Carnaval e ensino de História: instrumentalização dos sambas de enredo como ferramenta pedagógica para compreensão crítica de processos históricos
Luiz Claudio Laudiauzer
Especialista em Ensino de História (Faculdade Única), tutor presencial no curso de licenciatura em História (UNIRIO/Cederj)
Estamos acompanhando ultimamente uma ressignificação no processo de ensino-aprendizagem com a presença das tecnologias de informação (TIC) e de ferramentas, como fóruns, salas de videoconferência e ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), linguagens cada vez mais frequentes no fazer docente.
Paralelo ao avanço tecnológico, assistimos ao alcance de variadas formas de acesso à informação. Essa diversidade nos impele a uma postura responsável no que diz respeito às fontes e ao seu diagnóstico (se são fidedignas ou não), evidenciando os sintomas de uma sociedade onde imperam as fake news e os discursos de ódio.
Nesse sentido, o ensino de História se destaca por transformações no devir de sua trajetória escolar que, até pouco tempo, imperava como um estudo mnemônico, uma práxis discursiva criada para cristalizar uma origem eurocêntrica, apresentando sucessões cronológicas de grandes homens. Nessa perspectiva, atores sociais e políticos ligados à um passado europeu e colonizador.
Atualmente o ensino de História vem se constituindo sob novos paradigmas metodológicos. Eles buscam incorporar uma multiplicidade de sujeitos históricos, concedendo protagonismo a vozes historicamente silenciadas e excluídas.
Diante desse contexto, a utilização da construção discursiva dos sambas de enredo como aporte pedagógico evidencia uma importância fundamental acerca tanto do resgate de discursos silenciados, ocorridos ao longo da História, como de conceder protagonismo a importantes atores sociais relegados ao esquecimento. Também se apresenta como um poderoso instrumento de combate às pedagogias culturais, ou seja, às mensagens que chegam por meios não formais de educação, entre eles a música, outro elemento que nos forja culturalmente.
Dessa forma, diante do exposto, o presente artigo traz como proposta uma reflexão acerca das possibilidades de uso dos sambas de enredo como ferramentas pedagógicas, identificando nos discursos inseridos nas letras dos sambas de enredo uma enorme potencialidade de reorientar a percepção social de temáticas historicamente silenciadas e excluídas. Assumindo como norte o posicionamento de que como educadores precisamos refletir a respeito da nossa práxis e a respeito de que perfil de educador queremos adotar, essa reflexão nos oferece importante aporte para construção e manutenção de um ensino de História cada vez mais crítico, reflexivo e antirracista.
Abram alas aos cordões dos excluídos
Kabengele Munanga (2005, p. 17-18) argumenta a respeito da inexistência de leis capazes de erradicar atitudes provenientes de sistemas culturais introjetados histórica e socialmente. Contudo, segundo o mesmo autor, é preciso crer na capacidade da educação oferecida a jovens e adultos com a possibilidade de questionar e desconstruir mitos.
Partindo dessa premissa e norteados pelos parâmetros curriculares nacionais para o ensino de História – que por meio de seus eixos temáticos orientam acerca da importância da construção de relações de transformação, da permanência, da semelhança e da diferença entre passado e presente, percebendo uma reorientação na construção discursiva dos enredos das escolas de samba -, identificamos neles um grande potencial pedagógico, tanto no que tange à compreensão crítica dos processos históricos, quanto na contribuição para o processo de reorganização da percepção social dos estudantes.
Vale aqui ressaltar que a citada reorientação na construção discursiva dos enredos das agremiações carnavalescas decorre do diálogo entre as escolas de samba com instituições populares em profundas transformações na sociedade atual. Se nos primeiros anos de existência das agremiações, entre o final da década de 1920 e o decorrer da década de 1930, o diálogo era feito com um modelo de estado que em nada contribuiu para diminuir o abismo social e racial construído ao longo de 488 anos de escravidão, o que temos acompanhado é uma mudança de perspectiva.
Eventos como a Conferência de Durban, em 2001, na África do Sul, orientou ao combate de todas as formas de racismo e discriminação racial. Com a criação da Lei n° 10.639/03 a respeito da obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, abriu-se espaço para a reconstrução gradual da sociedade, ancorada agora em princípios igualitários com o objetivo de democratizar o acesso à educação.
