Contribuições da Caixamática no ensino dos fatos básicos da multiplicação nos anos iniciais: relato de experiência
Adriana Marques Sampaio
Mestra em Práticas da Educação Básica (Colégio Pedro II), professora da rede municipal do Rio de Janeiro
Marcia Martins de Oliveira
Doutora em Ciência da Informação (UFRJ), professora orientadora do Colégio Pedro II
Este artigo relata a experiência das pesquisadoras no desenvolvimento e aplicação da Caixamática, um conjunto de jogos educativos voltados para o desenvolvimento das habilidades relacionadas à multiplicação de alunos do 4º ano do Ensino Fundamental. A Caixamática é o produto educacional derivado da dissertação Que Comecem os Jogos! O Ensino da Multiplicação por Meio da Caixamática, desenvolvida no Mestrado Profissional em Práticas de Educação Básica do Colégio Pedro II.
Atualmente, mencionar a palavra “tabuada” pode parecer estranho para muitos docentes e pesquisadores da Educação, algo que remete a um currículo de Matemática dos primeiros anos escolares em tempos passados. Essa estranheza revela apenas uma das várias posições sobre o assunto.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), publicados em 1997, apontam a importância de construir um repertório básico de multiplicação e destacam a necessidade de os professores valorizarem e identificarem as estratégias individuais dos alunos. Além disso, recomendam a adoção de metodologias de ensino que vão além das tradicionais (Brasil, 1997, p. 74).
Alinhada a essa recomendação dos PCN, a aplicação da Caixamática tornou o aprendizado mais prazeroso e proporcionou uma compreensão mais profunda e duradoura dos fatos básicos da multiplicação.
Tabuada da multiplicação: significados e sentidos
Originalmente, a tabuada (Figura 1), também chamada de "tábua" ou tabela, foi um recurso criado na Antiguidade e consistia em tábuas de argila ou pedra, utilizadas para facilitar a resolução de cálculos por comerciantes que necessitavam realizar transações com precisão e rapidez (Sousa, 2023). Mais tarde, a tabuada foi introduzida no ambiente escolar “como um instrumento didático-pedagógico no ensino do cálculo aritmético” (Rodrigues, 2015).

Figura 1: Tabuada de Pitágoras
Nos últimos anos, outras expressões ganharam espaço na literatura para substituir ou definir o termo tabuada, como o conjunto dos fatos fundamentais de uma operação; esses fatos fundamentais também são conhecidos como fatos básicos. Em outras palavras, os fatos básicos seriam cálculos de uma operação que devem ser realizados mentalmente, sem o auxílio de algoritmos. Gradualmente, o aluno deve memorizar esses resultados e ser capaz de aplicá-los em diversas situações (Brasil, 2008, p. 24).
Historicamente, a memorização da tabuada foi considerada ora um recurso indispensável, ora apenas uma forma de organização do sistema gerador das multiplicações, não sendo essencial sua memorização. Os estudos de Lima e Maranhão (2014) mostram as mudanças na importância de decorar ou compreender a tabuada de multiplicação, influenciadas pelos movimentos educacionais que trouxeram mudanças significativas a partir do século XX.
Até a década de 1920, o ensino no Brasil era dominado pela Pedagogia Tradicional, que seguia a tendência Formalista Clássica na Matemática. Nesse modelo, o professor era o principal transmissor de conhecimento, enquanto os alunos assumiam uma postura passiva de receptores (Lima e Maranhão, 2014). Os estudos de Nürnberg (2008) reforçam essa concepção da época e enfatizam a função da memorização da tabuada de multiplicação como atividade essencial no ensino da Matemática. A autora aponta:
A ênfase dada aos exercícios de memorização e fixação é uma das marcas mais importantes do ensino tradicional. Decorar a tabuada era uma obrigação discente extraclasse. Ou seja, o exercício de sua memorização não ocorria na escola. Ali, o professor passava no quadro e o aluno copiava no caderno para em casa estudá-la. No início da aula, o professor “tomava a tabuada” e o aluno que não houvesse decorado na “ponta da língua”, era submetido a alguma forma de castigo (Nürnberg, 2008, p. 33).
