Projeto Vídeo-alerta: aproximações entre ensino, tecnologia e mídias digitais
João Marcos Messias Miranda
Graduado em Pedagogia (UFPI), especialista em Gestão e Supervisão Escolar (Faepi), mestrando em Linguística (UFPI), doutorando em Linguística (UnB), integrante do Núcleo de Pesquisa em Estudos Críticos e Linguagem (Necril), professor do Ensino Fundamental
Iza Ludimila Rocha dos Santos
Graduanda em Psicologia (Anhanguera – Câmpus Taguatinga)
Eugênia Patrícia Rocha dos Santos
Graduada em Pedagogia (UFPI), professora da Educação Básica da SEEDF
O presente trabalho apresenta os resultados relativos ao projeto Vídeo-alerta, desenvolvido no 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal de Landri Sales/PI. O desenvolvimento do projeto foi orientado pela perspectiva dos Letramentos (Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020).
A escola pública ainda é uma das principais responsáveis pela escolarização dos filhos da população brasileira. Mesmo frente aos diversos problemas que circulam as práticas escolares, como a falta de recursos, os salários precários e a desvalorização do trabalho docente, a escola ainda cumpre com seu objetivo de ensino, procurando metodologias que interajam com o contexto da realidade social. Nessa direção, em meio a uma sociedade que cada vez mais se mescla com as novas tecnologias nas suas interações, cabe às práticas escolares considerarem essa nova realidade no ensino.
Para tanto, por meio da escola e das práticas oportunizadas por um ensino democrático, o educando tem o espaço para a interação com práticas de letramento, tanto daquelas que fazem parte de sua realidade social, como das práticas voltadas a um contexto mais especializado. Uma das ideias que ainda circulam no contexto acadêmico e escolar, postula a escola como uma das principais agências de letramento, como responsável pela aquisição da leitura e da escrita. Esse pressuposto, apesar de dominante, acaba por desconsiderar outros âmbitos nos quais o letramento é disseminado, como: familiar, comunitário, religioso, e, agora, virtual. Nesses, os indivíduos se apropriam das práticas de letramento mais relacionadas com as suas vidas diárias. Para articulação com o aspecto social e cultural, torna-se importante um projeto que permita caminhos intercambiáveis entre o contexto escolar e o comunitário.
Nessa direção, o presente trabalho tem como objetivo apresentar o desenvolvimento e os resultados do projeto vídeo-alerta cujo intuito é a disseminação de informações relativas à covid-19. A articulação da escola com as questões comunitárias é um aspecto inerente à educação, sendo assim é importante que sejam desenvolvidos mecanismos que permitam essa articulação sob o foco de um ensino democrático. Além disso, a realização desse projeto auxiliou no desenvolvimento de repertórios discursivos e na aquisição de práticas de leitura e escrita relativas ao gênero roteiro de vídeo.
Nessa direção, a participação em diferentes eventos de letramento que exijam o desenvolvimento de outras formas de participação são promotoras do protagonismo estudantil. Portanto, o uso de práticas de letramento relativas à produção de vídeos contribuiu para a inserção e a participação em práticas de letramento que se articulam ao contexto da vida comunitária e ao contexto virtual.
Dos novos estudos do letramento aos letramentos
Novos estudos de letramento (Street, 2014) trazem uma abordagem que preconiza as práticas de leitura e escrita associadas a conceitos sociais e culturais. Sendo assim, as práticas de leitura e escrita não são neutras, mas refletem conceitos, ideias e um contexto histórico-social. Além disso, são compreendidas como formas específicas de atuação, articulando as maneiras de significar os recursos usados e os participantes autorizados no evento de letramento.
Nesse conceito entram em jogo as práticas de letramento autônomo e letramento ideológico (Street, 2014). O primeiro conceito se relaciona à ideia de que as práticas de letramento são ferramentas que permitem a ascensão cultural, como se tudo dependesse de sua aquisição, bem como a aquisição de técnicas neutras. Enquanto o segundo conceito se relaciona com a ideia de práticas de letramento como prática social que se relaciona com conceitos, culturas e lutas de classe. Assim, enquanto o primeiro conceito preconiza neutralidade, o segundo a não neutralidade e sua articulação com o contexto social (Street, 2014).
