Ampliando discussões sobre variedade linguística sob a ótica das paisagens linguísticas: o que a cidade de Goiânia/GO ensina sobre esse tema?

Ema Marta Dunck-Cintra

Doutora em Linguística (UFG), professora do IFG – câmpus Goiânia

Mateus Albino Costa

Licenciando em Letras (IFG – câmpus Goiânia), bolsista Pibiti/AF

Mariany Aline Pereira Santos We'ena Anakãn

Licenciada em Letras (IFG – câmpus Goiânia)

Em virtude de todo o processo colonizador e disseminador de uma cultura europeizada e hegemônica, a ideia difundida de um Brasil monolíngue permanece, fazendo com que cidades brasileiras recebam essa mesma caracterização. No entanto, no país existem mais de 200 línguas, incluindo as de populações indígenas e estrangeiras, fato desconhecido por uma grande maioria.

Em Goiás essa diversidade também está presente, pois no estado há três povos indígenas: os Karajá, os Avá-Canoeiro e os Tapuio. Além das línguas desses povos, há as línguas dos imigrantes. É bom entender que Goiás é o estado que abriga mais povos indígenas, como apontado por Silva e Souza  (1812, p. 62-64 apud Palacín, 2006): “nações selvagens habitantes da capitania de Goiás”, entre eles os Caiapós, Xavante, Goiá, Crixás, Araés, Canoeiros, Apinagés, Capepuxis, Coroá, Coroá-Mirim, Temimbos, Xerentes, Tapirapés e Carajás. Pohl (1976) afirma que, na época da colonização, existiam aproximadamente 53.000 indígenas nos estados de Goiáse Tocantins, onde se destacavam os povos Amadu, Apinajé, Akroá Araés, Canoeiro, Capepuxi, Curemecrá, Goya, Guiaguçu, Gradaú, Karajá, Krixá, Kayapó, Temimbó, Tapirapé, Poxeti, Porecramecrã, Tecemedu, Xavante, Xerente e Xacriabá. Entre esses habitantes, há línguas de diferentes famílias do tronco linguístico Macro-Jê, como a língua Karajá, da família Karajá, e as línguas dos povos Akuen, Kayapó e Timbira, da família Jê (Rodrigues, 1993). Entre os que pertenciam ao tronco Tupi, há a família Tupi-Guarani, onde estão o Avá-Canoeiro, o Tapirapé e o Guajajara (Rodrigues, 1986).

Tudo isso demonstra a fecunda diversidade de povos e línguas do Estado de Goiás. No entanto, quando perguntados aos estudantes a respeito da quantidade de línguas faladas no país, especificamente em Goiás, muitos insistem em afirmar que há apenas uma língua: a Língua Portuguesa. Eventualmente são lembradas as línguas inglesa e espanhola por fazerem parte do currículo escolar. Essas respostas não diferem de outros contextos daquele de sala de aula.

Tendo como foco a capital de Goiás, apresentaremos o resultado de uma pesquisa cujos objetivos são apresentar as línguas da comunidade acadêmica do IFG, reconhecendo-as presentes em Goiânia. Também, identificar se houve mudança na paisagem linguística da cidade em virtude dos recentes movimentos migratórios e quais as atitudes realizadas em relação às línguas, numa perspectiva de desconstruir conceitos equivocados outrora estabelecidos pela história da colonização do país.

Fundamentação teórica

Oliveira (2008, p. 7) aponta que, historicamente, quando aliou-se a identidade da Língua Portuguesa à identidade da “nação brasileira”, excluíram-se “importantes grupos étnicos e linguísticos da nacionalidade”. Para ele, o desejável era “redefinir o conceito de nacionalidade, tornando-o plural e aberto à diversidade [...] e permitiria que conseguíssemos nos relacionar de uma forma mais honesta com a nossa própria história”.

