Os povos indígenas e o uso das tecnologias digitais nas aulas de Arte: preliminar de pesquisa e campo
Elizabeth Gomes Andrade
Mestra em Novas Tecnologias Digitais na Educação (UniCarioca), professora de Arte da rede municipal de São Gonçalo
Regina Celia Pereira de Moraes
Pós-doutora em Ciência da Informação (IBICT/MCTI), professora da UniCarioca
Rosa Lídice de Moraes Valim
Doutora em Psicossociologia (Eicos/UFRJ), professora da UniCarioca
Victor Gonçalves Gloria Freitas
Doutor em Engenharia Nuclear (Coppe/UFRJ), professor da UniCarioca
Este artigo trata do tema visibilidade indígena na escola. É importante salientar que a Lei nº 11.654/08 (Brasil, 2008) trouxe a obrigatoriedade da abordagem das culturas indígenas no espaço escolar, representando um avanço na garantia de incluir no currículo a sua contribuição. Porém, ainda se observa que, mesmo após 16 anos, o que a lei determina é colocado em prática apenas em datas específicas, muitas vezes apenas para cumprir um projeto escolar. É lamentável que toda a riqueza cultural dos povos originários seja reduzida a datas comemorativas, e a invisibilidade das obras indígenas evidencia o caráter elitista do mundo da arte, no qual se dá destaque a obras com qualidades estéticas eurocêntricas, como aponta Tavares (2018).
Conhecer, estudar e pesquisar os povos de origem indígena é mergulhar na memória desses povos e compreender a diversidade étnica que compõe nossa nação. Ainda é comum conceber a arte indígena como algo antigo, muitas vezes visto de forma preconceituosa, restringindo as obras apenas a funções utilitárias. No entanto, a arte indígena possui um papel social importante: é uma expressão que fortalece a identidade cultural das comunidades, contribui para o senso de pertencimento e preserva valores tradicionais. As técnicas e os conhecimentos transmitidos nas produções artísticas são formas de conexão com a história, a diversidade cultural e a ancestralidade, promovendo a valorização da identidade, a autoestima, os saberes e o empoderamento dos povos indígenas.
No Brasil, há uma riqueza cultural extremamente diversificada entre os povos originários, manifestada principalmente por meio da cerâmica, das máscaras, da cestaria, da arte plumária, do idioma, das pinturas corporais, da culinária, da medicina, da tecelagem, da música, do grafismo, da dança e da mitologia. Possibilitar que o educando conheça e se aproxime dessas formas de cultura é o objetivo desta proposta.
Segundo Silva (2012), percebe-se que, em muitas ocasiões, a escola é uma das instituições responsáveis pela veiculação de ideias, imagens e informações equivocadas sobre os indígenas no Brasil. Ainda é comum, na maioria das escolas, principalmente na Educação Infantil, que no dia 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, se repitam práticas como enfeitar as crianças, pintar seus rostos e confeccionar penas de cartolina para colocá-las na cabeça. Tais imagens exóticas e folclorizadas devem ser substituídas por visões críticas sobre os povos indígenas. É fundamental que os currículos escolares contemplem uma perspectiva que desconsidere julgamentos de valor, já que a escola é o espaço onde se reflete a diversidade de nossa sociedade (Polonia; Soares Filho, 2019).
A escola tem o papel de desconstruir estigmas e produzir conhecimentos significativos, incentivando o intercâmbio de experiências e mostrando que o indígena está presente na floresta, na cidade, na periferia, nas aldeias, na literatura, na academia, na política, na música, nas artes, na moda, no cinema, enfim, em todos os lugares, desempenhando papéis relevantes na sociedade contemporânea em âmbito mundial.
A pesquisa preliminar
A pesquisa preliminar teve como objetivo avaliar como os profissionais utilizam a temática indígena em suas aulas, buscando compreender como os professores percebem os povos indígenas e o ensino. Ela foi enviada a doze professores dos primeiros e segundos segmentos da escola, e onze desses profissionais responderam à pesquisa.
