A desvalorização simbólica da profissão docente no Ensino Básico brasileiro
Isabel Cristina Weisz
Doutoranda em Psicologia da Educação (PUC/SP), licenciada e mestra em Língua Portuguesa (PUC/SP), pedagoga pós-graduada em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem (PUC/RS)
Este artigo é, fundamentalmente, uma reflexão sobre a educação contemporânea no Brasil. A abordagem do trabalho docente apresentada nesta análise deriva de dados da pesquisa Profissionais da Educação do Século XXI: desafios e perspectivas atuais (Placco; Souza, 2023). Subsidiada pelo CNPq entre os anos de 2015 e 2022, essa investigação foi desenvolvida pelo grupo CEPId (Contexto Escolar, Processos Identitários de Formação de Professores e Alunos da Educação Básica), sob a coordenação da Profa. Dra. Vera Maria Nigro de Souza Placco (Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação e Formação de Formadores da PUC/SP) e da Profa. Dra. Vera Lúcia Trevisan de Souza (Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC/Campinas).
Tal trabalho investigativo identificou as dificuldades encontradas pelos diferentes atores da educação estadual de São Paulo (professores, coordenadores pedagógicos, gestores e supervisores escolares das 91 Diretorias Regionais de Ensino) em suas respectivas atividades profissionais cotidianas, bem como a forma como essas dificuldades interferem na efetividade do trabalho docente.
A pesquisa foi categorizada em cinco eixos: Finalidades Educativas Escolares, Formação de Professores e Gestores, Condições de Trabalho Docente, Vulnerabilidades Escolares e Tecnologias.
O eixo Condições de Trabalho Docente trouxe um dado que chama a atenção: 46,8% das pessoas entrevistadas se queixaram da desvalorização profissional.
Embora a pesquisa tenha levantado dados entre educadores da Educação Básica da Rede Estadual de São Paulo, a realidade refletida em seus achados não se limita a um estado da federação ou a uma única rede pública de ensino. Ela diz respeito à profissão docente no Brasil atual. Posto que as Diretrizes de Ensino são de âmbito nacional, os resultados deste trabalho representam as dificuldades e os desafios comuns aos educadores de todas as regiões do país.
Entendendo a desvalorização simbólica do educador no Brasil
Sabemos que a palavra “desvalorização” possui um caráter difuso. Como uma pessoa pode comprovar, de maneira categórica, que está sendo desvalorizada — seja no campo pessoal, profissional ou social? Não raramente, essa percepção de desvalorização é desprovida de evidências materiais. A desvalorização a que nos referimos neste artigo insere-se em um contexto diferente daquele em que se situa o assédio moral; ela não se manifesta por palavras ou atitudes de escárnio, mas é construída a partir de outros elementos.
Nesse registro, destacaremos ao longo deste artigo um tipo de desvalorização velada, subliminar, e, por isso, muito mais difícil de ser identificada, nomeada e combatida. Ela se configura por meio da não menção, da não consideração e do não acolhimento da figura e da função do educador profissional na sociedade brasileira, particularmente em relação àquelas e àqueles que lecionam na Educação Básica do país. Por seu caráter implícito, tal desvalorização dissimulada mostra-se extremamente eficaz em abater moralmente tais profissionais, por meio de diversos processos, sem que eles e elas se apercebam disso, na maioria das vezes. O abandono da carreira docente e o adoecimento psíquico são algumas das consequências dessa condição: a desvalorização simbólica da trabalhadora e do trabalhador docente.
Fanizzi (2023) assim conceitua a desvalorização simbólica:
Nomeamos como precariedade simbólica a condição constituída pela reiterada desautorização, desvalorização e deslegitimação da ação e da enunciação docente que deflagra o lugar precário hoje ocupado pelos professores e professoras em nosso imaginário social (Fanizzi, 2023, p. 14, grifo nosso).
Entendemos que, paradoxalmente, a desvalorização simbólica se evidencia pela construção de um não lugar destinado a conter a figura do professor e da professora. Dessa forma, sem respeito, sem identidade e sem reconhecimento social de sua função, a classe laboral da docência vem sendo enfraquecida. Manifestações legítimas por melhores condições de trabalho (como passeatas, paralisações e greves) perdem o sentido e caem no vazio. Ao professor, resta adoecer ou abandonar a carreira no ensino.
