Oficina temática na Química: conscientização e prevenção sobre o uso de cigarro eletrônico, narguilé e tabaco entre os jovens
Marcos Gabriel M. Guedes
Licenciando em Ciências Biológicas (UEM)
José Nunes dos Santos
Doutor em Ensino de Ciências e Matemática (Unicamp), pós-doutor em Formação de Professores (UFSCar), professor de Biologia e Ciências da rede estadual paranaense
O ensino de Química é extremamente importante na disciplina de Ciências, pois esse conhecimento se faz presente, de certo modo, fragmentado juntamente com o conhecimento da Biologia e da Física nos anos finais do Ensino Fundamental (EF), principalmente, no 9º ano. A Química básica, ensinada nos últimos anos do EF, é uma base teórica importante para a construção do conhecimento que terá andamento no Ensino Médio (EM). A Química, na Ciência, pode despertar – entre alunos de diferentes níveis de escolarização – o conhecimento químico no mundo real para a formação do estudante. Na fala de Chassot (1993), é necessário que o conhecimento químico perpasse todas as séries/anos do EF.
Não é de hoje que sabemos que no EF, quando se buscam os primórdios do ensino da Química, o início é incerto e impreciso. Se olharmos na história da educação, vemos que em diferentes tempos houve tentativas de se fazer uma Educação Química (Chassot, 1996). Ensinar Química é algo desafiador para o professor de Ciências, uma vez que o conteúdo é a base da memorização, das informações e das fórmulas. A base teórica adquirida pelo docente é escassa durante a formação inicial. Além disso, a dificuldade na aprendizagem por parte do aluno se dá principalmente nos assuntos que necessitam de conhecimentos prévios de outras disciplinas, como Matemática e Língua Portuguesa. Outro ponto é a metodologia apresentada pelos professores, fator limitante para o aprendizado, pois poucos relacionam a Química com o cotidiano, tornando a matéria ainda mais difícil e desinteressante (Menezes et al., 2019).
Assim, vemos que a formação completa do professor é extremamente importante durante a licenciatura, assim como a sua participação em projetos, como o Programa de Residência Pedagógica (PRP) que se torna indispensável durante a sua formação acadêmica. A residência pedagógica é um projeto da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) que tem como finalidade o aperfeiçoamento da formação inicial de professores da Educação Básica nos cursos de licenciatura (Brasil, 2023). Esse programa permite ao futuro professor uma experiência prática e reflexiva no contexto escolar contribuindo para o desenvolvimento de práticas pedagógicas, o aprimoramento das relações teórico-prática e a compreensão dos desafios dentro de sala de aula.
Para um futuro professor de Ciências, essa prática pedagógica é fundamental, pois leva o acadêmico a entender os saberes que a teoria relaciona com a prática. Essa dupla é infalível para o conhecimento do licenciando. Assim, Lima (2002, p. 41) afirma que a atividade do professor é assentar “esses saberes em movimento e, dessa forma, construir e reconstruir o conhecimento ensinando e aprendendo com a vida, com os livros, com a instituição, com o trabalho, com as pessoas, com os cursos que frequenta, com a própria história”.
Nessa perspectiva, pesquisas apontam que é do entendimento do futuro professor de Ciências (Lima; Marcondes, 2005) entender acerca da importância do ensino de Química nos anos finais do EF, principalmente, proporcionando aos alunos a reflexão e a indagação, relacionando o conteúdo com suas vivências. Isso é desenvolver um conhecimento de Química para a formação crítica, podendo, de certa forma, conscientizar o discente a fazer uso do conhecimento científico na realidade natural e social.