Realizou-se uma análise descritiva de conteúdos para identificar padrões, desafios e oportunidades na forma como os professores dos primeiros e segundos segmentos abordam a visibilidade do indígena em suas aulas, sistematizando as respostas em categorias fechadas, a fim de elaborar gráficos e interpretar os resultados. As perguntas enviadas aos professores, que constituíram esta primeira etapa, são as seguintes:
- Você acha importante abordar as culturas indígenas nas escolas?
- Em suas aulas, você trabalha com a temática indígena?
- Caso você trabalhe, descreva algo, como uma atividade ou um projeto, que já tenha desenvolvido com seus alunos.
- Que valores da identidade indígena considera que podem fortalecer a educação integral das crianças e adolescentes nas escolas hoje?
- Você acredita que as tecnologias possam ajudar na valorização da identidade indígena, ajudando a fortalecer as habilidades cognitivas?
A seguir, estão as respostas dos participantes, sistematizadas por meio de gráficos (1, 2, 3, 4 e 5), acompanhados das análises de cada caso.

Gráfico 1: Importância de abordar culturas indígenas
Pela observação das respostas, pode-se perceber que, embora 36,4% dos profissionais respondentes confirmem a importância da temática indígena na formação dos alunos dos primeiros e segundos segmentos, a identidade e a história indígena não são abordadas nas aulas; ou seja, o professor reconhece a importância dessa valorização, mas não a inclui na programação de aula. Por outro lado, 27,3% têm consciência da relevância de o aluno conhecer as raízes de nossa formação nacional, mas, da mesma forma, não há um movimento mais amplo de inserir a temática em sala de aula. Um dado importante é que 18,2% entendem como fundamental incluir esse tema na programação, uma vez que isso contribui para a redução do preconceito. De acordo com os dados analisados, todas as respostas foram positivas – todos os participantes afirmaram a importância de abordar as culturas indígenas nas escolas –, mas cada um identificou um ponto específico a ser trabalhado em suas aulas.
Esses são alguns dos motivos que tornam este projeto inovador, visto que busca situar a questão indígena dentro da programação de aulas, utilizando tecnologias digitais e estimulando o desenvolvimento da identidade e de valores indigenistas. A proposta visa acrescentar à formação dos alunos uma experiência rica, capaz de fortalecer suas habilidades cognitivas por meio da compreensão dos valores de uma cultura que é nacional, lhes pertence e, ao mesmo tempo, é distinta, tão distante de suas experiências cotidianas.

Gráfico 2: Trabalho com a temática indígena
O objetivo dessa pergunta foi entender, de forma objetiva, se os professores trabalham a temática indígena em suas aulas. É possível verificar que os profissionais divergem nas respostas. Percebe-se que 36,4% conseguem realizar uma abordagem constante. Porém, a experimentação ocorre apenas em sala de aula e de forma situada, episódica, sem evidências de que esses desafios ultrapassem aquele ambiente, tornando a experiência restrita. De acordo com os dados analisados, observa-se que, apesar de uma parcela expressiva realizar uma abordagem constante, grande parte dos entrevistados (27,3% e 9,1%) aborda a temática de forma restrita, apenas para cumprir um projeto específico, e outros 27,3% relataram não estar preparados.

Gráfico 3: Atividades ou projetos desenvolvidos com alunos
O objetivo dessa pergunta foi identificar com quais tipos de atividades os professores trabalham a temática indígena em suas aulas. É possível verificar que os profissionais abordam atividades bastante diversificadas. Percebe-se que 27,3% utilizam atividades culturais e artísticas, a fim de estimular a criatividade e o conhecimento dos alunos. Nota-se que outros 27,3% dão ênfase a uma abordagem interdisciplinar em suas aulas. Vê-se que 9,1% concentram-se nas disciplinas de Ciências e Geografia, ou seja, a abordagem é direcionada às suas próprias áreas de conhecimento. O mesmo percentual (9,1%) realiza atividades voltadas à educação e aos valores relacionados aos indígenas. Outros 9,1% concentram suas atividades em pesquisa sobre a história oral, enquanto mais 9,1% focam na exibição de documentários seguidos de discussão. Por fim, 9,1% não responderam à pergunta. Pode-se perceber que há uma variedade de atividades relacionadas à prática dos professores no tocante à temática indígena, mas não há indícios de enfoques contemporâneos dos povos originários.

