A Química do dia a dia mostrada a partir de imagens programadas no Scratch
Wladimyr Mattos Albano
Bacharel e licenciado em Química (UFF), mestre em Ensino de Ciências, Ambiente e Sociedade (FFP/UERJ), doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde (Fiocruz)
Cristina Maria Carvalho Delou
Licenciada em Psicologia (PUC-Rio), mestra em Educação (UERJ), doutora em Educação (PUC-SP), professora do Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde da Fiocruz
As perguntas mais recorrentes entre os alunos de Química, sejam eles de quaisquer níveis da Educação Básica, são: “Para que serve a Química?” e “Onde a Química está presente além da sala de aula?” (Oliveira et al., 2021).
Isso é resultado de aulas descontextualizadas com a realidade dos alunos (Wartha; Silva; Bejarano, 2013) e de aulas que priorizam e enfatizam o uso de fórmulas, equações e cálculos (Oliveira; Barbosa, 2019; Rodrigues; Rogrigues; Rodrigues, 2020) e desprezam os exemplos do senso comum (Tavares et al., 2023).
De fato, estudar e aprender alguma coisa que não se compreende para que serve e onde ela está presente em nossas vidas parece estar divorciado do mundo real, do mundo prático e pragmático; paradoxalmente, a Química está presente em tudo que nos rodeia e é essencial para a compreensão do mundo real e das Ciências.
O objetivo deste trabalho foi elaborar um material didático, sob a forma de programa animado, que traz de forma lúdica e pedagógica as mais diversas situações em que a Química, os elementos químicos, os fenômenos e os processos estão presentes e fazem parte dos mais corriqueiros e cotidianos momentos que todos vivenciam fora das salas de aula.
Utilizando exemplos simples e do dia a dia, conhecidos e reconhecidos por todos, procurou-se simplificar o entendimento dos mais variados processos e fenômenos que envolvem a Química e sua compreensão.
Para elaborar o programa animado, foram utilizadas imagens construídas e obtidas da internet sob licença aberta; para colocá-las em movimento, foi utilizado o programa Scratch, de linguagem simples e código totalmente aberto e acessível.
A ideia é que o aluno assista, se motive para inserir seus próprios exemplos cotidianos e continue a construir o programa no Scratch, haja vista que o código é aberto, público e totalmente gratuito.
Referencial teórico
A partir da simulação pode-se criar situações a partir do seu contexto real, replicando modelos que representam o mundo real e contextualizando os mais diferentes temas.
Uma definição de simulação encontrada na literatura é: “A simulação é uma técnica de ensino que se fundamenta em princípios do ensino baseado em tarefas e se utiliza da reprodução parcial ou total dessas tarefas em um modelo artificial, conceituado como simulador” (Pazin Filho; Scarpelini, 2007).
O uso da simulação é muito difundido nas áreas da saúde e na indústria, em que o uso de manequins computadorizados (pela primeira) e protótipos estruturais (pela segunda) é cada vez mais propagado.
Neste trabalho a simulação foi utilizada para forjar situações e processos químicos para aproximar da vida cotidiana do aluno e ajudar na compreensão.
Química
A Química é uma ciência que abrange tudo de que se tem conhecimento em nosso mundo; na verdade não existe nada que se conheça cuja estrutura não seja constituída por elementos ou substâncias químicas, ou seja, é uma ciência essencial para a vida (Atkins; Jones, Laverman, 2018).
Na realidade, a Química do início dos tempos era iminentemente prática, com o uso e a manipulação do fogo, a metalurgia, a produção de pigmentos e corantes e a conservação de alimentos (Vidal, 1986).
No campo da Filosofia, os gregos alimentaram discussões sobre a matéria e sua composição, com destaque para os atomistas Demócrito de Abdera (460-370 a.C.) e Leucipo de Abdera (470-380 a.C.), que desenvolveram a primeira teoria do átomo como constituinte da matéria (Neves; Farias, 2008).
Os alquimistas, na busca incessante pela pedra filosofal e transmutação dos elementos em outros, foram essenciais para o desenvolvimento e a descoberta de processos químicos, reações e elementos, tais como a destilação, a cristalização e as extrações com solventes (Greenberg, 2000).