Em vista disso, o presente relato de experiência pedagógica busca atrelar o ensino de Química nos anos finais do EF, com o cotidiano de adolescentes a respeito do uso de cigarros eletrônicos, narguilé e tabaco, associado ao conteúdo de substâncias químicas proposto pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) na unidade temática “matéria e energia” cujos objetos de conhecimento são as transformações químicas, as estruturas da matéria, as radiações e suas implicações na saúde. Nas habilidades a serem trabalhadas estão: mudanças de estados físicos e transformações químicas, modelos e estrutura da matéria (Brasil, 2017). Assim, como intervenção pedagógica, o relato de experiência tem como objetivo descrever o desenvolvimento de uma oficina realizada em uma escola no interior do Paraná, no município de Maringá, com uma turma de 9º ano acerca da conscientização e da prevenção no uso de cigarros eletrônicos, narguilé e tabaco.
Ademais, entendendo a docência como um processo complexo e construtivo, outro aspecto importante desse trabalho foi ressaltar a importância da residência pedagógica para a formação inicial do professor.
Ensino de Química atrelado ao uso de cigarro eletrônico, narguilé e tabaco
O ensino de Química pode proporcionar aos estudantes o interesse pela Ciência, ter pensamento crítico, consciência cidadã e conhecimentos científicos. Entretanto, esse ensino precisa estar atrelado ao interesse dos alunos, buscando assim, conectá-los a uma aprendizagem significativa (Backes; Prochnow, 2017). O uso de cigarro eletrônico, narguilé e tabaco virou um grande surto no século XXI, influenciados pela mídia - grande potência do século - para levar o indivíduo a se inserir em um grupo e a acreditar que esses elementos são pouco prejudiciais à saúde. Mas o uso desses equipamentos e substâncias se tornou recorrente nos últimos tempos. Faz-se importante associar essa temática como tema gerador nas aulas de Ciências, relacionando-a a outros conteúdos temáticos do século.
O cigarro eletrônico foi criado em 2003, pelo chinês Hon Lik. As principais causas para essa invenção estão na necessidade de criar um cigarro que trouxesse menos malefícios que o tabaco, uma forma mais segura de inalar a nicotina. Infelizmente, isso só pode ser observado pelo criador após a morte de seu pai, um fumante ativo que morreu com câncer de pulmão, decorrente do uso excessivo de tabaco (Cahn; Siegel, 2010).
Diferentemente do cigarro eletrônico, o narguilé teve sua origem há tempos atrás, na Índia e foi criado pelo médico Hakim Abul Fath. O narguilé, uma espécie de cachimbo grande com água, foi criado como método de retirar as impurezas da fumaça antes de se fumar, com a ideia de que seria menos nocivo à saúde. Além disso, o uso do narguilé é reforçado por práticas irresponsáveis de marketing que criam uma falsa sensação de que as substâncias presentes nesses equipamentos são menos prejudiciais que o tabaco (Martins et al., 2014).
Todos esses equipamentos foram criados com o intuito de minimizar os efeitos que o cigarro convencional causa, porém foram tentativas falhas que acabaram resultando na produção de mais fontes de consumo de derivados do tabaco, cada vez mais atrativas principalmente entre jovens e adolescentes.
O cigarro comum, que tem como base o tabaco, é utilizado desde milhares de anos e está enraizado em diversas culturas mundiais se fazendo presente na sociedade contemporânea, passando de ervas utilizadas em cerimônias indígenas a produtos de consumo na sociedade moderna. Segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), o consumo de cigarro é um costume que está intensamente arraigado na vida diária de cerca de 1,1 bilhão de pessoas (OPAS, 2019). O tabagismo é extremamente perigoso e seus efeitos psicoativos têm ação narcótica, efeitos fisiológicos e relaxantes. São 7 mil substâncias tóxicas presentes, incluindo a nicotina e pode convencer as pessoas em um curto espaço de tempo, mas os riscos à saúde são as consequências do uso, conforme evidenciado nas pesquisas de Araújo e Fernandes (2021).
