Desafios do corpo humano: uma proposta de quiz como metodologia ativa para o ensino de Ciências
José Milton Ferreira Júnior
Docente do curso de Licenciatura em Química da UECE, doutor em Biotecnologia (UFC), mestre em Química Inorgânica (UFC), licenciado em Química (UECE)
Paulo Roberto Sousa Ferreira
Mestre em Estudos da Linguagem (Unilab), especialista em Ensino de Ciências, licenciado em Ciências da Natureza e Matemática (Unilab)
Regilany Paulo Colares
Docente do curso de Licenciatura em Química da Unilab, doutora em Química (UFC), mestra em Química Inorgânica (UFC), licenciada em Química (UECE)
O mundo contemporâneo e o mercado de trabalho demandam pessoas mais autônomas e com senso crítico sobre o que ocorre na sociedade. Para atender a essas necessidades, destaca-se a aplicação das metodologias ativas, que buscam romper com a concepção de ensino centrado no professor, promovendo o envolvimento do aluno enquanto protagonista de sua aprendizagem. Nessa mudança, é de extrema importância que o aluno deixe de ser um sujeito passivo, receptor de informações, e passe a ser um participante ativo do processo de ensino-aprendizagem. Por sua vez, o professor deixa de ser o portador do conhecimento e assume o papel de mediador e de facilitador da aprendizagem. Essas ferramentas didáticas transformam a sala de aula em um espaço democrático, atrativo, criativo, estimulante, e propício a debates e reflexões (Bergmann; Sams, 2016).
Na Educação Básica, o tópico de Fisiologia Humana é definido como o estudo do funcionamento do corpo humano. Essa temática não apenas se faz necessária para elucidar diferentes aspectos corporais dos estudantes, mas também auxilia na compreensão de questões relacionadas à saúde (Silverthorn, 2017). Aliado a uma reduzida articulação entre os conteúdos, o estudo da fisiologia humana torna-se ainda mais desafiador ao abordar temas específicos do funcionamento do corpo humano. Dividido em sistemas – circulatório, endócrino, muscular, reprodutivo, digestivo, entre outros –, a aprendizagem desses conteúdos pode ser mais lenta e ineficiente, sobretudo na Educação Básica, uma vez que certos tópicos apresentam um nível de abstração que ultrapassa a compreensão conceitual, como ocorre no estudo do sistema circulatório (Lima; Moreira; Castro, 2014).
Para compreender o funcionamento do corpo humano, é necessário um entendimento aprofundado das rotas metabólicas que orientam as alterações minuciosas que, em conjunto, sustentam a vida. Assim, o ensino da anatomia humana e de suas funcionalidades apresenta inúmeras dificuldades, principalmente devido à extensa carga de conteúdo. Quando esses tópicos são administrados por métodos tradicionais de ensino, que priorizam a memorização e a reprodução mecanizada de informações, ocorre uma elevada ineficiência no processo de ensino-aprendizagem, gerando um “abismo cognitivo” entre o aprendiz e o objeto da aprendizagem (Mendonça et al., 2022).
Nesse contexto, o desenvolvimento de metodologias que colocam o estudante no protagonismo da construção do conhecimento contribui para o desenvolvimento de autonomia, capacidade de resolver problemas, autoconfiança, trabalho em equipe, senso crítico, aprendizado significativo e motivador, empatia e estreitamento das relações entre professor e aluno, entre outros benefícios.
Conforme Morán (2015), “as metodologias ativas são o ponto de partida para processos mais avançados de reflexão, de integração cognitiva, de generalização e reelaboração de novas práticas”. Assim, entende-se que essas metodologias constituem um processo de reformulação e de reflexão da prática docente, possibilitando que esta seja orientada pelas necessidades e pelas exigências de aprendizagem dos estudantes, que, por sua vez, contribuem para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem.
De acordo com Diesel, Baldez e Martins (2017), as metodologias ativas representam uma possibilidade de ativar o aprendizado dos alunos, colocando-os no centro do processo, em contraponto à posição de espectadores. Sobre essa temática, os autores afirmam:
As metodologias ativas, quando tomadas como base para o planejamento de situações de aprendizagem, poderão contribuir de forma significativa para o desenvolvimento da autonomia e motivação do estudante à medida que favorecem o sentimento de pertencimento e de coparticipação, tendo em vista que a teorização deixa de ser o ponto de partida e passa a ser o ponto de chegada (Diesel; Baldez; Martins, 2017, p. 275).
