Educação do Campo e Fundeb Permanente em Alegre/ES: desafios contemporâneos para a equidade e justiça social

Vanusia Azevedo Aguiar de Oliveira

Mestra em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores (UFES)

Tatiana Santos Barroso

Doutora em Biociências e Biotecnologias (UFES)

A Educação do Campo no Brasil configura-se como uma resposta crítica às demandas históricas e sociais das populações rurais, sendo impulsionada, em grande medida, por movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nesse contexto de marginalização e invisibilidade, a oferta educacional no meio rural, tradicionalmente pautada em modelos urbanos, revela-se desarticulada das necessidades, saberes e vivências dessas comunidades (Caldart, 2000). Dessa forma, a Educação do Campo resulta de um processo histórico de luta, resistência e reivindicação de direitos por parte dos povos camponeses, indígenas, quilombolas e outros sujeitos que vivem e produzem no espaço rural.

Assim, essa modalidade de ensino consolidou-se como um campo de disputa política e pedagógica, buscando romper com a lógica da marginalização e exclusão, na qual as populações do campo eram relegadas a uma educação descontextualizada. Como apontam Arroyo e Fernandes (1999), a educação básica no campo surge do protagonismo dos movimentos sociais, que reivindicam uma escola vinculada à realidade e às necessidades concretas dos trabalhadores rurais (Arroyo, 2004; Caldart, 2000). Nesse sentido, a disparidade entre as políticas educacionais convencionais e a realidade das comunidades do campo evidencia a urgência de reconfigurar a concepção educacional, inserindo-a no debate sobre justiça social.

Portanto, a educação deixa de ser compreendida apenas como um mecanismo de acesso ao conhecimento formal e passa a ser considerada um direito fundamental, que respeita e valoriza a diversidade e a especificidade de cada contexto social. À luz dessas reflexões, o presente estudo propõe investigar a implementação do Fundeb Permanente nas escolas do campo de Alegre/ES, com foco na análise de sua efetividade enquanto política pública voltada à promoção da equidade e da justiça social. Para alcançar esse objetivo, a investigação fundamenta-se nas teorias de John Rawls (2000) e Amartya Sen (2010), buscando avaliar em que medida os recursos advindos do Fundeb contribuem para fortalecer práticas de inclusão e equidade nas escolas do campo, oferecendo subsídios para o aprimoramento de políticas públicas direcionadas a essas comunidades.

Referencial teórico

A trajetória da Educação do Campo no Brasil reflete profundas transformações sociais e históricas desde a década de 1960, período fortemente marcado pelas ideias do educador Paulo Freire e sua pedagogia da libertação. Conforme Freire (1987), a educação deve ser entendida como instrumento de conscientização crítica e autonomia, ao destacar a prática pedagógica como ato político e ferramenta de transformação social. Essa concepção foi progressivamente incorporada por movimentos sociais, sindicatos, organizações não governamentais e pastorais, ampliando a luta por uma educação do campo democrática, contextualizada e de qualidade (Caldart, 2010).

Nessa mesma direção, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) consolidou-se como um dos principais protagonistas da Educação do Campo, atuando não apenas pela reforma agrária, mas também pela justiça social e pela inclusão educacional das comunidades campesinas. Como ressalta Munarim (2008), o MST, em conjunto com outros movimentos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), forma uma rede que busca garantir direitos educacionais para aqueles que habitam o campo. Desse modo, a participação ativa de sindicatos de trabalhadores rurais e federações ligadas à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e à Rede Sul-Americana de Educação Agroecológica (Resab) reforça essa luta coletiva, conferindo maior legitimidade às demandas do campo.

Como desdobramento dessas lutas, um marco importante foi a aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo, estabelecidas pela Resolução CNE/CEB nº 1, de 03 de abril de 2002. Essa legislação pioneira reconhece a necessidade de considerar as especificidades dos povos do campo, buscando promover um processo de ensino-aprendizagem que valorize as culturas locais e a história dos estudantes (Brasil, 2002).

Nesse sentido, também merece destaque o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), instituído em 1998, que representa uma resposta do Estado à demanda por uma educação voltada à inclusão social e educacional de comunidades rurais. O programa busca oferecer formação técnica, profissional e oportunidades de acesso ao Ensino Superior, contribuindo para o desenvolvimento sustentável das áreas rurais (MEC, 2023).

