Jogos e brincadeiras na Educação Infantil: reflexões sobre a prática docente
Caio Cesar Silva Nascimento
Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ), professor adjunto da UECE
Jéssica da Silva Freire
Graduada em Pedagogia (UECE)
Os jogos e as brincadeiras acompanham a história da humanidade desde os tempos mais remotos, manifestando-se nas relações sociais, nas tradições familiares e na transmissão de saberes entre gerações. Na contemporaneidade, esses elementos assumem papel central no processo educativo, especialmente na Educação Infantil, etapa que busca promover o desenvolvimento integral da criança. Entretanto, ainda se observa certa fragilidade na compreensão e na utilização pedagógica dessas práticas, o que suscita reflexões sobre sua real efetividade no ambiente escolar.
Diante desse contexto, este estudo propõe-se a compreender de que forma os jogos e as brincadeiras contribuem para a formação escolar das crianças e como estão sendo aplicados nas práticas pedagógicas da Educação Infantil em escolas do município de Crateús/CE. Parte-se da premissa de que essas atividades não devem ser vistas apenas como momentos de lazer, mas como recursos metodológicos fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social.
Para alcançar tal objetivo, a pesquisa foi desenvolvida a partir de uma abordagem qualitativa, envolvendo dois momentos complementares: uma pesquisa bibliográfica, que permitiu a construção do referencial teórico sobre o tema, e uma pesquisa de campo, voltada à observação e análise das práticas docentes. Essa combinação possibilitou compreender a importância da mediação do professor no uso dos jogos e das brincadeiras e sua contribuição para o processo de ensino-aprendizagem na primeira etapa da Educação Básica.
Fundamentação teórica
Existindo há muito tempo em sociedade, o lúdico sempre esteve presente no cotidiano das pessoas, principalmente por estar diretamente ligado aos momentos de diversão entre famílias, amigos e vizinhos. Este instrumento, que até então se utilizava apenas como meio de distração, vem sendo recomendado como forma de contribuir para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem de crianças. Ramos, Ribeiro e Santos (2011, p. 42) acrescentam que
as atividades lúdicas possibilitam fomentar a formação do autoconceito positivo. As atividades lúdicas possibilitam o desenvolvimento integral da criança já que, através destas atividades, a criança se desenvolve afetivamente, convive socialmente e opera mentalmente. O jogo é produto de cultura, e seu uso permite a inserção da criança na sociedade. Brincar é uma necessidade básica como é a nutrição, a saúde, a habilitação e a educação. Brincar ajuda as crianças no seu desenvolvimento físico, afetivo, intelectual e social, pois, através das atividades lúdicas, as crianças formam conceitos, relacionam ideias, estabelecem relações lógicas, desenvolvem a expressão oral e corporal, reforçam habilidades sociais, reduzem a agressividade, integram-se na sociedade e constroem seu próprio conhecimento. O jogo é essencial para a saúde física e mental.
Tem-se assim a importância que o lúdico tem ao propiciar que a criança se desenvolva em diversas habilidades. O jogo e a brincadeira são atividades que estão fundamentalmente presentes em seu cotidiano desde o nascimento e, portanto, conseguem possibilitar à criança um espaço de reconhecer-se na construção do conhecimento e interagir com o meio em que vivem, a partir das diversas relações que se estabelecem no ato de brincar ou jogar.