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento normativo que define as competências e as habilidades essenciais que todos os alunos têm o direito de aprender, constituída pela Resolução do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação (CNE/CP) nº 15 de 2017, não menciona literalmente o termo “metodologia ativa” em seu texto. No entanto, orienta, de forma indireta, que os profissionais da Educação selecionem e apliquem metodologias e estratégias didático-pedagógicas diversificadas e práticas, colocando os estudantes em situações desafiadoras, com o objetivo de motivá-los e engajá-los nos processos de ensino-aprendizagem (Brasil, 2017).
Documentos posteriores, como a Resolução CNE/CP nº 1 de 2021, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica, utilizam o termo “metodologias ativas” de forma mais explícita. Essa resolução apresenta como um de seus princípios norteadores
a indissociabilidade entre educação e prática social, bem como entre saberes e fazeres no processo de ensino e aprendizagem, considerando-se a historicidade do conhecimento, valorizando os sujeitos do processo e as metodologias ativas e inovadoras de aprendizagem centradas nos estudantes (Brasil, 2021).
Nesse contexto, destaca-se como exemplo de metodologia ativa a gamificação, que busca incorporar ao contexto educacional a experiência dos jogos, promovendo maior engajamento e dinamicidade nas atividades desenvolvidas. Essas práticas exploram elementos como competitividade, cálculo de riscos, desenvolvimento de argumentação e linguagem, cooperação mútua e consolidação de um raciocínio coletivo e cooperativo (Tolomei, 2017). Entre as ferramentas de ensino que utilizam a gamificação, destaca-se o quiz, cuja metodologia traz maior ludicidade e interatividade ao ensino, contribuindo para a melhoria da execução das ações docentes (Oliveira et al., 2023).
Sobre a aplicação do recurso didático quiz, Souza, Miranda e Coelho (2020) destacam que ele é um importante instrumento para a avaliação de conhecimentos sobre determinado assunto, incentivando os estudantes a pesquisar, refletir e discutir os conteúdos e os conceitos trabalhados em sala de aula. Esses autores ainda argumentam que o instrumento didático deve ser considerado “um suporte para a construção do conhecimento, portanto, eficiente no processo de ensino-aprendizagem”. Assim, considerando suas características e potencialidades, o quiz configura-se como uma excelente ferramenta pedagógica, tanto para a aprendizagem do estudante quanto para o aprimoramento das práticas docentes.
No que diz respeito à aplicação e função pedagógica de um quiz no contexto escolar, Morán (2015) observa que,
para gerações acostumadas com os games, a linguagem de desafios, recompensas, competição e cooperação é atraente e fácil de perceber. Os jogos colaborativos e individuais, com regras e objetivos bem definidos se tornam cada vez mais presentes nas diversas áreas de conhecimento e níveis de ensino (Morán, 2015, p. 18).
Dessa forma, destacam-se as principais características do recurso didático em discussão: interação social, dinamicidade, estratégia, competição, cálculo de riscos e colaboração. Esses atributos contribuem para o desenvolvimento de habilidades e de competências educacionais específicas, como pensamento científico, criativo e crítico, comunicação, argumentação, empatia e cooperação (Brasil, 2017).
Pesquisas indicam que o quiz pode ser utilizado em diferentes áreas do conhecimento, demonstrando sua versatilidade e sua multidisciplinaridade, considerando as necessidades e as potencialidades do atual contexto de ensino (Apolinário et al., 2022; Brandão; Souza; Miranda, 2023; Santos; Oliveira, 2020; Batista; Cruz, 2021).
Dado o exposto, e partindo da hipótese de que o uso de ferramentas lúdicas potencializa o processo de abstração no aprendizado de Ciências, este estudo tem como objetivo elaborar e aplicar uma dinâmica do tipo quiz. Busca-se, por meio de elementos que promovam cooperação mútua e dinamicidade no ensino, maior eficiência no aprendizado da temática do corpo humano no Ensino Fundamental.
Percursos metodológicos
A pesquisa desenvolvida possui natureza qualitativa e descritiva, conforme a classificação de Gil (2019). A eficiência da atividade proposta foi avaliada por meio de observação participante, avaliando como os estudantes se integraram ao recurso didático e de que forma foram estimulados. A população analisada é composta por educandos da rede municipal de ensino do município de Barreira, localizado na região do Maciço de Baturité, no Estado do Ceará.