Contudo, apesar desses avanços, a trajetória da Educação do Campo no Brasil é marcada por desigualdades históricas e pela busca contínua de afirmação de uma identidade frequentemente negligenciada. Conforme Arroyo (2007), a idealização da cidade como centro do desenvolvimento civilizatório gera uma percepção negativa do campo, visto como espaço de atraso e tradicionalismo. Essa dicotomia influencia a elaboração de políticas públicas e textos legais, que muitas vezes tratam o campo como realidade a ser adaptada, em vez de reconhecê-lo como território autônomo e pleno de potencial.

Diante desse cenário, a criação do Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo (GPTE), em 2003, representou um esforço do Ministério da Educação para corrigir omissões históricas do Estado e promover uma educação mais equitativa. Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) já previa adaptações no sistema de ensino para atender às singularidades da vida no campo, embora sua implementação ainda enfrente inúmeros desafios (Leite, 1999).

Entre esses desafios, destacam-se as longas distâncias entre residências e escolas, a heterogeneidade de idades e habilidades em salas multisseriadas, além de limitações financeiras e de acesso à informação (Leite, 1999). Nesse contexto, a participação ativa da comunidade revela-se fundamental para a superação desses obstáculos, uma vez que currículos inadequados e a falta de estrutura pedagógica comprometem diretamente a qualidade da educação oferecida nas áreas rurais.

Paralelamente, a construção da identidade das escolas do campo é uma tarefa complexa, permeada por avanços e retrocessos. As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, elaboradas pelo GPTE, enfatizam a importância da vinculação das escolas às questões locais e aos saberes dos estudantes, ressaltando tanto a memória coletiva quanto o acesso à ciência disponível na sociedade (Brasil, 2002).

Nesse processo, os movimentos sociais do campo continuam a desempenhar papel crucial, contribuindo para a formação de professores e a elaboração de políticas educacionais voltadas às necessidades locais. A aproximação entre esses movimentos e as instâncias governamentais é vital para garantir que as demandas das comunidades rurais sejam efetivamente incorporadas às políticas públicas (Leite, 1999; Arroyo, 2004).

Nesse sentido, até mesmo a mudança terminológica de “meio rural” para “campo” pode ser interpretada como fruto dessas lutas sociais, uma vez que simboliza a busca por uma concepção mais emancipatória de educação. Assim, a nova terminologia procura desconstruir a visão tradicional da escola rural como mera extensão de projetos externos, valorizando a cultura e as identidades dos trabalhadores rurais (Fernandes; Cerioli; Caldart, 2011).

É nesse contexto de lutas e conquistas que emerge a discussão sobre o Fundeb Permanente. Sua aprovação ocorre em meio a intensas disputas políticas e sociais no Brasil, em um período em que a própria democracia enfrentava sérias ameaças. Assim, a consolidação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação constituiu uma vitória significativa para a sociedade, especialmente no encerramento do ano de 2020 (Abranches; Coutinho; Azevedo, 2020).

Para além de seu caráter simbólico e político, essa conquista foi juridicamente assegurada pela Emenda Constitucional nº 108, de 27 de agosto de 2020, e regulamentada pela Lei nº 14.113/20, a qual prevê revisões a cada dez anos, sendo a primeira programada para 2026 (Brasil, 2020). Essa legislação busca garantir financiamento contínuo e equitativo da educação básica, incluindo a Educação do Campo, em consonância com as orientações da Resolução CNE/CEB nº 1, de 3 de abril de 2002 (Brasil, 2002).

Não obstante, é importante destacar que essa conquista não ocorreu de maneira isolada, mas foi fruto de ampla mobilização social e política. Desde 2015, com a tramitação das propostas de emenda à Constituição (PEC) 15/15 e 65/19, diversos segmentos sociais se engajaram no debate, incluindo universidades, sindicatos e organizações da sociedade civil, com destaque para a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ainda que persistam desigualdades educacionais, a aprovação do Fundeb Permanente constitui um avanço crucial para a consolidação da educação pública brasileira.