Esse fenômeno da homogeneidade é explicado pelo processo colonizador do Brasil. Quando se analisa esse processo histórico, o que se observa é que o encontro dos povos indígenas com a colonização portuguesa acarretou destruição do hábitat originário, trazendo fome, doença e escravidão (Ribeiro, 2001), resultando na extinção de muitos povos. Consequentemente, deu-se o desaparecimento de suas línguas, pois o “sistema colonial português foi particularmente letal para os povos e línguas indígenas” (Rodrigues, 1993, p. 91). Rodrigues (1993, p. 1) afirma que:

O número dessas línguas no momento em que os europeus conheceram os ameríndios há   500 anos é calculado em 1.175 para o território brasileiro. Hoje, as línguas indígenas no Brasil não passam de 180. Portanto, cerca de 1.000 línguas desapareceram como consequência da colonização portuguesa.

Outras razões provocaram a extinção de línguas, como a catequese empreendida pelos jesuítas e o estímulo à língua do colonizador que sobrepujou as línguas indígenas, atitude reforçada por medidas legislativas e administrativas (Rodrigues, 1993). Por meio do diretório 1757, houve o estabelecimento da Língua Portuguesa como idioma oficial da nação: “introduzir logo nos povos conquistados o seu próprio idioma, [...] que este é um dos meios mais eficazes para desterrar dos Povos rústicos” (Portugal, 1757, § 6º e 11, 1757, p. 5 e 8).

Isso colaborou para que a visão eurocêntrica sobressaísse, implicando o extermínio de povos e no apagamento de suas epistemes, promovendo a invisibilidade de suas identidades, a destruição de suas línguas e o reforço ao silenciamento da multiculturalidade brasileira (Dunck-Cintra, 2016).

O tráfico de escravos foi iniciado dois anos após os colonizadores aportarem no Brasil. Assim, o tratamento dado às línguas dos escravizados era idêntico àquele dado às línguas dos povos indígenas (Petter, 2006/2007; Oliveira, 2008; Borba, 2014; Silva, 2016). Foram mais de três séculos de escravidão de pessoas oriundas da África. Gordon (2005 apud Petter (2006/2007, p. 70) diz que “pode-se estimar que foram envolvidas pelo tráfico por volta de 200 a 300 línguas”. O projeto pombalino relacionado à imposição da Língua Portuguesa aos indígenas e africanos tinha o objetivo de assimilá-los à sociedade colonial portuguesa. O lema era: “uma nação, uma só língua”.

No século XIX, em decorrência das campanhas migratórias implementadas pelo Estado brasileiro, imigrantes com suas línguas de origem europeia e asiática (Ferraz, 2007, p. 44) aportaram no Brasil. Entre essas línguas estavam o polonês, o alemão, o ucraniano, o italiano, o japonês, o coreano, o árabe e o chinês. Esses imigrantes vieram majoritariamente para o Brasil nas décadas posteriores a 1850. Essas populações sofreram muito durante o governo ditatorial de Getúlio Vargas (1937-1945), porque houve a proibição do uso de suas línguas maternas. Outrossim, materiais construídos com as línguas estrangeiras foram proibidos (Oliveira, 2008).

Todo esse processo de imposição e subjugo linguístico colaborou para que as pessoas tivessem atitudes negativas em relação às demais línguas. Sobre a atitude linguística, Labov (1972) atesta que se deve compreender o comportamento linguístico e as avaliações que as pessoas fazem dos fenômenos linguísticos. Essa avaliação pode ser positiva ou negativa, conforme apontado pelos estudos de Labov (1972). Nesse trabalho (na ilha de Martha’s Vineyard), os conceitos de identidade social, avaliação e atitude linguística são apresentados por Labov.

O conhecimento acerca do conceito de atitudes linguísticas se mostra essencial, pois retrata como as pessoas foram induzidas a pensar as línguas, valorizando algumas em detrimento de outras, construindo julgamentos subjetivos em virtude desse processo. As atitudes linguísticas são, portanto, essas avaliações que as pessoas fazem dessas outras línguas.