Dentro dessa concepção, as práticas de letramento na perspectiva autônoma exercem grande influência no ensino da leitura e escrita, tomando formas nas ações de alfabetização com o uso de métodos que priorizam uma leitura com foco apenas na decodificação, ignorando o contexto extraescolar. Além disso, dá mais ênfase para o papel do professor como único detentor do conhecimento. Essa abordagem traz como produtos metodologias centradas no professor que desconsideram o papel do aluno no processo de ensino-aprendizagem.
Interessa destacar nessa concepção o caráter social dessas práticas que favorece a valorização de práticas dominantes de letramento. São, portanto, em muitos casos, desvinculadas da vida dos alunos da classe trabalhadora. Cumpre favorecer a esse educando espaços que permitam a instrumentalização para uma interação participativa e crítica nos eventos de letramento. Tarefa árdua que envolve toda a comunidade escolar no desenvolvimento de projetos sociais que superem a mera aquisição de leitura e escrita e se projetam como práticas emancipadoras.
Nessa relação, o letramento ideológico é apontado por Street (2014) como promissor para o advento de práticas emancipatórias, uma vez que essa forma de letramento valoriza os conceitos culturais dos indivíduos. Sendo assim, práticas de letramento provenientes do próprio contexto e classe social, agregadas à noção ecológica, conforme trazidas por Barton (1995), são situadas como pertencentes a um contexto, com objetivos específicos.
Essa concepção associada ao ensino dos alunos preconiza considerar os vínculos sociais das práticas de letramento (Street, 2014), bem como os objetivos relacionados aos usos dessas práticas de leitura e escrita. Dessa forma, a problemática envolvendo o ensino-aprendizagem dos alunos se desloca das abordagens metodológicas para a interação com diferentes textos em diferentes contextos sociais.
Nessa direção, os conceitos de evento e de práticas de letramento são importantes para analisar as formas pelas quais os participantes usam o letramento nas suas práticas rotineiras. O conceito de evento de letramento corresponde a episódios ou momentos em que as interações e a interpretação são mediadas pelos textos orais ou escritos (Barton, 1994). Ele fornece, dessa maneira, ocasiões observáveis de uso do letramento no curso das práticas sociais. Já o conceito de práticas de letramento, relaciona um conceito mais abstrato às bases conceituais, crenças e pressupostos acionados pelos participantes nos eventos de letramento. Por conseguinte, não é um elemento perceptível facilmente, mas envolve uma cuidadosa análise dos usos do letramento.
Assim, o letramento se constitui em um ensino pautado na articulação do uso dos textos tendo em vista seu aspecto social e cultural (Marcuschi; Dionísio, 2007). Posto que muitos alunos têm seu primeiro contato com livros, jornais e outros gêneros textuais na escola, pesa sobre a escola a oferta de situações que promovam o contato com esses gêneros. Nessa perspectiva, as práticas de letramento (práticas de leitura e escrita) devem ser apreendidas pelos alunos levando em consideração seu caráter dinâmico e social.
Assim, é importante oferecer ao aluno uma experiência que possibilite a apreensão dos aspectos situacionais, históricos e sociais inerentes aos textos que circulam no meio social. Ou seja, favorecer o contato dos alunos com gêneros textuais, estando eles munidos de aparatos que os permitam perceber que os textos estão envolvidos em práticas sociais, vinculados a objetivos com uma história e papeis assumidos, como apontado por Saviani (1997): o desenvolvimento de uma cultura contra hegemônica.
Os caminhos para o desenvolvimento dessas práticas já foram sinalizados na Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018, p. 80). Ela salienta a busca de um ensino que valorize "as experiências das crianças em seu contexto familiar, social e cultural, suas memórias, seu pertencimento a um grupo e sua interação com as mais diversas tecnologias de informação e comunicação são fontes que estimulam sua curiosidade e a formulação de perguntas".