Nesse sentido, como afirmam Abranches, Coutinho e Azevedo (2020, p. 368), o Fundeb Permanente "representa uma vitória para a educação pública brasileira, uma vez que, sem ele, grande parte dos municípios não teria como garantir a educação a partir de 2021". Entre as melhorias asseguradas pelo Fundeb Permanente, os autores destacam: o aumento gradual da contribuição orçamentária da União, a manutenção dos valores alocados para municípios que não alcancem o mínimo anual por estudante e a preservação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) como padrão mínimo de qualidade do ensino.

Diante disso, observa-se um avanço significativo no financiamento da educação básica no Brasil. Entretanto, para que essa política alcance sua plena efetividade, é imprescindível o fortalecimento do papel dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb (Cacs-Fundeb), responsáveis por monitorar e fiscalizar a correta utilização dos recursos (Arroyo, 2000). Nesse ponto, cabe ressaltar que a autonomia desses conselhos é condição fundamental para assegurar uma redistribuição equitativa dos fundos, reforçando a ideia de que a mera existência de leis não garante, por si só, a efetivação de direitos.

De acordo com Saviani (2008), a gestão democrática e participativa dos recursos educacionais é indispensável para a eficácia das políticas públicas. Assim, além de promover transparência, o fortalecimento dos Cacs-Fundeb fomenta a participação da comunidade, elemento essencial para a construção de uma educação que atenda às demandas locais e respeite as especificidades de cada território.

Nesse sentido, torna-se evidente que a Educação do Campo e a implementação do Fundeb Permanente se inter-relacionam em um contexto mais amplo de luta por direitos educacionais e sociais. Tanto Amartya Sen (2010) quanto John Rawls (2000) defendem que a justiça social deve ser alcançada por meio da equidade, entendida como a distribuição justa e igualitária de recursos e oportunidades para todos os membros da sociedade.

Aplicando essas teorias ao contexto da Educação do Campo, percebe-se que a equidade não consiste em prover os mesmos recursos para todos, mas em garantir que as particularidades e necessidades das comunidades rurais sejam respeitadas. Nessa perspectiva, a justiça social exige políticas públicas que considerem as condições materiais e culturais dessas populações, assegurando-lhes o direito a uma educação de qualidade, capaz de promover seu desenvolvimento sustentável e sua emancipação social.

Arroyo (2000) reforça esse entendimento ao afirmar que a educação no campo deve ser formulada a partir das particularidades locais, e não como mera extensão do modelo urbano. Assim, as políticas públicas, em especial o Fundeb Permanente, precisam ser moldadas para atender às especificidades das populações rurais, garantindo, por meio de uma redistribuição justa de recursos, a efetiva promoção da equidade e da justiça social.

Em síntese, a implementação do Fundeb Permanente e o fortalecimento dos CACS-Fundeb, sob a ótica das teorias de justiça social, mostram-se fundamentais para a promoção de uma educação inclusiva e equitativa no campo. O grande desafio, portanto, consiste em assegurar que essas políticas não apenas existam no plano legal, mas que sejam efetivamente aplicadas, de modo a consolidar a Educação do Campo como instrumento de emancipação e transformação social.

Metodologia

A presente investigação adotou a abordagem qualitativa, uma escolha fundamentada em sua capacidade de proporcionar uma compreensão profunda e contextualizada do fenômeno estudado. Segundo Oliveira (2010, p. 69), a abordagem qualitativa “baseia-se em um processo de reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo sua estruturação”. Ao analisar a implementação do Fundeb Permanente nas escolas do campo no município de Alegre/ES e a forma como a legislação se materializou na Educação do Campo, verificou-se, por meio dessa abordagem, que a Educação do Campo não é tratada de maneira equitativa em relação às escolas urbanas.

Em consonância com a abordagem qualitativa, esta pesquisa adotou a metodologia documental. Gil (2018) define essa abordagem como o trabalho com “materiais que ainda não receberam tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa”. Nesse sentido, Lüdke e André (1986, p. 39) apontam que os documentos constituem uma fonte rica de evidências que fundamentam as afirmações do pesquisador, fornecendo informações contextualizadas originadas de eventos e atividades reais.

