Experiência de um estágio curricular obrigatório no ensino remoto emergencial: um relato científico construído em uma observação sistemática

Lucas Carneiro Costa

Graduado em Pedagogia (UEMG)

Marina Cristina Rodrigues Pereira

Graduada em Pedagogia (UEMG), bacharela em Química Industrial (UFOP)

Marcelo Diniz Monteiro de Barros

Doutor em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz), professor do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Faculdade de Educação da UEMG, bolsista de Produtividade em Pesquisa pela UEMG, professor do Departamento de Ciências Biológicas da PUC-Minas

Durante a pandemia da covid-19, a educação no mundo viveu um momento atípico. Devido às recomendações de organizações de saúde (como a OMS e o Ministério da Saúde), que orientaram para a prática do isolamento social, a “rotina” pedagógica mudou radicalmente. No Brasil, houve várias consequências imediatas para a educação, como a paralisação das escolas. Não ocorreram aulas presenciais e a fim dos alunos não perderem o ano letivo, as escolas adotaram modelos alternativos de ensino, como o remoto.

Nesse momento é importante ressaltar que antes da pandemia era quase uma verdade absoluta que a educação só poderia ser feita presencialmente: avaliações e exames, aulas, palestras, atividades, entre outras atividades inerentes ao processo educacional (com exceção do ensino superior, onde já existe a modalidade de ensino a distância consolidada). Assim, o paradigma online começa a ser repensado, pois a preocupação não se restringia apenas ao novo coronavírus, mas a qualquer outra pandemia futura que venha surgir ou outra doença mais branda (mas que pode ser contagiosa).

Com base nesse cenário e na observação de uma rotina escolar remota em um colégio particular de Belo Horizonte, apresentamos este relato científico.

Metodologia

A construção deste trabalho seguiu como técnica de pesquisa a observação sistemática. Para Gil (2008), a observação constitui elemento fundamental para a pesquisa e, na coleta de dados, seu papel se torna mais evidente. Para ele,

a observação nada mais é que o uso dos sentidos com vistas a adquirir os conhecimentos necessários para o cotidiano. Pode, porém, ser utilizada como procedimento científico, à medida que:
a) serve a um objetivo formulado de pesquisa;
b) é sistematicamente planejada.

Além disso, conforme Selltiz et al. (1967, p. 225 apud Gil, 2008) afirmam, a observação científica deve ser submetida à verificação e ao controle de validade e precisão. Existem vários “benefícios” nessa técnica de pesquisa. O mais evidente é que os fatos são percebidos diretamente, sem qualquer tipo de mediação. No entanto, o principal inconveniente da técnica é a presença do pesquisador provocando alterações nos comportamentos dos observados. As reações, porém, devem ser levadas em conta no processo de investigação (Gil, 2008, p. 101).

Na técnica escolhida, elaboramos um plano rigoroso de observação construído a partir de um modelo de relatório sistemático que será compartilhado.

Fenômenos escolares do ensino remoto semelhantes ao ensino presencial

O primeiro elemento que ressaltaremos durante o momento pandêmico são os mesmos do processo educacional presencial. Apesar das aulas terem ocorrido remotamente, alguns fenômenos das aulas presenciais se assemelham aos das aulas remotas. Tais fenômenos evidenciam uma transposição das metodologias pedagógicas tradicionais, reforçando certos comportamentos e práticas (ou seja, em outras palavras, essa nova realidade da educação mantém alguns processos antigos, inerentes à educação).

A prática de ensino, em sua essência, não mudou. Tragtenberg (1985) ressalta que em aulas remotas se reduz a vigilância comum às escolas; as normas pedagógicas marcam os alunos como problemáticos e outros como normais; os que não aceitam a estrutura hierárquica são punidos com exclusão; a escola ainda se constitui num centro de discriminação; as punições escolares objetivam estigmatizar e é a estrutura escolar que legitima o poder de punir; o professor é visto como encarregado de uma missão divina, como líder e como chefe; o professor julga o aluno mediante nota e o aluno, por sua vez, espera do professor certo tipo de comportamento, seu desprezo ou sua admiração; o poder do professor se manifesta por meio de provas ou exames, quando avalia o aluno.

Podemos observar, portanto, que nada na escola ou em sua estrutura e metodologia, mudou. Os conteúdos, no dia de hoje, não estão contextualizados, contínuos ou interligados, principalmente na infância.