A partir da Idade Média, os estudos tanto da ciência (teorias e conceitos) como da prática (processos e reações) foram intensificados à medida que a tecnologia e as outras ciências foram avançando, acompanhando o progresso e as necessidades do homem, de modo que a Química como se conhece hoje é uma das ciências mais debatidas, estudadas e difundidas nos últimos séculos (Rooney, 2017).
Metodologia
Foi utilizado um ciclo de criação direta, que começa com a escolha do tópico em Química, o desenvolvimento do roteiro em forma de aula, a escolha das imagens que irão compor o contexto/cenário e a programação dos movimentos que se quer simular, utilizando as facilidades do Scratch, conforme ilustrado pela Figura 1.

Figura 1: Ciclo de criação dos programas com Scratch
Resultados
As sequências a seguir formam um enredo cujo conteúdo pode ser acompanhado e modificado pelo usuário.
O vídeo pode ser reproduzido no Youtube ou no Scratch, e é ambientado em situações de aprendizagem conduzidas por um personagem, um boneco falante criado a partir de características inseridas no programa Midjourney®, representando o professor que ministra a lição de acordo com a sequência elaborada.
Na Figura 2 são mostrados exemplos de corpos e perguntado o que eles possuem em comum, depois explicado que todos são compostos por elementos químicos.
A
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Figura 2: Corpos de diferentes formas são compostos por elementos químicos
Na Figura 3 foi explicado que o ser humano descobriu o fogo (A) e logo aprendeu a dominá-lo para cozinhar seus alimentos (B-C) advindos da caça.
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Figura 3: A descoberta do fogo e sua utilização para cozinhar a caça
Na Figura 4 (A-C) foi explicado que o fogo se forma graças ao consumo de oxigênio; na falta dele, não há fogo.
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Figura 4: Fogo e sua formação a partir do consumo de oxigênio
A Figura 5 ilustra, com uma animação, a utilização do fogo para forjar peças metálicas (A-C).
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Figura 5: Exemplos de utilização do fogo para forjar peças metálicas
A Figura 6 (A-C) ilustra o uso de tintas, corantes e pigmentos desde a Pré-História para esculpir desenhos na pedra.
A
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Figura 6: Exemplos de uso de tintas e pigmentos para desenhar na pedra
Na Figura 7 foram reproduzidos os cinco elementos essenciais, de acordo com o filósofo Platão.

Figura 7: Os cinco elementos segundo Platão
No antigo Egito, foi descoberto o corante índigo blue, como ilustrado pela Figura 8 (A-C).
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Figura 8: Descoberta do índigo blue no antigo Egito
A Figura 9 traz a tabela de elementos confeccionada pelos alquimistas.

Figura 9: Tabela de elementos dos alquimistas
Na Figura 10 está uma reprodução simulada animada de um alquimista em seu laboratório (A-C).
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Figura 10: Alquimista e seu laboratório
A Figura 11 ilustra exemplos de produtos químicos fabricados na Idade Média: perfumes (A), bebidas alcoólicas (B) e medicamentos (C).
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Figura 11: Produtos químicos fabricados na Idade Média
A Figura 12 (A-C) traz uma caricatura animada do químico Cavendish em seu laboratório na descoberta do hidrogênio (H), que ele chamou de ar inflamável.
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Figura 12: Cavendish e a descoberta do hidrogênio (H)
Na Figura 13 (A-C) está uma caricatura animada do químico Lavoisier ao anunciar a Lei da Conservação, observando o oxigênio em combustão.
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Figura 13: Lavoisier e sua Lei da Conservação
O cientista Dalton (Figura 14) anuncia sua lei das pressões parciais dos gases: “A pressão total é a soma das pressões parciais de cada componente”.
Figura 14: Dalton e a lei das pressões parciais
A Figura 15 (A-D) ilustra a dependência da pressão (p) com a temperatura (T) em um sistema em que o volume (V) e a concentração (m) são mantidos constantes.