O desenvolvimento de projetos de letramento que criem espaço para interação com os textos é uma possibilidade metodológica que permite a articulação de objetivos mais específicos, tais como a aquisição da leitura e escrita e outros objetivos de caráter mais global que advogam práticas de emancipação e transformação social. De acordo com Oliveira, Tinoco e Santos (2014, p.6), "é dirigido a professores de língua materna assim como a alunos e profissionais preocupados em trabalhar a leitura e escrita como uma prática sociocultural, situada, voltada, particularmente, para agir no mundo".
Assim, entendem-se as práticas de letramento como práticas discursivas vinculadas à vida social que se revelam tanto como uma forma de representação, ligadas a concepções culturais e sociais, como formas de atuação/prática que nesse devir contribuem para o posicionamento de identidades, valores e crenças (Street, 2014).
Para a teoria dos novos estudos de letramento, a partir da noção de práticas sócio-históricas no uso da leitura e da escrita, entende-se a existência de contextos específicos que trazem suas maneiras específicas de produzir significados e atuações. Nesse sentido, com o surgimento das novas tecnologias, principalmente com a expansão das mídias sociais virtuais, surgem novas implicações nas maneiras e nos recursos utilizados pelos participantes nesses meios.
Essa abordagem, conhecida como estudos acerca dos letramentos, traz como marca o entendimento da pluralidade das práticas de leitura e escrita que extrapolam o terreno textual e relacionam gestos, imagens, sons, vídeos como formas de significar (Kalantzis; Cope; Pinheiro, 2020), trazendo para o terreno do ensino a implicação dos contextos virtuais como novos espaços de representação e atuação (Barton; Lee, 2015).
Essas implicações também trazem, como recursos, as novas tecnologias para o terreno educacional. Dessa maneira, a leitura e a escrita precisam levar em consideração outros contextos. Conforme Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020, p.187) "nesse contexto, novos letramentos emergem, centrados nas possibilidades dessas novas tecnologias para expressão híbridas e multimodais". Assim, podemos considerar, como um dos terrenos das práticas sociais, os âmbitos virtuais nos quais os indivíduos assumem modos de interações particulares que envolvem o uso de outros recursos.
A emergência desse novo espaço de interação não está relacionada com o advento da linguagem multimodal, pois a interação entre elementos visuais e textuais já existia em textos impressos. Conforme salienta Rojo e Moura (2019), essa nova perspectiva está centrada no surgimento de um ethos ligados ao espaço virtual. Ou seja, está ligado às novas identidades que emergem diante do contexto virtual, identidades exercidas por meio da partilha de conhecimentos e interesses comuns que trouxeram novas mudanças para práticas de leitura e escrita. Ainda, segundo Rojo e Moura (2019, p. 25), as mudanças em torno das novas formas de comunicação estão relacionadas:
- a internet foi a tecnologia que essa geração definiu para o letramento e a aprendizagem na nossa comunidade global;
- os novos letramentos são dêiticos;
- os novos letramentos são múltiplos, multimodais e multifacetados;
- os letramentos críticos são centrais para novos letramentos
- os novos letramentos requerem novas formas de conhecimento estratégico;
- as novas práticas sociais são um elemento central dos novos letramentos
- professores tornam-se mais importantes, embora seu papel mude em sala de aula de novos letramentos.
Dessa maneira é por meio da proliferação da internet e dos recursos que são oportunizados por esse espaço que surgem as novas formas de interação e as novas práticas de letramento, com a articulação entre textual e multimodal. Além disso, isso evidencia as formas abertas e colaborativas de produção de conhecimento, permitindo a valorização de diferentes vozes e atores sociais. Essa abordagem relaciona formas específicas de atuação, bem como letramentos contextuais que pertencem aos espaços criados pelas mídias virtuais.
Segundo Goulart (2021), as práticas de letramento (leitura e escrita) associadas ao contexto virtual não correspondem ao simples manuseio de texto nas telas de computadores ou smartphones, mas envolvem novos conhecimentos e formas de interação vinculadas a esse contexto. Envolvem entender qual a linguagem utilizada em determinadas mídias, os comandos e as formas de participação que mudam, dependendo dos espaços em voga (Facebook, Instagram, Twitter etc.).