Desvalorização simbólica, um novo tipo de violência
Vivemos em uma era diferente da luta de classes, conforme foi tradicionalmente caracterizada por Karl Marx. Em seus primórdios, a luta de classes era facilmente identificada: patrões e empregados figuravam como pares opostos de uma dialética que tinha por finalidade a produção de produtos, bens de consumo e serviços. Movimentos sindicais, piquetes e greves eram os instrumentos pelos quais as trabalhadoras e os trabalhadores se faziam notar quando a espoliação de seus direitos ultrapassava os limites sustentáveis.
No atual momento das sociedades industrializadas, a pejotização e a uberização do trabalho tornaram o patrão invisível, inidentificável, multinacional. A falácia do empreendedorismo, língua fluente do neoliberalismo, normatizou o escasseamento dos empregos formais, restringindo, respectivamente, o alcance dos direitos trabalhistas que vinham sendo conquistados a duras penas desde a Revolução Industrial. Sem um patrão que empregue, não há contra quem se queixar de dezesseis horas trabalhadas por dia, da falta de assistência médica ao trabalhador, da necessidade de férias remuneradas para descansar, ainda que por um breve período, recuperar as energias e voltar a produzir. Com a alardeada “vantagem” de não ter patrão e, assim, ser livre para fazer seu próprio horário de trabalho, o proletariado se transformou em precariado, sem perceber o tipo de violência a que é submetido: uma violência simbólica.
A violência simbólica, conceito desenvolvido por Pierre Bourdieu, refere-se à forma sutil de coerção ou dominação exercida por aqueles que detêm o poder sobre os menos privilegiados na sociedade. Ela se manifesta por meio de símbolos, normas culturais, práticas sociais e estruturas institucionais que reforçam a posição dominante das classes sociais ou dos grupos que possuem mais capital cultural, econômico e social (Bourdieu, 2007).
Consequentemente, essa violência simbólica desempenha um papel fundamental na manutenção das desigualdades sociais, pois perpetua a estrutura de poder existente, tornando-a aceitável e legítima aos olhos daquelas e daqueles que são dominados.
Diferentemente da violência física, a violência simbólica opera de forma a obter o consentimento tácito dos indivíduos submetidos a ela. As normas culturais e as práticas sociais são interiorizadas pelas pessoas, levando-as a aceitar sua posição na hierarquia social como algo natural.
Para realizar essa naturalização de maneira imperceptível, a violência simbólica age por meio da formação do habitus. Por esse conceito, Bourdieu identifica e nomeia as disposições internalizadas das pessoas, moldadas pelas condições sociais e culturais em que nascem e crescem. O habitus influencia a forma como elas percebem o mundo e como moldam suas ações (Bourdieu, 2007).
Contudo, a violência simbólica estudada por Bourdieu se diferencia da desvalorização simbólica contra a professora e o professor aqui retratada em um aspecto crucial: enquanto, para o autor, a violência simbólica não é uma ação arquitetada de maneira detalhada por um único poder hegemônico — seja ele governamental ou financeiro, mas uma ação inconsciente de vários segmentos do status quo para se manter vigente, a desvalorização simbólica da professora e do professor é concebida e levada a efeito pelos governos nacionais, por meio de suas políticas para a Educação.
Se os reais objetivos dessa desvalorização simbólica do papel do educador e da educadora são inconfessáveis, seus efeitos são inequívocos: o esvaziamento do magistério. Dados objetivos sobre a falta de atratividade das carreiras docentes são abundantes; ao concluir o Ensino Médio, a maioria dos jovens sequer cogita a possibilidade de cursar uma faculdade que os torne professores. Para confirmar essa assertiva, dados de pesquisas produzidas pelo Inep e veiculadas pela Revista da Fapesp na edição de outubro de 2023 informam que:
- 59% é a taxa de desistência dentre os alunos e as alunas que optaram por cursar uma licenciatura.
- Apenas 1/3 dos alunos e alunas que concluem uma licenciatura estão na carreira docente.