Diante do contexto histórico citado e balizado pelo posicionamento da nova historiografia (que rejeita o ensino de História sob a simples narrativa dos fatos), entendemos que a composição das estruturas dos sambas de enredo são ferramentas pedagógicas que evidenciam um importante aporte para o processo de ensino- aprendizagem.
Vale destacar que a metodologia pensada reside numa perspectiva dialógica freiriana. Ela desperta no educando a consciência crítica a respeito de sua realidade social. Nesse sentido, um exemplo que elucida esse posicionamento é encontrado no samba enredo de 2018, da agremiação carioca Beija-flor de Nilópolis:
Um monstro carente de amor e de ternura
o alvo na mira do desprezo e da segregação
do pai que renegou a criação
refém da intolerância dessa gente (Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu, 2018).
A construção discursiva desse enredo traz consigo elementos valiosos que nos fornecem relevantes subsídios para um importante debate. O enredo citado foi construído a partir de uma metáfora, utilizando-se a ficção do monstro do Dr. Frankenstein para apresentar questões de extrema relevância social e histórica, como o abandono de menores, a segregação social e a violência em suas diferentes feições.
Ao trazer esse samba de enredo para o ensino de História, realizamos um debate quantitativo em relação ao abandono de crianças negras e brancas, visando alcançar nos educandos a capacidade de identificar, no passado escravista brasileiro, heranças sentidas ainda hoje.
Outro samba de enredo de 2018, do Paraíso do Tuiuti, nos fornece elementos discursivos para o debate a respeito de problemas atávicos da história brasileira, como a segregação social e o racismo:
Meu Deus! Meu Deus!
Se eu chorar não leve a mal
pela luz do candeeiro
liberte o cativeiro social (Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?, 2018).
A sinopse do enredo citado adota o questionamento a respeito da escravidão como discurso, se ela foi extinta no Brasil ou não, argumentando que, nos dias atuais, a diferenciação construída pelo modelo escravista ainda pode ser sentida e notada.
Após a abolição da escravatura, em 1888, não houve por parte do Estado brasileiro a preocupação em criar medidas que viabilizassem a inserção dos ex-escravizados na sociedade. Esse contexto gerou uma profunda desigualdade social, mostrando que o racismo construído ao longo de séculos de escravidão era uma marca introjetada na cultura da sociedade. Nunca é demais lembrar que esse aspecto atravessou diferentes contextos históricos. Somente em 1988, cem anos após a abolição da escravidão, o Brasil aprovaria a primeira lei antirracista.
Dessa forma, instrumentalizar esse samba como ferramenta pedagógica nos oferece a possibilidade de trabalhar conceitos, como o racismo estrutural. Além disso, torna-se possível quantificar a presença de brancos e negros em áreas carentes de nossa sociedade, assim como pensar, de forma crítica e histórica, a respeito da atuação do estado no processo de segregação social.
Onde o povo fez história e a escola não conta
A professora doutora Ana Lúcia da Silva, no prefácio de seu livro Ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira: estudos culturais e sambas-enredo, argumenta que nossa história, pessoal ou coletiva, faz com que sejamos quem somos na interface do que pensamos e de como agimos. Nada escapa ao passado, pois ele sempre nos fornece o material com o qual construímos nossos sonhos, projetos, demandas, intencionalidades e ações.
Essa premissa nos permite pensar, problematizar e situar historicamente a relevância das pedagogias culturais, as mensagens que chegam por meios informais de educação em filmes, músicas e novelas, contribuindo para o silenciamento das memórias de grupos sociais historicamente estigmatizados, assim como para a cristalização de uma memória oficial.
Essa prerrogativa nos permite refletir acerca da trajetória histórica das escolas de samba como instituições sociais populares e tributárias das manifestações oriundas da cultura africana e afro-brasileira, fios condutores da prática discursiva por meio dos quais escrevemos este estudo. Embora possamos identificar com naturalidade óbvia a interferência da historicidade em suas práticas discursivas, também é possível e justo refletirmos acerca de suas possibilidades de ação.