Cabe ressaltar que mesmo sendo o lúdico bastante utilizado em sociedade, ainda não é possível encontrar sua significação no dicionário de língua portuguesa, tampouco em outros idiomas. E que não há nenhuma outra palavra que englobe todos os significados atribuídos a ludicidade, sendo ela associada apenas ao significado da palavra “jogo”, pois em sua função da origem semântica, a palavra vem do latim ludus e significa jogo, exercício ou imitação. É possível encontrar a contribuição de autores do campo da Psicologia, que estudam e atribuem em suas concepções o lúdico e o jogo em seu processo de aproximação. Brougère (2003) busca analisar o jogo e a relação que estabelece com outros fenômenos, o que se constrói a partir desta interação. Winnicott (1975) se ancora na pesquisa sobre o brincar e tem como estudo a manifestação lúdica, fazendo o que ele chama de transicionalidade, como meio de intermédio entre a realidade concreta e o mundo interno psíquico do sujeito. Para Jean Piaget (2002), os jogos têm a utilidade de contribuir para o autodesenvolvimento, auxiliando no desenvolvimento de um caminho interno para construir inteligência e afetividade. Tem-se, portanto, que o jogo pode ser entendido como o jogo de futebol, jogo olímpico, ou jogo de azar. Os brinquedos podem ser compreendidos como um objeto que causa divertimento na criança. Já a brincadeira significa o ato de brincar, o divertimento que a ação causa. Brougère e Wajskop (1997, p. 96) afirmam que
a brincadeira é simbólica e o jogo funcional, ou seja, enquanto a brincadeira tem a característica de ser livre e ter um fim em si mesma, o jogo inclui a presença de um objetivo final a ser alcançado, a vitória. Este objetivo final pressupõe o aparecimento de regras preestabelecidas. Essas regras geralmente já chegam prontas às mãos da criança. As regras dos jogos têm relação íntima com as regras sociais, morais e culturais existentes.
Assim, compreende-se o jogo como uma ferramenta muito importante para o processo de aprendizagem, tendo em vista que são diversas as habilidades desenvolvidas a partir da prática de jogar, na qual a criança é capaz de lidar com dificuldades, medos, perda e reflexos que estão presentes no meio em que vive. Ademais, os jogos possibilitam que elas agucem a imaginação, criando situações e resoluções de problemas, o que se compreende como uma atividade natural, espontânea e necessária para as crianças.
Na brincadeira, o desenvolvimento se constrói a partir de situações imaginárias que a criança experimenta e que são confrontadas com o real, em situações observadas no cotidiano, possibilitando o estímulo a desenvolver capacidades e habilidades que muitas vezes ainda não conhece. Nesse sentido, a brincadeira pode ser vista como um espaço de sociabilização, de apropriação de cultura, de tomada de decisões e invenções, e do domínio da relação com os outros (Rodrigues, 2013, p. 70).
Brincar está diretamente ligado à liberdade, espontaneidade e envolvimento. Esse ato facilita à criança aprender e organizar seu campo perceptivo, suas experiências, vivenciando suas emoções e sentimentos diariamente, integrando de forma dinâmica o próprio ritmo, fazendo-a ter alegria de pertencer ao grupo. Rodrigues (2013) explica que é indiscutível o impacto que as brincadeiras têm no desenvolvimento da criança, principalmente quando se trata dos aspectos afetivos, físicos e cognitivos, sendo consideradas atividades essenciais e indispensáveis na infância.
É perceptível como os jogos e brincadeiras apresentam diversos benefícios para o desenvolvimento da criança. Destaca-se como a aprendizagem lúdica presente na construção de habilidades para a infância pode ser uma das maneiras mais eficientes e produtivas de aprender, principalmente pela acessibilidade do ensino. Tudo passa a ser pensado e elaborado de forma mais estimulante, possibilitando uma produção do conhecimento mais eficaz.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018), um documento norteador dos currículos escolares, destaca que a Educação Infantil é o início e o fundamento do processo educacional e, portanto, deve possibilitar à criança o direito de aprendizagem e desenvolvimento por meio da convivência, do brincar, da participação em diferentes espaços, de explorar movimentos e gestos, e também de se expressar e conhecer-se.
A partir do que se pretende buscar com os seus campos de experiências, previstos na BNCC, é possível compreender que, na Educação Infantil, a aprendizagem e o desenvolvimento são compostos por comportamentos, habilidades e conhecimentos, tendo as interações e as brincadeiras como eixos estruturantes. Cabe ressaltar que seus objetivos estão organizados em grupos por faixa etária, “que correspondem, aproximadamente, às possibilidades de aprendizagem e às características do desenvolvimento das crianças” (Brasil, 2018, p. 44).