Gráfico 4: Valores indígenas positivos na educação integral
O objetivo dessa pergunta foi perceber quais valores da cultura indígena podem fortalecer a educação integral de crianças e jovens nas escolas atualmente. Observa-se que 45,5% consideram que os valores sociais e comunitários transmitidos pelas diversas culturas indígenas são importantes como ensinamentos para os alunos. No entanto, recorda-se que somente 36,4% dos profissionais respondentes confirmaram, na Pergunta 1, a importância da temática indígena na formação dos alunos do primeiro e segundo segmentos.
Constata-se que 18,2% acreditam que o respeito à natureza e à sustentabilidade são pontos que fortalecem a educação dos discentes. Cotejando com a Pergunta 1, 18,2% dos respondentes entendem como fundamental introduzir a temática da cultura indígena na programação de aulas, uma vez que isso ajuda a reduzir o preconceito. Ecologia e sustentabilidade são temas transversais em todas as séries do ensino formal, nos quais se pode aprender muito; cabe aos professores, junto às tecnologias, preparar os alunos para uma vida compartilhada e carregada de signos de respeito à Terra e aos povos, com trabalho para todos.
Há ainda 9,1% que consideram que valorizar a cultura e as tradições contribui para uma educação integral na atualidade. Observa-se que outros 9,1% acreditam que os valores e reflexões transmitidos pelos indígenas são importantes, embora não especifiquem quais são. Já 18,2% não responderam à pergunta. O fato de não responderem parece-nos ligado à falta de mobilização desses professores para a experimentação, em um plano limitado pelo desconhecimento natural, uma vez que nada está completamente definido na programação de aulas. Portanto, conclui-se que, em um cenário de abordagem mais constante e aprofundada das temáticas indígenas na sala de aula, todos aprenderão, inclusive os docentes. O próprio Paulo Freire (Freire; Shor, 1986) afirma que procurava
usar exercícios que ao mesmo tempo me eduquem e eduquem os estudantes: leituras breves, redações, experiências de debates e reflexão, e mantenho meus planos de curso limitados e frouxos. Faço um voo sem instrumentos, muitas vezes sem um planejamento completo do curso ou uma lista de leituras que deem a segurança de uma ordem com a qual estou familiarizado. Quero aprender com eles quais seus verdadeiros níveis cognitivos e afetivos, como é sua linguagem autêntica, que grau de alienação trazem para o estudo crítico e quais suas condições de vida, como fundamentos para o diálogo e o questionamento (Freire; Shor, 1986, p. 13).
Esse percentual de 18,2% tem voz e representa o medo de ensinar e aprender o desconhecido, não trazendo a ousadia necessária ao professor para a experimentação em sala de aula, pois o docente não sabe tudo: ele aprende enquanto ensina, aprende enquanto pesquisa.

Gráfico 5: Tecnologias podem ajudar na valorização da cultura indígena?
Essa pergunta visava perceber se as tecnologias digitais podem ajudar na valorização da identidade indígena, contribuindo para fortalecer as habilidades cognitivas dos alunos. Percebe-se que 54,5% acreditam que as tecnologias digitais podem contribuir para a valorização e visibilidade dos indígenas, aprimorando o processo de construção do conhecimento dos alunos. Porém, esse grupo aponta a necessidade de mais recursos. Já 18,2% acreditam no potencial das tecnologias para o aumento da importância dos indígenas e, consequentemente, como contribuição às habilidades cognitivas dos discentes. Outros 18,2% não responderam à pergunta. Por fim, 9,1% veem as tecnologias como uma ferramenta poderosa para o reconhecimento dos povos originários e para a educação e o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Trazendo as tecnologias digitais para o contexto desta pesquisa, podemos fortalecer as habilidades cognitivas pela introdução de novos valores de identidade, o que pode ser feito com o auxílio do mundo virtual, desde que essa finalidade faça parte do planejamento. Freire e Shor (1986) diziam que ensinar é pesquisar;
quando digo que uma das pesquisas que faço é escutando os alunos, alguns colegas me perguntam: “você é linguista?”. Há estudos importantes, [...] sobre a linguagem do cotidiano. Eu pesquiso as palavras faladas e escritas dos estudantes para saber o que eles sabem, o que eles querem, e como eles vivem. Suas falas e textos são um acesso privilegiado a suas consciências. Examino as palavras e os temas que são mais importantes para eles, pois assim terei materiais da realidade para estudos em classe (Freire; Shor, 1986, p. 14).