Apesar de a Constituição Federal de 1988 ser um marco importante para pensar ações que reconheçam a diversidade dos povos e das línguas do Brasil, ainda há pessoas que acreditam no mito do monolinguismo. Grosjean (1982) se contrapõe a isso quando afirma ser a metade da população mundial uma população bilíngue (idem, p. 7). Romaine (2009) alerta para o fato de que há 30 vezes mais línguas do que países, pois a questão da presença do bilinguismo no mundo deveria ser tratada como norma, não como algo desconhecido. Nesse sentido, afirmamos que a diversidade de línguas é a regra e não a exceção.

A interação das pessoas com as línguas continua ocorrendo nos mais variados contextos. A título de exemplo, pode-se observar nos últimos anos que o fluxo migratório no país continua a acontecer. Aqui têm chegado imigrantes que estão saindo de seus países em decorrência das guerras internas (sírios), das catástrofes ambientais que deixaram o povo em situação de miséria (haitianos) e de questões políticas que desencadearam crises humanitárias (Venezuela). Desses últimos dois grupos, uma parcela significativa de pessoas veio para Goiânia.

Portanto, há uma dinâmica cultural de povos que contribuem para que novas paisagens linguísticas sejam configuradas. O termo paisagem linguística remete a espaços nos quais se utilizam determinadas línguas, sendo percebidas em fachadas de anúncios, placas de ruas, espaços públicos em geral, letreiros de comércios, entre outros, conforme descrevem Landry e Bourhis (1997 apud Cenoz; Gorter, 2008, p. 2). Para os autores, a paisagem linguística permite que se obtenham dados identitários dos grupos e de suas distintas línguas. Assim, advém o questionamento do significado simbólico de se nomear espaços com a língua materna.

Diante desse contexto, o objetivo da pesquisa foi saber quantas línguas há na cidade e quais são reconhecidas pela comunidade acadêmica do IFG. Perceber, ainda, se houve mudança na paisagem linguística da cidade e quais as atitudes das pessoas em relação a essas línguas.

Procedimentos metodológicos

De abordagem predominantemente qualitativa (Minayo, 2016), o início da pesquisa se deu com uma revisão bibliográfica referente à diversidade linguística, às atitudes linguísticas e à paisagem linguística.

Importa dizer que a partir de um financiamento interno do IFG – Programa de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação nas Ações Afirmativas (Pibiti/AF), a pesquisa foi selecionada e submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa do IFG, obtendo sua autorização sob o nº 5.403.240. Nessa submissão ao comitê, estabeleceu-se que os participantes iriam receber um registro de consentimento livre e esclarecido (TCLE) tanto para a realização dos questionários como para a autorização dos registros das paisagens linguísticas.

Em seguida, foram recolhidas informações de um corpus construído por questionários aplicados à comunidade acadêmica do IFG/Goiânia (Ensino Superior e EJA) que possibilitou mapear o total de línguas reconhecidas por ela. Foram 143 respondentes - entre docentes, servidores e estudantes acima de 18 anos (referenciados de “E1” a “E143”). O questionário foi composto de questões objetivas e dissertativas. As questões tiveram o objetivo de observar as atitudes das pessoas em relação às línguas “de poder”, as “menorizadas” e aquelas voltadas ao quantitativo de línguas.

Figura 1: Imagem do questionário aplicado aos entrevistados

Para essa fase, a organização das informações obtidas por meio dos questionários seguiu três etapas, cronologicamente definidas por Bardin (2016): (i) pré-análise, (ii) exploração do material e (iii) tratamento dos resultados obtidos e interpretação de modo. Isso permitiu ao pesquisador realizar inferências. Essa terceira parte levou em consideração os preceitos da Sociolinguística (Labov, 2008) em relação à atitude linguística.