Para a avaliação da atividade proposta, foram selecionadas duas turmas de 8º ano do Ensino Fundamental: “A” e “B”. A primeira assumiu a função de grupo experimental, submetendo os sujeitos da pesquisa à investigação, enquanto a segunda atuou como grupo controle, servindo de parâmetro comparativo. É importante destacar que as turmas avaliadas tinham números similares de alunos (Turma A: 21 alunos; Turma B: 18 alunos), pertenciam ao mesmo turno de ensino (tarde), apresentavam idades médias similares, e o conteúdo de Ciências ensinado estava alinhado ao calendário escolar de ambas.
A aplicação do método em análise seguiu a sequência didática apresentada na Figura 1.
Figura 1: Sequência didática para avaliação da metodologia ativa quiz
Como destacado na Figura 1, a investigação iniciou-se com a aplicação de uma avaliação diagnóstica (1ª etapa), composta por um questionário com dez perguntas objetivas sobre a temática corpo humano, abordando sistemas como respiratório, nervoso, digestivo e reprodutor, entre outros. Esse questionário foi aplicado a ambas as turmas, com o objetivo de diagnosticar e avaliar os conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema. A atividade foi respondida individualmente, com duração de 30 minutos.
Na etapa seguinte (2ª etapa), foi realizada uma aula teórica em ambas as turmas, utilizando metodologia de ensino tradicional (quadro branco, pincel e exposição oral). A aula teve como objetivo revisar os conteúdos relacionados ao tópico destacado, com duração de 60 minutos.
Em uma aula posterior, foi aplicado o jogo didático do tipo quiz na turma do 8º ano “A”, com o objetivo de avaliar como a proposta didática poderia contribuir para a melhoria do aprendizado de Ciências. A atividade foi planejada e realizada em 30 minutos. Já a turma do 8º ano “B” não participou da dinâmica e seguiu diretamente para a quarta etapa, correspondente à avaliação somativa.
Caracterização da ferramenta pedagógica
O jogo didático do tipo quiz denominado Desafios do Corpo Humano é composto por 12 cartões com perguntas sobre órgãos e sistemas do corpo humano, bem como suas respectivas funções. Cada pergunta oferece quatro dicas com diferentes níveis de dificuldade, que, reunidas, levam à resposta correta.
Cada dica corresponde a uma tentativa feita pela equipe oponente de identificar o órgão ou o sistema descrito no cartão, sendo que a pontuação atribuída varia de acordo com o número de dicas utilizadas: quanto menos dicas forem necessárias, maior será a pontuação. O modelo de um dos cartões e o quadro de pontuações estão representados na Figura 2.
Figura 2: Modelo de cartão contendo o conjunto de dicas (A) e quadro de pontuações (B) do quiz Desafios do Corpo Humano
Aplicação da proposta didática
Inicialmente, a sala de aula foi dividida em dois ou mais grupos, sugerindo-se um número máximo de oito alunos por grupo. Na sequência, os cartões foram distribuídos, impressos conforme a Figura 2 (A), contendo as dicas relacionadas aos órgãos e aos sistemas do corpo humano. Dividindo-se a turma em três grupos, por exemplo, cada grupo recebeu quatro cartões.
Em seguida, foi estabelecido um tempo de 15 minutos para que todas as perguntas dos cartões fossem respondidas. Ao término desse tempo, as respostas foram corrigidas, atribuindo-se cinco pontos para cada acerto.
Na etapa seguinte, com os cartões corrigidos em mãos, as equipes tiveram cinco minutos para ordená-los, pois seriam utilizados contra as equipes adversárias. Em cada um dos cartões, a sequência das dicas a serem compartilhadas com as outras equipes também foi definida.
O quiz Desafios do Corpo Humano teve início com a equipe que obteve a maior pontuação na primeira etapa, denominada equipe “A”. A dinâmica seguiu no sentido horário, conforme representado na Figura 3.