As agremiações cariocas surgem entre o fim da década de 1920 e o início dos anos 1930, período marcado pela ação repressora do governo brasileiro no tocante às manifestações culturais oriundas da população afro-brasileira. Dessa forma, o desenvolvimento das agremiações é marcado por sucessivos episódios de docilidade, resistência, confronto e negociação, colocando em cena diversas modalidades de solução para o conflito entre o desejo e a necessidade, entre a expressão cultural genuína e o atendimento às exigências dos diversos patrocinadores (fossem eles ligados ao estado, à indústria turística ou à contravenção).
Diante desse cenário, num contexto de política nacionalista e de forte orientação eurocêntrica, o que se destacou nos primeiros anos de existência das agremiações foi a exigência de enredos que tratassem de temas nacionais. Diante de uma perspectiva nacionalista e eurocêntrica, os enredos privilegiavam figuras políticas ligadas ao nosso passado colonizador e silenciavam, historicamente, as vozes dos colonizados.
Esse panorama se cristalizou com o tempo proporcionando a manutenção de silenciamentos e exclusões de memórias ligadas a grupos sociais marginalizados e estigmatizados, contribuindo para produzir discursos históricos eurocêntricos e equivocados de representações de mulheres, negros e dos povos originários.
Nesse sentido, o samba que a agremiação tijucana Acadêmicos do Salgueiro levou para a Marquês de Sapucaí, em 2024, ofereceu importante aporte para a construção histórica dos povos originários, em um enredo onde a história e a cosmologia dos povos Yanomami aparecem.
Você diz lembrar do povo Yanomami em 19 de abril, mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome quando o medo me partiu, você quer me ouvir cantar em Yanomami pra postar no seu perfil, entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito, nem a pau, Brasil (Salgueiro de Corpo Fechado, 2024).
Em um discurso crítico, a agremiação citada traz importantes elementos para a construção de uma práxis pedagógica voltada ao reconhecimento e à valorização histórica dos povos originários. O trecho “você diz lembrar do povo Yanomami em 19 de abril” permite discutir se realmente há razões para comemorar, diante de um cenário histórico de opressão e abandono desses povos.
Outro enredo apresentado nesse mesmo ano nos ofereceu importantes contribuições pedagógicas. A agremiação de Madureira, Portela, trouxe o enredo Um defeito de cor, inspirado no livro homônimo de Ana Maria Gonçalves. O enredo discute a trajetória histórica dos povos africanos escravizados na viagem entre o continente africano e os portos brasileiros, processo conhecido pela historiografia como a diáspora africana.
Salve a lua de Benin, viva o povo de Benguela, essa luz que brilha em mim e habita a Portela, tal a história de Mahin liberdade se rebela, nasci quilombo e cresci favela (Um defeito de cor, 2024).
O samba possui importantes e relevantes instrumentos de construção pedagógica. Ao citar “tal a história de Mahin, liberdade se rebela”, pode-se discutir acerca do silenciamento da história dos africanos escravizados a partir de sua atuação dentro do sistema escravista.
Ao longo de muitos anos se creditou aos escravizados um caráter de passividade frente à opressão colonialista. Contudo, a nova historiografia vem revelando o papel ativo dos africanos que aqui aportaram como escravos em sua luta por resistência e liberdade.
Em outro trecho importante, o samba cita “nasci quilombo e cresci favela”. Esse trecho permite debater a respeito da resistência dos escravizados, novamente rompendo com a visão positivista de uma história escrita ou dita a partir da perspectiva dos colonizadores, relegando a história dos colonizados ao esquecimento. Assim, a narrativa no samba nos permite relacionar a história da escravidão ao atávico problema da desigualdade social no Brasil.
É importante salientar que as escolas de samba não são arautos da novidade, mas estão em constante debate acerca das transformações históricas que ocorrem na sociedade. No devir de seu advento, o diálogo era com uma sociedade altamente marcada pelo discurso eurocêntrico, mas o que temos hoje é o oposto disso.
Sob a orientação de uma sociedade que cada vez mais se posiciona contra as mais variadas formas de preconceito, o que temos assistido é uma reconstrução da prática discursiva dos enredos das agremiações. Esse cenário, aliado ao posicionamento do ensino de História, se encontra ancorado em conceder protagonismo a vozes historicamente silenciadas, possibilitando que pedagogicamente usemos os sambas de enredo como formas de compreensão crítica de distintos contextos históricos.
