Uma atividade com estudantes de Ensino Médio sobre ética e suas correntes

Daniel Richardson de Carvalho Sena

Doutorando em Ensino Tecnológico (PPGET/IFAM), mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, professor de Filosofia do IFAM

Conforme Valls (2000), a ética é uma daquelas coisas que todos sabem o que é, porém não é algo fácil de explicar. Muitas são as definições do termo. Segundo Abbagnano (1999), a ética é a ciência que trata da conduta. Sanches Vazques (2004) entende a ética como teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Dall’agnol (2004) afirma que a ética consiste numa reflexão filosófica acerca da moralidade.

A ética, uma das disciplinas da Filosofia, investiga a moral, propondo uma reflexão que busca encontrar princípios capazes de nortear as práticas humanas dentro da sociedade, tendo por finalidade o bem comum.

Os maiores problemas que envolvem a questão da ética se ligam à impossibilidade de ela contemplar a universalidade e a necessidade, ou seja, a existência de uma ética que seja válida em todo lugar e em qualquer época, já que os valores que norteiam a conduta de determinado grupo são restritos a eles e também mutáveis no tempo.

Tendo em vista a complexidade do termo e a necessidade de maior aprofundamento em suas questões, desenvolveu-se uma atividade que tratou de discutir o seu significado e as suas implicações. Além disso, buscou-se também conhecer as principais correntes éticas do ocidente e seus representantes. Estima-se que a atividade se constituiu um importante exercício crítico a respeito dessa temática tão amplamente falada, porém mal compreendida.

Desenvolvimento

Foi construído um minicurso referente ao significado da ética e de suas correntes. Ele foi realizado com 33 estudantes do 3º ano de duas turmas do curso Médio Integrado em Química de uma instituição da rede pública federal de Manaus/AM. Os encontros ocorreram às terças-feiras (turma 1, 19 participantes) e às sextas-feiras (turma 2, 14 participantes), entre os dias 27 de fevereiro e 8 de junho de 2023.

A atividade foi constituída de cinco encontros de duas horas semanais, totalizando dez horas. Os encontros se deram nas salas de aula da instituição, onde foram utilizados o quadro branco, um datashow e os slides.

Durante os encontros foram abordados assuntos referentes à ética e à história da Filosofia ocidental. Levou-se em consideração, na apresentação dos temas, a sequência histórica das teorias éticas.

O primeiro encontro abordou questões conceituais a respeito da ética. Inicialmente, realizou-se uma fenomenologia do ethos, ou seja, um estudo da ética como ciência do ethos que aborda uma determinada ação humana pela constância do hábito, por meio da construção de uma regularidade no agir dos sujeitos mediante os costumes. Posteriormente, buscou-se a conceituação dos termos “ética”, “moral” e “valores”.

Na parte final do primeiro encontro, foram apresentadas as subdivisões da ética em categorias: a ética descritiva (que descreve o que é o bem e o que é o mal, por intermédio da apreensão empírica dos fenômenos morais), a metaética (que investiga a natureza dos valores, dos juízos morais e os significados da linguagem avaliativa), a ética normativa (que estuda o fenômeno ético a partir das normas morais das sociedades) e a ética aplicada, também chamada de ética prática (que trata das questões éticas contemporâneas).

O segundo encontro abordou as correntes éticas da Antiguidade Clássica: Sócrates (a ética interior), Platão (a ética pautada na natureza humana) e Aristóteles (ética do equilíbrio/teleologia moral).

Em seguida, discutiram-se as correntes éticas das principais escolas do helenismo: cinismo, estoicismo e epicurismo.

No terceiro encontro, trabalhou-se com a ética da filosofia cristã, construída sob a visão teológica do mundo, onde os valores são transcendentes, isto é, derivam da dádiva divina e determinam a identificação do indivíduo moral como homem temente a Deus. Foi tratada também a divisão da filosofia cristã nos períodos da Patrística e da Escolástica, abordando suas principais características.

