A origem do bálsamo

João Wilson Savino Carvalho

Graduado em Filosofia, Psicologia e Direito, especialista, mestre e doutor em Educação, professor de Filosofia e ex-vice-reitor da Unifap, ocupa a Cadeira nº 18 da Academia Amapaense de Letras

O tema daquela aula de Psicologia era a inteligência humana, mas nem parecia, de tão tediosa que corria.

– Então vejam. Se estimularmos o córtex visual de um sujeito com algumas figuras e medirmos a atividade cerebral, observaremos que resultam estimuladas determinadas zonas do cérebro que supomos relacionadas à imaginação...

Enquanto isso, Zilda parecia absorta, perdida em seus pensamentos. Era um péssimo exemplo, e o professor não podia deixar de ser irritar com tanto descaso:

– Zilda! Para você, o que é a imaginação, em relação à inteligência?

– Hein! O quê? A imaginação? Bom... Ah!... Sim!... Deixe-me ver... A imaginação... O senhor conhece a história do bálsamo de Benet? Não? Pois é... Todo mundo pensa que o nome daquele bálsamo que vende nas ruas tem origem na península de Benet, que fica bem perto do Golfo de Benet, por causa da ocorrência de uma planta da ordem das benelídeas e família da beneáceas, de cujas folhas é extraído um princípio ativo que, misturado com cânfora, mentol e arnica, dá um excelente bálsamo para baques, torções e outras cositas mais. Muito bom!

– Sim, Zilda, e o que isso tem a ver com a aula?

– Calma, estou chegando lá. É que o senhor estava relacionando a imaginação com o sistema nervoso...

– Sim, Zilda, e a origem do tal bálsamo, de que eu nunca ouvi falar?

– Pois então, esse aí... Era muito usado nessa região da Indochina, um lugar muito remoto, onde fica situado o vale de Benet, que, aliás, não poderia ter outro nome, já que o vale só existe por conta do Rio Benet, que ao formar um delta na região favorece o florescimento da planta, que, aliás, ocorre em quase todos os lugares do mundo que apresentam o clima quente e úmido...

– Sim, e daí?

– Daí que ninguém sabe que, na década de 60, morou na região de Benet um cearense que ninguém sabe como foi parar lá, mas o fato é que ele tinha uma mulher muito dengosa que só vivia dizendo pra ele: be-nhê, e, sabe como é a pronúncia dos cearenses, o pessoal, entendendo numa forma afrancesada, passou a chamar para ele assim, bê-nê.

– E a imaginação, Zilda? Quero saber da imaginação, menina...

– Então, é exatamente isso, Be-nê, o cearense, foi o cara que percebeu que todo bálsamo só é mentol, cânfora e mais alguma coisa, e daí teve a brilhante ideia de colocar o extrato da planta num potinho verde e vender pelo mundo todo. Com um nome francês, o anti-inflamatório natural vendeu horrores. O cara ainda descobriu que, quanto menor o pote, melhor. E depois ainda espalhou a ideia de que o bálsamo Benet era ótimo para incrementar as relações sexuais, e depois os potinhos do bálsamo eram vendidos nas ruas das grandes cidades por camelôs, oferecido a meia boca, como algo proibido. E aí, vocês já devem imaginar, o cara ficou estupidamente rico e acabou conseguindo cidadania francesa, espalhou suas fábricas pelo Terceiro Mundo, pagando operários a preço de banana. Então imaginação é isso. Tudo que uma pessoa projeta em sua mente já está aí. A imaginação é a capacidade de projetar o existente em uma outra forma. Nada que ver com sistema nervoso...

O velho professor havia feito uma demorada visualização de toda a turma, pasmo diante da radical mudança ocorrida na classe a partir do discurso da aluna. Todos estavam abismados com a absurda capacidade criativa da Zilda. Sabia que agora poderia começar um fértil debate sobre aquele simples, mas singular, conceito de imaginação, e apenas lamentava que o horário da aula estivesse já no final. Seu pensamento corria elétrico perpassando o que ela havia dito em uma inevitável comparação com suas teorias, e agora olhava para a classe com um ar pensativo. Vinte e poucos anos de magistério e contava nos dedos as vezes que havia alcançado tal efeito em seus alunos. Fitou a Zilda demoradamente enquanto alguns alunos começavam a se arrumar para a saída:

– É, garota, é isso aí... Imaginação... Quem tem, tem...

Parou, pensou mais um pouco e concluiu:

– Sabe... Queria mesmo era saber o que ainda estás fazendo aqui, no banco da escola...

Referência

VYGOTSKY, Lev Semionovich. Imaginação e criatividade na infância. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

Publicado em 12 de fevereiro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

CARVALHO, João Wilson Savino. A origem do bálsamo. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 6, 12 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/6/a-origem-do-balsamo

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