Campo: o produto tecnológico
Nesta etapa, foram estudadas e compiladas as respostas dos professores ao roteiro de perguntas previamente registrado e, a partir desses estudos, foram selecionadas as tecnologias a serem utilizadas, bem como desenhado o arcabouço dos produtos tecnológicos aplicados em sala de aula. Com base nesse conjunto, foram elaborados dois produtos tecnológicos para uso nas etapas 2 e 3.
A partir da vivência e da experiência dos pesquisadores, assim como de inferências e consultas à internet, foram desenvolvidas atividades com tecnologias digitais que favoreçam positivamente a valorização das identidades indígenas. A proposta envolveu atividades pedagógicas com o auxílio de tecnologias dos seguintes tipos:
- Aplicação de um Jogo da Memória sobre as culturas indígenas, criado por uma das pesquisadoras e disponibilizado no aplicativo LearningApps;
- Mostra virtual de imagens de representações e grafismos indígenas;
- Releitura artística das obras de artistas indígenas, como Denilson Baniwa (2024);
- Criação de exposição virtual.
Como atividade inicial, foi utilizado um jogo da memória , disponibilizado virtualmente para que os alunos, de forma lúdica, interagissem com imagens das diversas culturas indígenas brasileiras. Em seguida, iniciou-se uma mostra dos trabalhos de artistas indígenas, com obras, por exemplo, do artista Denilson Baniwa, utilizando o site do próprio artista. Os alunos foram apresentados, por meio do datashow, à história do artista e aos seus trabalhos, com destaque para o quadro Mona Lisa Cunhã, a partir do qual aprofundamos uma discussão sobre releitura artística. Nessa primeira fase, também levamos à discussão em sala de aula alguns pontos relevantes sobre a arte indígena, como:
- O papel de Denilson Baniwa, como artista e ativista indígena no Rio de Janeiro, e as mensagens de suas obras artísticas, que estão em constante diálogo com a história da arte ocidental;
- A obra Mona Lisa Cunhã, na qual há uma mistura do grafismo indígena em cima do rosto de Gioconda e a pintura de instrumentos indígenas em sua mão.
Na segunda fase da proposta, levamos o educando a ser o artista de sua própria obra e, após a observação e discussão das mostras dos trabalhos dos artistas indígenas, utilizamos a Mona Lisa Cunhã, para que os educandos, munidos de recursos como papel, canetinha, lápis de cor e tinta, pudessem recriar a arte por seus próprios olhos, fazendo a releitura da obra.
Nesta etapa, foram necessários recursos tecnológicos, como celulares, internet e computadores com acesso ao aplicativo Artsteps. Os alunos foram organizados em grupos para a criação de uma exposição virtual da E. M. Pastor Ricardo Parise; cada grupo ficou responsável pela criação de uma sala da exposição, onde inseriram seus trabalhos artísticos e os textos informativos complementares sobre a exposição.
Um produto tecnológico foi desenhado a partir da pesquisa preliminar e aplicado durante três dias em uma turma do 6º ano de uma escola municipal de São Gonçalo. Vale lembrar que essa atividade não teve como objetivo avaliar os alunos, atribuindo-lhes notas ou conceitos. Ressalta-se que se trata de uma pesquisa cuja finalidade científica foi trazer a arte contemporânea indígena a partir da releitura da Mona Lisa Cunhã e do grafismo indígena. A seguir, analisam-se as tecnologias selecionadas e a aplicação desse produto tecnológico:
1º Dia
Recurso digital: aplicativo Artsteps.