Outros fenômenos também são semelhantes, como:

  • As conversas paralelas. Apesar de inseridos dentro um contexto educacional virtual, os alunos dialogam entre si no momento da aula pelos aplicativos de mensagens instantâneas ou até mesmo pela aba chat na plataforma. Nos momentos de pausa, não é raro ver os alunos questionando uns aos outros acerca da vida ou até mesmo marcando outros encontros virtuais. No colégio observado, o papel dos estagiários e professores auxiliares era procurar inibir essas conversas, chamando a atenção dos alunos e solicitando que prestassem atenção às aulas.
  • Mostrar atividade aos professores quando terminam.
  • Os professores ainda estão sendo classificados pelos alunos. Há os professores temidos (duros em suas punições, que não permitem atividades aleatórias e não deixam os alunos conversaram), mas também há os professores tolerantes (que permitem alguma conversa ou brincadeira). No extremo oposto, há os professores que incentivam a indisciplina (não de forma deliberada) e os professores bons (aqueles que os alunos gostam e permitem que os alunos construam a aula com eles.

Fenômenos novos do ensino remoto que se tornam inerentes ao processo de ensino-aprendizagem

Em segundo lugar, podemos destacar a ocorrência de alguns fenômenos “novos” nessa modalidade/processo de ensino-aprendizagem. O primeiro deles é a aula que precisa de uma boa conexão com a internet para acontecer. No entanto, nem sempre todos os alunos dispõem de uma conexão estável. Assim, se verificou constantes quedas na transmissão de alguns alunos, fazendo com que os professores precisassem prestar a atenção em quem estava presente e quem não estava. A tecnologia vem se tornando essencial para manter as aulas remotas. Computadores, aplicativos e softwares, além da própria internet, ditam hoje os rumos da aula. Em alguns momentos são facilitadores, mas em outros apresentam várias falhas. As aulas remotas foram afetadas pela redução de carga horária, pois havia dificuldade na concentração dos alunos frente às telas dos computadores.

Fenômenos que deixaram de acontecer na modalidade de ensino remoto

Da mesma forma que fenômenos novos ocorrem ou se repetem, também há alguns que deixaram de existir durante o processo de educação remota. Certos processos “escolarizantes” passam a não existir mais, como o controle minucioso do corpo do cidadão por meio dos exercícios de utilização do tempo, do espaço, do movimento, dos gestos e das atitudes.

A sala de aula é outro elemento. Antes da pandemia, segundo Brandão (1986), a sala de aula só compreendia dois lugares ou dois espaços: a turma da frente e a turma de trás. Essa divisão simples é quase natural em todas as escolas com estrutura formalizada pela pedagogia tradicional. Brandão observa perspicazmente que nos lugares onde o ambiente escolar é agradável, a distribuição das cadeiras é simplesmente aleatória. Os alunos se sentam em qualquer lugar e se dão bem entre si (em suma). Porém, em outros lugares mais tradicionais, conservadores e ortodoxos, a distribuição das cadeiras é realmente cheia de significados.

Agora, com as aulas acontecendo remotamente, essa configuração de divisão da sala de aula não ocorre mais. Não em relação a obviedade de não haver mais pessoas sentadas em um ambiente específico, mas sim em sua essência. Afinal, as turmas do fundão eram responsáveis por várias atividades proibidas dentro da escola. Entre elas, aproveitar o intervalo das aulas para quebrar algumas regras, como marcar brigas ou simplesmente namorar às escondidas. A escola para esses alunos é um sofrimento, mas um mal necessário e obrigatório. Se eles pudessem, com certeza não estariam ali. Os motivos são vários: preguiça, hiperatividade, falta de amizades e até mesmo interesse por outras atividades que não são desenvolvidas na escola (como esportes, artes, música etc.).

É possível que existam outros espaços na escola não compatíveis com a ortodoxia pedagógica vigente. Para Carlos Rodrigues Brandão (1986), seria possível que existissem espaços assim na escola, caso ela se permitisse oferecer aos alunos mais autonomia. O que está ocorrendo no momento é uma transposição do ambiente escolar, como um todo, para um ambiente virtual, onde ficam ocultados ou deixam de existir.

Alguns processos e discussões necessárias à educação (de forma geral) também não acontecem. Socialização, expressão cultural, corpo e movimento, por exemplo, são atividades que ficam ausentes no processo de ensino remoto. Assim, os estudantes acabam se envolvendo somente com os aspectos conteudista e imediatista da educação.

