto para os educandos. A diferença é que os educadores sempre estarão dispostos a vencer essa guerra, enquanto parece que os educandos sequer deram-se conta de que ela existe.
Os educadores devem ativar a capacidade de aprender dos alunos na escola, fazendo com que eles vivenciem as experiências da aprendizagem, ocupando de forma criativa o acesso ao conhecimento disponível; devem deixar de lado “a velha” educação, na qual os aprendentes são meros receptores de pensamentos por meio de uma “transmissão de conhecimentos” supostamente já prontos. Por isso, a ênfase no “pensar próprio” deve ser usada pelos educadores, já que nosso cérebro/mente está feito para a fruição do pensar.
O pensar filosófico
O pensamento é um recurso humano essencial que carece de aperfeiçoamento permanente por meio da educação, buscando incentivar as pessoas, sejam adultos, jovens ou crianças, a exercer um pensamento reflexivo, rigoroso, crítico, profundo, criativo, cuidadoso, contextualizado e autocorretivo. Por isso, o desenvolvimento do pensamento deve ser priorizado.
Habilidades de pensamento constituem um conjunto de atividades mentais que servem ao pensamento crítico e cuidadoso: servem ao pensar bem; envolvem domínio e uso das habilidades de pensamento, emprego de critérios e de boas razões, a profundidade e a abrangência de compreensão quanto ao contexto ou contextos a que se referem, exigem rigor, pedem autocorreção, demandam que se veja e acompanhe o próprio processar-se (metacognição), convidam a dar-se conta da complexidade das relações que se identificam ou estabelecem e reconstroem e exigem ser reflexivo.
O que está surgindo agora é que o pensamento está se tornando o verdadeiro fundamento do processo educacional. As habilidades necessárias para o pensar nas outras disciplinas têm de ser aperfeiçoadas anteriormente, vemos por que a Filosofia precisa deixar de ser um assunto de universidade e tornar-se uma matéria de escola primária. A Filosofia fornece um modelo formidável para o processo educacional como um todo (Lipman, 1990, p. 52).
As ciências estão de alguma forma relacionadas à Filosofia, porque o objeto da Filosofia é a própria reflexão, o retorno do pensamento a si mesmo para indagar o que são as coisas: o que é a ciência, a arte, o mundo, o homem; enfim, o que somos nós e como pensamos.
Apropriar nossas crianças e jovens do pensamento complexo e reflexivo, para ao menos tentarmos tornar nossos aprendentes seres humanos capazes de pensar e repensar suas atitudes e escolhas, por mais difíceis que algumas decisões possam parecer, é preparar o ser humano em formação para que possa buscar seu espaço na sociedade e no mundo, se assim desejar.
A Filosofia, desde as séries iniciais, é um meio de provocar um pensamento melhor, mais lógico, eficaz e eficiente. Se esse pensamento for incentivado desde cedo, os envolvidos no processo chegarão mais preparados e focados em seu aprendizado e em sua evolução como indivíduos sociais na realidade em que vivem ou poderão optar por ser um ser social virtual, interessado em uma realidade que vivencia apenas através da tela do celular, via internet. A tecnologia é algo do qual não conseguiremos mais nos livrar, nem queremos; mas talvez seja preciso voltar ao tradicional e fazer com que os aprendentes percebam que a vida, o mundo e as conquistas não estão dentro do celular.
A Pedagogia da Filosofia implica converter a sala de aula em uma comunidade de investigação cooperativa, em que todos são democraticamente autorizados a ser ouvidos, em que cada um aprende com o outro e na qual o diálogo entre os membros da classe, quando internalizado e representado num fórum interior na mente de cada participante, é a base do processo conhecido como pensamento (Lipman, 1990, p. 132).
O pensar está vinculado a momentos de impulso e de escolhas; podemos escolher e, ao mesmo tempo, não refletir sobre essa escolha, ficando com a sensação de que não sabemos o que queremos. Isto é o ser humano: eterno em seus questionamentos sobre o que é correto ou não, sobre se devemos ou não fazer algo. O ser humano é imperfeito e precisa aceitar isso desde cedo; precisa aprender a entender que a vida não é apenas uma opção: a vida bem vivida é uma escolha. Mas qual escolha seria a melhor?
A apresentação da Filosofia aos aprendentes mais infantis e jovens pode ser entendida como uma forma de introduzir um estado de espírito, demandando vibração, movimento, leitura de mundo, reflexão, intercâmbio e intensidade. O ato de educar pode adquirir diversos significados: formar, socializar, ensinar, iluminar, aperfeiçoar, conscientizar, integrar.
O panorama pandêmico e pós-pandêmico (não que a pandemia da covid-19 tenha sido erradicada, mas que está um pouco mais controlada) deixou uma lacuna no ensino, na aprendizagem e, por consequência, no pensar. Nossos aprendentes retornaram à realidade como se ela ainda fosse virtual; o celular e a internet se tornaram órgãos vitais, enquanto as salas de aula permanecem de quadro e giz. Aprender a escrever em letra cursiva se tornou um desafio.
Códigos da Modernidade
A dinâmica educacional está buscando nos alicerces teóricos uma luz no fim do túnel, e desenvolver habilidades e competências sob um viés filosófico talvez seja um caminho. Philippe Perrenoud (1999), um dos teóricos responsáveis pela defesa da Pedagogia das Competências, ressalta que essa abordagem não rejeita conteúdos nem disciplinas. O autor propõe, no entanto, a continuidade em vez da compartimentação e da segmentação.
Podemos considerar que a competência não simplesmente acumula conhecimentos e habilidades, mas sim articula, dosa e pondera constantemente esses recursos diversos e seu uso para administrar situações complexas, sendo o resultado de sua interação (Le Boterf, 2003).