Para tanto, o ensino deve considerar as novas tecnologias e as formas como as interações estão cada vez mais relacionadas ao contexto virtual. Assim, deve oportunizar espaços de produção, consumo e partilha de conhecimentos para além do contexto escolar. Logo, o desafio da Educação Básica é proporcionar meios que favoreçam o uso dos mais diversificados meios de leitura e escrita, bem como dos gêneros textuais que deixam, em relevo, a necessidade de investimento em pessoal capacitado e em recursos pedagógicos. Nessa perspectiva, o letramento funciona como prática transformadora ao valorizar o conhecimento trazido pelo aluno, bem como as suas formas de letramento vernáculo, munindo-os de aparatos para compreenderem as práticas de letramento dominantes e contribuírem para processo contra-hegemônico de contestação do modelo dominante.
Metodologia
O presente trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa qualitativa que toma como foco os conceitos construídos pelos participantes durante a pesquisa (Dalfovo; Lana; Silveira, 2008), ou seja, considerando os sentidos construídos pelos alunos no processo de elaboração do roteiro e do vídeo do projeto.
Essa pesquisa foi desenvolvida no 5º ano do Ensino Fundamental, em uma escola municipal de Landri Sales/PI, com foco nas produções de roteiro e vídeo desses alunos, cuja temática era a covid-19. Essa produção estava articulada com a execução do projeto Vídeo-alerta, realizado no mês de agosto de 2022.
Os instrumentos de geração de dados foram: um questionário online que permitiu que os alunos colocassem as etapas contidas no roteiro dos vídeos e o repositório para os vídeos produzidos, conforme o formulário ilustrado.

Figura 1: Formulário Vídeo-alerta
Para a análise, consideramos o roteiro dos vídeos produzidos pelos grupos e a análise das cenas do vídeo a fim de contrastar esses dois momentos que constituem eventos de letramento específicos e articuláveis.
Dessa forma, os dados analisados foram os relativos aos eventos de produção do roteiro e dos vídeos, considerando as escolhas dos alunos da informação utilizada. Para tanto, a análise realizada foi interpretativa e considerou os eventos de letramento assim como as unidades de análise.
Análise dos dados
A análise do projeto Vídeo-alerta está centrada nas etapas de produção do vídeo: pesquisa e discussão, construção dos roteiros, produção dos vídeos e publicação dos vídeos. Considera-se, assim, os espaços de produção dos roteiros e a produção dos vídeos como eventos de letramento a partir dos quais os alunos constroem colaborativamente suas formas de atuação.
Os alunos foram divididos em quatro grupos. Cada equipe pensaria como seriam feitos o vídeo e os recursos utilizados. Para tanto, o primeiro passo foi a elaboração dos roteiros que seguiu o esquema que se repete na elaboração das outras cenas:
Quadro 1: Modelo de roteiro do Vídeo-alerta
Cena 1 Texto: Fala: Texto visível no vídeo: Descrição da cena
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Essa primeira etapa do trabalho foi realizada em sala por meio de material impresso e distribuído aos grupos, com a explicação de cada etapa. Seguindo essas considerações, os textos foram produzidos com foco na pergunta: "O que é a Covid-19?". Além da explicação do professor a respeito da temática, também foi aberto espaço para que os alunos apresentassem seus entendimentos. Em seguida, houve uma breve pesquisa por meio da internet. Essa etapa foi finalizada com a construção de um rascunho do primeiro texto.
A construção do texto do segundo tópico foi realizada tendo em vista o conteúdo já produzido na primeira etapa, levando em consideração os papéis a serem desempenhados por cada membro do grupo. Nessa etapa, com ajuda do professor, os alunos respondiam ao seguinte questionamento: "quem irá dizer o quê?". Essa etapa foi finalizada com a sequência que apresenta a fala de cada aluno, de acordo com os grupos.