Com relação às técnicas de análise do conteúdo, optou-se pela análise categorial temática que “consiste em descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compõem a comunicação e cuja presença ou frequência de aparição, podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido” (Bardin, 2016, p. 135), sendo definidas em três categorias: 1. Quantitativo de línguas, 2. Atitude em relação às línguas e 3. Paisagem linguística (com o recorte das línguas que recentemente modificaram a paisagem linguística da cidade).

Na sequência, foram registradas as novas paisagens linguísticas da cidade, com foco no nome dos comércios, observando aquilo que Cenoz e Gorter (2008) apontam. Assim, descrevemos os dados encontrados e a análise empreendida a respeito deles.

O que os dados apontam: a percepção das línguas

Em primeiro plano, no que tange à percepção linguística das pessoas em relação às línguas presentes na cidade de Goiânia, 121 dos 143 participantes que responderam ao questionário identificaram alguma outra língua além do português brasileiro (Gráfico 1). Treze pessoas afirmaram diretamente só perceberem a Língua Portuguesa ou não percebem outras línguas (pessoas que estão inconscientemente incluídas no mito do monolinguismo). Quantitativamente, os respondentes que não perceberam outras línguas na cidade representam quase 10% do total de respostas (9,1%).

Gráfico 1: Quantidade de pessoas que perceberam línguas diversas em Goiânia

Gráfico 2: Línguas percebidas pelas pessoas na cidade de Goiânia

A análise das respostas ao questionário (Gráfico 2) apontou que a língua inglesa foi citada pelo menos nove vezes como “a língua mundial”, subentendida como a mais utilitária em relação à aquisição de empregos e progressão de carreira no meio profissional. Entretanto, apesar da aparente hegemonia e “importância”, o espanhol foi a língua mais percebida, acima de 50% em relação ao inglês. Deduz-se que tal fenômeno se deva à recente onda de imigração de pessoas provenientes de países que fazem fronteira com o Brasil (principalmente da Venezuela), tornando-a mais evidente.

Uma das perguntas do questionário visava saber se o participante tinha contato com alguma língua indígena. Cento e trinta pessoas escreveram que não, dez apontaram que têm contato e três deixaram a questão sem resposta. Com base nisso, pode-se afirmar que aproximadamente 91% dos entrevistados não percebem as línguas indígenas (ainda que existam estudantes indígenas no IFG e na Universidade Federal de Goiás) presentes como línguas representativas no Brasil. No curso superior intercultural oferecido aos povos indígenas na UFG, circulam etnias não só do estado, mas de Mato Grosso e Tocantins. No ano de 2022, conforme dados da instituição, houve a formatura de 54 indígenas e, entre eles, havia 14 línguas distintas (Stecca, 2022).

Dos estudantes do curso de Licenciatura em Letras do IFG, 49 alunos responderam ao questionário. O que se observou é que a porcentagem dos estudantes do 1º período que não percebiam outras línguas além da portuguesa era de 37,5%, mais que o dobro em comparação aos estudantes de Letras entrevistados de períodos subsequentes; 13,7% desses estudantes responderam que não percebiam outras línguas. Esse apontamento comprova a importância do desenvolvimento da consciência a respeito da diversidade linguística, como é o caso do trabalho de formação realizado no decorrer do curso de licenciatura em Letras do IFG.

Saber que o futuro professor pode receber em sala de aula estudantes imigrantes e indígenas provoca a necessidade de uma formação profissional diversa, ou melhor, na perspectiva da diversidade. É fundamental a compreensão de que não há língua “melhor” ou “pior”, pois todas as línguas são fatores importantes para a constituição da identidade e que “essa realidade pode diminuir os comportamentos preconceituosos, muitos deles ocorridos pelo desconhecimento da riqueza da diversidade cultural brasileira” (Dunck-Cintra et al., 2016, p. 9).