Nesse contexto e com a grande exposição de jovens e adolescentes a essas substâncias, utilizar a temática se torna importante na disciplina de Ciências, nos conteúdos temáticos de Química nos anos finais do EF. Ao estudar as substâncias químicas, sua definição, classificação e o que elas podem causar, os alunos aprendem melhor e os docentes conseguem fazer com que o ensino-aprendizagem se torne mais dinâmico, atrativo e interessante. O conteúdo deixa de ser maçante e decorativo, servindo tanto para a conscientização como para a informação, indispensável à vida do aluno.
Para Backes e Prochnow (2017), o uso de um conteúdo temático integra o contexto do estudante a aspectos da comunidade escolar, assim como às suas vivências e de suas famílias, possibilitando questionamentos e reflexões importantes para a compreensão e o reconhecimento do seu entorno, dando significado à sua aprendizagem.
Programa Residência Pedagógica na construção de identidade profissional docente
A profissão docente está cada vez mais defasada, pois falta investimento público, há cortes de direitos e falta de incentivo. Esses são motivos que levam acadêmicos a não se interessarem pela área educacional. Consideremos que a profissão docente, por estar conectada à dependência do estado, está no fluxo e no refluxo da aspiração política dos governantes e das intenções sociais (Barros; Scheide, 2012). Tudo isso distancia o acadêmico da profissão de educador.
Assim, a docência deixa de ser uma opção profissional para os jovens, tendo em vista as circunstâncias da profissão, como aspectos relacionados à renda, à perspectiva de empregabilidade, à taxa de retorno, ao status associado à carreira ou vocação, bem como a identificação, os interesses, as habilidades, a maturidade, os valores, os traços de personalidade e as expectativas em relação ao futuro. Ser professor não é uma das opções mais condizentes (Almeida et al., 2014).
A situação apresentada é preocupante, pois o futuro professor - aquele que possui a vontade de lecionar, ensinar, compartilhar e ter uma formação profissional completa - é algo indispensável. Ao longo da jornada acadêmica, os universitários são apresentados a diversos conteúdos, trabalhos e apresentações a fim de que aprendam para ensinarem depois. Compreendem as maneiras de organizar os processos de ensino, montar aula, avaliações e até como deve ser o tratamento com os alunos, perante uma turma (o que falar, o que não falar). Mas será que é na faculdade mesmo que se aprende como ser um bom professor? Entendemos que a principal forma para essa aprendizagem se dá na prática, no fazer, no participar, estando dentro da escola e vivenciando a rotina. Por isso, o aprendizado se inicia no estágio obrigatório/supervisionado, ofertado pelas universidades em parceria com as escolas.
Diante dos problemas e das incertezas do processo de formação docente, toda prática social é um trabalho cujo processo de realização desencadeia uma transformação real no trabalhador professor (Tardif, 2014). A prática, em todas as profissões, leva o profissional à exposição a todos os tipos de situações. Na docência isso não é diferente. Estar na escola, conviver com os alunos, participar do convívio escolar é a principal maneira de criar o próprio perfil de professor. Além dos estágios obrigatórios ofertados pelas universidades, há projetos que fortalecem a formação profissional do professor, como o PRP.
O PRP é um projeto do governo federal coordenado pela Capes cujo objetivo é fortalecer a formação teórico-prática de estudantes da área da educação, contribuindo para uma construção identitária profissional docente nos licenciandos (Brasil, 2023). Ademais, projetos assim são vantajosos, pois proporcionam uma aprendizagem que integra a teoria com a prática. O futuro professor tem a oportunidade de aplicar os conhecimentos teóricos adquiridos durante o curso. A Residência Pedagógica permite ao futuro professor um desenvolvimento profissional no qual adquire habilidades imprescindíveis para o exercício da docência: planejamento de aula, adaptação curricular, uso de recursos pedagógicos, mediação de conflitos, compreensão da diversidade dos alunos, entre outras tarefas necessárias para promover uma educação de qualidade.