Nessa mesma conjuntura, um estudo produzido pelo do Instituto Semesp (2022) aponta que é previsto um déficit de 235.000 professores e professoras no Brasil em 2040.
Ressaltamos que essa situação corporifica um extraordinário contrassenso no país, visto que os atuais debates sobre o direito ao acesso e à permanência em um sistema educacional de qualidade evidenciam que a população tem interesse no processo de ensino-aprendizagem. Grande parte desse cenário de crise e iminente colapso na educação brasileira é atribuída ao desprestígio social vinculado às licenciaturas. Salários desproporcionais à responsabilidade e à carga de trabalho, somados a uma imagem profissional fragilizada na sociedade e na mídia, deixam evidente aos futuros vestibulandos e vestibulandas que a possibilidade de realização pessoal como professor ou professora é remota.
Assim, explanaremos a seguir a desvalorização simbólica que se verifica em relação àqueles que estão no exercício da profissão, no “chão da escola”: o educador e a educadora que, no decorrer de sua carreira, veem seus direitos cada vez mais rarefeitos, ao passo que as atribuições e expectativas lançadas sobre eles aumentam em larga escala.
Formas de desvalorização simbólica do professor
De maneira sucinta, porém suficientemente clara, listamos a seguir cinco formas distintas de desvalorização subliminar dos educadores, praticadas pelas políticas governamentais em educação, que resultam na depreciação da figura do docente atualmente observada nos meios sociais do país.
1 - Bônus salarial “meritocrático”
Trata-se de uma desvalorização simbólica materializada pelo valor pecuniário de um “benefício” subordinado ao rendimento dos alunos em provas externas, como o Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), a Prova Brasil e congêneres: quanto mais alto o desempenho da escola (segundo critérios adotados pela SEE), maior o valor retributivo do bônus. É digno de nota que os parâmetros desse rendimento são determinados pelos países que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O Brasil, embora seja um “eterno candidato”, não integra esse seleto clube.
Quanto ao papel do educador nesse modelo institucional de verificação da aprendizagem, constatamos que
trata-se, portanto, de uma valorização seletiva que na realidade instaura uma lógica de competitividade entre escolas e professores da rede; e, dentro dessa lógica, inclusive o direito à estabilidade no emprego é ameaçada tendo em vista que passa a haver pressões dos gestores escolares para que professores que não são bem avaliados se removam para outras escolas e, no caso das escolas do PEI, os professores podem ser automaticamente desligados do programa ao serem mal avaliados (Jorge, 2023, p. 171).
Vimos, por conseguinte, que o raciocínio empregado nessa bonificação é de cunho empresarial e neoliberal. Sem terem optado por isso, as educadoras e os educadores são conduzidos, de maneira sub-reptícia e paulatina, a um ambiente corporativo, altamente competitivo e individualista, quando, na realidade, escolheram uma carreira que privilegia a partilha de conteúdos e materiais didáticos que produzem, visando ao aprimoramento das condições de vida da civilização.
2 - O herói-showman
Na mesma concepção empresarial destacada no item anterior, observa-se a constante exigência de inovação atribuída ao professor pelas políticas governamentais de Educação. Os docentes contemporâneos precisam ser “heróis performáticos” que, valendo-se das “novas metodologias ativas”, devem assumir-se individualmente como os únicos e únicas responsáveis pela aprendizagem dos estudantes. Para isso, devem buscar, por conta própria, constante atualização e formação. Essa é a imagem do professor veiculada pelos vídeos governamentais sobre Educação e analisada nas pesquisas de Furlan (2023).
Essas e outras atribuições similares, que em nada refletem o papel real de uma educadora ou de um educador, fazem com que elas e eles sejam apontados como os grandes responsáveis pelo fracasso escolar. Se os alunos e as alunas de determinado professor ou professora apresentam um desempenho inferior ao esperado, é porque suas aulas não são boas, sua metodologia é ultrapassada, sua formação é precária ou insuficiente. As políticas governamentais de Educação, assim como as condições sociais, familiares e de saúde dos educandos e educandas, são, via de regra, esquecidas ou minimizadas.