Compreende-se que, entre as atividades essenciais para a infância, o jogo e a brincadeira assumem papel de grande relevância no desenvolvimento de muitas habilidades – cognitivas, corporais e até psicológicas. Por meio do ato de brincar, a criança começa a demonstrar diferentes situações, como sua compreensão de mundo, as relações que a ajudam a socializar e a identificação de pequenas regras existentes na sociedade, que determinam diferentes papéis sociais.
Sabe-se que o desenvolvimento integral da criança é o principal objetivo da Educação Infantil. Nesse sentido, ele se dá por meio de práticas que sejam capazes de estimular na criança o interesse pela aprendizagem e incentivar a construção do conhecimento, bem como desenvolver nela a autonomia. Não obstante, é necessário utilizar meios que possibilitem à criança ser parte integrante do processo educativo, permitindo-lhe atribuir significado às atividades propostas.
Refletir sobre novas maneiras de ensinar representa, fundamentalmente, reformular a ideia de que não se brinca na escola e de que o ato de brincar ou jogar pode causar bagunça na sala de aula. Torna-se evidente como superar essa concepção é importante, pois é necessário compreender que a utilização dos jogos e brincadeiras, aliados ao processo de ensino-aprendizagem, contribui para a melhoria da qualidade e do desenvolvimento do ensino e da criança, indicando como é significativo estar realmente presente no contexto educativo.
Cabe, portanto, refletir sobre o papel docente nesse processo, pois o professor passa a ser o ponto principal para a aprendizagem da criança, desde o berçário, onde os bebês já começam a se descobrir sozinhos, mas, com o incentivo do professor, o desenvolvimento é muito maior (Caroline, 2019). Outro fator importante é não considerar os jogos e brincadeiras como passatempo, mas sim como práticas que influenciam e enriquecem o desenvolvimento da criança.
Outro fator importante é o local, o espaço destinado à Educação Infantil, que deve ser um ambiente que garanta à criança liberdade para praticar atividades lúdicas, tendo em vista a importância que essas práticas têm para sua vida e desenvolvimento. Vale destacar que é nessa fase que a criança inicia sua jornada educativa em uma instituição de ensino e que esta, por sua vez, deve estar inteiramente preparada para recebê-la.
A execução dos jogos e brincadeiras na Educação Infantil também deve ser bem pensada e planejada, pois há a necessidade de um estudo de tudo o que é necessário para realizá-las, considerando que é preciso espaço, tempo, preparação e estímulo para estabelecer essas práticas na vivência escolar. Ressalta-se ainda que, ao inserir o uso dessas práticas pedagógicas na escola, deve-se analisar o que se deseja alcançar com cada atividade, sendo importante que, ao final, se tenha uma avaliação sobre o que foi proposto, oportunizando perceber desafios, dificuldades e caminhos a seguir.
Não obstante, é possível reconhecer na educação algumas dificuldades para materializar na prática o uso desses recursos. Mota (2009) acrescenta que a dificuldade se encontra principalmente na acomodação dos professores, pois muitos temem que a atividade lúdica resulte em desordem na sala de aula. Outra questão é a falta de conhecimento de alguns docentes, que ainda não sabem como aplicar um jogo ou brincadeira no contexto de sua turma, muitas vezes guiados pela própria formação, tendo em vista a pouca apresentação dessas práticas na grade curricular dos cursos de graduação. Agrava-se o fato dos poucos contatos com espaços que as desenvolvam. O que costuma ocorrer nas licenciaturas é a prevalência de um conhecimento mais teórico, o que não possibilita ao licenciando vivenciar e reconhecer novas maneiras de ensinar através da prática. Sampaio e Stobäus (2017, p. 8) acrescentam que “é imprescindível repensar a formação de professores na universidade no sentido de responder às exigências e aos desafios cada vez mais complexos que se apresentam às escolas e aos professores”.