Objetivo: refletir sobre as várias influências, a diversidade cultural e as contribuições das culturas indígenas para a cultura brasileira. Para tanto, foi utilizado o aplicativo Artsteps para a montagem de uma exposição virtual com os trabalhos dos alunos. O Artsteps permite criar galerias virtuais de arte em espaços 3D realistas. A aplicação funciona no navegador (browser), no qual podemos criar visitas ao espaço virtual. As visitas criadas podem ser visualizadas em computador, smartphone ou em interação com óculos de realidade virtual. O aplicativo é bastante interativo e de fácil utilização.
Roteiro de aplicação do produto utilizado em sala de aula: dependendo do tipo de visita que se pretende criar, existem alguns passos simples que devem ser seguidos: definir o espaço (em branco ou modelo existente), desenhar o espaço (se for em branco), adicionar os trabalhos e publicar a exposição. Esse aplicativo foi criado como um espaço virtual para que o artista apresente e divulgue seus projetos.
Metodologia: nesse primeiro dia, realizamos uma roda de conversa e apresentamos a obra Mona Lisa Cunhã, falando sobre o artista, sua origem indígena, um pouco de sua biografia e de sua luta como ativista dos povos originários. Trouxemos também uma reprodução da obra Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, para introduzir o conceito de releitura de obra de arte e explicar que os alunos iriam criar sua própria Mona Lisa indígena. Nesse momento, alguns discentes fizeram comparações entre as obras apresentadas. Para preservar a identidade dos alunos, chamaremos alguns deles de A e B.
Algumas observações chamaram atenção, como: Aluno A: “A pintura do Leonardo da Vinci não é tão bonita como a do pintor indígena!”; Aluno B: “Eu não sabia que tinha ‘índio’ que era artista!”.
Podemos perceber que atividades como essa, que possibilitam a arte como um caminho pedagógico para debater questões étnico-raciais, são importantes. O presente trabalho visa cumprir o que determina a legislação educacional acerca da obrigatoriedade do estudo da cultura indígena, conforme aponta a Lei nº 11.645/08 (Brasil, 2008). Após a roda de conversa e a apresentação das obras, passamos à elaboração das releituras artísticas feitas pelos alunos. Foi entregue a cada aluno um esboço da Mona Lisa, no qual eles desenharam cabelo, roupa, acessórios e o que mais desejassem, desde que sua Mona Lisa apresentasse características indígenas. Nessa etapa, foram utilizadas canetinhas, lápis de cor, caneta esferográfica e lápis grafite.
2º Dia
Recursos analógicos: grafismos indígenas; papel sulfite para criação de grafismos; lápis de cera, hidrocor e lápis de cor.
Recurso digital: aplicativo Artsteps.
Objetivo: discutir a importância da identidade cultural de cada etnia indígena.
Roteiro de aplicação do produto utilizado em sala de aula: nesse dia, também começamos a dividir a turma em grupos para a elaboração de uma exposição virtual. Foi utilizado o aplicativo Artsteps para oferecer novas possibilidades de interação.
Metodologia: dois grupos ficaram encarregados de fotografar os trabalhos e enviá-los para o WhatsApp da turma. Essa fase foi mais tumultuada no início; porém, aos poucos, tudo foi se encaminhando.
3º Dia
Recursos tecnológicos: datashow, computador com acesso à internet e smartTV.
Recurso digital: aplicativo Artsteps.
Objetivo: reiterar a importância da identidade cultural de cada etnia indígena, apresentar como a tecnologia pode aproximar culturas e mostrar a relevância do compartilhamento de ideias.
Roteiro de aplicação: a partir do aplicativo Artsteps, os alunos perceberam que é possível criar um link para ser compartilhado, promovendo a visualização da exposição virtual elaborada pela turma.
Metodologia: foi aberto o aplicativo Artsteps, no qual foi escolhido o modelo da apresentação da exposição e inseridos os trabalhos dos alunos. Os discentes ficaram maravilhados ao ver seus trabalhos na exposição, o que gerou interesse significativo pela temática indígena nas aulas.
Avaliação do produto tecnológico
Durante a aplicação do produto tecnológico em sala de aula, que foi realizada durante três dias, notou-se que houve muita interação dos alunos.