Os documentos utilizados neste artigo foram obtidos de fontes como a Lei nº 14.113/20 (Fundeb Permanente), a Constituição Federal (Brasil, 1988), a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), além de dados do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope) e do Portal de Transparência do município de Alegre/ES, com consulta a legislações, decretos e portarias pertinentes à Educação do Campo. O Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb (Cacs-Fundeb) de Alegre/ES desempenhou papel crucial na supervisão e fiscalização dos recursos do Fundeb, colaborando para a transparência e legitimidade das ações educacionais. Os documentos fornecidos por esse conselho enriqueceram a análise, evidenciando a importância da colaboração entre instituições públicas e sociedade civil na busca por uma educação inclusiva e equitativa.

Para a análise da implementação do Fundeb Permanente em Alegre/ES, o estudo de caso se mostrou uma abordagem adequada. Esse método permite uma análise detalhada da complexidade do contexto específico, legitimando a investigação pela singularidade dos valores envolvidos (Lüdke; André, 1986). Além disso, a triangulação de dados entre entrevistas, documentos e observações contribuiu para uma visão mais abrangente e fundamentada das realidades educacionais locais.

Nesse sentido, Lüdke e André (1986) destacam a importância de investigar o cotidiano escolar por meio de estudos de caso, proporcionando uma compreensão mais profunda do papel da escola e de sua interação com outros âmbitos sociais. Por meio do estudo de caso, é possível captar as realidades que motivam a luta por direitos e garantias fundamentais, representando as vozes dos sujeitos envolvidos e permitindo uma análise rica em complexidade. Para garantir a validade e a confiabilidade dos dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com quinze participantes, incluindo cinco professores, cinco membros da comunidade e cinco conselheiros do Cacs-Fundeb. Esse método de coleta permitiu a exploração diversificada das perspectivas sobre a implementação do Fundeb, enriquecendo as análises com diferentes vozes e experiências.

Os procedimentos adotados na pesquisa foram orientados pela escolha metodológica e pela definição do escopo do estudo. A produção de dados foi realizada por meio de dois principais instrumentos: a consulta bibliográfica e as entrevistas semiestruturadas.

A consulta bibliográfica forneceu a base teórica e metodológica fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, permitindo o levantamento e a análise crítica das produções acadêmicas existentes sobre o Fundeb e suas implicações na Educação do Campo. Essa etapa foi crucial para situar o pesquisador no contexto de estudos anteriores, evitando duplicações e identificando lacunas e novas oportunidades de pesquisa (Lakatos; Marconi, 2021; Gil, 2018). Por meio dessa revisão, foi possível contextualizar a pesquisa no panorama atual das discussões sobre Educação do Campo e financiamento educacional.

A entrevista semiestruturada, conforme definida por Triviños (1987), é uma ferramenta essencial na pesquisa qualitativa. Esse instrumento, que combina um roteiro pré-definido e flexível, permite que o entrevistador se adapte às respostas dos participantes, favorecendo uma coleta de dados rica e contextualizada. O processo incluiu a anuência da Secretaria Executiva de Educação e a autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, concedida com base no parecer consubstanciado nº 6.429.805, datado de 17/10/2023, registrado sob o número CAAE: 72998823.9.0000.8151. Dessa forma, buscou-se assegurar a validade e a integridade das informações coletadas, promovendo um diálogo significativo entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa.

Discussão e resultados

Os dados analisados revelam críticas profundas ao funcionamento do aparelho governamental em relação à promoção da justiça social e da equidade, especialmente na implementação do Fundeb Permanente. Nesse contexto, essa crítica, alinhada ao pensamento de István Mészáros (2003), sugere que as instituições dentro do sistema capitalista preservam o status quo, beneficiando uma minoria privilegiada e marginalizando a maioria da população. Assim, tal quadro torna-se evidente na gestão do Fundeb, na qual entidades fiscalizadoras têm desempenhado um papel insuficiente na garantia da plena eficácia dos recursos públicos destinados à educação.