As perguntas que ficam são: como abordar conteúdos “culturais”, como Educação Física ou Artes neste momento pandêmico?; como tratar de expressão, de corpo, de cultura e de comunicação à distância, sem contato físico?; como elaborar um programa de aulas que sejam construtivas para os alunos sem que haja qualquer garantia de que eles conseguirão absorver o conteúdo integralmente, na sua intencionalidade?; como privilegiar o ensino desses valores numa sociedade cada vez mais marcada pelo sedentarismo, pela tecnologia, pela cultura de massa (e a indústria cultural)?; como permitir a criticidade em ambientes tão rígidos e monótonos como os espaços virtuais?; ou como ressaltar os perigos de um sistema econômico produtivista que usa e abusa da tecnologia para otimizar a exploração, sendo que estamos nos utilizando desses tais recursos?

As discussões sobre artes e Educação Física não se restringem somente à escola. Ambas as disciplinas estão presentes em nossa vida, mesmo fora da escola. Contudo, se não estamos trabalhando (e não trabalhávamos de forma correta) esses conteúdos na escola, como esperar que o aluno se aproprie criticamente da cultura?

O papel do professor durante a pandemia

O papel do professor, principalmente nesse período da História, passa a não estar mais relacionado com a sua presença física em sala. Nos acostumamos com esse paradigma, porque antes da pandemia a escola e seus processos funcionavam integralmente no modo presencial, num ambiente designado. O ofício de educar é uma tarefa não restrita ao ambiente escolar. Sob certos aspectos, há uma valorização do trabalho docente. Fica evidente para a população o esforço necessário para atuar na educação ou para conduzir uma turma, experiência que nem sempre prevê recursos (tecnológicos, didáticos) e que geralmente conta com mais alunos do que a sua capacidade. Além disso, os professores precisaram reinventar suas práticas pedagógicas para atenderem ao ensino remoto, administrando aulas nos ambientes virtuais e prestando auxílio aos alunos. Em suma, a sociedade passa a perceber que o trabalho docente é importante e que, ao contrário do que se podia imaginar, se encontra precarizado e com professores recebendo salários baixos em relação a outras profissões.

Por outro lado, sob outros aspectos, ocorre uma outra precarização do ensino e do trabalho docente. Afinal, na maioria dos modelos de ensino remoto o professor é apenas um produtor e reprodutor de conteúdos. A sua função é mais restrita e seu papel de educador libertador passa a não ser validado, em virtude dos processos rígidos educacionais (aulas em modelos prontos, com materiais produzidos por grandes editoras). As escolas passam a reduzir os salários e as condições de trabalho desses professores, tanto para conter os problemas de receita gerados pela crise econômica quanto para privilegiar outros profissionais normalmente da área da tecnologia da informação, pois a liderança acredita que esses professores poderão ser mais úteis nesse papel do que os demais.

Diferenças entre as escolas

É possível observar diversos acontecimentos que envolvem as escolas, em seus diferentes setores educacionais, públicas ou privadas. As escolas privadas, particularmente as mais elitistas, se reorganizaram de maneira muito mais urgente e efetiva em relação às escolas públicas. Isso se deve à disponibilidade de recursos para fazer alterações que são urgentes, diferente dos órgãos públicos, onde existem processos burocráticos para tomada de decisões.

As questões financeiras e orçamentárias são essenciais para essa discussão. Algumas escolas que não dispõem de muitos recursos precisaram recorrer a práticas alternativas, como aulas com uso de aplicativos gratuitos para comunicação (mensagens instantâneas) ou ministrando aulas por meio de redes sociais (lives). Evidentemente, tais ambientes são precários e não foram concebidos para a realização de aulas. Foi possível observar uma latente migração de alunos da rede privada para a escola pública, pois muitos pais, motivados por questões econômicas, optaram por reduzir seus gastos (ou também foram afetados pela pandemia, perdendo renda).

Alunos da rede pública, em contrapartida, não tiveram amparo durante esse período. Um dos maiores questionamentos que surgiu foi o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Como muitos alunos oriundos de escolas que não adotaram o modelo de ensino remoto ou ensino à distância ficaram sem aulas, eles seriam prejudicados pela realização da prova, já que alunos que tiveram aulas e condições para estudar seriam privilegiados.

Sabemos que a situação de isolamento social perdurou por um tempo. Portanto, podemos dizer que já há outras consequências desse período. Após o retorno das aulas e o fim do isolamento social, por exemplo, foi necessária a adaptação das escolas na recepção dos alunos, evitando o compartilhamento do mesmo ambiente por muitas pessoas, mantendo a distância e evitando o contato físico, a esterilização do ambiente, o uso de máscaras, luvas e outros protetores individuais. Muitas escolas enfrentaram dificuldades para mudar a sua arquitetura e até mesmo para adquirir esses equipamentos.