Assim, uma das finalidades da formação inicial, segundo os autores, é preparar os futuros professores para trabalharem em escolas em contextos de mudança, o que implica um processo de reflexão permanente sobre o papel dos professores e sobre o seu profissionalismo.
A falta de recursos também é muito presente quando se fala na aplicação prática do jogo ou brincadeira. É possível notar essa carência em muitas escolas, podendo a ludicidade ser deixada de lado por falta de suporte institucional. O espaço também pode ser um empecilho, pois um ambiente fechado não permite que a criança se expresse de maneira natural (Mota, 2009).
É importante destacar a interação que existe entre o professor e o aluno, sendo esta primordial para a Educação Infantil. É necessário que o educador participe, interaja junto com as crianças, jogue e se divirta com elas; é naquele momento que estará transmitindo sua total confiança para elas (Caroline, 2019, p. 7). Por essa perspectiva, a intervenção do professor ajuda e aprimora a criança como ser crítico e reflexivo, fazendo-a sentir-se mais à vontade para participar e se expressar, contribuindo para a formação de suas atitudes.
Compreende-se, portanto, que o educador não está ali apenas para trabalhar com os conteúdos de maneira tradicional, mas para que, em suas práticas, se reconheça que a aprendizagem da criança na Educação Infantil é diversa, propondo, assim, meios para propiciar a troca de experiências entre seus alunos.
O professor pode buscar seguir novos métodos que possibilitem um ensino mais livre, que não envolva tantas regras que a escola impõe. Vivenciar os jogos e brincadeiras como recursos pedagógicos indispensáveis, colocar em prática o que as crianças verdadeiramente necessitam para se desenvolver no processo cognitivo, e na construção do conhecimento (Caroline, 2019, p. 8).
Ao professor engajado em contribuir para o processo de formação dos seus alunos cabe, mesmo diante das adversidades, planejar uma boa aula a partir da realidade presente, compreendendo que os jogos e brincadeiras são elementos fundamentais para a criança e que seu desenvolvimento é essencial na Educação Infantil. Nesse sentido, reformular práticas, construir uma aula flexível e interativa, e explicar a importância de tais atividades para as crianças pode fazer com que elas se sintam fielmente inseridas no processo educativo.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa aqui exposta pode ser entendida como de caráter bibliográfico, pois, segundo Fonseca (2002, p. 32), ela é realizada
a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto.
O estudo se baseia nas ideias de autores como Rodrigues (2013), Caroline (2019) e Lima (2021), dentre outros, que trazem informações importantes para fundamentar a temática estudada, tendo em vista que, ao falar sobre o lúdico na educação, é necessário analisar suas contribuições, dificuldades e propostas.
Buscando aprofundar ainda mais o tema em estudo, desenvolveu-se, além da pesquisa bibliográfica, uma pesquisa de campo no município de Crateús/CE, a fim de identificar e compreender como os jogos e brincadeiras se fazem presentes na realidade da Educação Infantil, por meio das práticas planejadas pelos professores em sala de aula.
Pode-se definir a pesquisa como qualitativa, de caráter descritivo, cujos dados, obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas, foram examinados mediante análise de conteúdo, buscando identificar categorias relacionadas ao uso do lúdico nas práticas docentes da Educação Infantil. Dessa forma, foi possível compreender com maior profundidade opiniões, percepções e significados a partir da contextualização do estudo.
A pesquisa foi realizada no município de Crateús, Ceará, uma cidade com cerca de 76.390 habitantes, considerada uma das mais populosas do estado. A oferta educacional é promovida entre escolas municipais, estaduais e privadas que abrangem Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Com o intuito de alcançar dados sobre diferentes realidades, a pesquisa foi desenvolvida com professores de distintas escolas/creches do município. Ao todo, a pesquisa abarcou a realidade de cinco instituições, sendo quatro da rede pública e uma da rede privada.
O público entrevistado/pesquisado foi composto por professores que desempenham suas atividades na Educação Infantil, com a finalidade de obter informações sobre como se constituem as práticas lúdicas na vivência pedagógica desses docentes. A entrevista foi aplicada a cinco professores.