A
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Figura 15: Dependência da temperatura em relação a pressão em um sistema mantidos o volume a concentração constantes
A Figura 16 reproduz uma animação de dois sistemas com pressão (p), temperatura
(T) e volume (V) constantes (A) e os efeitos sobre o volume quando se aumenta a pressão (B-C), mantendo-se as demais variáveis (T e V) constantes.
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2
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Figura 16: Relação da variação da pressão (p) com o volume (V) no sistema onde a temperatura (T) é mantida constante
A Figura 17 (A-C) apresenta uma animação de partículas e é enunciado o número de Avogadro.
A
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C
Figura 17: Animação do enunciado do número de Avogadro
A Figura 18 reproduz a imagem da primeira tabela periódica moderna, elaborada em 1869 pelo químico russo Dmitri Mendeleev.
Figura 18: Primeira tabela periódica moderna elaborada em 1869 por Dmitri Mendeleev
Na Figura 19 reproduz-se a simulação do sonho que o químico alemão August Kekulé teve quando formulou a molécula do benzeno.
Figura 19: Reprodução do sonho de Kekulé
A Figura 20 reproduz animação da síntese realizada em 1828 pelo químico Wöhler, da ureia (E), um composto orgânico, a partir do cianato de amônia (A), outro composto orgânico, obtida pelo rearranjo por aquecimento do reagente (B-D), que se tornou um marco na história, pois foi o primeiro composto orgânico sintetizado a partir de outro composto orgânico, enterrando de vez a teoria do “vitalismo”.
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Figura 20: Síntese da ureia
A Figura 21 mostra uma simulação animada de uma pilha em solução aquosa de acetato de sódio (CH3CH2CONa) em meio ácido (H3O+), reproduzindo a passagem do elétron do catodo para o anodo (A-C) e a formação de H2 (hidrogênio) no catodo, CO2 (gás carbônico) e CH3CH3 no anodo e NaOH (hidróxido de sódio) em solução aquosa (C-F).
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Figura 21: Reprodução de uma pilha e os produtos da reação do acetato de sódio (CH3CH2CONa) em meio ácido (H3O+)
Para a Figura 22, foi elaborada uma produção simulada de uma metáfora com um gato preto passando por uma placa de Raio-X (A) e sua imagem (B-E), em homenagem aos estudos da física e química polonesa Madame Curie.
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Figura 22: Reprodução simulada e animada da metáfora de um gato passando pela placa de raio-X
Na Figura 23 (A-F) foi reproduzido a simulação animada do mecanismo de síntese da amônia (NH3) a partir do Nitrogênio (N2) e Hidrogênio (H2) realizada em condições de alta temperatura (250oC) e pressão (200 atm) e catalisada por Ferro (Fe).
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Figura 23: Síntese da amônia a partir do Nitrogênio (N2) e Hidrogênio (H2) realizada em condições de alta temperatura (250oC) e pressão (200 atm) e catalisada por Ferro (Fe)
Na Figura 24 foi ilustrada uma animação com um poço de petróleo (A) que ejeta alguns de seus produtos desenvolvidos a partir do óleo cru: parafina (B), gasolina (C), querosene (D), detergentes e polietileno (E-F), pneumáticos (G-H) e lubrificantes (I-J), entre outros.
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Figura 24: Petróleo e seus derivados
A Figura 25 apresenta químicos renomados e conhecidos por suas pesquisas científicas: Linus Pauling (B), Gilbert Lewis (C), Robert Woodward (D), Fritz Feigl (E) e Elias James Corey (F).
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Figura 25: Químicos renomados e proeminentes
Na Figura 26 está uma reprodução simulada dos efeitos do aquecimento global no correr do tempo (A-I).
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Figura 26: Globo terrestre e aquecimento global
Fonte: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2020/01/6-gifs-representam-principais-mudancas- climaticas-dos-ultimos-140-anos.html (2024). Acesso em 20 mar. 2024.
A Figura 27 (A-F) explica, por meio de uma simulação animada, as consequências do “efeito estufa” e o aquecimento global.
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Figura 27: Raios solares e o “efeito estufa” na Terra
Para mostrar as fontes de energia alternativas, a Figura 28 reproduz a animação de um moinho de energia eólica.