Além disso, a análise evidencia a inércia das instâncias de apoio que, em tese, deveriam assegurar o funcionamento adequado das políticas públicas educacionais, mas que não cumprem satisfatoriamente sua função. Essa constatação reforça o argumento de Mészáros (2003), segundo o qual o aparato estatal não é projetado para promover mudanças emancipatórias, mas sim para perpetuar as desigualdades sociais. Desse modo, embora o Fundeb represente uma conquista significativa na luta por financiamento para a educação básica, ele enfrenta entraves estruturais que comprometem sua plena implementação, sobretudo no contexto da Educação do Campo.

Nesse sentido, as atas do Cacs-Fundeb referentes ao período de 2021 a 2023 evidenciam a marginalização da Educação do Campo, com escassos registros de discussões ou ações voltadas especificamente para a melhoria das condições das escolas rurais do município de Alegre/ES. Embora haja menção ao Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (Pnate), a ausência de propostas que atendam às especificidades das comunidades rurais indica que, mesmo com a presença de representantes da Educação do Campo no conselho, suas demandas não foram adequadamente consideradas. Assim, reforça-se a ideia de que essas comunidades continuam sendo tratadas como extensões das escolas urbanas, sem a devida atenção às suas particularidades socioeconômicas e culturais.

Além disso, observa-se que a estrutura do Cacs-Fundeb, apesar de seu papel formal de supervisão e fiscalização, não tem cumprido integralmente sua função de promover uma educação equitativa. O artigo 33 da Lei Federal nº 14.113/20 estabelece que os membros do conselho possuem responsabilidades que vão além da mera fiscalização dos recursos, sendo também responsáveis por garantir uma aplicação equânime que promova a justiça social. No entanto, a inércia observada nos registros analisados sugere que essa responsabilidade não está sendo plenamente assumida, especialmente em relação às comunidades marginalizadas.

De fato, os dados fornecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), por meio da plataforma do Sistema de Informação Orçamentária Pública da Educação (Siope), conforme indicado nas Tabelas 1 a 3, corroboram esse cenário preocupante:

Tabela 1: Indicadores legais – 2021

  Fonte: FNDE (2021).

Tabela 2: Indicadores legais – 2022

Fonte: FNDE (2022).

Tabela 3: Indicadores legais – 2023

Fonte: FNDE (2023).

Esses dados de 2021 a 2023 revelam uma preocupante falta de consistência e previsibilidade na gestão financeira do município, com percentuais irregulares na aplicação de recursos do Fundeb. Após um baixo índice de 6,62% em 2021, houve um aumento expressivo em 2022 (26,53%), seguido de nova queda em 2023 (8,31%). Essa inconsistência, além de comprometer o planejamento, reforça as críticas de Arroyo (2010) quanto à infraestrutura das escolas do campo. Nesse sentido, como destaca o autor,

é preciso romper com essa lógica perversa que historicamente vem marginalizando e precarizando as escolas do campo, desde a sua infraestrutura física até as condições de trabalho dos professores. As escolas rurais frequentemente se encontram em situação de abandono, sem os recursos básicos necessários para oferecer uma educação de qualidade.

Portanto, essa lógica perversa ultrapassa a questão temporal e geográfica, destacando a persistente marginalização e precarização das escolas do campo, especialmente no município de Alegre/ES. Assim, a falta de infraestrutura adequada e as condições adversas enfrentadas por professores e alunos tornam-se evidentes, comprometendo diretamente a qualidade do processo educacional.

Diante disso, em relação à análise das condições de infraestrutura das escolas do campo e aos desafios enfrentados pelas comunidades rurais, torna-se evidente a necessidade urgente de políticas públicas mais efetivas na esfera educacional. Isso porque a falta de controle e de supervisão eficaz dos recursos destinados à Educação do Campo compromete tanto o planejamento estratégico quanto a avaliação dessas políticas.

Por outro lado, a permanência das crianças nas escolas do campo mostra-se essencial não apenas para garantir a continuidade da educação, mas também para preservar o vínculo com suas comunidades e culturas. Desse modo, o fechamento de escolas do campo, associado à falta de infraestrutura adequada, implica consequências diretas para a vida escolar e familiar dos estudantes. Assim, a dependência do transporte escolar e a vulnerabilidade dos alunos em relação ao deslocamento diário reforçam a importância de políticas públicas que promovam melhorias na infraestrutura e valorizem a Educação do Campo.

