Antidiálogo e proselitismo: análise do material didático de Ensino Religioso em um município do sertão alagoano

Marcos Henrique dos Santos

Mestrando (PPGEFOP/UFAL)

Ana Paula Solino Bastos

Doutora, professora da UFAL

A disciplina Ensino Religioso tem em seu histórico uma série de polêmicas (Santos, 2020). Embates entre o laico e o confessional, oferta obrigatória e matricula facultativa marcaram os processos de elaboração dos documentos oficiais no pais. Todo esse processo conturbado resultou na permanência da disciplina nas escolas brasileiras.

O mais recente embate, do qual o Ensino Religioso saiu vitorioso, diz respeito ao processo de elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nela, a disciplina é atrelada ao campo de Ciências Humanas e novamente se firma como componente curricular obrigatório. Embora a maneira pela qual ela se disponha operar sofra uma série de questionamentos (Cunha, 2016), pode-se dizer que as competências e habilidades presentes no documento buscam tratar o fenômeno religioso de maneira que se preserve o respeito à diversidade religiosa do país.

Contudo, embora tenha se consolidado como componente curricular obrigatório, muita coisa ainda há que ser discutida na execução da disciplina nas salas de aula das escolas brasileiras. Um desses pontos é que material didático deve ser usado e a partir do que ele deve ser confeccionado. Num contexto de concentração das atividades escolares por atingir resultados em avaliações externas (Machado, 2020), de que maneira o Ensino Religioso tem sido tratado?

Diante do apresentado, este trabalho analisou o material didático para Ensino Religioso produzido e utilizado pela Secretária Municipal de Educação de São José da Tapera/AL. Dentre os principais objetivos, buscou-se identificar o quanto material se aproximava ou distanciava do que se pede nos documentos oficiais e de que maneira ele se propunha ao diálogo, seja o diálogo ao tratar do fenômeno religioso, seja o diálogo com outras áreas do conhecimento.

Metodologia

Trata-se de um trabalho de natureza qualitativa (Gunther, 2006), do tipo pesquisa participante (Brandão, 2006), levando em consideração que o pesquisador que analisa os dados faz parte do quadro de professores que são submetidos ao material utilizado. Analisou-se o material didático direcionado à disciplina de Ensino Religioso produzido pela Secretária Municipal de Educação de São José da Tapera/AL e distribuído nas escolas da rede pública municipal.

Como ferramenta de análise de dados, utilizou-se a análise textual discursiva (ATD) (Moraes; Galiazzi, 2011). Foram escolhidas como material de análise as apostilas direcionadas aos professores do 1° 2° e 3° anos. Com base nesse material surgiram as categorias emergentes a) proselitismo e b) antidialógico.

O material em estudo foi confrontando com o conceito de diálogo desenvolvido por Paulo Freire em sua obra como lugar de destaque em livros como Pedagogia do Oprimido (Freire, 2013). Os objetivos consistiram em identificar o quanto o material produzido respeitava a diversidade religiosa, dialogando com as diversas manifestações de crenças, e o quanto respeitava a possibilidade de os educandos desenvolverem opiniões próprias sobre conceitos edificadores de suas personalidades, como, família, vida, respeito.

A escolha de turmas do Ensino Fundamental I se deu pelo fato de a maior parte das 27 escolas do município atuarem como turmas de 1° a 5° anos, limitando-se às turmas dos três primeiros anos devido à extensão do material analisado. Tomou-se como foco de análise as imagens, os textos e o conteúdo de questões presentes nas mais de cinquenta páginas que compõem cada uma das apostilas.

Outro ponto de análise foi a organização de formações continuadas que são ofertadas no munícipio, sobretudo direcionadas às áreas de Língua Portuguesa e Matemática, além da maneira como as demais áreas do conhecimento, dentre as quais o Ensino Religioso, são atendidas pelas mesmas formações.

O material produzido e a organização das formações foram confrontados com a legislação – Constituição Federal, Lei de Diretrizes de Bases (LDB) e Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – que trata da disciplina e com a produção acadêmica sobre o tema. Nos próximos tópicos discorre-se conceitualmente sobre alguns dos principais pontos do trabalho, como o diálogo em Paulo Freire e as disputas políticas envolvendo a disciplina Ensino Religioso.