Porém, gradualmente, percebeu-se que um ensino baseado apenas na memorização resultava em aprendizagem mecânica e sem significado, e a escola tradicional começou a ser questionada com a chegada das ideias construtivistas, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Nesse período, a tabuada passou a ser vista como algo discriminador e centrado no professor (Nürnberg, 2008).
Sob a influência construtivista, a tabuada praticamente desapareceu dos materiais didáticos e dos livros, perdendo seu caráter central. No entanto, observa-se que os professores não adotam novas tendências de forma imediata, mas integram fragmentos das novas e antigas abordagens em suas práticas. Mesmo com as ideias construtivistas, alguns professores ainda trabalhavam com a memorização da tabuada (Lima; Maranhão, 2014).
Entre o final da década de 1980 e o início da década de 1990, a tendência histórico-crítica emergiu, defendendo que os conhecimentos matemáticos devem ser compreendidos em um processo lógico e histórico. Dani e Guzzo (2013) defendem que a tabuada surgiu como um instrumento para facilitar cálculos e deveria ser memorizada apenas após a compreensão da multiplicação.
É evidente que a aprendizagem de um repertório básico de cálculos não se dá pela simples memorização de fatos de uma dada operação, mas sim pela realização de um trabalho que envolve a construção, a organização e, como consequência, a memorização compreensiva desses fatos (Brasil, 1997, p. 74).
Para tanto, recomenda-se a utilização de metodologias que auxiliem na construção desses conceitos por meio de análises, comparações e exploração de situações que ampliem as diferentes habilidades de cálculo: mental ou escrito, exato ou aproximado.
Aprendizagem Baseada em Jogos
Antes do surgimento da internet, as fontes de informação eram centralizadas em jornais, revistas, televisão e enciclopédias. Nesse contexto, os métodos de ensino tradicionais colocavam o professor no centro do processo educativo e reforçavam sua posição como o principal transmissor de informações e conhecimento (Soares, 2019).
No entanto, o modelo tradicional já não é suficiente para atender às demandas atuais, em que a informação está disponível em abundância. Por isso, as metodologias ativas têm ganhado destaque nas discussões sobre Educação. A ideia básica é promover uma abordagem mais participativa e engajadora no processo de aprendizagem, colocando o aluno no centro do processo educativo. Em vez de ser um mero receptor passivo de informações, ele é incentivado a ser um participante ativo na construção do conhecimento.
Segundo Bacich e Moran (2018), as metodologias ativas são abordagens focadas na participação efetiva dos alunos na construção do seu aprendizado, de maneira flexível e integrada. Os autores reforçam que o aprendizado é um processo ativo em vários níveis. No entanto, o desafio está em ampliar as possibilidades desse processo, utilizando recursos didáticos que estimulem a curiosidade e assegurem a participação efetiva dos alunos. Superar a abordagem tradicional, centrada no professor e marcada por aulas expositivas excessivas, demanda uma transição para métodos mais dinâmicos, que estejam alinhados com o contexto social e cultural de cada ambiente escolar.
O uso da Aprendizagem Baseada em Jogos (ABJ) pode favorecer um novo conceito na Educação, pois promove o senso de responsabilidade, colaboração e criatividade (Palha, 2022). Borges (2005), também atento às habilidades socioemocionais, acrescenta que uma pedagogia que utiliza o jogo como ferramenta de apoio ao processo de ensino-aprendizagem oferece vantagens, pois é constituída por elementos e valores como ludicidade, cooperação, participação voluntária, prazer e automotivação.
Ao sintetizar as contribuições da ABJ, Bacich e Moran (2018) afirmam que
os jogos e as aulas roteirizadas com a linguagem de jogos (gamificação) estão cada vez estão mais presentes na escola e são estratégias importantes de encantamento e motivação para uma aprendizagem mais rápida e próxima da vida real. Os jogos mais interessantes para a educação ajudam os estudantes a enfrentar desafios, fases, dificuldades, a lidar com fracassos e correr riscos com segurança. (Bacich; Moran, 2018, p. 21).