1º Dia
Nesse dia, os alunos tiveram a oportunidade de conhecer a arte contemporânea indígena do artista Denilson Baniwa e de realizar a releitura de sua obra. Observou-se que alguns alunos apresentaram certo “estranhamento” ao saber sobre a trajetória de vida do artista, como, por exemplo, ao ser mencionada a quantidade de premiações recebidas por suas obras, o fato de o artista morar na cidade e não em uma aldeia, sua formação acadêmica e as comparações entre as obras Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, e Mona Lisa Cunhã, conforme citado anteriormente. Percebeu-se o quanto algumas dessas falas estavam impregnadas de discriminações. Uma das pesquisadoras aproveitou a oportunidade para explicar que os artistas indígenas utilizam sua arte como forma de resistência, protesto e reafirmação de suas identidades e direitos. A crescente visibilidade da arte indígena em galerias, museus e espaços públicos ao redor do mundo contribui para uma maior apreciação e compreensão das culturas indígenas, além de reforçar a importância dessas expressões para a diversidade cultural global.
Foi entregue a cada aluno um esboço da Mona Lisa, no qual deveriam criar sua própria versão indígena, inspirada na obra de Denilson Baniwa. É importante ressaltar que a releitura de uma obra de arte consiste em uma nova interpretação de um trabalho artístico; assim, cada discente criou sua obra com total liberdade. Os alunos demonstraram muita criatividade, atribuindo a um ícone da Arte Renascentista características indígenas.
Em seguida, foram apresentadas as funcionalidades do aplicativo Artsteps que até então os alunos desconheciam. Ao longo do dia, eles se envolveram de forma concreta e empática, sendo possível perceber que a tecnologia possibilitou novas formas de interação e de valorização da diversidade da arte indígena.
2º Dia
Foram desenhados grafismos indígenas, e foi abordado que eles representam a marca de cada etnia, ou seja, funcionam como uma identidade cultural, envolvendo o pertencimento étnico, as histórias de origem e as relações com o meio ambiente. Esses grafismos desempenham um papel fundamental em várias práticas culturais, como a pintura corporal, a ornamentação de objetos rituais, a decoração de cerâmicas, tecidos e artefatos, e até mesmo na criação de obras visuais contemporâneas em diversas mídias. A preservação e o reconhecimento do grafismo indígena são essenciais para a manutenção das tradições culturais das comunidades, além de contribuírem para a diversidade e a riqueza do patrimônio cultural global. Todas essas informações foram repassadas aos alunos, muitos dos quais ficaram surpresos, pois acreditavam que os grafismos eram apenas “desenhos sem muita importância”, como relatou um aluno que chamaremos de C.
3º Dia
Fomos para o auditório e realizamos a montagem da exposição no aplicativo Artsteps. Uma das pesquisadoras ficou à frente dessa etapa, uma vez que já tínhamos as fotos dos trabalhos previamente selecionadas. Escolhemos o leiaute da exposição e, a partir daí, os trabalhos foram inseridos. Essa foi uma etapa de muita interação entre toda a turma. Os alunos demonstraram interesse e ficaram, de certa forma, ansiosos em acompanhar todo o processo de montagem da exposição.
O aplicativo Artsteps é de fácil utilização e altamente interativo, permitindo a criação de um link para compartilhamento da exposição, o que o torna atraente e de fácil difusão entre os alunos. Ele oferece flexibilidade, possibilitando o acesso à exposição virtual em qualquer lugar e a qualquer momento, por meio de dispositivos como smartphones, tablets e computadores. Isso amplia as oportunidades de aprendizado para além dos limites da sala de aula, facilitando a prática de habilidades e o aprofundamento de conhecimentos fora do ambiente escolar tradicional. Observou-se que o resultado final das produções artísticas trouxe a memória indígena, seus artefatos, sua arte e sua cultura para a sala de aula, tornando a atividade mais significativa e respeitosa. O uso do Artsteps favoreceu todo o processo.