Ainda nesse terceiro encontro, apresentou-se o pensamento do filosofo Nicolau Maquiavel e sua contribuição para a ética e a política, destacando o realismo político (estudo de como o homem age de fato, pautado numa análise histórica) e o utilitarismo político (a política como ação imediata e eficaz).

No quarto encontro foram abordadas duas perspectivas éticas da modernidade: a ética kantiana (boa vontade/dever/imperativos/autonomia do sujeito) e o utilitarismo de Stuart Mill (o bem de uma ação é medido não tanto da intenção, mas por suas consequências).

No quinto e último encontro foram apresentadas quatro correntes éticas presentes na Filosofia contemporânea: Michel Foucault (a ética do cuidado de si), Friedrich Nietzsche (a crítica à moral ocidental/a transvaloração dos valores), John Rawls (a teoria da justiça) e Peter Singer (a aplicação da ética às ações práticas).

Conforme a avaliação dos participantes, os encontros proporcionaram um entendimento dos diferentes tipos de concepções éticas e suas interpretações, ajudando na revisão de conteúdos que poderiam estar presentes no ENEM e em outros exames vestibulares, proporcionando conhecimento das ideias morais de filósofos menos conhecidos e ajudando a melhorar a compreensão do significado de ética.

O cronograma foi totalmente cumprido e, em relação aos resultados, estima-se que os temas apresentados contribuíram para o desenvolvimento do senso crítico, fundamental para que o educando seja capaz de elaborar juízos e realizar escolhas coerentes e autônomas.

Conclusão

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) (Brasil, 1996) destaca a importância do aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo sua formação ética, o desenvolvimento da sua autonomia intelectual e do seu pensamento crítico. Essa afirmação demonstra a importância de se discutir temas de natureza ético-filosófica, pois existe a necessidade de se formar pessoas críticas, capazes de emitir opiniões baseadas em pressupostos coerentes, indispensáveis ao exercício da cidadania numa sociedade complexa como a atual.

É possível afirmar que uma das principais características da sociedade contemporânea é a ampla veiculação de notícias, opiniões e dados advindos dos mais diversos meios de comunicação. Essa enorme quantidade de informações é capaz de nos manter a par do que acontece no mundo em tempo real. Entretanto, também pode causar um entendimento ambíguo ou até mesmo equivocado do sentido de termos já amplamente divulgados no dia a dia, como o termo ética.

Infere-se que a ambiguidade ou o equívoco em relação ao entendimento de termos dessa natureza pode ser mais frequente nos jovens em idade escolar, pois muitas vezes estão expostos a um verdadeiro bombardeio de opiniões e informações, sem a capacidade crítica para compreender o real significado deles.

Conforme as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, na área de Ciências Humanas e suas Tecnologias, a disciplina Filosofia “é parte de uma proposta de ensino que pretende desenvolver no aluno a capacidade para responder, lançando mãos do conhecimento adquirido, as questões das mais variadas situações” (Brasil, 2006, p. 29).

Desse modo, avalia-se que a proposta, aqui compartilhada, de atividade pode se configurar como um passo importante na compreensão não só do significado, mas da importância da ética na vida coletiva, pois questões concretas relativas ao ambiente, à economia, à política, ao mundo dos negócios, à ciência e à tecnologia são permeadas por debates éticos.

Estima-se, portanto, que seja importante trazer a discussão para o espaço escolar a fim de instalar no processo educativo uma constante atitude crítica de reconhecimento dos limites e das possibilidades dos sujeitos e das circunstâncias que fazem parte de nossas vidas.

Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.

BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: MEC/SEB, 2006.

DALL’AGNOL, D. Bioética: princípios morais e aplicações. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

VALLS, Álvaro. O que é ética. 9ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2000.

VÁZQUEZ, A. S. Ética. 25ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

Publicado em 12 de fevereiro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

SENA, Daniel Richardson de Carvalho. Uma atividade com estudantes de Ensino Médio sobre ética e suas correntes. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 6, 12 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/6/uma-atividade-com-estudantes-de-ensino-medio-sobre-etica-e-suas-correntes

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