Silva (2021, p. 31) corrobora essa ideia ao afirmar que “na Aprendizagem Baseada em Jogos, os alunos trabalham com a imaginação, o diálogo, a troca de ideias e a criatividade através de desafios, podendo aprender com seus erros e sem pressão”. A autora acrescenta que essa metodologia pode colaborar na construção da responsabilidade, do respeito às regras e do trabalho em equipe.
Em seus estudos sobre jogos, Grando (2004) reforça que, para ser educativo, o jogo precisa ser intencional, ou seja, planejado com objetivos pedagógicos que favoreçam a aquisição de conceitos matemáticos.
As ideias apresentadas servem de reflexão e devem ser consideradas pelos docentes durante o planejamento e a execução de um jogo nas aulas de Matemática. É importante que as estratégias desenvolvidas estejam coerentes com os objetivos, o espaço e o tempo do projeto pedagógico da escola, visto que o professor é o sujeito mediador, responsável por desenvolver um conceito novo ou sistematizar um conhecimento prévio por meio dos jogos.
Por suas características, a ABJ é uma abordagem promissora e engajadora para o ensino da Matemática nos anos iniciais. Essa metodologia proporciona uma experiência educativa que vai além do convencional, explorando a ludicidade e oferecendo um ambiente propício para o desenvolvimento das habilidades matemáticas, ao mesmo tempo em que mantém os alunos engajados e motivados.
Metodologia
A metodologia utilizada na aplicação da Caixamática foi baseada em uma abordagem qualitativa, com apoio da pesquisa-ação, que promove a participação ativa dos envolvidos. Esse método, conforme Thiollent (2011), busca resolver problemas identificados em conjunto por meio de ações colaborativas.
Os sujeitos foram três professoras do 4º ano do turno da manhã do Ciep José Pedro Varela, localizado no Centro do Rio de Janeiro. O Ciep José Pedro Varela é uma escola da rede municipal com 673 alunos matriculados em turmas da Educação Infantil, Ensino Fundamental I e Educação de Jovens e Adultos. Dentre esses, o Ensino Fundamental I representa o maior segmento, com 349 discentes. A escolha desse campo de estudo foi motivada pela proximidade e integração com o espaço onde a pesquisadora já atua profissionalmente, a Creche Municipal Arco-Íris, facilitando o acesso e a interação com a comunidade escolar, o que contribui significativamente para a logística e a implementação da pesquisa.
As docentes participaram voluntariamente da pesquisa e da oficina de jogos Matemática Fora da Caixa, sendo responsáveis pela implementação e avaliação dos jogos da Caixamática em suas salas de aula.
A aplicação da Caixamática seguiu o cronograma descrito no Quadro 1, garantindo que os três jogos fossem aplicados nas três turmas do 4º ano. As turmas foram divididas em grupos de três a cinco alunos, formando, em média, cinco equipes.
Quadro 1: Cronograma de aplicação da Caixamática
Jogo |
Data |
Turma |
Professora |
Multiquebra-cabeça e Dominó |
04/07/24 |
T1 T2 |
P1 P2 |
05/07/24 |
T3 |
P3 |
|
Trilha do dobro |
29/07/24 |
T1 T2 |
P1 P2 |
30/07/24 |
T3 |
P3 |
A pesquisa foi realizada durante a oficina Matemática fora da Caixa, cujo objetivo foi explorar a Aprendizagem Baseada em Jogos como metodologia de ensino. A etapa 1 iniciou-se com a aplicação de um questionário inicial, destinado a traçar o perfil das professoras participantes, além de levantar suas experiências e conhecimentos sobre o uso de jogos.