3 - Invisibilidade da figura da professora e do professor nas decisões governamentais quanto à Educação
As medidas governamentais na área da Educação são, em geral, elaboradas sem a participação dos educadores e educadoras, que são silenciados em assuntos de fundamental importância para o exercício de suas práticas profissionais cotidianas. As deliberações são autoritárias, impostas “de cima para baixo”, não restando a esses profissionais outra opção senão cumpri-las.
O exemplo mais recente dessa prática ditatorial e arbitrária na rede estadual de São Paulo foi a decisão unilateral de descontinuar o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) no ano letivo de 2024, substituindo o livro físico por aulas totalmente digitais, acessadas em tablets entregues aos alunos. Tal procedimento de digitalização de conteúdo, antes de mais nada, vai na contramão das metodologias pedagógicas comprovadamente eficientes no processo de aprendizagem. As fortes e veementes críticas de educadores, educadoras, pais e mães contrárias a essa medida foram sistematicamente ignoradas, até que uma liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo vetou a saída do estado do PNLD (Carta Capital, 2023).
Esse é apenas um exemplo da pragmática governamental nas políticas educacionais, cujas deliberações são marcadas pela autocracia e pela ausência de qualquer consulta ou diálogo com os educadores e educadoras. É de Costa e Rodrigues o apontamento a seguir:
As decisões sem amparo técnico e teórico têm levado a improvisações, adoção de estratégias de ensino que rarefazem os conteúdos, reduzem o tempo necessário para as atividades com a presença do professor, induzem à autoescolarização, por vezes aproximando-a de fraudes educacionais, que poderão certificar sem garantir o efetivo aprendizado, e à redução de cargas horárias de trabalho escolar que privilegie a interação com o professor, na forma que os alunos estão habituados, requerendo adaptações, reconfigurações do ambiente doméstico, posse e domínio de equipamentos e ferramentas etc. (Costa; Rodrigues. 2020, p. 5).
Finalizamos este tópico destacando a reverberação desse tema na saúde psíquica dos professores. Segundo Carlotto (2002), a falta de autonomia e de participação nas definições e políticas de ensino está entre os fatores desencadeadores da síndrome de Burnout entre docentes. Não por acaso, um em cada três professores brasileiros apresenta sintomas da síndrome, conforme apontou estudo realizado pela Unifesp, em Santos/SP, e divulgado por diversos jornais do país no primeiro semestre de 2023 (O Tempo, 2023).
4 - Sistema apostilado de ensino, que despersonifica o trabalho da professora e do professor anulando sua liberdade de cátedra
Muitas redes municipais de ensino adotam, desde o início dos anos 2000, a contratação de empresas para a confecção de material didático “personalizado”. As aulas são organizadas em apostilas entregues aos alunos. Os professores e professoras dessas redes, além de não participar da elaboração desse conteúdo, têm a obrigação de segui-lo à risca. Em termos práticos, esse profissional torna-se apenas um transmissor de conhecimentos produzidos e organizados por terceiros que desconhecem a realidade local e permanecem anônimos, escondidos sob o nome da empresa responsável pelas apostilas.
Esse quadro confirma os estudos de Tardif (2014), ao assinalar que o trabalho do educador ou da educadora de conhecer a comunidade na qual atua para, a partir disso, produzir conteúdos significativos “com e para” seus alunos e alunas, não é sequer citado como um importante fazer exclusivo de cada docente. É comum que nem mesmo o educador ou a educadora se deem conta de que realizam esse labor de “pesquisa de campo”, uma vez que tal tarefa não recebe um nome e não está explicitada no planejamento do início de cada ano letivo. Nessa cosmovisão, o professor é apenas um tarefeiro invisível, um “ninguém”, conforme a frase reducionista do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso:
Se a pessoa não consegue produzir, coitado, vai ser professor. Então fica a angústia: se ele vai ter um nome na praça ou se ele vai dar aula a vida inteira e repetir o que os outros fazem", afirmou o presidente (Folha de S. Paulo, 2001).