O diálogo em Paulo Freire

Embora suas contribuições no campo da alfabetização de jovens e adultos tenha lhe garantido reputação internacional, sempre com menção aos acontecimentos da década de 1960 na cidade de Angicos, interior do Rio Grande do Norte (Hennicka et al., 2002), a obra de Paulo Freire se expandiu colaborando com os mais diversos campos da Educação.

Uma das principais características de suas propostas é o conceito de diálogo. Ele se aplicaria a atividades educativas direcionadas a um ensino democrático e horizontal, perspectiva que se direcionava radicalmente contrária ao que Freire denominou “educação bancária” (Freire, 2013). Marcada por um ensino linear em que o professor se apresentava como detentor do conhecimento, imbuído da função de depositar seu saber na cabeça dos alunos, esse modelo de educação foi o grande antagonista da Educação Libertadora.

Por sua vez, a educação dialógica pauta-se no ensino em que se diminui a distância entre professor e aluno, de modo que ambos se encontram em processo de aprendizagem. Esse processo não se caracteriza pela redução do papel do docente, tampouco pela negação do conhecimento científico. Sua principal característica é o reconhecimento de que o aluno traz consigo saberes válidos e que, para que ele adentre no mundo da leitura das palavras, tem que realizar a leitura de seu próprio mundo (Antunes, 2002).

Esse movimento de reconhecimento, do contexto, do cotidiano e das vivências do educando para o desenvolvimento de sua aprendizagem (Toniolo, 2010) foi sistematizado num processo denominado “investigação temática”. Por meio dele, para que se desenvolvam atividades educativas, antes se realiza um processo de investigação das situações significativas, universo vocabular e eventuais situações limite presentes na comunidade em que se desenvolve a atividade educativa.

O que se quer apresentar aqui é que o diálogo em Freire não se reduz à relação professor-aluno. Para ser dialógica, a educação deve se relacionar e ser direcionada ao entendimento de como se organiza a vida cotidiana e quais os responsáveis por suas eventuais intempéries. Munido desse conhecimento, o educando deve agir para sua libertação. Notavelmente, como em toda proposta de educação freiriana, o diálogo assume caráter político. Esse caráter se expressa na medida em que o ensino deve ser direcionado para quê? Para quem? (Brandão, 2020), negando toda e qualquer possibilidade de neutralidade no ato de ensino.

São inúmeras as experiências educacionais que têm princípios freirianos, dentre os quais o diálogo, como seus principais norteadores. Esse movimento de implementação teve como fator de incremento as contribuições de Delizoicov (1991), que sistematizou as etapas da investigação temática para a educação escolar. Dentre pesquisas e processos formativos que fizeram uso dessa metodologia, pode-se citar a que aconteceu na cidade Ilhéus/BA, mais precisamente no bairro Teotônio Vilela (Santos, et al, 2004), direcionado à formação continuada de professores de Matemática, ou o trabalho direcionado à formação de professores para práticas alfabetizadoras desenvolvido numa escola da zona rural do município de Delmiro Gouveia/AL (Reis, 2023).

As variações geográficas e de área de ensino dos trabalhos expostos demonstram as possiblidades de empregar os princípios da proposta de educação freiriana nas mais diversas situações e campos de atuação, sobretudo empregando práticas dialógicas. Como não poderia ser diferente, essa realidade também se aplica ao campo do Ensino Religioso, mas para melhor análise se faz necessário tratar desse campo de maneira específica, levando em consideração fatores históricos, materiais e culturais que condicionam e condicionaram esse campo ao longo da História da Educação Brasileira e na atualidade.

Ensino Religioso na História da Educação Brasileira e na configuração atual

A história do Ensino Religioso no Brasil remonta às primeiras missões religiosas, que, no movimento de Contrarreforma da Igreja Católica frente aos avanços da Reforma Protestante, buscava expandir o exercício da fé católica (Saviani, 2008). Essas missões, que contavam com estrutura rudimentar e se dedicavam à catequização e ao ensino das primeiras letras, foram sucedidas pelos jesuítas. Em contrapartida, a Ordem de Jesus contava com forte apoio da Coroa e conseguiu montar uma robusta estrutura que monopolizou a formação de quadros diretivos e clericais (Ribeiro, 1998).