Ao longo dos oito encontros, ocorreram rodas de conversa e registros no diário de bordo. A aplicação dos jogos aconteceu em dois momentos distintos: no primeiro, as professoras utilizaram o Multiquebra-cabeça e o Dominó da Multiplicação; no segundo, aplicaram o jogo Trilha do Dobro. Após essas atividades, as professoras participaram de um encontro final com a pesquisadora, no qual ocorreu a última roda de conversa. Nesse encontro, compartilharam suas experiências em sala de aula e responderam a um questionário final, encerrando, assim, o ciclo de atividades da pesquisa.
O estudo foi dividido em várias etapas, conforme ilustrado na Figura 2.

Figura 2: As etapas da pesquisa
O questionário inicial, entregue juntamente com o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), constituiu o ponto de partida desta investigação. O instrumento foi composto por questões fechadas e abertas, com o intuito de fornecer um perfil acadêmico/profissional das professoras, conhecer o conceito de aprendizagem baseada em jogos sob a ótica desses sujeitos, verificar o interesse nos jogos como recurso pedagógico e identificar o uso dos jogos pelas docentes em suas aulas.
No diário de bordo foram registrados todos os eventos, percepções e observações referentes ao envolvimento das professoras durante a realização da oficina de jogos. Esse registro detalhado buscou captar a dinâmica de interação e o grau de engajamento das docentes com as atividades propostas. A roda de conversa, planejada como parte do retorno da aplicação da Caixamática, mostrou-se significativa nesse processo.
Durante essa discussão, as falas, interações e níveis de participação das professoras foram cuidadosamente analisados, com o objetivo de avaliar a eficácia e a funcionalidade da caixa de jogos utilizada na oficina. Esse momento foi essencial para compreender como as docentes percebem a utilidade dos jogos em contextos educacionais e de que forma esse recurso pode ser aprimorado para contribuir na prática pedagógica.
Os dados dessa fase da pesquisa foram complementados pelo questionário final. Esses registros foram importantes para identificar assuntos e padrões comuns nos depoimentos das professoras após a aplicação dos jogos com seus alunos, além de abordar questões descritivas sobre a dinâmica e a aceitação da Caixamática.
A Caixamática
Descrição dos jogos
A Caixamática é uma caixa de jogos de baixo custo para auxiliar no ensino e na aprendizagem da multiplicação nos Anos Iniciais. Ela é composta por três itens (Figura 3): o Multiquebra-cabeça, o Dominó da Multiplicação e a Trilha do Dobro. Os jogos foram concebidos com um nível crescente de dificuldade, a fim de atender às diversas habilidades e interesses dos alunos. Eles podem ser adaptados e usados para outras operações, como adição, subtração e divisão.
A proposta busca evidenciar a relevância da ludicidade como uma abordagem capaz de resgatar o lúdico como característica essencial da fase da infância e na construção dos saberes matemáticos.
O Multiquebra-cabeça é o jogo inicial da Caixamática, pois presume-se que os alunos já estão familiarizados com quebra-cabeças simples desde cedo. Cada tabuada possui nove pequenos quebra-cabeças de três peças, contendo uma multiplicação, um produto e uma adição de parcelas iguais. Cada grupo deverá completar corretamente os pequenos quebra-cabeças de três peças que correspondem a cada tabuada de 2 a 9. A professora divide os alunos em quatro grupos e escolhe um aluno para ser o juiz, que conferirá as respostas do grupo no final da montagem.
Cada grupo recebe um envelope de cor diferente com 10 pequenos quebra-cabeças, cada um referente a uma tabuada de 2 a 9. Os jogadores devem formar corretamente os pequenos quebra-cabeças, unindo a multiplicação, o produto e a adição de parcelas iguais.
No Dominó da Multiplicação, o aluno deve formar uma trilha com as 28 peças do dominó, contendo as operações e os produtos. A professora divide os alunos em grupos de 3 a 4 jogadores e pode escolher um aluno para ser o juiz, que conferirá as respostas de cada grupo. Após embaralhar as 28 peças, a professora distribui sete peças para cada jogador, sendo o restante o monte. Inicialmente, os jogadores lançam dois dados. Os valores obtidos em cada um deles devem ser multiplicados, e o produto definirá a ordem dos jogadores, que será decrescente. Na ordem definida pelo resultado da multiplicação, os jogadores devem colocar uma peça que combine com uma das extremidades de cada dominó, correspondendo a uma operação ou produto.