5 - Políticas de empregabilidade que causam “divisões” e dificultam a integração de professores ainda não concursados à comunidade escolar
Essa é a queixa dos professores e das professoras da categoria O da SEE de São Paulo. Nela, os educadores e educadoras são contratados em caráter temporário, sem direito a férias remuneradas. Porém, a maior dificuldade refere-se ao fato de que, não raramente, tais profissionais precisam constituir suas jornadas de trabalho em até três ou quatro escolas. Nessas condições, não conseguem estabelecer vínculos com as comunidades escolares em que atuam ou sequer conhecê-las de outra forma que não superficialmente. Isso interfere nas relações interpessoais desses “professores itinerantes” com seus pares. A sensação é de desprestígio e solidão, conforme revelou a já mencionada pesquisa Profissionais da Educação do Século XXI: desafios e perspectivas atuais, do grupo CEPId da PUC de São Paulo (Placco; Souza, 2023).
A leitura dessas formas simbólicas de desvalorização nos permite observar um fato estranho e desconcertante: na mesma medida em que a educação passou a ser democratizada no país, as condições de trabalho das professoras e dos professores foram, e continuam sendo, precarizadas, sobretudo no ensino público básico. Note-se que não estamos estabelecendo uma relação de causa e efeito.
Frisamos que este trabalho de análise não é exaustivo: as formas de desvalorização simbólica acima elucidadas são apenas algumas entre as muitas outras práticas intencionalmente concebidas para desprestigiar o trabalho do educador e da educadora, minando sua autoimagem e naturalizando, para o senso comum, um não-lugar para esses profissionais entre os criadores de conteúdos culturais e formadores de opinião. Logo, é evidente que essa desvalorização simbólica, promovida pelas políticas governamentais, agrava a diminuição social do professor e da professora, levando-a a uma esfera que vai além da material, impondo-se cronicamente por meio de baixos salários e condições precárias de trabalho.
Que efeitos essa desvalorização simbólica acarreta para a educação na sala de aula?
Ao ser transformado em um “ninguém” que, a qualquer momento, pode ser realocado ou descartado pela Secretaria de Educação, o professor não tem como construir um senso de pertencimento à escola na qual momentaneamente leciona. Não há como conhecer profundamente uma comunidade escolar se seu vínculo empregatício durará apenas um ano letivo, ou menos. Do mesmo modo, não há como elaborar projetos de médio e longo prazo que visem minimizar eventuais problemas do clima escolar (como bullying e cyberbullying, violências, desrespeito aos professores e demais funcionários etc.).
Lembramos que, historicamente, o professor e a professora não atuam a partir de contratos de trabalho negociados livremente. Tudo lhes é imposto de antemão, no ingresso da carreira e no decorrer dela: mudanças na lei que cerceiam direitos há muito garantidos vêm sendo perpetradas sem que tais profissionais tenham sequer o direito de serem ouvidos.
Essa desvalorização simbólica que, conforme vimos, suprime a identidade da função docente e anula o sentimento de pertencimento a uma classe profissional vem pavimentando o caminho da privatização da educação pública, que, no estado de São Paulo, já caminha em passos largos, rápidos e firmes. O lead de uma notícia publicada em 12 de abril de 2024 pelo site UOL comprova isso:

Figura 1: Notícia publicada no site UOL
Com o exposto até aqui, tornamo-nos plenamente conscientes do desmonte premeditado de nossa identidade e de nossa função como educadores e educadoras. Tal desmonte destrói nossa autoimagem e nossa moral no imaginário social, trazendo como consequência um adoecimento psíquico de professoras e professores sem precedentes na história da Educação do país.
Atividade para mitigar a desvalorização simbólica dos professores
Diante da desvalorização simbólica enfrentada pelos docentes, é essencial refletirmos sobre estratégias concretas que possam fortalecer nossa identidade profissional e o reconhecimento dentro do ambiente escolar. Se somos silenciados politicamente, podemos agir em nosso espaço natural: a sala de aula. Dessa forma, propomos a seguinte atividade prática a ser desenvolvida com os alunos.
Mural da valorização docente
Objetivo: Refletir sobre a importância dos professores e incentivar o reconhecimento de sua contribuição na formação dos alunos.
Passo 1 – Reflexão Individual (10 min)
Cada aluno recebe uma folha de papel e responde à seguinte pergunta:
"Qual foi um momento em que um professor impactou sua vida?"
Eles devem escrever um pequeno depoimento ou desenhar uma cena que represente esse momento.