Na efetivação do terceiro tópico, relaciona-se a articulação entre os elementos textuais apresentados e as cenas planejadas. Assim, cada grupo escolheria o que seria exposto como legenda no vídeo. A maioria dos grupos optou por apresentar os nomes de cada aluno quando estivessem presentes nas cenas.
Por último, cada grupo teve que realizar a descrição de cada cena de forma geral, apresentando o que aconteceu nela com os nomes dos alunos e suas falas. Assim, cada cena seguiu essa estrutura. Essa etapa foi dividida em quatro aulas. As próximas etapas relativas ao término do roteiro e produção dos vídeos foram realizadas pelos grupos fora da escola.
Dessa forma, essa primeira etapa pertence ao evento de letramento escolar, no espaço interacional a sala de aula, onde se revelam processos dialógicos que versam acerca da temática, ainda articulando práticas de letramento virtual como a realização de busca por meio do Google. Essas práticas buscam valorizar os outros contextos de produção de conhecimento, os quais estão cada vez mais articulados com o cotidiano dos alunos. Nessa direção, foi possível oportunizar espaços de valorização das vozes dos alunos no processo de ensino-aprendizagem.
A seguir, observamos as análises dos vídeos realizadas em contraste com os roteiros elaborados pelos grupos.

Figura 2: Grupo 1 do Vídeo-alerta
Fonte: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CdliLwgA3th9Yjzb6kP8BOeOLSXSX8iLB-1Hx00/.
Elas funcionam seguindo o roteiro criado por esse grupo, de acordo com o fragmento:


Figura 3: Roteiro de construção de cena do grupo 1
Fonte: Dados da pesquisa.
Como apresentada na imagem, a montagem das cenas foi desenvolvida de forma simples. Os alunos utilizam o texto já produzido com base na pesquisa do Google e a fala do professor para basear suas falas no vídeo. Ressalta-se que no vídeo os alunos não trazem o texto tal como foi elaborado no roteiro, mas utilizam seus conhecimentos e modos de fala específicos para trazerem as informações referentes da covid-19, evidenciando a valorização do lugar do aluno e seu modo subjetivo de produzir conhecimentos. Como afirma Souza (2021, p. 114), "a aprendizagem significativa e a colaborativa são atividades correlacionadas e complementares, na medida em que a participação em um processo de colaboração que pressupõe a troca e exclui a passividade dos envolvidos". Assim, para a efetividade do processo de ensino-aprendizagem é preciso considerar as oportunidades que favorecem uma visão colaborativa de conhecimento e a interrelação entre professor e alunos.
Esse grupo de alunos organizou o vídeo em quatro cenas: apresentação, explicação, formas de prevenir e agradecimentos. Eles trouxeram informações relativas à covid-19, bem como usaram o que aprenderam no desenvolvimento de suas falas.
Além de fazerem uso de recursos de edição, como legendas e imagens na composição do vídeo, revelaram conhecimentos do contexto virtual que foram manejados para a execução dessa atividade (Goulart, 2021). Assim, percebe-se a mescla entre o letramento escolar que inclui as explicações do professor e o letramento virtual efetivado pela pesquisa no Google acerca da temática do trabalho com as imagens que foram anexadas aos vídeos provenientes de sites especializados.
Outro aspecto importante nessa produção é o aspecto colaborativo de participação dos alunos. Observamos os elementos em voga na perspectiva dos letramentos, dentro desse letramento virtual, e o caráter colaborativo da construção do conhecimento (Barton; Lee, 2015; Souza, 2021). Assim, o uso de ferramentas virtuais, como a produção do vídeo, e sua respectiva edição, permitiram espaços nos quais os alunos pudessem ativamente produzir significados. Esse espaço de interação se dá tanto pelos processos de produção, como pelos de consumo, podendo revelar formas valorativas das vozes dos alunos e outras formas de produzir conhecimentos.
Assim, o processo de consumo dos vídeos foi efetivado por meio da divulgação no Instagram, permitindo à comunidade a visualização dessas produções. Assim, a mídia foi um recurso de disseminação de conhecimentos a respeito da covid-19 que trouxe os alunos como atores no processo. Logo, constituindo práticas cujos eventos se articulam com a comunidade. Essa articulação foi realizada por meio do compartilhamento dos vídeos no Instagram, disponibilizados para a comunidade escolar.