A formação sobre a diversidade linguística “é um procedimento que prepara o ser humano para enfrentar com mais serenidade este constante e admirável mundo de relações interculturais” (Dunck-Cintra et al., 2016, p. 9). Desse modo, entende-se que compreender como se construiu o mito de um país monolíngue pode ajudar a desconstruir falsos conceitos, retomando o ensino numa perspectiva multicultural para o país.

Sobre a valorização das línguas: atitude linguística

Labov (1972) explica que não há como estudar uma língua sem que usemos explicações sociais. Para ele, a Sociolinguística é, na verdade, a própria Linguística. O importante, de acordo com o autor, é que o uso seja a essência da língua, pois uma língua só existe quando empregada pelas pessoas. Sabendo disso, ele afirma que enquanto o seu uso for objeto de estudo, deve-se contemplar os contextos sociais.

A atitude linguística se define como a manifestação de um comportamento que desencadeia uma conduta ou uma postura em relação a uma língua ou com a sua variação. Trata-se, pois, de uma exposição da atitude social dos indivíduos. Ela interfere tanto na língua como no uso que dela se faz em sociedade (Labov, 1972; Rodrigues, 2012).

Gráfico 3: Porcentagem de pessoas que gostariam (ou não) de aprender um novo idioma

Gráfico 4: Línguas que as pessoas têm pretensão de aprender

Partindo das análises dos Gráficos 3 e 4, percebe-se que a língua inglesa é, ainda hoje, a mais almejada a ser aprendida pelas pessoas. Isso demonstra a relação intrínseca das línguas e seus respectivos status econômicos e imaginários linguísticos (Labov, 2008; Rodrigues, 2012). Essa ideia se justificativa a respeito do inglês, pois “é a língua mais importante atualmente, tanto no meio profissional quanto nos outros segmentos” (E31, 2022), “é uma língua mundial” (E110, 2022) que possibilitaria “mais oportunidade de emprego” (E34, 2022). Um “diferencial para a qualificação” (E88, 2022) que “além de bonita, possui grande valor cultural” (E57, 2022).

Segundo Cenoz e Gorter (2008, p.6), “a língua inglesa está ligada a valores como: ‘orientação internacional’, ‘orientação profissional futura’, ‘sofisticação’ e ‘diversão’” (tradução nossa), como bem demonstrado pelas respostas. Observa-se, aqui, o valor simbólico que as línguas mantêm, o que implica, indubitavelmente, uma atitude positiva ou negativa da língua como poder simbólico em relação a outras línguas.

Outro aspecto importante é que a língua espanhola também teve valor expressivo, pois só diferiu em um ponto percentual do inglês. Entretanto, as motivações foram diferentes. Dentre as justificativas, há os que disseram que gostariam de aprender espanhol, porque “é a língua dos países vizinhos” (E1, 2022) e que “estamos rodeados de países vizinhos ao Brasil [que falam Espanhol]” (E61, 2022), “por ser uma língua falada por imigrantes” (E8, 2022) e poderia “comunicar e conhecer mais da cultura deles” (E127, 2022). Esse fato é perceptível quando observamos o que Bakhtin (2009) sugere, pois é a palavra que, no decorrer do tempo e do espaço, possibilita relações do indivíduo consigo mesmo e com o mundo. A língua é plurivalente, povoada das vozes daqueles que a antecederam e das vozes daqueles com os quais convive. Assim, entendemos o motivo do posicionamento desses participantes, pois o fato de interagirem com esses novos imigrantes faz com que se interessem em aprender a língua espanhola que estava, de certo modo, distante da interação cotidiana das pessoas.

Nesse sentido, compreende-se que um dos fatores que caracteriza o processo de análise da atitude linguística provém do imaginário linguístico/representação linguística das pessoas. Esse aspecto influenciará diretamente na escolha ou não de um indivíduo por determinada língua estrangeira (Rodrigues, 2012). Vale ressaltar a importância do reconhecimento  positivo da língua espanhola, pois há atitudes positivas nos entrevistados, enfatizando que o Brasil é um país que faz fronteira com países que falam a língua espanhola. Contudo, o que se observa vai na contramão daqueles que consideram que não há necessidade de estudar o espanhol, como se só o inglês tivesse “valor de mercado”.