Figura 3: Ordem da dinâmica por rodada
A equipe “A”, de posse de um dos cartões corrigidos pelo professor, lançou a primeira das quatro dicas contidas no cartão escolhido para a equipe “B”. A escolha da dica é um critério exclusivo do grupo. Para a equipe “B”, havia duas opções: tentar responder corretamente ou “pular/passar” para a próxima dica. Nessa etapa, só foi admitida uma resposta incorreta. Caso a equipe respondesse de forma errônea por duas vezes, sua pontuação na rodada seria zero. Optando por “pular”, a equipe “A” lançava uma nova dica, que valia uma pontuação inferior à atribuída à dica anterior, conforme mostrado na Figura 2 (B). O jogo prosseguia até que todas as dicas fossem utilizadas ou a resposta fosse dada. A rodada era finalizada quando todas as equipes respondiam a um dos cartões.
Para a organização, cada equipe designou um porta-voz, evitando que respostas incorretas fossem mencionadas indevidamente. Cada rodada teve duração aproximada de 10 minutos, sendo três rodadas suficientes para evitar dispersão entre os estudantes. Ao término, as pontuações foram somadas, designando-se a equipe vencedora.
Após a aplicação da dinâmica, foi realizada uma avaliação somativa (4ª etapa) em formato de questionário, contendo dez questões objetivas. Destas, cinco estavam relacionadas ao conteúdo abordado e as outras cinco à aplicabilidade e usabilidade da atividade. O objetivo era compreender o nível de aceitação do jogo e seu impacto no processo de construção do conhecimento. A turma do 8º ano “B”, que assumiu o papel de grupo controle, respondeu apenas às questões relacionadas à temática vista em sala de aula, sem participar do jogo didático.
Avaliação da proposta didática
Após a experimentação da ferramenta em destaque, foi analisada a participação dos estudantes com base em seus desempenhos individuais e coletivos. A partir da avaliação diagnóstica aplicada às turmas “A” e “B”, constatou-se as dificuldades apresentadas pelos alunos em termos conceituais sobre o corpo humano. O resultado está apresentado na Figura 4.
O resultado do questionário de verificação ou avaliação diagnóstica revela o nível de conhecimento prévio sobre o conteúdo abordado no jogo didático (Figura 4). Nesse questionário, apenas 30% das questões (itens 1, 6 e 7) apresentaram mais acertos do que erros, indicando que os alunos não demonstraram conhecimento prévio satisfatório.
O alto índice de respostas incorretas destaca a deficiência no conteúdo, possivelmente relacionada aos mecanismos de contextualização e à dificuldade de materialização das ideias discutidas em aula, que frequentemente apresentam-se distantes quando se trata do estudo da fisiologia humana. Isso ocorre, principalmente, pelo fato de que os professores dessa área raramente recorrem a métodos alternativos de ensino e aprendizagem, optando pelos métodos tradicionais (Lima; Rocha; Loureiro, 2023).
Após a aplicação da avaliação citada, ambas as turmas foram submetidas a uma aula teórica, sem a utilização de métodos que fugissem do ensino tradicional. O objetivo dessa etapa foi construir uma base teórica sobre o tema, além de observar o grau de concentração e de assimilação da temática trabalhada.
Embora o estudo do corpo humano e seus sistemas seja um tópico rico em contextualização, ele apresenta uma relevante quantidade de conhecimento mecanizado, principalmente no que se refere à variedade de atribuições relacionadas a cada órgão, tanto de forma individual quanto dentro de um contexto sistemático. De acordo com Santos et al. (2020), “é possível perceber que a prática educacional em Ciências se mostra teórica, memorística e pouco eficaz”.
Segundo Krasilchik (2011), muitos estudantes veem o ensino de Ciências como um conteúdo escolar repleto de nomes, ciclos e tabelas a serem decorados. Isso, somado às dificuldades que os professores enfrentam ao desenvolverem e aplicarem novas ferramentas direcionadas a uma participação mais ativa do aluno, contribui para a decadência no processo de desenvolvimento das habilidades e das competências necessárias à formação do estudante contemporâneo. Como consequência, observou-se um elevado grau de distração e de desinteresse por parte da turma, culminando em baixo desempenho nos questionários aplicados ao término da exposição.
Na sequência, foi aplicado o jogo. Nessa etapa, a utilização da ferramenta proposta encontrou suporte metodológico na teoria piagetiana de construção do aprendizado. Piaget (1972) afirma que o interesse e a curiosidade são parte dos mecanismos de aprendizagem, ocorrendo por meio das estruturas de assimilação e de acomodação; ou seja, o interesse precede a assimilação. O autor distingue a curiosidade da motivação, considerando a primeira como um aspecto da acomodação e o segundo, como um aspecto da assimilação.