Em suma, o aplicativo Artsteps representou uma ferramenta poderosa para trabalhar a arte contemporânea indígena, oferecendo uma abordagem inovadora e acessível para enriquecer o ensino e tornar a aprendizagem mais eficaz, envolvente e personalizada. Observou-se que essa metodologia e os diversos recursos podem ser utilizados daqui em diante de forma integrada dentro de uma didática de ensino e aprendizado.
Discussão e resultados
Os movimentos indígenas contemporâneos representam não apenas a luta por direitos, mas também a afirmação de uma nova identidade. Os povos indígenas buscam reforçar seu pertencimento étnico e cultural, muitas vezes em grupos historicamente distintos. Isso pode envolver a construção de uma identidade indígena unificada e compartilhada, que vai além das diferenças tradicionais entre etnias.
Para sobreviver e continuar a lutar por seus direitos, os povos indígenas se apropriaram de mecanismos e instrumentos organizativos que podem ser considerados alheios às suas práticas tradicionais. Eles adaptaram essas ferramentas e criaram formas próprias de organização, levando em consideração seus contextos culturais e necessidades específicas.
Essas observações destacam a resiliência e a capacidade de adaptação dos povos indígenas diante de desafios históricos e contemporâneos. Os movimentos indígenas não são estáticos: evoluem de acordo com as circunstâncias e são impulsionados pela necessidade de garantir a preservação de suas culturas e a defesa de seus direitos em um mundo em constante transformação.
O protagonismo indígena muitas vezes envolve o rompimento com ideias preconcebidas e estereótipos sobre a autenticidade das identidades e culturas indígenas. Esses estereótipos podem levar a uma visão errônea de que os povos indígenas estão condenados a viver no passado, presos a uma noção de “autenticidade” que não corresponde à realidade de suas experiências contemporâneas e em constante mudança.
O mundo é construído sobre os alicerces de um conhecimento elaborado na perspectiva europeia, que justifica a dominação e exploração daqueles que não compartilham o mesmo modo de ser e pensar dos colonizadores. Os saberes, tradições culturais, formas de vida, ações e perspectivas dos povos indígenas foram subjugados, inferiorizados e suprimidos, um processo que persiste de maneira latente na mentalidade e nas concepções do mundo ocidental. O ensino genérico sobre os povos indígenas na educação contribui para fortalecer e perpetuar esse processo.
O trabalho com a temática indígena deve pautar-se na preocupação de trazer a decolonialidade para a práxis pedagógica, ou seja, valorizar a história e a cultura das identidades indígenas que foram silenciadas e apresentadas de forma preconceituosa e estigmatizada. Assim, esta pesquisa justifica-se por fazer um levantamento de como os professores do Ensino Fundamental I e II de uma escola do município de São Gonçalo abordam a temática indígena em suas aulas.
Por tudo isso, percebeu-se a necessidade de estudar o tema para analisar estratégias com o uso de tecnologias digitais que possam dar suporte aos demais professores de outras disciplinas que também irão trabalhar com a temática indígena em sala de aula.
Criamos a exposição virtual; os alunos ficaram imersos na flexibilidade do ambiente, e houve um aprofundamento de conhecimentos fora do contexto escolar tradicional. A tecnologia do Artsteps tornou a proposta atraente e permitiu sua difusão entre os alunos, com uma abordagem inovadora que favoreceu a usabilidade, enriquecendo o ensino e tornando a aprendizagem mais personalizada.
Reiteramos que é fundamental que o professor mostre que os povos originários estão presentes em vários setores da sociedade. Sendo assim, é preciso romper com os estereótipos criados sobre os indígenas e dar visibilidade ao seu protagonismo social, nessa construção conjunta e progressiva do ser político e social em sala de aula, ao lado do conhecimento técnico e tecnológico.
Essa postura eleva a educação a um cenário multicultural, pois as culturas se somam umas às outras, possibilitando uma aprendizagem conjunta, na qual as habilidades compartilhadas estimulam e fortalecem a cidadania.
Conclusão
O objetivo do artigo foi avaliar como os profissionais da Educação utilizam a temática indígena em suas aulas. Para isso, foram apresentados os resultados de uma pesquisa preliminar sobre como educadores de uma escola integram essa questão em suas práticas pedagógicas, a partir da pesquisa participante.