A atitude linguística, assim como a língua, é viva e está em processo contínuo de mudança. Isso pode ser observado numa das respostas ao questionário: “Tinha interesse na língua russa, mas depois da guerra fiquei decepcionado” (E118, 2022). A guerra que ocorre entre Ucrânia e Rússia influencia a atitude linguística dessa pessoa. Nesse sentido, pode-se conjecturar que ela apoia a causa ucraniana ao invés da causa russa, impactando seu imaginário linguístico, provocando duas situações: atitude de escrever que ficou decepcionada e, possivelmente, a própria atitude negativa em relação à aprendizagem da língua. Aqui, se evidencia como as pessoas podem mudar seu posicionamento em relação às línguas em virtude do contexto social, histórico e ideológico. Isso leva a alterações que podem impactar os valores sociais, pois vêm acompanhadas de alterações nas atitudes linguísticas (o que foi notado, por exemplo, entre os indígenas e os Chilmarkers, em estudo feito por Labov, em 1972).

Também é explícita a percepção das pessoas da relação entre língua, identidade e cultura, tanto que a própria palavra “cultura” apareceu em 25% das respostas recebidas. Os participantes afirmaram que “cada língua possui sua cultura e aprendizagem, nos ensinando a diversidade linguística” (E59, 2022), pois “toda língua é importante para definir e dar identidade a um grupo” e que “compõem a diversidade cultural” (E25, 2022).

É fator importante de análise o fato de muitos apontarem que “os governos tratam como se elas [as línguas de imigrantes e indígenas] nem existissem no país” (E33, 2022) ou “que a língua [indígena e de imigrantes], assim como os indivíduos que fazem uso dela, são constantemente invisibilizados” (E107, 2022). Os participantes sugerem que as línguas deveríam ser “mais valorizadas, tal como a língua inglesa”, evidenciando os conceitos de “imaginário e representação linguística” (Rodrigues, 2012). Nesse sentido, atitudes positivas em relação às línguas dos povos originários e dos que aqui vieram morar são percebidas no estudo. Isso coaduna com o posicionamento de que “as línguas dos imigrantes são observadas com mais dificuldade nas cidades” em detrimento da língua oficial ou do Inglês (Cenoz; Gorter, 2008, p. 8, tradução nossa).

Sobre os movimentos migratórios recentes: novas paisagens linguísticas

Os processos migratórios foram evidenciados por meio de registros fotográficos das novas paisagens linguísticas em diferentes localidades da capital. Os espaços em que as pessoas percebem o plurilinguismo, com destaque para as línguas dos novos imigrantes, foram: Setor Central (35 respostas), Rua 44 (8 respostas), Av. Anhanguera (5 respostas), o IFG (5 respostas) e o Setor Campinas (3 respostas). Também foram lembrados transportes urbanos nos quais circulam essas pessoas (6 respostas). Os dados ratificam aquilo que é perceptível na capital, pois esses são os locais onde os novos imigrantes trabalham, tanto de modo informal como em estabelecimentos comerciais formais.

Figura 2: Letreiro comercial escrito em zulu: Jabulani - Distribuidora de Bebidas

Figura 3: Distribuidora de Bebidas Lakay- Letreiro comercial escrito em crioulo haitiano

Os termos “Jabulani” (Figura 2) e “Lakay” (Figura 3) não fazem parte do repertório lexical do português brasileiro. O primeiro refere-se a uma expressão em zulu – uma das 11 línguas oficiais da África do Sul – que significa “povo feliz” ou “gente feliz”; o segundo é um termo em crioulo haitiano e significa “casa” ou “em casa”.