Tais reflexões comungam com a exposição de Imbernón (2011), pois não podemos afirmar que o desenvolvimento profissional do professor se deve unicamente ao desenvolvimento pedagógico ou ao conhecimento/ compreensão de si mesmo. A profissão docente se desenvolve por diversos fatores: salário, demanda de mercado, a promoção da profissão, formação continuada, entre outros. Essa perspectiva é global é parte da hipótese de que o desenvolvimento profissional envolve tanto fatores de formação quanto fatores externos. Com isso, a melhoria na formação ajuda no desenvolvimento, mas a melhoria de outros fatores como salário, estrutura escolar, níveis de decisão, níveis de participação, carreira, clima de trabalho e legislação trabalhista têm papel decisivo no desenvolvimento do futuro profissional.
Abordagens metodológicas
O trabalho apresentado consiste em um relato de experiência de abordagem qualitativa de caráter descritivo e interpretativo, como sugerem Lüdke e André (1986, p. 11). Para os autores, uma análise qualitativa na educação permite coletar dados e ponderar a “realidade de forma complexa e contextualizada [...] sem qualquer manipulação intencional do pesquisador”.
Assim, detalhamos as ações pedagógicas concretizadas por um residente pedagógico do PRP em Biologia (UEM) e seu preceptor em aulas de Ciências. O relato de experiência trata da análise de uma oficina em aulas de Ciências denominada Vício ou modismo: o uso de cigarro eletrônico, narguilé e tabaco entre jovens para alunos do 9º ano do EF, vinculados à rede estadual paranaense. As atividades tiveram como objetivo a conscientização e a prevenção ao uso de cigarros eletrônicos, narguilé e tabaco.
As atividades foram desenvolvidas no mês junho de 2023, em quatro horas/aula semanais, organizadas por acontecimentos de ensino (AE), que, de acordo com Santos, é o “agrupamento de aulas por tema/assunto trabalhado em sala de aula” (2013, p. 86). Assim, as ações pedagógicas são descritas em quatro AE. No primeiro AE acontece o diagnóstico dos conhecimentos prévios acerca do assunto; no segundo AE é organizada uma roda de conversa; no terceiro AE há uma demonstração prática dos cigarros eletrônicos, do narguilé e do tabaco; e no quarto AE é feita a aplicação de um questionário final.
Descrição e avaliação dos resultados
A oficina foi organizada de forma a relacionar teoria e prática com o assunto do cotidiano, o vício ou o modismo, com o uso de cigarro eletrônico, narguilé e tabaco entre os jovens. Essa atividade foi sistematizada com embasamento teórico e conhecimentos correlatos.
A seguir, detalhamos as ações das atividades desenvolvidas pelo residente pedagógico do PRP em Biologia (UEM) e pelo preceptor de Ciências que servem de inspiração para a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem em Ciências.
Primeiro acontecimento de ensino
Como forma de recolhimento dos conhecimentos prévios dos alunos a respeito da temática, foi aplicado um questionário inicial (Quadro 1) composto por quatro questões, sem nenhum tipo de identificação do estudante. As ideias prévias dos alunos exercem função essencial no processo de aprendizagem, pois a construção de conhecimentos só é possível a partir do que o estudante já conhece (Mortimer, 2000). Desse modo, percebemos as vivências dos alunos e, a partir delas, realizamos um levantamento de dados com o propósito de comparar se no fim da oficina há ou não há mudanças no pensamento deles a respeito do tema.
Quadro 1: Questionário inicial
1) Você estudante, faz o uso de cigarro eletrônico, narguilé ou tabaco? |
2) Qual principal motivo que leva o jovem a fazer esse uso? |
3) Você sabe das consequências causadas pelo uso de cigarro eletrônico, narguilé e tabaco? |
4) Você acredita que o uso destas substâncias se dá pela necessidade de consumo ou por seguir um “padrão” imposto pelos jovens? |
Este trabalho, a priori, tem a intenção de levar informação e conscientização a respeito de assuntos do cotidiano relacionados ao ensino de Química dentro da matéria de Ciências. Os alunos são identificados com a letra “A” seguida pelo um número de identificação para cada estudante mencionado.