A Trilha do Dobro tem como objetivo levar o aluno até a escola, localizada após a casa 62 da trilha. A professora divide os alunos em grupos de 2 a 5 jogadores. Cada jogador escolhe uma peça para se representar na trilha, que pode ser um botão, uma tampinha ou qualquer objeto pequeno que possa ser movido pelas casas numeradas. Um dado de 10 faces, numerado de 0 a 9, é usado para jogar. Todos os jogadores começam na casa 1 e, a cada jogada, movem suas peças o dobro do número obtido no dado, um de cada vez.
Por exemplo, se tirar 3 no dado, o jogador anda 6 casas. Assim, em cada jogada, o aluno avança rapidamente pela trilha. Se ele cair nas casas 31 ou 48, encontra a imagem da bomba, que sinaliza penalidade e obriga o retorno de 4 casas. Nas casas 12 e 40, encontra a imagem do foguete, ganhando o bônus de avançar 3 casas. O primeiro jogador a chegar à casa 62 vence o jogo.

Multiquebra-cabeça

Dominó da Multiplicação

Trilha do Dobro
Figura 3: Jogos da Caixamática
Dinâmica de aplicação
A maior parte das atividades ocorreu no Colaboratório, um espaço dedicado a propostas de ensino relacionadas ao pensamento computacional, à robótica e à cultura maker. A aplicação dos jogos começou com a explicação dos objetivos, apresentação do material e das regras (Figura 4). De acordo com a P2, os alunos estavam animados e falantes, mostrando interesse em compreender e seguir as regras. A professora P1 relatou que a alta competitividade entre algumas equipes gerava conflitos, exigindo intervenções diretas e, em alguns casos, a reinicialização das rodadas.

Figura 4: Aplicação da professora P1 com turma T1
Durante a aplicação, os alunos demonstraram preocupação em não saber responder e, consequentemente, perder a jogada. A professora P3 observou que, em equipes menos competitivas, os alunos colaboravam entre si para chegar às respostas, permitindo que todos avançassem e tivessem a chance de ganhar.
No Multiquebra-cabeça (Figura 5), as professoras observaram que os alunos demonstraram facilidade em entender as regras e executar as tabuadas dos números menores (2, 3, 4 e 5). No entanto, mesmo para esses casos básicos, boa parte dos alunos precisou usar suporte visual, como contar com os dedos, somar as parcelas iguais ou adicionar de 1 em 1 até chegar ao resultado. Algumas equipes ainda precisaram consultar a tabuada que compõe a Caixamática para completar a montagem das peças.

Figura 5: Aplicação do Multiquebra-cabeça
No Dominó da Multiplicação, as professoras relataram que, apesar das orientações iniciais, muitos alunos enfrentaram dificuldades durante a execução do jogo. Em todas as turmas, houve ao menos dois grupos em que foi preciso retomar as regras, intervir e utilizar a tabuada (Figura 6).

Figura 6: Aplicação do Dominó da Multiplicação com intervenção da P3
As professoras observaram que alguns alunos, além de não terem memorizado os fatos básicos, também enfrentavam dificuldades em identificar a relação inversa entre a operação e seu resultado. Elas notaram que, quando um lado da peça mostrava uma operação, como 3 x 4, os alunos conseguiam encontrar o produto, com a ajuda da tabuada, no caso, 12. No entanto, quando o lado da peça apresentava o produto, eles tinham dificuldade em associá-lo à operação correspondente. Aqueles que conseguiram concluir demonstraram euforia e felicidade pela vitória conquistada, como relatou a professora P1.
Em resumo, o Dominó da Multiplicação revelou desafios significativos para os alunos. Apesar das dificuldades iniciais, o entusiasmo demonstrado pelos que conseguiram concluir o jogo evidencia o potencial motivador da atividade. Ajustes futuros nas estratégias de ensino e nos recursos utilizados podem ajudar a maximizar a compreensão e o engajamento dos alunos, garantindo jogadas e momentos de aprendizado mais produtivos.