A relação da Coroa com os jesuítas inaugurou uma trajetória no Brasil em que a relação entre Estado, Igreja e ensino se manteria estreita por séculos, presente nas mais diversas formas de governo. Da Colônia ao Império, do Império às Repúblicas, mesmo que sob diferentes configurações, a presença da religiosidade nas atividades de ensino se mostrou perceptível. Todavia, embora perene, essa relação não se deu de forma harmoniosa. O padroado, acordo estabelecido entre Igreja Católica e Império, estabelecia a oficialidade do catolicismo enquanto religião do Estado, concedendo-lhe autoridade também sobre o ensino, e proibia os rituais religiosos dos demais segmentos (Cunha, 2006).

Com o fim do Império, a continuidade da relação Estado-Igreja-ensino se deu por meio da disciplina Ensino Religioso. Se em períodos anteriores a principal justificativa era a ausência de quadros oficiais para ocupar as cadeiras docentes, ainda na primeira República o Ensino Religioso passou a assumir papel de elemento apaziguador das populações que se politizavam e se organizavam no campo e na cidade (Cunha, 2006).

Mesmo com as novas configurações e diversificações da sociedade brasileira, inclusive com novos modelos de república e de governo, a disciplina Ensino Religioso se manteve presente nos documentos oficiais que tratam da educação pública e no cotidiano das escolas brasileiras. As polêmicas relacionadas ao questionamento de sua operação na escola pública de um Estado laico, de que conteúdos devem ser ensinados, da obrigatoriedade de presença em aulas marcaram a elaboração de todos os documentos que o incluíram nas grades curriculares obrigatórias.

Contudo, esses documentos – Constituição Federal; Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – buscaram direcionar a oferta dessa disciplina a uma formação humanista. Desse modo, o que se pode observar nesses documentos é que eles prezam pela tolerância à diversidade religiosa, o respeito a todos os tipos de crenças e o fortalecimento de valores que reforcem a harmonia na convivência entre as pessoas.

Pode-se desenvolver um trabalho dedicado apenas a apontar como todos esses princípios já são tratados em outros componentes curriculares, o que levaria ao questionamento da necessidade da disciplina Ensino Religioso (Cunha, 2006). Todavia, a próxima seção terá como objetivo analisar o quanto o material didático direcionando a essa disciplina naquele município se aproxima ou se distancia do que se orienta nos documentos oficiais.

Há que se esclarecer que não existe a menor intenção pessoal de desmerecer ou tratar com juízo de valor o material produzido. Ele será analisado de acordo com o que há de produção científica sobre e serão consideradas as condições objetivas e subjetivas que o condicionaram (Marx, 2009). Para melhor percepção, algumas das atividades presentes nele serão reproduzidas em imagens.

Descobrindo as obras do Criador – coleção de material didático para o Ensino Religioso

Proselitismo

Antes de tratar do conteúdo do material didático em estudo, vale a pena ressaltar que em sua contracapa ele apresenta o nome de todas as autoridades responsáveis pela educação no município, lista que conta com o nome do prefeito, do secretário e da secretária adjunta de Educação, da diretora de Ensino e da chamada técnica pedagógica de Ensino Religioso do 1° ao 9° anos, o que dá a entender que todos concordam com o que se propõe no material destinado às escolas da rede municipal. Embora não defina autoria em nenhuma parte do material, subentende-se que seja da última pessoa da lista.

Após a apresentação dos dados técnicos, o material conta com um texto de Oliveira (2003), que expõe a legalidade do Ensino Religioso e suas contribuições à educação. No texto são elencados os seguintes itens: a compreensão da história, a interpretação da cultura, a busca de sentido e a compreensão da experiência religiosa.

Chama atenção o fato de o mesmo texto, que serve como justificativa e base intelectual do material, se iniciar com a base legal que sustenta o ER. Tal fato faz recordar que a disciplina é a única que tem sua oferta assegurada no texto da Constituição Federal de 1988 (Santos, 2021). A escolha especifica desse texto para abertura do material leva a entender que o município quer afirmar essa obrigatoriedade. Os demais fundamentos apresentados no texto de Oliveira (2003) remetem à velha discussão: esses conteúdos poderiam ser e já são tratados em outros componentes curriculares (Cunha, 2006), fato que se comprova na própria composição do material didático em estudo.