Trata-se de modelizar práticas e representações que podem ressignificar certos modos de ser, pensar e viver da contemporaneidade, empregando um artefato cultural como ferramenta didática e forma de fomentar a construção de um mundo mais justo, democrático e igualitário.
Dessa forma, concordando com a premissa da professora Ana Lúcia da Silva, cuja proposta é de um ensino que se preocupe com a desconstrução das pedagogias culturais ou que se preocupe com mensagens que chegam por meios não formais de educação – entre elas, a música –, acreditamos que o movimento de levar para o seio da educação formal (a escola) instrumentos não formais de educação, como os sambas de enredo, seja de fundamental importância para a desconstrução das pedagogias culturais e da modelização de uma nova visão de mundo baseada no respeito, na empatia e na alteridade.
Pensando na construção discursiva do ensino de História – visando a ressignificação de determinadas práticas e o resgate da memória de grupos historicamente silenciados, assim como a valorização da reconstrução de identidades – a utilização dos sambas de enredo evidencia um enorme potencial no sentido de postular uma reorientação acerca da percepção histórica.
Em 2012, a Unidos de Vila Isabel levou para o seu desfile o enredo sobre Angola, trazendo para o debate elementos constitutivos da intensa participação desse continente africano na formação histórica e cultural brasileira:
Somos cultura que embarca, navio negreiro correntes da escravidão, temos o sangue de Angola, correndo na veia, luta e libertação, a saga de ancestrais que por aqui perpetuou (Você semba de lá, que eu sambo de cá - o canto livre de Angola, 2012).
A letra desse samba serve de referencial para discutir em sala de aula elementos de significativos para a compreensão da formação do estado brasileiro, como o papel exercido pela escravidão. Além disso, possibilita o resgate de identidades africanas construídas desde o processo da diáspora, mas que foram historicamente silenciadas por um projeto eugênico de branqueamento da sociedade.
Seguindo essa mesma linha, em 2015, a Beija-Flor de Nilópolis apresentou um enredo acerca dos Griôs, indivíduos de extrema importância na África Ocidental para a transmissão e a preservação da ancestralidade. A letra da obra da agremiação Nilopolitana nos permite refletir acerca de importantes aspectos históricos:
Formosa, divina ilha testemunha dos grilhões, eu vi a escravidão erguer nações, mas a negritude se congraça, a chama da igualdade não se apaga (Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade, 2015).
Percebe-se que a construção discursiva da letra do samba exibe criticidade ao enfatizar o papel preponderante da escravidão na construção de nações desenvolvidas e que tiveram a escravidão como política de estado. Ao mesmo tempo, ela reitera que mesmo com o caráter opressor do regime escravista ele não conseguiu anular por completo os aspectos identitários da população africana, pois ele fora ressignificado durante o processo da diáspora na presença de africanos escravizados no solo brasileiro. Assim, encontramos, no exemplo do samba enredo, importantes subsídios para a construção do conhecimento instrumentalizado no processo de reflexão de questões históricas e sociais, questões permeadas pelo passado histórico e de profunda relevância nos dias atuais.
Nessa mesma perspectiva, em 2022, a Acadêmicos do Salgueiro apresentou o enredo Resistência, em que trazia para o centro do debate elementos importantes acerca da histórica resistência da população negra à violência da escravidão, fazendo uma correlação entre o nosso passado escravista e questões sociais da nossa atualidade.
Hoje cativeiro é favela, de herdeiros sentinelas, da bala que marca feito chibata, vermelho na pele dos meus heróis, lutaram por nós contra a mordaça (Resistência, 2022).
Tendo como norte a premissa freiriana acerca dos temas geradores na construção do conhecimento e visando uma educação emancipadora que os sambas de enredo nos oferecem nesse processo de desconstrução das pedagogias culturais, identificamos no trecho citado alguns pontos importantes que merecem destaque. Ao destacar “hoje cativeiro é favela”, a obra da agremiação salgueirense nos fornece um fundamental aporte pedagógico para a reflexão a respeito do processo histórico que envolve a trajetória da desigualdade social e também racial no Brasil.
Ainda no mesmo trecho, a obra assinala “da bala que marca feito chibata” nos permitindo a promoção de um debate acerca da violência que marca o cotidiano dos moradores das favelas, em sua maioria negros, possibilitando-nos refletir acerca dos impactos que o passado de escravidão ainda exerce em nossa sociedade.