Portanto, o uso do jogo favorece a criação de um ambiente propício ao aprendizado, possibilitando o desenvolvimento de uma atividade lúdica, motivadora e cooperativa. Com base na participação e no desempenho dos estudantes, a proposta tornou o aprendizado estimulante, despertando-lhes a curiosidade sobre o corpo humano e seus sistemas. A Figura 5 apresenta a aplicação do jogo didático Desafios do Corpo Humano.
Figura 5: Aplicação do quiz Desafios do Corpo Humano
A proposta de uma aula teórica seguida pela aplicação de uma atividade lúdica despertou o interesse dos alunos, que se mostraram entusiasmados com a ideia de aprender Ciências por meio de uma ferramenta didática divertida e interativa.
O papel do professor, agora como mediador, também se configurou como um elemento promotor da relação aluno-aluno e professor-aluno. Além de desvincular o aprendizado do modelo tradicional, essa abordagem fez com que os alunos o vissem de uma maneira mais acessível, permitindo-lhes esclarecer dúvidas relacionadas ao conteúdo.
Durante a aplicação do jogo, percebeu-se que os estudantes encaravam a atividade como algo meramente lúdico, desvinculado da construção imediata do conhecimento. Apesar da imaturidade para compreender que a aplicação de jogos ou brincadeiras também pode ser considerada parte da aula, o resultado final nas avaliações somativas demonstrou um aumento na assimilação dos componentes do corpo humano. Nesse contexto, Costa (2023) afirma que os jogos educativos desenvolvem, além do conteúdo programado, tarefas práticas com propósitos pedagógicos baseados no lazer e na diversão.
Na sequência dos eventos, foi aplicada, em ambas as turmas, uma avaliação somativa contendo cinco questões objetivas, com o intuito de verificar a efetividade da ferramenta aplicada.
Figura 6: Avaliação somativa para verificação de aprendizagem
De acordo com Harlen e Gardner (2010), as avaliações formativa e somativa se distinguem precisamente por seus propósitos. A mesma informação, recolhida da mesma forma, é chamada de formativa quando usada para apoiar a aprendizagem e somativa quando não utilizada com esse objetivo, mas apenas para registrar e reportar.
No primeiro caso, com um propósito formativo, o objetivo é fornecer evidências concretas que apoiem o aluno em seu processo de aprendizagem, com uma dimensão pedagógica. Já no propósito somativo, o objetivo é descrever o que o aluno aprendeu ou é capaz de fazer com as informações retidas (Harlen e Gardner, 2010).
Com o objetivo de verificar a influência da aplicação do jogo Desafios do Corpo Humano no processo de ensino-aprendizagem de Ciências, os resultados da avaliação somativa apresentados na Figura 6 indicam uma melhora significativa no desempenho dos alunos da Turma A, os que foram submetidos à atividade lúdica.
Essas observações encontram suporte teórico nas citações de Miranda (2002), que destaca o jogo didático como uma ferramenta de apropriação do ensino, promovendo aspectos relacionados à cognição (desenvolvimento da inteligência e da personalidade, fundamentais para a construção do conhecimento), afeição (desenvolvimento da sensibilidade e da estima, estreitando laços de amizade e afetividade), socialização (simulação de vida em grupo), motivação (envolvimento com a ação, o desafio e a mobilização da curiosidade) e criatividade.
Nesse contexto, pode-se afirmar que as funções lúdicas e educativas estavam equilibradas. Segundo Soares e Cavalheiro (2016), se essas duas funções não forem devidamente equilibradas, isso pode impossibilitar o acesso ao conhecimento por meio do lúdico.
Para avaliar a funcionalidade técnica do jogo, foi elaborado um questionário sobre a utilização do jogo didático (questionário de usabilidade), composto por quatro questões objetivas do tipo dicotômicas ou polar e uma questão em escala hedônica estruturada de cinco pontos, aplicadas após a avaliação somativa.
Figura 7: Avaliação da usabilidade do jogo Desafios do Corpo Humano
Na última questão, utilizou-se uma escala hedônica estruturada de cinco pontos para avaliar o grau de aceitabilidade (Figura 8), com as respostas correspondentes apresentadas na Figura 9.