É justamente tratando da temática identidade, que também é tratada nos livros didáticos de Ciências, Geografia e História, que se faz perceptível a tentativa de alinhar a composição do material às habilidades e objetos do conhecimento da BNCC, algo que se verifica nos três volumes analisados. Seus objetos do conhecimento são: O eu, o outro e o nós; O eu, a família e o ambiente de convivência e espaços e territórios religiosos. Pode-se notar maior especificidade no último, que se refere ao 3º ano.

Contudo, nessa mesma unidade inicial do material já se pode verificar as primeiras manifestações de proselitismo. Na página 16 da apostila do 1º ano, a atividade direciona os alunos a problematizar o valor da vida identificando em caixas de presentes aquilo que seria concedido pelo “Criador”. Na página 16 da apostila do 2º ano há uma atividade em que os alunos devem identificar em um diagrama as palavras que mostram como o “Criador” nos ajuda a crescer. Na página 8 do material destinado ao 3º ano, a atividade pede que se identifiquem também em um diagrama as palavras que nos aproximam do “Criador”.

Figura 1: Material didático do 1º ano

Fonte: Secretária Municipal de Educação de São José da Tapera/AL.

O uso do termo Criador, diga-se de passagem, se faz de maneira indiscriminada, num país de formação atrelada ao catolicismo (Prado, 2004) e de maioria cristã, é inevitavelmente ligado a esse segmento religioso e suas diferentes manifestações. A maneira como os personagens se postam nas imagens ilustrativas da atividade presente no material do terceiro ano é notavelmente uma referência à fé cristã.

Não menos importante é a presença do proselitismo escancarado. O uso do termo Criador faz menção direta à ideia de criacionismo, negando o secularismo e a ciência que trata dos demais componentes curriculares (Sagan, 2006). Não se quer aqui discutir a maneira como o Ensino Religioso deve ser operado nas escolas, a partir de uma perspectiva que negue a importância da religião ou de sua presença ou não no âmbito da escola pública. Essa é uma discussão que deve ser feita em outra esfera. Todavia, o material utilizado no munícipio é discordante do que se estabelece nos próprios documentos oficiais que tratam da disciplina.

O Art. 33 da LDB é enfático ao vedar todas as formas de proselitismo. Mas a que ponto eu respeito a diversidade religiosa do país quando me refiro apenas a um deus ou a um criador? A habilidade (EF02ER05) consiste em: “Identificar, distinguir e respeitar símbolos religiosos de distintas manifestações, tradições e instituições religiosas” (Brasil, 2024). Mas como vou identificar e respeitar símbolos e manifestações religiosas se a escola me ensina que só existe um deus, um criador? E, ainda que faça menção a outras religiões, de que maneira seria feita orientada por um material do respectivo teor?

Não há aqui nenhum esforço em defender a inserção do Ensino Religioso na BNCC, mas de reconhecer que, ao menos no que diz respeito à retórica, o Ensino Religioso teria como um dos objetivos valorizar o multiculturalismo e diversidade religiosa (Santos, 2021). Em contrapartida, Cunha (2016) já apontava a maneira pela qual se organizam na BNCC objetivos, competências e habilidades do Ensino Religioso para as mais diversas idades e direcionam o educando para a confusão ou o proselitismo.

No caso do material didático em estudo, o caminho é puro e claro: do proselitismo, sem espaço sequer para a confusão. As repetidas menções ao “Criador”, seja por agradecimento ou para se livrar de suas punições, evoluem em uma direção confessional, assemelhando-se a um catecismo. “Jesus sempre acolheu a todos”, “Ensinamentos de Jesus,” “Jesus amou a natureza” são falas e orientações presentes em atividades no material elaborado para o 2° ano. Entretanto, o ponto que escancara que a ideia de religião defendida pelo material é o cristianismo, encontra-se na página 36, onde se encontra o capitulo 10, versículo 14 do Evangelho de Marcos. O versículo é seguido de uma atividade em que os alunos teriam que pintar uma cena em que crianças buscam os ensinamentos de Jesus.

Diante do que foi apresentado, a constatação do proselitismo ganha caráter de obviedade. Na próxima seção se apresentará o quão antidialógico o material se configura e quais implicações ele causa à execução da disciplina.

Antidialógico

Não há como fugir da constatação lógica de que, se o material é proselitista, automaticamente ele é antidialógico, porém esta seção tem como objetivo detalhar como ele se posiciona categoricamente contra o diálogo e quais as consequências desse posicionamento. Outro aspecto que também se procurou explanar neste tópico é quais as possibilidades diferentes de direcionamento os elaboradores do material poderiam adotar.