Na Tabela 1 estão apresentadas as informações sobre cada entrevistado que contribuiu para a pesquisa, com o objetivo inicial de apresentá-los em suas formações, tempo de atuação no magistério, cor, idade, gênero e município em que residem. É importante destacar que optamos pelas nomenclaturas E1 (Entrevistado 1) e assim sucessivamente como forma de preservar a identidade dos participantes.
Tabela 1: Informações sobre os entrevistados
Idade (anos) |
Cor |
Gênero |
Formação |
Tempo de atuação |
Município |
Tipo |
|
E1 |
25 |
Parda |
Feminino |
Pedagogia |
4 meses |
Crateús |
Pública |
E2 |
37 |
Parda |
Feminino |
Pedagogia/Pós Psicopedagogia |
7 anos |
Crateús |
Pública |
E3 |
34 |
Pardo |
Masculino |
Pedagogia |
10 anos |
Crateús |
Pública |
E4 |
42 |
Parda |
Feminino |
Pedagogia |
15 anos |
Crateús |
Particular |
E5 |
33 |
Parda |
Feminino |
Pedagogia |
4 anos |
Crateús |
Pública |
Destaca-se que diversificar os sujeitos que participaram da pesquisa foi pensado como uma forma de entender como as práticas lúdicas estão presentes na vivência de cada um dos entrevistados, compreendendo que cada instituição possui sua maneira de organizar o ensino.
Assim, tem-se que, na pesquisa, é possível encontrar uma professora de pouca idade, com apenas quatro meses de atuação em uma instituição, e outra que possui mais idade e está há 15 anos lecionando. Visando compreender as realidades de diferentes escolas, tem-se também a vivência em escolas públicas e em uma privada, a fim de entender as diferentes instâncias que se reproduzem nesses dois cenários. É possível identificar, ainda, um professor do sexo masculino que desenvolve suas atividades na Educação Infantil.
São seis perguntas estruturadas em um roteiro; elas pretendem, principalmente, obter informações sobre a utilização dos jogos e brincadeiras na prática dos professores pesquisados:
- Quais metodologias você utiliza nas suas aulas?
- Você utiliza jogos e brincadeiras como recurso pedagógico?
- Como se dá o desenvolvimento dessas práticas em sua metodologia?
- Na escola há espaço apropriado para desenvolver tais práticas?
- Como você avalia a partir dos jogos e das brincadeiras?
- Quais as principais dificuldades que você encontra para aplicá-las? A gestão escolar apoia o uso de jogos e brincadeiras?
O diálogo se deu por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas individualmente que tiveram os áudios gravados. As entrevistas aconteceram nas creches/escolas, no período de 25 de maio a 15 de junho de 2024, com duração de cerca de uma hora cada uma.
Resultados e discussões
De modo geral, as entrevistas revelam que todos os professores reconhecem o valor do lúdico como instrumento pedagógico essencial ao processo de ensino-aprendizagem. A Entrevistada 1 (E1) destaca que busca inserir constantemente jogos e brincadeiras em suas práticas para tornar o ensino mais dinâmico e significativo. No entanto, relata a ausência de um espaço físico adequado que permita desenvolver plenamente as atividades lúdicas, além de observar certa resistência de alguns colegas e membros da comunidade escolar, que ainda associam o lúdico apenas à diversão, sem reconhecer seu caráter educativo. Apesar do apoio da gestão, a docente enfatiza que o desafio é ampliar a compreensão de que brincar também é aprender. Conforme Silva (2019, p. 5),
o brincar não significa apenas diversão, mas também proporciona o desenvolvimento de capacidades como atenção, imitação, memória, além do desenvolvimento nas áreas da criatividade, sociabilidade, motricidade e inteligência. É por meio dos jogos que as crianças passam a interagir entre elas trocando assim experiências.
A Entrevistada 1 comenta que a utiliza a avaliação de forma muito positiva no contexto da ludicidade; porém, considera que há certo estranhamento por parte de algumas pessoas, até mesmo professores, que não compreendem a importância dos jogos e brincadeiras na educação.