Diante das experiências vivenciadas com os alunos, foi possível verificar como as novas tecnologias digitais podem favorecer o processo de ensino-aprendizagem. Os resultados também indicaram lacunas na formação docente, impactos na aprendizagem dos alunos e a necessidade de mudanças nesse sentido.
É preciso atender às reais necessidades dos estudantes, resgatando uma escola acolhedora e humana, que busque novas práticas sociais e permita aos alunos vivenciar deslocamentos em seu mundo de experiências, na convivência social e no espaço profissional em que estiverem inseridos.
É fundamental buscar novas formas de ensinar e aprender. As novas tecnologias podem provocar mudanças no cotidiano escolar e estimular a compreensão das múltiplas influências culturais, da diversidade e das contribuições dos povos indígenas para a cultura brasileira, incentivando a reflexão e a busca de soluções para problemas contextuais.
A imersão de três dias com os alunos, aliada à utilização da tecnologia Artsteps, tornou a exposição virtual mais atraente e inovadora, proporcionando o aprofundamento de conhecimentos além do ambiente escolar tradicional. Essa abordagem pode servir como uma porta de entrada para o entendimento da riqueza cultural diversificada dos povos indígenas; assim, a tecnologia pode atuar como um meio de influência na formação dos alunos.
O uso de tecnologia em sala de aula pode tornar as aulas mais interativas e envolventes, tornando o aprendizado mais divertido e estimulante. O ensino com recursos tecnológicos pode melhorar a qualidade e a eficácia da aprendizagem, aumentar o engajamento dos alunos e proporcionar uma experiência de conhecimento mais personalizada, dinâmica e acessível. Além disso, essas ferramentas favorecem a colaboração entre alunos e professores, bem como a comunicação entre colegas de classe.
Embora os objetivos estabelecidos tenham sido atingidos, a pesquisa apresenta uma limitação: foi conduzida em apenas uma escola e com um número restrito de alunos e professores, o que impede a generalização dos resultados. Portanto, torna-se essencial a realização de estudos futuros para ampliar sua abrangência.
Referências
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília: Presidência da República, 2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 23 set. 2023.
DATAVERSE. Artsteps. Aplicativo móvel para criação e visualização de exposições virtuais em 3D. Disponível em: https://play.google.com/store/apps/details?id=gr.dataverse.artstepsv2&hl=pt_BR. Acesso em: 15 set. 2023.
ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. Denilson Baniwa [verbete]. São Paulo: Itaú Cultural, 2024. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa628975/denilson-baniwa. Acesso em: 15 jan. 2024.
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
POLONIA, Ana da Costa; SOARES FILHO, Marden Marques. Desafios para uma Educação em Direitos Humanos no Brasil. Hegemonia, nº 26, p. 25, 2019. Disponível em: https://revistahegemonia.emnuvens.com.br/hegemonia/article/view/268/214. Acesso em: 23 set. 2023.
SILVA, Edson. Os povos indígenas e o ensino: reconhecendo as sociodiversidades nos currículos com a Lei nº 11.645. In: ROSA, A.; BARROS, N. (org.). Ensino e pesquisa na Educação Básica: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: Ed. UFPE, 2012.
TAVARES, Paola. Artes visuais indígenas contemporâneas do Brasil: resistência e manifestações indígenas através de expressões artísticas. Rebento, nº 9, 2018. Disponível em: https://www.periodicos.ia.unesp.br/index.php/rebento/article/view/278. Acesso em: 11 set. 2023.
Publicado em 05 de novembro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
ANDRADE, Elizabeth Gomes; MORAES, Regina Celia Pereira de; VALIM, Rosa Lídice de Moraes; FREITAS, Victor Gonçalves Gloria. Os povos indígenas e o uso das tecnologias digitais nas aulas de Arte: preliminar de pesquisa e campo. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 42, 5 de novembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/42/os-povos-indigenas-e-o-uso-das-tecnologias-digitais-nas-aulas-de-arte-preliminar-de-pesquisa-e-campo
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