Ao analisarmos as respostas dadas pelos alunos, a percepção clara é a de que boa parte deles possui conhecimento acerca do tema. Os estudantes A1 e A2 afirmaram usar cigarro eletrônico e narguilé. A visão dos dois são parecidas. Para ambos, o uso na maioria das vezes se dá por problemas dentro de casa. Assim, essas substâncias se tornam um refúgio para aqueles que muitas vezes passam por stress, desconfortos e brigas. Os estudantes A1 e A2 reconhecem que esses equipamentos e substâncias trazem malefícios à saúde e acreditam que a maior parte das pessoas começa a fazer o uso deles para o escape de problemas em casa. Já os estudantes A3, A4 e A5 relataram não fazer o uso de nenhum dos equipamentos e afirmam que o motivo que leva o jovem a usá-los são as más influências, pessoas próximas que usam e influenciam jovens a utilizarem também.
Muitos alunos acreditam que o cigarro eletrônico, narguilé e tabaco causam sérios perigos à saúde e que a vontade de ter novas experiências, a curiosidade ou o pensamento de ‘ser descolado’ são fatores determinantes para a sua utilização, como nos casos dos estudantes A6, A7 e A8. Eles não fazem o uso, mas têm conhecimento dos riscos à saúde que podem ser causados. Contudo, a percepção entre os alunos acerca do tema é diferente. O fato de o cigarro eletrônico, o narguilé e o tabaco serem causadores de doenças, trazendo riscos à saúde, é fato perceptível para a maioria dos participantes. Como já exposto, a maioria dos alunos conseguiram por meio do questionário trazer suas ideias, vivências e saberes a respeito da temática, sendo importante para o andamento da oficina, fomentando as discussões e fortalecendo as informações adquiridas.
Segundo acontecimento de ensino
De acordo com Backes e Prochnow (2017), o tema gerador para ensinar determinados conteúdos permite reflexões para o estudante compreender a Ciência, possibilitando a aprendizagem. No caso do ensino de Ciências, assuntos como cigarro eletrônico, narguilé e tabaco são temas geradores que possibilitam abordar conhecimentos relacionados a fenômenos científicos.
Do ponto de partida proposto pelos temas geradores, os alunos ficaram instigados, curiosos e interessados pelo assunto. Assim, com a perspectiva de aproveitar a percepção dos alunos, após a realização do questionário inicial, realizamos uma roda de conversa sistematizada por fundamentações teóricas e com a utilização de recursos didáticos tecnológicos. O diálogo fluiu com conversas baseadas em torno da história de criação do cigarro eletrônico e narguilé, mostrando aos estudantes que nem sempre existiram esses equipamentos. Na maioria dos casos, foram criados como forma de amenizar os efeitos trazidos pelo tabaco.
Percebe-se que a roda de conversas (Figura 1) permitiu a interação e a participação dos alunos, um momento de contexto dialógico e social do ensinar e aprender, revelando que questões relacionadas ao cigarro eletrônico, ao narguilé e ao tabaco, são assuntos sempre presentes na vida cotidiana dos alunos. Ademais, o assunto seguinte trouxe a composição química e as substâncias presentes no cigarro eletrônico e narguilé e suas consequências geradas a partir desse uso, mostrando as doenças ocasionadas. Como afirmam Araújo e Fernandes (2021), as substâncias químicas tóxicas presentes nesses elementos são extremamente perigosas. Seus efeitos psicoativos, como ação narcótica, podem convencer os jovens em curto prazo, resultando em vício.
Figura 1: Roda de conversas sobre o cigarro eletrônico, o narguilé e o tabaco
Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2023.
Com a apresentação dos pontos acima, a conversa se baseou em questionamentos, comentários, exposição de vivências e discussões da temática. Em termos didáticos, esse desenvolvimento de ideias permitiu que estudantes apresentassem casos (doenças, efeitos psicoativos e vícios) que aconteceram com famílias, amigos ou pessoas próximas, enriquecendo ainda mais a oficina e proporcionando uma correlação dos tópicos abordados com as experiências cotidianas.