Passo 2 – Compartilhamento em duplas (10 min)
Os alunos trocam suas reflexões com um colega e discutem a importância da experiência relatada.
Passo 3 – Construção do mural (20 min)
Os depoimentos e desenhos são organizados em um mural da sala, criando uma exposição visual sobre o papel dos professores na vida dos estudantes.
Passo 4 – Momento de valorização (10 min)
Os alunos podem convidar seus professores para ver o mural e compartilhar pensamentos sobre a profissão e a importância do reconhecimento.
Passo 5 – Reflexão coletiva (10 min)
O professor pode conduzir uma conversa sobre como pequenos gestos de valorização podem impactar sua rotina e bem-estar, estimulando uma cultura de respeito na escola. Essa é uma atividade de fácil implementação, pois não exige recursos especiais.
Deste modo, concluímos este artigo de conscientização com um convite à ação: reagir contra uma engenharia cuidadosamente produzida com a finalidade de desmontar e privatizar a escola pública, a partir da vulnerabilização crescente de seus principais agentes — os professores.
Referências
BIMBATI, Ana Paula. SP deve lançar em novembro leilão para privatizar gestão de 33 escolas. UOL, São Paulo, 12 abr. 2024. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/noticias/2024/04/12/tarcisio-leilao-escolas-iniciativa-privada.htm. Acesso em: 14 maio 2024.
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social de um julgamento. São Paulo: Edusp, 2007.
CARLOTTO, Mary Sandra. A síndrome de Burnout e o trabalho docente. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 7, nº 1, p. 21-29, jan./jun. 2002.
CARTA CAPITAL. Justiça obriga Tarcísio a voltar a receber livros didáticos do MEC. Carta Capital, São Paulo, de 16 ago. 2023. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/justica-obriga-tarcisio-a-voltar-a-receber-livros-didaticos-do-mec/. Acesso em: 7 nov. 2023.
COSTA, Áurea de Carvalho; RODRIGUES, Robson da Silva. Imprescindíveis e silenciados: desvalorização de professores e destituição da participação nas decisões públicas. Revista da USP, São Paulo, nº 127, p. 41-52, out./dez. 2020. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/180040. Acesso em: 12 out. 2023.
FANIZZI, Caroline. O sofrimento docente: apenas aqueles que agem podem também sofrer. São Paulo: Contexto, 2023.
FOLHA DE SÃO PAULO. Para FHC, professor é ‘coitado’ que não conseguiu ser pesquisador. Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 nov. 2001. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u7188.shtml. Acesso em: 1 out. 2023.
JORGE, Isabel Furlan. Dimensões objetiva e simbólica da (des)valorização docente: um estudo sobre os professores da rede pública de São Paulo. 2023. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2023. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-19052023-162950/pt-br.php. Acesso em: 12 out. 2023.
O TEMPO. 1 em cada 3 professores da Educação Básica sofre Burnout: “Medo absurdo”. O Tempo, Belo Horizonte, 28 de maio de 2023. Disponível em: https://www.otempo.com.br/brasil/1-em-cada-3-professores-da-educacao-basica-sofre-burnout-medo-absurdo-1.2877487. Acesso em: 29 maio 2025.
PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza; SOUZA, Vera Lúcia Trevisan. Profissionais da Educação do século XXI. Campinas: Pontes, 2023.
QUEIROZ, Christina. Precisa-se de professores. In: Cadê o professor. Revista Fapesp, São Paulo, ano 24, nº 332, p. 13-19, out. 2023. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/folheie-a-edicao-de-outubro-de-2023/. Acesso em: 12 out. 2023.
RISCO de apagão de professores no Brasil. Instituto Semesp, São Paulo, 2022. Disponível em: https://www.semesp.org.br/pesquisas/risco-de-apagao-de-professores-no-brasil/. Acesso em: 12 out. 2023.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
Publicado em 12 de novembro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
WEISZ, Isabel Cristina. A desvalorização simbólica da profissão docente no Ensino Básico brasileiro. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 43, 12 de novembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/42/a-desvalorizacao-simbolica-da-profissao-docente-no-ensino-basico-brasileiro
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.