Precisamos preparar crianças e jovens para o mundo que os espera, apesar de eles pensarem que o mundo se resumiu à tela do celular; a internet e o celular não conseguirão superar dores, decepções, constrangimentos e frustrações, a menos que quem estiver por trás dessas ferramentas saiba diferenciar a realidade do virtual. É preciso transpor a escola para o âmbito profissional, para a vida de forma geral.
Com base no relatório de Jacques Delors (2012), que estabelece os quatro pilares da educação para o século XXI – o aprender a ser, o aprender a conviver, o aprender a fazer e o aprender a conhecer –, a docência passa agora a dividir o seu espaço, antes monopolizado no currículo, com práticas e vivências que concretizam e expressam o desenvolvimento das competências pessoais e sociais.
A Educação para o pensar se desenvolve na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas escolas, nas manifestações culturais, nos movimentos e organizações sociais; é uma questão fundamental da sociedade atual, imersa numa rede complexa de situações e fenômenos que exige, a cada dia, intervenções sistemáticas e planejadas dos profissionais da Educação Escolar.
Os Códigos da Modernidade apresentados a seguir enumeram as competências que serão necessárias para que as pessoas possam enfrentar mais adequadamente os desafios do milênio.
Códigos da Modernidade
• Domínio da leitura e da escrita: para se viver e trabalhar na sociedade altamente urbanizada e tecnificada do século XXI, será necessário um domínio cada vez maior da leitura e da escrita. Crianças, adolescentes e jovens terão de saber comunicar-se usando palavras, números e imagens. Saber ler e escrever já não é um simples problema de alfabetização, é um autêntico problema de sobrevivência.
• Capacidade de fazer cálculos e de resolver problemas: na vida diária e no trabalho, é fundamental saber calcular e resolver problemas. Calcular é fazer contas. Resolver problemas é tomar decisões fundamentadas, em todos os domínios da existência humana. Na vida social, é necessário dar solução positiva aos problemas e às crises. Uma solução é positiva quando produz o bem comum.
• Capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações: na sociedade moderna, é fundamental a capacidade de descrever, analisar e comparar fatos e situações. Não é possível participar ativamente da vida da sociedade global se não somos capazes de manejar símbolos, signos, dados, códigos e outras formas de expressão linguística, buscando causas e possíveis consequências, colocando o fato no curso dos acontecimentos, dentro da história.
• Capacidade de compreender e atuar em seu entorno social: compreender o entorno social é saber explicar acontecimentos do ambiente onde estamos inseridos. Atuar como cidadão é ser capaz de buscar respostas, de solucionar problemas, de operar, alterar e modificar o entorno. Significa ser sujeito da história.
• Receber criticamente os meios de comunicação: um receptor crítico dos meios de comunicação é alguém que não se deixa manipular como pessoa, como consumidor, como cidadão. Os meios de comunicação produzem e reproduzem novos saberes, éticas e estilos de vida. Ignorá-los é viver de costas para o espírito do nosso tempo.
• Capacidade para localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada: em um futuro bem próximo, será impossível ingressar no mercado de trabalho sem saber localizar dados, pessoas, experiências e, principalmente, sem saber como usar essa informação para resolver problemas. Será necessário consultar rotineiramente – muitas vezes pela internet – bibliotecas, hemerotecas, videotecas, centros de informação e documentação, museus, publicações especializadas etc.
• Capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo: saber associar-se, trabalhar e produzir em equipe são capacidades estratégicas para a produtividade e fundamentais para a democracia. Essas capacidades se formam cotidianamente por meio de um modelo de ensino-aprendizagem autônomo e cooperativo, em que o professor é um orientador e um motivador para aprendizagem (Serrão; Baleeiro, 1999, p. 381-382).
Essas competências precisam ser incentivadas e desenvolvidas em nossos aprendentes; talvez seja uma forma de contribuir para a sua formação de maneira global e significativa.
Considerações finais
A busca nos alicerces teóricos para uma prática pedagógica e filosófica, mesmo que de forma simples e com uma linguagem direcionada a todos os públicos estudantis, está voltada ao pensar essas práticas e incentivar os aprendentes a desenvolver e aprimorar seu pensamento como ferramenta de engajamento e posicionamento diante de uma sociedade volátil e em profundas e constantes transformações.
Faz-se necessário que entendam que suas aprendizagens estão diretamente relacionadas ao seu futuro, mas será preciso uma prática pedagógica que pode se embasar em uma prática filosófica para que consigam identificar suas potencialidades, aumentar sua autoestima e vislumbrar uma posição na sociedade e no mundo onde suas habilidades e competências possam ser devidamente reconhecidas e bem aproveitadas.
O que está posto é apenas uma sugestão para a prática docente, prática essa que precisa estar alinhada ao que as tecnologias e os Códigos da Modernidade nos apontam como um possível caminho; se esse caminho é certo ou não, só saberemos ao tentar percorrê-lo.
Referências
DELORS, Jacques (org.). Educação, um tesouro a descobrir – relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2012.
LE BOTERF, Guy. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003.
LIPMAN, Matthew. A Filosofia vai à escola. São Paulo: Summus, 1990.
PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999.
SERRÃO, Margarida; BALEEIRO, Maria Clarice. Aprendendo a ser e a conviver. 2ª ed. São Paulo: FTD, 1999.
Publicado em 05 de novembro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
ROSA, Eliane. A Educação para o pensar e o fazer pedagógico e filosófico. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 42, 5 de novembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/42/a-educacao-para-o-pensar-e-o-fazer-pedagogico-e-filosofico
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