A Entrevistada 2 (E2) relatou que suas práticas pedagógicas estão fortemente ligadas à natureza e à realidade das crianças, buscando proporcionar vivências que unam aprendizado e prazer. As aulas são desenvolvidas em um ambiente planejado para o lúdico, onde as crianças se sentem à vontade para se expressarem e interagirem. A gestão escolar apoia integralmente essas práticas, o que facilita o trabalho docente. Ela relata que o espaço da creche já é organizado para desenvolver vivências lúdicas e que, nesse ambiente, as crianças se sentem à vontade para se expressarem. Aponta também que essa é uma oportunidade de avaliar como a criança se desenvolve, como lida com o grupo e como interage.
Já o Entrevistado 3 (E3) apontou que sua metodologia está centrada nas experiências cotidianas das crianças, valorizando o protagonismo infantil. O espaço amplo da escola é constantemente utilizado para jogos e brincadeiras, e a avaliação ocorre de forma contínua, por meio da observação da participação e do envolvimento dos alunos. A gestão é bastante presente no apoio a tais práticas, a partir das formações que recebe e repassa aos professores. O professor ressalta que cada criança possui seu próprio ritmo de aprendizagem e que esse aspecto precisa ser respeitado no planejamento das atividades. Mota (2009, p. 32) complementa que,
para que haja uma ação pedagógica carregada com o verdadeiro sentido do educar, cuidar e brincar torna-se necessária a apropriação de conceitos e concepções relacionadas à infância, aprendizagem e desenvolvimento. Também o estabelecimento de uma rotina que oriente à criança quanto o seu dia a dia.
A Entrevistada 4 (E4) afirmou desenvolver uma metodologia interativa, incentivando os alunos a construírem o próprio conhecimento por meio de práticas criativas e cooperativas. Para ela, o lúdico favorece o desenvolvimento emocional, social e cognitivo, além de promover uma aprendizagem mais prazerosa e significativa. A escola onde atua dispõe de espaços amplos e bem estruturados; a área é extensa, possibilitando maior movimentação. A gestão apoia e incentiva constantemente a produção de materiais lúdicos.
A Entrevistada 5 (E5), por sua vez, utiliza metodologias ativas que valorizam a autonomia e as interações infantis. Relata que o lúdico está presente em sua rotina, sempre associado aos conteúdos trabalhados, mas aponta como principais dificuldades a falta de espaço e de recursos materiais, o que frequentemente obriga os professores a custearem seus próprios materiais. Nesse sentido, Caroline (2019, p. 6) afirma que o ambiente influencia diretamente a expressividade das crianças, defendendo que
o espaço, o ambiente contam muito. Jogar ou fazer uma brincadeira dentro de uma sala de aula acaba não incentivando as crianças, deixando-as cada vez mais agitadas, pois um ambiente fechado não possibilita que a criança se expresse de maneira natural, é preciso levar a criança ao ar livre, para que ela possa se sentir em total liberdade com o ar, a natureza, isso ajuda bastante a criança a se conhecer.
De acordo com a professora (E5), a avaliação é feita por meio de uma análise do jogo ou brincadeira utilizada, visando identificar as dificuldades das crianças. Ela destaca que existe um relatório que serve de aporte para elaborar outras propostas a partir do que a criança não aprendeu. Referente aos desafios, apesar do apoio da gestão escolar, ela associa as dificuldades à falta de material e recursos na escola. Dessa maneira, os professores têm que custear os materiais que desejam utilizar nas práticas de ludicidade.
Com base nas entrevistas, observa-se que, embora existam diferenças entre as realidades das escolas públicas e privadas, todos os docentes demonstram empenho em integrar o lúdico como ferramenta de aprendizagem e desenvolvimento integral. O apoio da gestão aparece como fator decisivo para o êxito dessas práticas, mas a falta de espaço e de recursos ainda constitui entrave significativo. Em comum, destaca-se o compromisso dos professores em planejar atividades significativas, nas quais o brincar não é apenas um momento de descontração, mas um meio de construção de conhecimento, interação e formação integral da criança.