Além disso, as narrativas coletadas corroboram a ideia de que a estratégia de nucleação pode fragilizar o controle familiar sobre a educação. Embora a busca por escolas urbanas possa ser vista como uma oportunidade de acesso a uma educação de maior qualidade, frequentemente isso implica a perda de referências culturais e sociais essenciais para o desenvolvimento integral dos estudantes. Por conseguinte, essa desarticulação entre a educação e a vivência das crianças do campo exige uma revisão e contextualização adequadas das políticas educacionais.

Adicionalmente, outro aspecto relevante identificado é a precariedade da infraestrutura das escolas do campo. Conforme relatos sobre condições físicas inadequadas, como paredes rachadas e banheiros impróprios, ressalta-se a urgência de investimentos públicos que garantam um ambiente seguro e propício para a aprendizagem. Assim, evidencia-se que a responsabilidade atribuída aos estados e municípios, conforme a legislação, muitas vezes não é plenamente cumprida. Nesse sentido, a continuidade das escolas do campo revela-se vital para promover um desenvolvimento sustentável e inclusivo nas comunidades rurais.

Consequentemente, a construção de um modelo educacional que integre a diversidade cultural e as demandas locais torna-se um passo fundamental para a efetivação do direito à educação. Nesse contexto, essa abordagem pode contribuir para a formação de cidadãos críticos e conscientes, capazes de atuar de maneira proativa em suas comunidades e fomentar o desenvolvimento regional sustentável.

Considerações finais

As análises realizadas evidenciam que a Educação no Campo em Alegre/ES ainda enfrenta desafios estruturais, sobretudo na implementação do Fundeb Permanente. Apesar dos avanços legais, persistem desigualdades significativas, refletindo precarização e invisibilidade dessa modalidade de ensino, enquanto políticas urbanocêntricas aprofundam a desconexão entre o direito à educação e sua efetividade no cotidiano escolar.

Além disso, os dados documentais e as entrevistas indicam que o fechamento de 57 escolas entre 2013 e 2024 demonstra a desvalorização da Educação no Campo, associada à ausência de infraestrutura adequada, formação docente contínua e gestão democrática. Soma-se a isso a lacuna formativa dos conselheiros do Cacs-Fundeb, comprometendo a fiscalização e a aplicação eficiente dos recursos.

Outro desafio refere-se à adoção de tecnologias sem considerar o acesso nas escolas do campo, evidenciando o distanciamento entre políticas educacionais e a realidade dos estudantes, e reforçando a necessidade de estratégias pedagógicas inclusivas. Portanto, a superação desses problemas demanda políticas públicas específicas, contemplando investimento em infraestrutura, formação contínua de professores e conselheiros, desenvolvimento de currículos contextualizados com a realidade do campo, ampliação da participação comunitária e inclusão digital compatível com o contexto rural.

Nesse sentido, a criação de planos municipais de fortalecimento da Educação no Campo, com participação efetiva das comunidades e dos conselhos do Fundeb, assegura decisões alinhadas às necessidades locais. De forma complementar, a elaboração de indicadores de monitoramento da equidade e do uso dos recursos permite ajustes fundamentados em dados concretos, enquanto currículos contextualizados valorizam saberes locais e promovem aprendizagens significativas.

Por fim, a ampliação da participação comunitária e o uso consciente de tecnologias digitais reforçam a corresponsabilidade social, contribuindo para a formação de cidadãos críticos e engajados. Dessa maneira, tais medidas articuladas fortalecem a Educação no Campo e consolidam o Fundeb Permanente como instrumento de justiça social, assegurando a aplicação equitativa dos recursos e promovendo uma Educação no Campo inclusiva, contextualizada e de qualidade.

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Publicado em 26 de novembro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

OLIVEIRA, Vanusia Azevedo Aguiar de; BARROSO, Tatiana Santos. Educação do Campo e Fundeb Permanente em Alegre/ES: desafios contemporâneos para a equidade e justiça social. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 45, 26 de novembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/45/educacao-do-campo-e-fundeb-permanente-em-alegrees-desafios-contemporaneos-para-a-equidade-e-justica-social

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