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Figura 28: Moinho de energia eólica
Na Figura 29, foi desenvolvida uma simulação animada que reproduz uma célula combustível de hidrogênio (H2); na sequência, o hidrogênio penetra na célula (A) e libera 2 elétrons (B), que fornecem a energia para a lâmpada acender (C) e, combinados ao oxigênio do ar, que penetra pela outra passagem, formam uma molécula de água (H2O) que escorre pela canaleta (D-E) até que o ciclo recomeça (F).
A
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Figura 29: Simulação da reação de pilha em meio aquoso
A Figura 30 (A-C) reproduz uma simulação animada de um sistema de produção de biomassa.
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Figura 30: Simulação de um sistema de produção de biomassa
Considerações finais
O material desenvolvido é gratuito e disponível em diversas matrizes. O usuário, aluno ou professor, pode modificar seu código e suprimir, acrescentar ou modificar tanto as imagens quanto o processamento, haja vista a simplicidade de ambos, com o objetivo de adaptar às suas necessidades.
Uma vantagem de usar essa metodologia é a união entre os tópicos da disciplina, a programação em Scratch e o desejo de aprender. Por ser gratuita e disponível para todos, a metodologia não é privilégio de alguns; pelo contrário, trata-se de uma opção que qualquer pessoa pode acessar e utilizar, seja quem for e de onde for, sem nenhuma exceção.
Funciona como ponto de partida para a elaboração de outros projetos com a mesma proposta, seja na Química, seja em outras disciplinas, e, aliada às vantagens dos processos oferecidos pela inteligência artificial, torna-se uma poderosa ferramenta de ensino e aprendizagem.
Referências
ATKINS, P.; JONES, L.; LAVERMAN, L. Princípios de Química: questionando a vida moderna e o meio ambiente. Trad. Félix José. 7ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2018.
GREENBERG, A. A Chemical History Tour. New York: John Wiley & Sons, 2000.
NEVES, L. S.; FARIAS, R. F. História da Química: um livro-texto para a graduação. Campinas: Átomo, 2008.
OLIVEIRA, D. F.; GONÇALVES, L. C.; CARDOSO, A. A.; TOLEDO, J. B. Química para ver, aprender e, assim, compreender. In: SALES, R. S. (org.). Química: ensino, conceitos e fundamentos. Guarujá: Científica Digital, 2021. p. 142-151.
OLIVEIRA, N. L.; BARBOSA, A. C. R. Ensino de Química: afinidade, importância e dificuldades dos estudantes no Ensino Médio. In: CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISA E ENSINO EM CIÊNCIAS, 4., 2019, Campina Grande. Anais... Campina Grande, 2019.
PAZIN FILHO, A.; SCARPELINI, S. Simulação: Definição. Medicina, Ribeirão Preto, v. 40, nº 2, p. 162-166, 2007.
RODRIGUES, J. S. M.; RODRIGUES, M. V. A.; RODRIGUES, A. M. Ensino de Físico-Química: perspectivas e dificuldades elencadas por alunos de uma escola pública de Ensino Médio do Maranhão. Justitia Liber, v. 2, nº 2, p. 8-12, 2020.
ROONEY, A. The story of Chemistry. London: Arcturus Holdings, 2017.
TAVARES, R.; FARIAS, M. J. G. S.; ALENCAR, E. P. G.; SANTOS, L. L. M. Perspectiva de discentes do curso de Química sobre o senso comum na aprendizagem. Ensino & Pesquisa, v. 21, nº 3, p. 63-75, 2023.
VIDAL, Bernard. História da Química. Trad. António Filipe Marques. Lisboa: Edições 70, 1986.
WARTHA, E. J.; SILVA, E. L.; BEJARANO, N. R. R. Cotidiano e contextualização no ensino de Química. Quím. Nova Esc., v. 35, nº 2, p. 84-91, 2013.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Capes pelo suporte financeiro.
Publicado em 26 de novembro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
ALBANO, Wladimyr Mattos; DELOU, Cristina Maria Carvalho. A Química do dia a dia mostrada a partir de imagens programadas no Scratch. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 45, 26 de novembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/45/a-quimica-do-dia-a-dia-mostrada-a-partir-de-imagens-programadas-no-scratch
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