O jogo Trilha do Dobro, segundo os relatos das professoras, despertou alto nível de engajamento e participação entre os alunos. Elas destacaram que a relação do conceito de "dobro" com a tabuada do 2 contribuiu para a agilidade dos lances dos jogadores.
A professora P3 destacou o interesse dos alunos pelo dado de 10 faces (Figura 7), que permitia realizar operações dobrando números de 0 a 9. A professora P2 notou que, embora a tabuada fosse do 2, alguns alunos ainda precisavam contar nos dedos, somando de 2 em 2, para descobrir o resultado da jogada do dado. Além disso, ela observou que, na maioria das vezes, eles não realizavam o cálculo mental para adicionar o dobro da pontuação do dado à casa em que estavam, preferindo contar manualmente de 1 em 1 na própria trilha.

Figura 7: Dado de faces – Trilha do Dobro
As professoras observaram que, em todas as turmas, os alunos jogaram mais de uma rodada e, nas turmas T1 e T2, foram desafiados a realizar uma rodada triplicando o valor dos dados, o que aumentou a empolgação e a velocidade do jogo.
A Trilha do Dobro revelou-se muito promissora para o ensino dos fatos básicos da multiplicação, pois proporcionou um ambiente de aprendizado dinâmico e divertido. A facilidade com que os estudantes relacionaram o conceito de “dobro” à tabuada do 2 contribuiu para um progresso rápido e confiante ao longo da trilha.
O uso do dado de dez faces trouxe um elemento de novidade que manteve o interesse elevado. O fato de os grupos terem jogado várias rodadas demonstra não apenas o envolvimento dos alunos, mas também o potencial desse tipo de atividade lúdica para reforçar o aprendizado de conceitos matemáticos de maneira prática.
Adaptações realizadas
Na turma da professora P3, uma equipe contava com um aluno que recebia suporte de uma mediadora escolar. Para garantir sua participação, a professora, em parceria com a mediadora, adaptou a estratégia do jogo. Enquanto montavam as operações (multiplicação – 3 x 6 e adição – 6 + 6 + 6, parcelas iguais), o referido aluno tinha a responsabilidade de encontrar e colocar o produto correspondente (18), contribuindo com o resultado final, já que uma de suas habilidades era o cálculo mental. Essa adaptação permitiu que ele participasse do jogo de forma integrada e colaborativa, garantindo sua inclusão no desenvolvimento da atividade.
A adaptação realizada durante a aplicação do Multiquebra-cabeça evidencia a importância de um ensino inclusivo e colaborativo, que respeita o ritmo e as necessidades de cada aluno. O envolvimento ativo dos estudantes, com suporte quando necessário, favoreceu a compreensão dos conceitos matemáticos e fortaleceu o trabalho em equipe. As professoras notaram uma evolução no comportamento dos alunos, que, após a resolução do primeiro envelope, mostraram-se mais engajados e conectados como grupo, o que reforça o potencial dos jogos pedagógicos para o desenvolvimento tanto cognitivo quanto social.
Resultados
Após a aplicação dos três jogos, foi possível perceber as docentes envolvidas de forma positiva no processo de pesquisa, oferecendo contribuições importantes. Elas reconheceram que ainda há grandes dificuldades na memorização dos fatos básicos por parte de seus alunos, porém notaram que eles demonstraram maior facilidade nas tabuadas de 2 e 5.
A professora P2 mencionou que “os alunos não enxergam a importância desse conhecimento para a vida deles. É como se tivessem uma preguiça mental”. Outro aspecto de preocupação citado durante a roda de conversa foi a perda de tempo na organização da turma para jogar, devido à indisciplina e à agitação dos estudantes, o que dificultou, inicialmente, a execução das atividades. A professora P1 afirmou que “os alunos não seguem regras, isso dificulta a aprendizagem em Matemática”.