Partindo daquilo que é evidente, ao voltar somente para o cristianismo o livro nega toda a diversidade religiosa existente no Brasil, a qual objetiva desenvolver conhecimento e respeito na BNCC. Com isso, os alunos são podados da oportunidade de conhecer as características dos credos não hegemônicos no país e de que maneira eles contribuíram para a formação do nosso povo.

Esse processo se opera tanto no que diz respeito à esfera geral quanto no que diz respeito à esfera local. Contrariando o que se defende no campo de análise freiriana, em que o indivíduo deve primeiro problematizar o mundo que o circunda (Freire, 2013), em nenhum momento da apostila há um processo de inclinação para entender a religiosidade do município ou da comunidade; sequer dentro do próprio campo do cristianismo se pretende problematizar as diferenças entre a religiosidade rural e urbana, por exemplo.

Figura 2: Pesquisa sobre líderes religiosos

Fonte: Secretária Municipal de Educação de São José da Tapera/AL.

De maneira totalmente incoerente, na apostila do 3° ano, na página 41, a atividade direciona os alunos a pesquisar os líderes religiosos de suas respectivas religiões. Mas, depois de apontar nas 40 páginas anteriores que o cristianismo é o único segmento religioso existente, seria possível que um aluno de segmento religioso distinto teria coragem de apontar seu líder religioso?

Ao apresentar o criacionismo como única explicação para a existência da vida na Terra, o material não dialoga com toda produção cientifica que trata do tema. Aliás, ao se analisar a imagem da Figura 3, verifica-se que não houve a menor preocupação com o campo científico para sua elaboração, tendo em vista que a maior parte das referências constantes é de blogs pessoais, com destaque para o segundo da lista, de título “Catequizando”.

Figura 3: A maioria das referências é de blogs

Fonte: Secretária Municipal de Educação de São José da Tapera/AL.

Desse modo, o que se pode constatar é que o material se nega ao diálogo com os documentos oficiais, com a diversidade religiosa do país, com as manifestações religiosas locais e com o conhecimento científico. Tendo sido elaborado sem a participação dos professores, ele tem como referência principal as concepções religiosas de quem o elaborou. Como consequência, bancariamente, são reproduzidos preconceitos, estereótipos e discriminações religiosas no material direcionado ao ensino público.

Como o foco do município é conseguir bons resultados em avaliações de larga escala, que se direcionam principalmente aos campos de Língua Portuguesa e Matemática (Freitas, 2018). Os demais campos acabam por ser negligenciados. Desse modo, as formações continuadas se restringem aos campos que são cobrados nas avaliações, restando como única orientação para o trabalho pedagógico para os professores o material que aqui foi analisado.

Considerações finais

A análise desenvolvida trouxe a conclusão de que o material desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação de São José da Tapera é substancialmente proselitista. Tal resultado se dá tendo como um dos principais fatores responsáveis a maneira linear e individual como o material foi produzido, de maneira que, a julgar as referências utilizadas, é possível classificá-lo até como desleixo, negando com isso a própria importância da área do Ensino Religioso.

Por consequência dos fatores apresentados, o material se faz inegavelmente antidialógico, desrespeitando documentos oficiais, religiosidade nacional e local. A maneira pela qual as atividades são organizadas e a orientação mono que se dá à experiência religiosa é incompatível com a complexidade do fenômeno e com a possibilidade de livre expressão por parte dos indivíduos. Tendo sido esse material confeccionado e supostamente avaliado por um órgão público, é no mínimo de despertar preocupação por parte daqueles que fazem parte da Educação do munícipio e da educação pública em geral.

Espera-se que, a partir deste trabalho, outros possam ser desenvolvidos dentro do próprio município ou em outros da região. Infelizmente é difícil acreditar que o Ensino Religioso seja tratado da maneira que se fez no material analisado, apenas no município de São José da Tapera/AL.

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Publicado em 19 de novembro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

SANTOS, Marcos Henrique dos; BASTOS, Ana Paula Solino. Antidiálogo e proselitismo: análise do material didático de Ensino Religioso em um município do sertão alagoano. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 44, 19 de novembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/44/antidialogo-e-proselitismo-analise-do-material-didatico-de-ensino-religioso-em-um-municipio-do-sertao-alagoano

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