Outro fenômeno interessante foram escolas dialogando com as famílias de modo mais intenso. Esse diálogo atendeu a duas demandas: garantiu que os alunos fossem atendidos em suas aulas remotas e evitou uma evasão escolar ainda maior.

Inclusão

A inclusão foi completamente ignorada durante o período pandêmico. Alunos com deficiência ficaram sem qualquer tipo de auxílio, tanto nas escolas particulares quanto nas públicas. A maioria das plataformas de ensino não contemplavam legendas escritas nos vídeos ou tradutores em Libras. Essas tecnologias são caras, pouco populares e de difícil aplicação, visto que requerem conhecimento apropriado. Esses alunos que precisavam de profissionais de acompanhamento escolar não conseguiram receber esse amparo. Há relatos de alunos com deficiência que abandonaram a escola e que, agora, os pais estão com dificuldades para lidar com sua situação educacional dentro de casa. Também, não existem políticas públicas para amparem esses alunos.

Considerações finais

O momento pandêmico pelo qual passamos expôs diversas contradições da educação no Brasil. Primeiro, as plataformas e os portais dos ensinos remotos faziam uma transposição de um ensino que não era libertador. As práticas educacionais permaneceram as mesmas. Há, portanto, certa confusão a respeito do ensino e de como ele deve ser conduzido. Alguns creem que só a eficiência basta e que o primordial é transmitir o conteúdo curricular. Tendemos a pensar que um ensino deve ser eficiente, porque estamos inseridos dentro de uma lógica produtivista. Essa visão é errônea, pois a educação é muito mais ampla do que a transmissão do conteúdo curricular.

Os alunos precisam assimilar uma visão crítica do mundo e do seu lugar nele. Precisam tomar consciência de sua história e perceber como eles estão alocados dentro dela. Se não mudarmos a escola, todos os fenômenos escolares serão naturalizados e existirão. Enquanto a estrutura da escola fortalecer sentimentos e acontecimentos como a pedagogia tradicional, com a transmissão de conteúdo em detrimento de um ensino crítico, não será possível uma mudança para tornar-se uma escola plural e harmônica.

A pandemia evidenciou o analfabetismo na área da Informática, pois muitos processos educacionais foram perdidos porque alunos e pais não sabiam utilizar todas as ferramentas que a internet dispõe para o ensino e a pesquisa, precisando de auxílio para usarem computador, enviarem suas atividades e participarem das aulas de um modo mais eficaz.

A respeito da “tecnologização” da educação, a transformação da educação em um processo pronto e austero para ser inserido dentro de uma estrutura com recursos tecnológicos, sem a devida análise crítica, visando somente o atendimento em massa, a consequência foi a “mercantilização” da educação. Transformou-se a educação em um produto de mercado, barato e comercial, sem o cuidado com a qualidade ou mesmo sem a preocupação com a sua eficiência em termos de ensino-aprendizagem.

Assim, esse processo, antes restrito ao Ensino Superior, não só aconteceu em alta velocidade como também atingiu também a Educação Básica.

A despeito disso, entendemos que, durante esse período, criou-se nos alunos uma consciência coletiva que visava superar os paradigmas anteriores, buscando, dentro dos processos remotos, revolucionar o ensino das disciplinas numa realidade mais ampla que atingisse mais alunos. Evidentemente que esse projeto pode ser contínuo e não se restringir ao período da pandemia.

Isso posto, devemos lembrar daquele momento como uma oportunidade para a mudança. Daqui para frente, estabelecer novas práticas pedagógicas para o ensino. Apesar de tudo, não está claro ainda como faremos isso, mas estamos aprendendo a utilizar os espaços virtuais, a conhecer suas funções e a observar as muitas possibilidades do ensino remoto.

Referências

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A turma de trás. In: MORAIS, Régis de (org.). Sala de aula: que espaço é esse? Campinas: Papirus, 1986.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

SELLTIZ, Claire et al. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: Herder/Edusp, 1967.

TRAGTENBERG, Maurício. Relações de poder na escola. Educação e Sociedade, Campinas, v. 7, n° 20, p. 40-45, 1985.

Publicado em 12 de fevereiro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

COSTA, Lucas Carneiro; PEREIRA, Marina Cristina Rodrigues; BARROS, Marcelo Diniz Monteiro de. Experiência de um estágio curricular obrigatório no ensino remoto emergencial: um relato científico construído em uma observação sistemática. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 6, 12 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/6/experiencia-de-um-estagio-curricular-obrigatorio-no-ensino-remoto-emergencial-um-relato-cientifico-construido-em-uma-observacao-sistematica

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