Sob orientação dessa mesma perspectiva, a Beija-Flor de Nilópolis apresentou, em 2022, o enredo Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor. Obra semelhante à do Salgueiro e que traz à luz questões relevantes no que diz respeito a questões sociais já debatidas.
Foi-se o açoite e a chibata sucumbiu, mas você não reconhece que o negro construiu, foi-se o açoite e a chibata sucumbiu, e o meu povo ainda chora pelas balas de fuzil (Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor, 2022).
Dessa forma, percebemos a potencialidade que a instrumentalização dos sambas de enredo podem nos fornecer para a práxis pedagógica do ensino de História. A utilização das obras carnavalescas no processo de problematização, desconstrução e ressignificação das pedagogias culturais, forma importante ferramenta no exercício da potencialização de uma educação crítica e transformadora, com vistas à amplificar a construção de visões de mundo, permeadas pelas noções de alteridade, empatia e respeito aos direitos humanos.
Metodologia
O referencial bibliográfico utilizado neste artigo é resultado de leituras pregressas a respeito do tema em questão, delimitando e fundamentando o seu desenvolvimento. A busca pelos sambas e enredos das agremiações cariocas foi feita por meio do site oficial da Liga das Escolas de Samba, a Liesa.
Essa etapa foi de fundamental importância para a fundamentação teórica, aliada ao levantamento bibliográfico para a sistematização da metodologia qualitativa adotada, intencionando assumir noções que se acoplam mais habitualmente à cultura. Desse modo, constituímos um universo de abrangência da história cultural, como linguagem, em representações e práticas sociais discursivas e/ou não-discursivas.
Análise dos sambas de enredo
Para essa etapa da elaboração desse projeto realizamos uma pesquisa no site oficial da Liesa, buscando enredos e sambas que abordassem temáticas referentes a distintos contextos históricos brasileiros. Dentro de um recorte temporal, circunscrito a partir dos anos 2000, identificamos o momento em que houve intenso debate entre a construção das práticas discursivas das escolas de samba e as profundas transformações da sociedade contemporânea.
As obras escolhidas totalizaram oito sambas e foram identificadas com título e autores na seção notas no final deste artigo. Elas foram analisadas e avaliadas a respeito de seus conteúdos e de como esses conteúdos históricos foram nelas abordados.
Após a identificação e a escolha dos sambas, iniciamos a análise adotando um critério baseado nas contribuições historiográficas de José D’Assunção Barros a fim de relacionar a abordagem contida nos sambas e a relevância deles para a prática pedagógica no ensino de História, considerando se apresentavam alguma contribuição para uma práxis educativa pautada no antirracismo ou para a reflexão acerca das reconstruções de grupos sociais historicamente estigmatizados e/ou silenciados.
Considerações finais
É de fundamental importância refletirmos constantemente a respeito de que educador queremos ser e de que educação pretendemos construir. Nesse sentido, discutir temáticas como intolerância religiosa, racismo, machismo e a reconstrução histórica de grupos sociais silenciados e estigmatizados ao longo de séculos é uma ação basilar.
Dessa forma, identificando as escolas de samba como instituições sociais e populares tributárias das distintas manifestações culturais Africanas e Afro-brasileiras e norteado pelas contribuições de Renê Rémond (2003) que apontam para a construção e a manutenção de práticas políticas a partir de relações e espaços cotidianos, este trabalho concebe as construções discursivas dos enredos das agremiações como potenciais de reorientação da percepção social dos estudantes.
Aliando essa perspectiva à pedagogia freiriana que pensava a prática pedagógica a partir de movimentos sociais, vislumbramos as escolas de samba como espaços de educação não formal e seus enredos como importantes ferramentas pedagógicas que podem auxiliar na construção de uma prática educativa voltada ao combate das mais distintas formas de preconceito para a compreensão crítica dos diferentes contextos históricos.
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Publicado em 19 de fevereiro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
LAUDIAUZER, Luiz Claudio. Carnaval e ensino de História: instrumentalização dos sambas de enredo como ferramenta pedagógica para compreensão crítica de processos históricos. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 7, 19 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/7/carnaval-e-ensino-de-historia-instrumentalizacao-dos-sambas-de-enredo-como-ferramenta-pedagogica-para-compreensao-critica-de-processos-historicos
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