Terceiro acontecimento de ensino
Com o fim da parte teórica, realizamos uma prática demonstrativa de cigarros eletrônicos, narguilé e tabaco para serem analisados (Figura 2). Havia essência de narguilé e fumo para análise com microscópio óptico (Figura 3), cigarros eletrônicos abertos com o objetivo de visualizar a presença da nicotina aderida no filtro e caixas de cigarro com o intuito de que visualizassem as propagandas presentes como forma de consequência desse uso.
Figura 2: Cigarros eletrônicos, narguilés e tabaco
Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2023.
A prática foi importante para a constatação dos aspectos abordados na teoria e nas discussões (roda de conversas), mostrando aos alunos o impacto causado pelos elementos ao serem ingeridos. Muitas vezes a mídia influencia ou ajuda na disseminação desse uso e os fabricantes criam embalagens que chamam a atenção dos jovens, pouco se preocupando com os riscos que podem causar entre as pessoas.
Figura 3: Microscópios para análise de essência de narguilé e tabaco
Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2023.
Como forma de visualizar como seria o contato da fumaça com os pulmões a fim de demonstrar os impactos que ela traz com as substâncias presentes, os alunos observaram um pulmão artificial criado com pote de vidro, seringas e algodão. Dessa forma, visualizaram como é o trajeto da fumaça e como o pulmão fica após anos de uso (Figura 4).
Figura 4: Pulmão artificial
Fonte: Arquivo dos autores, 2023.
A atividade prática é a interação entre alunos e materiais concretos, como objetos, microscópio, livros e outros. Com esse envolvimento natural e social, relações são estabelecidas abrindo para possibilidades de novos conhecimentos (Vasconcellos, 1995). Dessa forma, a prática contribui para a participação, o entendimento e as percepções dos alunos, tornando o tema mais atrativo e interessante.
A oficina proporcionou aos alunos informações importantes a respeito dos cigarros eletrônicos, narguilé e tabaco, além de propor discussões valiosas acerca do uso, com exemplos a não serem seguidos, mas que precisam ser compartilhados com familiares, amigos e pessoas próximas a fim de transmitir esses aprendizados adiante.
Quarto acontecimento de ensino
No processo educacional é necessário que o professor repense a sua forma de ensinar para compartilhar conteúdos e saberes relacionais, próximos do cotidiano do aluno. Tais reflexões comungam com a exposição de Tardif (2014), pois ele discorre a respeito dos saberes docentes e de sua relação com o próprio exercício da prática pedagógica. Para Tardif (2014), os saberes experienciais correspondem aos conhecimentos arquitetados pelos professores em um processo individual de aprendizagem a partir da afinidade que mantém com o trabalho escolar e o ambiente da sala de aula. A partir das ações pedagógicas mediadas pela oficina Vício ou Modismo: o Uso de Cigarro Eletrônico, Narguilé e Tabaco entre Jovens, saberes foram assegurados aos docentes para a organização de um processo de ensino-aprendizagem com a valorização global da realidade, baseado no que é construído junto ao aluno e não no que é transmitido a ele.
Com isso, para o término da oficina e como forma de comparação com o questionário inicial (a fim de saber se os estudantes aprenderam algo), aplicamos duas questões em um questionário final (Quadro 2), levando em consideração aspectos relevantes e conhecimentos científicos abordados ao longo da oficina.