Essa última etapa evidenciou tanto os benefícios quanto os desafios do uso dos jogos da Caixamática no ensino da multiplicação. As professoras consideraram os jogos excelentes e destacaram contribuições socioemocionais, cognitivas e didáticas.
Habilidades socioemocionais e jogos
Uma das preocupações das professoras era a dificuldade dos alunos em seguir regras, pois, no dia a dia, eles demonstravam resistência em realizar atividades pedagógicas formais. No entanto, os alunos surpreenderam na questão da participação, tamanha era a empolgação para jogar. A aceitação das regras demonstrou o desenvolvimento da autodisciplina, da organização e da gestão do tempo.
A professora P1 relatou que os alunos ficavam felizes quando acertavam e sempre ansiosos pela próxima jogada na Trilha do Dobro. Ela citou a fala de um aluno: “Olha, consegui resolver! Vamos para a próxima!”, quando estavam montando as peças do Multiquebra-cabeça. Por outro lado, quando havia erros, os colegas apresentavam comportamentos que demonstravam cooperação e empatia. Nesse jogo, em todas as turmas, os alunos pediram para fazer uma segunda rodada, sempre dobrando o valor que saía no dado, tendo a possibilidade de sistematizar de forma lúdica a tabuada do 2. Nas turmas das professoras P1 e P2, houve uma terceira rodada, multiplicando o valor do dado por 3.
A professora P2 destacou que “a turma se interessou bastante e participou ativamente”. Segundo a professora P3, os poucos conflitos que ocorreram foram resolvidos com uma rápida conversa, pois ninguém queria perder a oportunidade de vivenciar aquele momento lúdico e de aprendizagem.
A professora P3 mencionou também que “os jogos foram bons para ajudar na compreensão da multiplicação de forma lúdica e prazerosa. Achei interessante também para os alunos incluídos, que participaram ativamente do jogo”. Nessa turma, houve necessidade de adaptações na dinâmica, pois uma das equipes tinha um aluno com necessidades específicas. Os demais alunos mostraram uma atitude de acolhimento e respeito, ajudando o colega sempre que necessário. Esses momentos reforçam os laços de amizade e promovem uma vivência da diversidade. O ânimo dos alunos para jogar com as adaptações não foi alterado, o que, mais uma vez, demonstrou empatia e colaboração entre os membros da turma, proporcionando um ambiente dinâmico e inclusivo.
Na roda de conversa final, ficou evidente que, durante a aplicação dos jogos da Caixamática, não houve temor, resistência ou recusa dos alunos em participar. Apesar de as turmas serem heterogêneas em relação à idade e ao nível cognitivo, e de contarem com alguns alunos com necessidades específicas, todos participaram de forma voluntária.
Esse fato demonstrou o potencial deste produto educacional no processo de ensino e aprendizagem, pois contribuiu para diminuir o medo e a rejeição em relação à Matemática. Além disso, o uso dos jogos da Caixamática estimulou o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, até então pouco observadas nos alunos.
Habilidades cognitivas e jogos
Durante a aplicação dos jogos, as professoras tiveram a possibilidade de observar as habilidades cognitivas de seus alunos. Elas avaliaram a experiência de forma positiva, pois conseguiram identificar quais alunos apresentavam mais dificuldades no assunto e quais tabuadas já haviam sido memorizadas, como as de 2 e 5. Constataram maior engajamento e motivação dos alunos em utilizar diferentes estratégias, como o uso dos dedos, contar de 2 em 2, consultar a tabuada para confirmar suas respostas e realizar com interesse suas jogadas envolvendo os fatos básicos da multiplicação.
Nesse sentido, além da memorização da tabuada da multiplicação, as professoras observaram outras contribuições para o desenvolvimento cognitivo ao mencionarem, na roda de conversa, que os alunos puderam exercitar sua capacidade de raciocínio lógico, tomada de decisões e planejamento de estratégias para vencer os desafios. Sobre essa habilidade, a professora P2 afirmou que “essa atitude é muito importante porque eles irão utilizá-la durante toda a vida”.