Dessa maneira, é de suma importância que o professor, ao utilizar tais práticas no processo de ensino da sua turma, tenha definidos quais objetivos pretende alcançar com cada atividade. Com os professores entrevistados, ficou claro que eles buscam avaliar como a criança se desenvolve a partir de cada proposta, reafirmando a relevância de cada recurso utilizado.
Destaca-se a forma como cada professor desenvolve práticas lúdicas em sua rotina. A E1 e a E5, por exemplo, fazem uso de algum jogo ou brincadeira associado ao conteúdo estudado naquele dia específico, a fim de obter maior compreensão dos alunos e favorecer a aprendizagem. De acordo com a E2 e o E3, há interesse pela realidade vivenciada pela criança, partindo das experiências que ela traz. A E4, por sua vez, busca incentivar os alunos de maneira que se desenvolvam em distintas habilidades.
Assim, é possível observar que, mesmo com a utilização do jogo ou da brincadeira na prática dos professores pesquisados, cada um possui sua particularidade na realização das atividades, fazendo uso desses recursos pedagógicos de acordo com o que se vivencia na escola e com a rotina que ela segue.
Considerações finais
Por meio das entrevistas, evidenciou-se que os professores reconhecem a importância dos jogos e das brincadeiras como instrumentos pedagógicos essenciais ao processo de ensino-aprendizagem na Educação Infantil. Mesmo diante de limitações estruturais e de recursos, os docentes buscam inserir o lúdico em suas práticas, promovendo experiências significativas que favorecem o desenvolvimento integral das crianças. A mediação docente, apoiada pela gestão escolar, revela-se elemento central para a efetividade dessas práticas.
Observa-se, contudo, que ainda persiste uma visão restrita do lúdico como simples entretenimento, o que reforça a necessidade de formação continuada e reflexão pedagógica sobre o papel educativo do brincar. Portanto, fortalecer políticas institucionais que garantam espaços adequados e materiais acessíveis é fundamental para consolidar o lúdico como eixo estruturante da aprendizagem infantil.
Os jogos e as brincadeiras, entendidos como ferramenta de aporte pedagógico, contribuem diretamente para o desenvolvimento da criança no ambiente escolar, bem como proporcionam a construção de uma educação prazerosa e mais acessível. Assim, compreende-se a importância da utilização desses recursos no contexto educacional, pois evidencia-se o elevado estímulo que tais práticas têm em promover a ampliação de habilidades e aprendizagens estabelecidas pela criança. A Educação Infantil deve buscar o desenvolvimento integral da criança, sendo os jogos e as brincadeiras fundamentais para promover o desenvolvimento físico, afetivo, intelectual e social, bem como a interação, autonomia e imaginação.
A BNCC, entendida como documento norteador dos currículos escolares, fomenta, na Educação Infantil, por meio de seus campos de experiências, um diálogo com as práticas lúdicas, para que diversas habilidades sejam desenvolvidas pelas crianças, como forma de oportunizar experiências para a construção do conhecimento. Por essa perspectiva, ressalta-se a relevância da utilização do lúdico na educação, principalmente por permitir que a aprendizagem seja desenvolvida de forma mais significativa.
Dessa forma, é perceptível como o processo de ensino-aprendizagem se torna mais significativo para as crianças quando realizado por meio de metodologias que facilitem a construção e elaboração de conteúdos escolares e que viabilizem o conhecimento de maneira menos abstrata e mais próxima de sua realidade.
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Publicado em 19 de novembro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
NASCIMENTO, Caio Cesar Silva; FREIRE, Jéssica da Silva. Jogos e brincadeiras na Educação Infantil: reflexões sobre a prática docente. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v.25, nº 44, 19 de novembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/44/jogos-e-brincadeiras-na-educacao-infantil-reflexoes-sobre-a-pratica-docente
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