Quadro 2: Questionário final
1) Após a realização da oficina, se você faz uso de cigarro eletrônico, narguilé ou tabaco, ainda continuaria com essa prática? E você que não faz uso acredita que a oficina é uma boa forma de conscientização? Justifique. |
2) Diante dos debates realizados durante o desenvolvimento da oficina, você faria o uso de cigarro eletrônico, narguilé e tabaco como forma de modismo? Justifique. |
O conjunto da atividade escolar resultou entre os alunos uma divisão de opiniões, visto que eles possuem relações e vivências diferentes com o tema abordado. Após a análise das respostas dadas pelos alunos notamos como a oficina foi um importante instrumento de informação e conscientização para eles. A maioria dos alunos, como A3, A4, A5, A6, A7, A8, A9 e A10, acredita que a oficina é uma fonte de informação e conscientização, pois aborda aspectos relevantes relacionados ao cigarro eletrônico, ao narguilé e ao tabaco, além de mostrar os efeitos negativos causados pelo uso dessas substâncias. Os estudantes A6, A7, A8, A9 e A10 se posicionam firmes nas repostas, demostrando não terem interesse em usar esses elementos, porém acreditam que a maioria dos jovens começa a usá-los por causa do modismo imposto pela sociedade a fim de se socializarem e se enturmarem para criar amigos.
Entretanto, em outra perspectiva, há alunos (A1 e A2) que fazem o uso desses equipamentos e expõem que o costume e a sensação prazerosa do cigarro eletrônico, do narguilé e do tabaco fazem com que eles não tenham a pretensão de largar o vício/consumo. É importante evidenciar que embora a oficina tenha servido de informação, os estudantes creem que o vício prevalece e o uso persiste. Desse modo, os estudantes julgam a oficina importante, uma vez que ela apresenta as características e os fatores a respeito do uso desses elementos e de seus derivados, expondo seus malefícios.
Considerações finais
As reflexões postas aqui convergem para pontos positivos da oficina. A oficina debateu e propôs discussões importantíssimas a respeito do consumo do cigarro eletrônico, narguilé e tabaco por jovens do Ensino Fundamental. Os estudantes puderam ter uma experiência completa a respeito dessa temática e entenderam os principais problemas causados na vida das pessoas. Além disso, observaram em aula prática todos os equipamentos, as substâncias e uma demonstração de como é e as causas da chegada da fumaça nos pulmões de um indivíduo.
Ademais, a oficina gerou conhecimentos químicos, conscientização e discussões, além de exposição de vivências e pensamento crítico a respeito dos temas debatidos. Os alunos conseguiram compreender o mal causado por esses equipamentos e como na atualidade os jovens estão propícios a ceder aos vícios. Como a oficina abordou um tema que está relacionado ao cotidiano dos jovens, houve intensa participação deles. Cada um pode mostrar seu ponto de vista e somar vivências às ideias de todos.
Considerando a oficina como experiência pedagógica, ela foi importante disseminadora de conhecimentos, trabalhando conteúdos de Química na disciplina de Ciências, relacionados a temas do cotidiano, de forma prazerosa e propicia para uma maior participação e interação dos alunos. Com isso, abordar temáticas atuais no contexto da sala de aula enriquece e instiga os alunos ao conhecimento, proporcionando uma melhor aprendizagem.
Entendemos que o Programa de Residência Pedagógica oportuniza ao licenciando vivenciar saberes docentes, como: planejar aula, utilizar os recursos pedagógicos, mediar conflitos e ademais tarefas que possibilitam uma educação de qualidade. Isso é indispensável para o futuro professor, pois possibilita experiências pedagógicas fundamentais ao seu desenvolvimento profissional. Assim, é importante que o governo federal, em parceria com a Capes, fomente projetos como o PRP a fim de proporcionar uma qualificação inicial aos docentes em formação.
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Publicado em 19 de fevereiro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
GUEDES, Marcos Gabriel M.; SANTOS, José Nunes dos. Oficina temática na Química: conscientização e prevenção sobre o uso de cigarro eletrônico, narguilé e tabaco entre os jovens. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 7, 19 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/7/oficina-tematica-na-quimica-conscientizacao-e-prevencao-sobre-o-uso-de-cigarro-eletronico-narguile-e-tabaco-entre-os-jovens
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