No Dominó da Multiplicação, a professora P3 relatou que seus alunos apresentaram dificuldades em relacionar os produtos às multiplicações correspondentes e precisou fazer intervenções. A professora P1 percebeu que, nesse jogo, alguns alunos não conservavam as informações, mesmo que de forma temporária, como o número de multiplicações corretas ou os resultados das jogadas anteriores, para tomar decisões futuras. Esse aspecto da aprendizagem é importante para lidar com problemas que envolvem vários passos ou operações a serem resolvidas.
Essas habilidades cognitivas são importantes não apenas para o aprendizado de Matemática, mas também para o desenvolvimento integral dos alunos, pois os prepara para lidar com situações que exigem diferentes tipos de raciocínio e comportamento.
As observações demonstram que a experiência, além de promover o aprendizado matemático, também revelou diferentes dinâmicas de interação entre os alunos. Enquanto a competitividade excessiva gerou alguns desafios de interação e comportamento, a colaboração foi um fator importante para o aprendizado nas equipes mais equilibradas.
Os momentos de trabalho em equipe favoreceram não apenas o aprendizado dos conteúdos, mas também o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como a cooperação e o respeito às regras. Assim, os jogos se mostraram um recurso promissor tanto para o ensino de Matemática quanto para o fortalecimento das relações interpessoais em sala de aula.
Considerações finais
Este artigo teve como objetivo descrever as contribuições da aplicação da Caixamática, uma caixa com três jogos pedagógicos, no desenvolvimento das habilidades relacionadas à multiplicação. A proposta buscou responder à questão: como auxiliar os alunos na memorização dos fatos básicos da multiplicação de forma lúdica?
Os resultados obtidos demonstraram uma mudança de postura e maior engajamento dos alunos durante a realização dos três jogos. No início, as professoras estavam preocupadas com o comportamento e o interesse dos estudantes, porém, como foi apresentado nos resultados da aplicação, os jogos favoreceram o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, tais como autodisciplina, empatia, colaboração e organização, além de evidências positivas nas habilidades cognitivas. Mesmo com dificuldades, os alunos se mantinham motivados e participativos.
As professoras destacaram que, embora acreditassem no potencial dos jogos, não os utilizavam com frequência. Após a aplicação, elas solicitaram a continuidade da proposta, reconhecendo o valor desse tipo de recurso para a aprendizagem.
Além de evidenciar o potencial dos jogos para o ensino da multiplicação, a experiência ofereceu subsídios práticos para que outros docentes planejem atividades lúdicas com intencionalidade pedagógica. A Caixamática demonstrou que é possível promover aprendizagens significativas, prazerosas e inclusivas com o uso de recursos simples e de baixo custo. Ela favoreceu o engajamento dos alunos e fortaleceu o papel do professor como mediador do conhecimento.
A vivência dessa aplicação destacou o impacto positivo das metodologias ativas, como os jogos, no ensino da multiplicação para alunos do 4º ano do Ensino Fundamental. Dessa forma, conclui-se que a aplicação atingiu seu objetivo principal, pois promoveu uma reflexão sobre o uso de métodos tradicionais e o potencial de práticas lúdicas.
Para trabalhos futuros, sugere-se investigar o impacto da ludicidade em outras operações matemáticas, como adição, subtração e divisão, além de explorar sua aplicação em diferentes contextos escolares.
Por fim, o estudo também reforçou a importância da reflexão docente e da adoção de práticas inovadoras que desenvolvam tanto habilidades cognitivas quanto socioemocionais, essenciais na sociedade atual.
Referências
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Publicado em 05 de novembro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
SAMPAIO, Adriana Marques; OLIVEIRA, Marcia Martins de. Contribuições da Caixamática no ensino dos fatos básicos da multiplicação nos anos iniciais: relato de experiência. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 42, 5 de novembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/42/contribuicoes-da-caixamatica-no-ensino-dos-fatos-basicos-da-multiplicacao-nos-anos-iniciais-relato-de-experiencia
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