O grupo seguinte fez uso de práticas relativas ao letramento escolar, como a sistematização de informações por meio de cartazes e usou imagens e outras informações trazidas pela internet:

Figura 4: Grupo 2 do Vídeo-alerta
Fonte: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CdliLwgA3th9Yjzb6kP8BOeOLSXSX8iLB-1Hx00/.
O grupo também criou um roteiro que foi utilizado para construção da cena.


Figura 5: Roteiro de construção de cena do grupo 2
Fonte: Dados da pesquisa.
Dessa forma, os alunos realizaram a mescla da linguagem multimodal, utilizando imagens e texto para vincular conhecimentos do tema, contribuindo para a construção de mapas conceituais. O vídeo é dividido em: explicação, sintomas e prevenções. Esses caminhos explicativos escolhidos pelos alunos ressaltam a compreensão deles da temática e a capacidade de síntese desses conhecimentos dentro de um processo significativo que envolve o letramento escolar e o letramento virtual, articulados no compartilhamento de saberes.
Nesse contexto, o letramento virtual envolve principalmente a realização de pesquisas na internet. Esses conhecimentos revelam como essas práticas são próprias da vivência dos alunos, envolvendo a capacidade de uso de palavras-chave para a realização de pesquisas no Google, a seleção de informações que se relacionam com a temática e a síntese dessas informações na elaboração de cartazes e falas. Conforme Zacharias (2016), diante da tela o usuário/leitor precisa compreender as funções que estão articuladas na participação no meio virtual, como a realização de pesquisas por meio de sites de busca. Conforme ressalta Rojo (2012), a realidade virtual e suas ferramentas já fazem parte das práticas cotidianas dos alunos. Eles as utilizam para interagir e produzir sentido aos eventos articulados com os novos dispositivos, as tecnologias e as ferramentas.


Figura 6: Grupo 3 do Vídeo-alerta
Fonte: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CdliLwgA3th9Yjzb6kP8BOeOLSXSX8iLB-1Hx00/.
Na produção desse vídeo, os alunos fazem uso de textos híbridos, articulando práticas de letramento escolar e letramento virtual com pesquisas e imagens retiradas de sites. Os discursos desses alunos têm como base os conhecimentos intermediados pelo contexto virtual, especialmente na produção de informações acerca da temática e nas práticas relativas ao contexto escolar. Essas práticas revelam que o uso das novas tecnologias ainda assimila informações de acordo com as práticas do letramento escolar, um aspecto já enfatizado por Coscarelli (2016). Coscarelli aponta que há o risco de esse tipo de letramento ser apenas uma transposição das práticas escolares para o virtual.
É possível perceber que as falas dos alunos mostram processos de ressignificação dessas práticas, uma vez que eles trazem à tona suas vozes no processo de produção de conhecimentos da covid-19. Conforme Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020), as práticas relativas ao multiletramento devem evidenciar os alunos como participantes ativos pela apreensão de estratégias interpretativas usadas por eles no curso dos eventos de letramento.
Nessa direção, o processo de autoria na produção dos vídeos, bem como das informações que são vinculadas por meio da mídia do Instagram, apresenta como característica processos abertos e colaborativos de produção de conteúdos (Barton; lee, 2015). Dentre essas características, ainda podem ser citadas a virtualidade e a multimodalidade.


Figura 7: Grupo 4 do Vídeo-alerta
Fonte: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CdliLwgA3th9Yjzb6kP8BOeOLSXSX8iLB-1Hx00/.
O uso de infográficos no vídeo foi evidenciado no roteiro por meio da sentença "Imagens com informações da covid-19", demonstrando que os alunos já fazem uso de práticas de letramento destinadas à compreensão de infográficos. Assim, é possível notar um processo de edição mais aprimorado em relação às outras produções, apresentando, ao longo do vídeo, legendas com os nomes dos alunos e a inserção de infográficos que contribuem para a vinculação dos conhecimentos. Logo, as falas dos alunos e o uso de recursos virtuais colaboram para a construção de um espaço dinâmico em relação às informações e aos saberes que foram elaborados pelos alunos no processo de divulgação do vídeo.