Figura 8: Levantamento sobre a aceitabilidade do jogo Desafios do Corpo Humano
Figura 9: Grau de aceitabilidade do jogo Desafios do Corpo Humano
Analisando os dados apresentados nas Figuras 7 e 9, percebe-se que a atividade executada apresentou um relevante grau de aceitação por parte dos estudantes, já que 80% dos avaliados consideraram sua experiência como “gostei moderadamente” ou “gostei extremamente”. Isso demonstra que a atividade apresentou bom dinamismo pedagógico sob a ótica dos estudantes. Na prática, percebeu-se um maior engajamento, especialmente entre os alunos com maior dificuldade de assimilação ou baixa interação nas aulas teóricas.
Durante a atividade, observou-se que o estímulo gerado pela competição motivou os estudantes na busca pelas respostas, na concentração e na compreensão dos mecanismos de aprendizado do tema em questão. Nesse contexto, os jogos didáticos se apresentam como uma excelente alternativa pedagógica, contribuindo efetivamente para o processo de assimilação dos conteúdos, para a promoção de um ambiente coletivo e colaborativo, e para o desenvolvimento de habilidades e de competências importantes para o processo de ensino-aprendizagem.
Sobre a função educativa e as características de um jogo didático, Oliveira (2009) afirma que, no jogo educacional,
há algo que o jogador procura atingir e, nessa procura, ocorre o despertar do interesse que chama a atenção de quem participa, fazendo aflorar habilidades que muitas vezes estão escondidas, levando o indivíduo a encontrar soluções aos diferentes problemas que encontram em diferentes situações durante o desenvolver de sua existência (Oliveira, 2009, p. 43).
Outro fator a ser ressaltado é que a aprendizagem se torna mais eficaz quando desenvolvida por meio de atividades coletivas. Essa interação com o outro, defendida por Vygotsky (2007), é a base para que a ressignificação aconteça. Em um jogo didático, sua dinâmica cooperativa contribui para o ato educativo, pois as situações desafiadoras do jogo atingem a zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Na concepção de Vygotsky (2007), a ZDP é definida como
a distância entre o nível real de desenvolvimento da criança, que depende de sua capacidade de resolver problemas sob a orientação de um adulto ou em cooperação com um colega mais capaz. Nesse contexto, o professor atua como agente promotor da ZDP (Vygotsky, 2007).
Vale destacar, no entanto, que a aplicação desse tipo de recurso didático atinge cada aluno de forma distinta, pois alguns estudantes têm dificuldades em reconhecer o método como uma ferramenta de aprendizagem. Há, ainda, aqueles que se identificam mais com a abordagem tradicional de ensino, na qual as informações são recebidas de forma passiva, sem a necessidade de mobilizar habilidades ou conhecimentos prévios.
Considerações finais
Diante das dificuldades que os estudantes da Educação Básica enfrentam para compreender o funcionamento dos sistemas e dos órgãos do corpo humano, devido à complexidade, ao nível de abstração e à carga de conteúdo, buscou-se a elaboração do jogo “Desafios do corpo humano”. A proposta visou criar uma atividade que resolvesse essas problemáticas por meio da participação ativa do aprendiz.
Durante sua execução, percebeu-se que os estudantes se colocaram no centro do processo de ensino-aprendizagem, desenvolvendo-se de forma autônoma e transformando a sala de aula em um ambiente democrático, estimulante, de competição e de cooperação. Sua aplicação em sala de aula despertou a curiosidade dos estudantes, motivando-os a buscar a compreensão do conteúdo em destaque.
Os resultados obtidos nos questionários demonstraram bom índice de aceitabilidade por parte dos participantes. Além disso, houve uma evolução significativa no desempenho daqueles que foram expostos à metodologia proposta, indicando que o jogo didático “Desafios do corpo humano” se apresenta como uma alternativa eficiente no ensino de Ciências.
Por fim, os resultados obtidos neste estudo fornecem uma base sólida para futuras pesquisas, como sua adaptação para outras áreas. Eles também destacam a importância da utilização de metodologias que incentivam e direcionam o educando no processo de obtenção de seu próprio conhecimento.
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Publicado em 26 de fevereiro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
FERREIRA JÚNIOR, José Milton; FERREIRA, Paulo Roberto Sousa; COLARES, Regilany Paulo. Desafios do corpo humano: uma proposta de quiz como metodologia ativa para o ensino de Ciências. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 8, 26 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/8/desafios-do-corpo-humano-uma-proposta-de-quiz-como-metodologia-ativa-para-o-ensino-de-ciencias
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