Desse modo, uma vez que se trata de atividades mentais ou reativas, as atitudes linguísticas, cuja exteriorização ocorre em virtude de avaliações linguísticas, colaboram para processos de inclusão ou exclusão social. Para Tarallo (1985, p. 14), “atitudes linguísticas são as armas usadas pelos residentes para demarcar seu espaço, sua identidade cultural, seu perfil de comunidade, de grupo social separado”. É o que se pode conjecturar na nomeação dos comércios, pois, por meio de demarcações de um espaço como sua propriedade/identidade (e não a de outro), as avaliações linguísticas vêm à tona.

Além da captação fotográfica, os entrevistados afirmam que têm contato com diversas línguas de imigrantes, dentre elas o espanhol e o crioulo, “no comércio e nos sinaleiros” (E128, 2022), “em bares, no Centro” (E113, 2022), “na sala de aula, no IFG” (E42, 2022). Esses registros mostram que, ao contrário do que sempre se via na cidade, especialmente com as línguas inglesa e francesa, agora há novas línguas compondo a paisagem linguística da cidade.

Por isso se faz necessário analisar o aspecto histórico-social da ocupação desses espaços e da nomeação na sua língua materna. É importante visitar o conceito de território “imerso em relações de dominação e/ou de apropriação sociedade-espaço” e que “desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominação político-econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais subjetiva e/ou ‘cultural-simbólica’” (Haesbaert, 2004, p. 95-96 apud Haesbaert 2004, p. 2). O autor declara que o território tem relação direta de poder no sentido funcional e simbólico de apropriação (p. 3), pois o ser humano exerceria domínio tanto na ação como na produção de “significados” (Haesbaert, 2004). É o que se mostra aqui na marca simbólica da identidade desses imigrantes por meio da nomeação dos seus espaços comerciais.

Considerações finais

É fato que o Brasil é multilíngue e multicultural. A análise dos dados apontou isso. Por que ainda ouvimos o discurso do monolinguismo? Muito se deve ao fato de como o Brasil foi colonizado e de como essa história foi contada pelo discurso do colonizador europeu. É importante que os espaços educativos se dediquem a estudar essa face da história na perspectiva da valorização dos povos originários e de suas línguas/culturas, dando visibilidade à diversidade brasileira.

Do mesmo modo, é necessário reconhecer que o movimento das pessoas influencia as novas configurações da paisagem linguística de uma cidade. As pessoas, ao nomearem os locais com sua língua materna, estão dizendo: minha língua é importante, é identidade, nela me reconheço, por meio dela eu me identifico com o meu povo. Por isso a importância de valorizar todas as línguas, pois elas são mais do que interação; elas são identidade, vida, cultura e pertencimento.

Uma proposta para próximos estudos seria debruçar-se ao estudo das paisagens linguísticas, identificando os locais onde estão concentradas determinadas línguas. Uma prévia já se apresentou nos registros fotográficos feitos aqui. Nos bairros mais nobres, encontramos a predominância do inglês  e do francês, enquanto em bairros ‘subjacentes’ ou considerados mais populares percebemos a presença do espanhol e do crioulo haitiano. O que isso pode informar a respeito de identidade, territorialidade, poder e discriminação? Reconhecer (ou não) o poder e o estatuto dos grupos linguísticos nos espaços territoriais (Labov, 1972) é algo a ser pesquisado.

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Publicado em 05 de fevereiro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

DUNCK-CINTRA, Ema Marta; COSTA, Mateus Albino; ANAKÃN, Mariany Aline Pereira Santos We'ena. Ampliando discussões sobre variedade linguística sob a ótica das paisagens linguísticas: o que a cidade de Goiânia/GO ensina sobre esse tema? Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 5, 5 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/5/ampliando-discussoes-sobre-variedade-linguistica-sob-a-otica-das-paisagens-linguisticas-o-que-a-cidade-de-goianiago-ensina-sobre-esse-tema

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