Assim, no vídeo, há diferentes semioses que oferecem caminhos interpretativos diversificados. Além disso, ele possibilita perceber os caminhos estratégicos realizados pelos alunos para a disseminação das informações pertinentes à temática da covid-19. Nessa ótica, as práticas de letramento virtual e escolar, oportunizam o intercâmbio entre os saberes dos alunos, a comunidade, o ensino e as novas tecnologias.
Com a construção dos vídeos concluída, os alunos seguiram para as postagens no Instagram. A escolha pela postagem nessa rede social foi feita tendo em vista a preferência dos alunos pelo aplicativo em relação a outros recursos. Conforme Souza (2021), os contextos virtuais de atuação dos participantes apresentam suas marcas simbólicas. Nessa perspectiva, o Instagram seria o melhor recurso para observar as formas pelas quais os estudantes realizaram a postagem dos vídeos, seus modos culturais e virtuais de interação, o que também contribuiu para a articulação dos conhecimentos dos alunos com os conhecimentos relativos à escola.
Essa experiência pode ser reveladora de novas formas de aprendizagem dinâmicas que articulam as novas tecnologias, bem como revelar as mídias sociais como ferramentas para a aprendizagem na Educação Básica. Ademais, as mídias virtuais são as principais formas de interação entre a juventude, sendo necessário, entretanto (para uma efetiva participação), o conhecimento desses usos midiáticos.
Considerações finais
O presente trabalho teve como objetivo apresentar e analisar o projeto Vídeo-alerta, desenvolvido pelos alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, evidenciando o processo de produção dos roteiros e a elaboração dos vídeos.
A elaboração dos roteiros evidenciou a participação do professor e dos alunos por meio de metodologias dialógicas, além do uso de ferramentas digitais para a criação de textos a respeito da covid-19. Para tanto, os recursos virtuais contribuíram para uma participação ativa dos alunos na formulação de suas falas e na elaboração das cenas. Logo, a mescla entre o letramento escolar e o letramento virtual contribui para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem dentro de uma abordagem colaborativa, oportunizando espaços de atuação dos alunos como protagonistas de sua própria aprendizagem.
Similarmente, os vídeos desenvolvidos pelos alunos foram elaborados pela combinação dos letramentos escolar e virtual, resultando em textos híbridos que compuseram os vídeos. Assim, a multimodalidade foi um dos recursos recorrentes na significação dos conceitos e dos saberes utilizados na disseminação dos conhecimentos. Além disso, as escolhas estratégicas feitas pelos alunos demonstram que novas tecnologias podem ser utilizadas como espaços de interseção entre as práticas escolares e as virtuais. Nesse sentido, a abordagem dos multiletramentos pode contribuir para a criatividade dos alunos e para a articulação com o contexto comunitário ao elaborar caminhos de participação dos alunos em questões de interesse público (Rojo; Moura, 2019).
Ressaltamos que o desenvolvimento de propostas similares ao projeto Vídeo-alerta ainda é raro e demanda esforço dos professores na intermediação dessas práticas. Ademais, ainda há pouco investimento em tecnologias virtuais nas escolas, limitando os espaços em que os alunos possam utilizar esses meios. O próprio projeto em questão contou apenas com os seguintes recursos fornecidos pela escola: a internet e um notebook utilizado na sala. Além disso, é necessário considerar as novas tecnologias como espaços diferentes de aprendizagem, evitando a simples transposição dos conteúdos trabalhados em sala de aula para o ambiente virtual.
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Publicado em 12 de março de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
MIRANDA, João Marcos Messias; SANTOS, Iza Ludimila Rocha dos; SANTOS, Eugênia Patrícia Rocha dos. Projeto vídeo-alerta: aproximações entre ensino, tecnologia e mídias digitais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 9, 12 de março de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/9/projeto-video-alerta-aproximacoes-entre-ensino-tecnologia-e-midias-digitais
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